Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Por que eu quero receber cuidados paliativos? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/por-que-eu-quero-receber-cuidados-paliativos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/por-que-eu-quero-receber-cuidados-paliativos/#respond Thu, 30 Sep 2021 18:59:08 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/ef1712f0-5e06-40f4-9a70-303ae0a6c778-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2526 Na CPI da Covid, temos escutado barbaridades sobre uma área da medicina conhecida como cuidados paliativos. Para quem sentiu na pele os benefícios de uma abordagem paliativista, escutar desinformações desse tipo é uma facada no peito.

Ressalto que paliativo não é uma gambiarra que você faz para remendar algo que está errado. Também não se trata de jogar a toalha, desistir do  que seria, supostamente, bom. O termo deriva do latim pallium e significa cobrir com manto. É o manto protetor que simboliza o cuidar que faz parte do olhar proposto pelos médicos paliativistas.

Em 1990, esse termo foi adotado e definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os cuidados paliativos entram em cena quando um paciente recebe o diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida. Ele será amparado por uma equipe multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e assistentes espirituais que discutem caso a caso de forma integrada e personalizada. Olha-se para o paciente como uma pessoa (e parte de um núcleo familiar) e não como uma doença, como costuma-se dizer.

Em uma das reportagens que fiz, me chamou atenção uma equipe que estava discutindo o sonho do paciente naquela noite. Refletiam sobre como esse sonho revelava o medo da morte e a complexa relação com os familiares que o visitavam na enfermaria. Em uma fase final desse cuidado, realiza-se desejos, intermedia-se reconciliações. Tudo isso não está em uma prescrição médica de uma abordagem convencional, mas ajuda no controle da dor, do stress, da qualidade de vida. Até seu último segundo.

Um dos princípios dos cuidados paliativos é não usar tratamentos abusivos que tenham mais impacto negativo do que positivo na qualidade de vida do paciente. Permeia o conceito da ortotanásia, que é deixar a morte ocorrer naturalmente e não tentar prolongá-la a qualquer custo com o uso das tecnologias disponíveis. Seguimos o direito de autonomia e escolhas. A ortotanásia não é essa eutanásia que estamos escutando na CPI. Comparar cuidados paliativos à eutanásia é um equívoco enorme.

Orto significa correto e  thanatos, morte.  Ela se opõe à distanásia, que é o prolongamento da vida com a ajuda de aparelhos respiratórios ou procedimentos invasivos como a entubação. Apesar de serem protocolo em diversas UTIs pelo país,  são uma opção, uma escolha que o paciente e seus familiares têm o direito de tomar.  Muitas pessoas não sabem disso e são levadas à uma distanásia sem compreenderem que se trata de uma escolha.

Os paliativistas são reconhecidos por sua sabedoria no controle da dor e na comunicação de notícias delicadas. Porque eles entendem a importância disso e se preparam para conversar com uma família, acolher suas inseguranças e anseios.

Recebi o depoimento da bioeticista Luciana Dadalto, que reproduzo abaixo. Ela é doutora em Ciências da Saúde. Advogada especialista em Direito Médico e da Saúde. Administradora do portal Testamento Vital  e coordenadora do livro “Cuidados Paliativos: aspectos jurídicos”.

A ilustração de Beatriz Martín Vidal, que acompanha esse texto, é uma sugestão de Luciana. Ela a usa em aulas sobre cuidados paliativos que ministra em congressos, pós graduação e palestras. Luciana vê, nesta imagem, cuidado.

Os cuidados paliativos trazem essa poesia, essa sutileza, e a abertura de espaço para interpretações. Respeita-se o tempo de cada um, nossa visão de mundo e as escolhas que consideramos serem melhores para nós, a partir da sabedoria que a medicina, e da saúde tanto física quanto mental, possa, oferecer.

O título que Luciana colocou no seu texto é “Eu Quero Receber Cuidados Paliativos”. Eu tomo a liberdade de já me incluir nessa afirmação. Eu também!.

Reproduzo abaixo, também, a carta da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, sobre os recentes acontecimentos na CPI.

Boa leitura! E vamos em frente nessa busca por  uma maior qualidade de vida. Até seu último segundo.

Eu quero receber Cuidados Paliativos!

Por Luciana Dadalto

Imagine que haja um tratamento para uma pessoa gravemente doente que melhore a qualidade de vida, diminua a depressão, a possibilidade de que o paciente precise ser internado e aumente a sobrevida. Se você estivesse gravemente doente, gostaria de recebê-lo?

Se você tiver respondido sim, saiba que esse “tratamento” já existe e se chama Cuidados Paliativos. Saiba ainda que ele é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como um Direito Humano. Saiba que ele encontra respaldo na Constituição Federal do Brasil. Saiba que ele é a melhor chance de você ser cuidado como pessoa e não como um corpo doente. Saiba que ele garante dignidade. Saiba que ele busca combater o sofrimento. Saiba que ele protege os pacientes de cuidados inadequados. Saiba que ele apoia a autonomia do paciente. Saiba que ele acolhe a família.

Ao redor do mundo os Cuidados Paliativos são uma abordagem estigmatizada, pois em sociedades acostumadas com a cura, a ideia de uma prática de saúde que visa cuidar do sofrimento de pessoas com doenças graves é, frequentemente, deturpada. Frases como “não há mais o que fazer”, “a luta foi perdida”, “não tem solução” são constantemente associadas aos Cuidados Paliativos e produzem um enorme desserviço para população que acaba compreendendo essa abordagem como contraponto à abordagem curativa e não como complementar.

O teste que eu trouxe no primeiro parágrafo proposto Sean Morrison  e Mireille Jacobson (2021), dois geriatras paliativistas estadunidenses, com o objetivo de sensibilizar o Poder Público, a imprensa e a sociedade civil para a importância dos Cuidados Paliativos e demostrar que quando compreendemos o conceito, é difícil sermos contra a abordagem.

Em contrapartida, quando não compreendemos o conceito, é fácil seguir o senso comum. Foi exatamente isso que assistimos e lemos nos últimos dias no Brasil: os Cuidados Paliativos sendo utilizados macabramente para nomear supostas práticas antiéticas, imorais e ilícitas ocorridas dentro dos hospitais da Prevent Sênior, com o alegado apoio de agentes do Governo Federal e do Conselho Federal de Medicina.

Ao contrário do que tem sido divulgado por alguns profissionais que trabalham na operadora de saúde Prevent Sênior e/ou por alguns políticos, os Cuidados Paliativos não são indicados apenas para pessoas que estão morrendo, não aceleram a morte, não são sinônimos de abandono terapêutico, nem de suspensão de suporte, muito menos de economia de custos.

Em maio de 2020, a Organização Mundial de Saúde publicou o documento  “Manejo Clínico da Covid” conceituando a abordagem paliativa e recomendando-a para pacientes com covid-19:

“Os cuidados paliativos são uma abordagem multifacetada e integrada para melhorar a qualidade de vida de pacientes adultos e pediátricos e suas famílias que enfrentam os problemas associados a doenças com risco de vida como a Covid-19. Concentram-se na prevenção e no alívio do sofrimento por meio de identificação, avaliação e tratamento de estressores físicos, psicossociais e espirituais. Incluem, mas não se limitam aos cuidados em fim de vida.”

Desde então, inúmeras pesquisas científicas foram publicadas evidenciando a melhoria da qualidade de vida e o aumento da sobrevida de pacientes com covid-19 que receberam Cuidados Paliativos. Portanto, não podemos aceitar que uma abordagem clínica reconhecida internacionalmente e aplicada em dezenas de países do mundo seja usada para justificar práticas que não tem qualquer semelhança com os Cuidados Paliativos ou para nomear possíveis crimes cometidos.

Na abertura da sessão da CPI de 29.09.2021, o senador Humberto Costa leu um posicionamento escrito pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Neste a ANCP deixa claro a legalidade e a ética da abordagem paliativa – no Brasil e ao redor do mundo – e trata-se de uma atividade que merece respeito “não só aos seus profissionais, como principalmente aos pacientes e aos seus familiares que, ao serem atendidos por equipes comprometidas, são os maiores beneficiados, conforme apontam diversos estudos internacionais”.

No dia 09.10 é comemorado o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos e o lema desse ano é “não deixe ninguém para trás.” É exatamente isso que os Cuidados Paliativos fazem com maestria, acolhem, escutam, cuidam, aliviam…. TODOS, sem distinção. E, para que os paliativistas brasileiros continuem trabalhando com ética e dentro da legalidade, cuidando de todos os que precisam, nós, sociedade civil precisamos exigir que os Cuidados Paliativos sejam respeitados. Do contrário, quando precisarmos deles, corremos o risco de sermos deixados para trás.

Eu quero receber Cuidados Paliativos quando e se eu precisar. E você?

 

……….   ……….  ……..

CARTA DA ANCP

São Paulo, 29 de Setembro de 2021

Posicionamento da Academia Nacional de Cuidados Paliativos sobre o uso inadequado da nomenclatura “Cuidados Paliativos” durante a CPI da Covid.

A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), suas seccionais Estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo e a Sociedade Mineira de Tanatologia e Cuidados Paliativos (SOTAMIG), em seu compromisso de disseminar e fomentar a busca por conhecimento adequado e embasado em evidências científicas, vem por meio desta esclarecer e desfazer equívocos a respeito da abordagem de Cuidados Paliativos.

Importante primeiramente frisar que o Cuidado Paliativo não é um tratamento que deve ser considerado apenas quando o paciente se encontra moribundo e exaurido pelo uso de medidas invasivas prolongadas em um leito de terapia intensiva; tampouco deve ser indicado com o intuito de economizar gastos, ou de abreviar a vida dos pacientes; além disso, jamais deve ser um tratamento imposto pela equipe médica, sem consentimento do pacientes e/ou de seus familiares. Todos esses argumentos são exatamente o oposto do que propõe o Cuidado Paliativo.

Vale destacar, que a abordagem de Cuidados Paliativos, mundialmente uma especialidade, não é apenas consagrada na literatura médica, como recomendada pelo Conselho Federal de Medicina em seu Código de Ética desde 2009 (capítulo V, artigo 41) 1, acompanhando tantos outros órgãos reguladores da profissão pelo mundo.

O Cuidado Paliativo é uma estratégia fundamental, efetuada por meio de uma equipe multiprofissional dedicada a esgotar os recursos existentes com o objetivo de cuidar do sofrimento do paciente e de sua família, frente a uma situação de saúde complexa, visando a preservação da dignidade humana.

Segundo a OMS, Cuidados Paliativos são “uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e de seus familiares, que enfrentam doenças que ameaçam a vida. Atua por meio da prevenção e alívio do sofrimento através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas físicos, psíquicos, sócio familiares e espirituais”.

A OMS ainda destaca, nos princípios gerais, que os Cuidados Paliativos buscam:

  • Fornecer alívio para dor e outros sintomas estressantes; através de medicamentos e abordagens não farmacológicas
  • Reafirmar a vida e entender a morte como um processo natural em condições de doença irreversível;
  • Integrar os aspectos psicológicos, sociais e espirituais ao aspecto clínico de cuidado do paciente;
  • Elaborar plano de cuidados alinhados aos desejos e valores do paciente, favorecendo o exercício desua autonomia;
  • Não acelerar o processo de morte, prática proibida em nosso meio, conhecida como eutanásia;tampouco retardá-lo de forma artificial e com sofrimento, prática chamada de distanásia;
  • Oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente, em seu próprioambiente;
  • Oferecer um sistema de suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível atésua morte;
  • Usar uma abordagem interdisciplinar para acessar necessidades clínicas e psicossociais dos pacientese suas famílias, incluindo o aconselhamento e suporte ao luto;Os Cuidados Paliativos podem ser oferecidos conjuntamente às medidas que tratam especificamente a doença, como a quimioterapia e a radioterapia no caso do câncer. E deve ser realizado nos diversos ambientes de cuidado, desde a residência até os hospitais, incluindo os CTIs.O paciente é avaliado de forma ampla, considerando suas dimensões física, psicológica, social e existencial, bem como seus valores pessoais e a partir daí são propostas intervenções baseadas na ciência, que façam sentido para aquela pessoa específica. Dependendo do caso e da fase de evolução da doença podem ser implementadas medidas mais ou menos invasivas.De acordo com o Atlas dos Cuidados Paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos publicado em 20191, existem no país 191 serviços especializados. Além disso, esta prática é reconhecida pela Associação Médica Brasileira, que concede Título de Área de Atuação a profissionais habilitados desde 2011.É uma atividade que merece respeito não só aos seus profissionais como, principalmente, aos pacientes e seus familiares que, ao serem atendidos por equipes comprometidas, são os maiores beneficiados, conforme apontam diversos estudos nacionais e internacionais.Apesar de todos os avanços, pacientes por todo país ainda enfrentam falta de assistência relacionada aos Cuidados Paliativos e o uso inadequado do termo é um desserviço ao nosso sistema de saúde, a seus profissionais e usuários. No dia 9 de outubro profissionais comemoram em todo o mundo o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, com o objetivo de conscientizar a opinião pública sobre a relevância do assunto. Esta data,inclusive,constanocalendáriodoMinistériodaSaúde3. Otemadoanode2021é:“Nãodeixeninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos”2. O acesso ao atendimento de maneira equitativa é tão relevante, que também consta na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

Os princípios do SUS ressaltam que todos os cidadãos devem ter acesso aos tratamentos indicados. Desta forma, deixar de oferecer tratamento adequado a alguém não é correto. Portanto, se alguém deixou de oferecer UTI ou qualquer tratamento indicado a um paciente que tivesse indicação clara, isto deve ser averiguado. O problema grave é associar práticas delituosas com Cuidados Paliativos. O emprego deste termo por quem faz a má prática médica é outro grande erro, pois fere a honra dos milhares de profissionais que exercem bem a profissão e cuidam do sofrimento do outro.

Para fins de esclarecimento, solicitamos que, a partir de agora, considerem os Cuidados Paliativos uma especialidade que cuida do sofrimento de pacientes e familiares que convivem com doenças graves. Por favor, nos ajudem a disseminar a boa prática. Busquem a justiça, investiguem, questionem as práticas de quem quiserem, mas não associem mais o nome Cuidados Paliativos.

Enquanto realizam a CPI, milhares de pacientes estão sendo atendidos por paliativistas em todo Brasil, mães e filhos têm as dores de seus familiares aliviadas, famílias são atendidas por psicólogos, pessoas com falta de ar por um câncer avançado tem seu sintoma aliviado, pessoas recebem alta com menos sofrimento após uma internação, colegas apoiam outros colegas em conversas que nem sempre são fáceis, pacientes com doenças graves recebem reabilitação, pessoas realizam seus desejos e tem sua dignidade preservada. Isso são os cuidados paliativos verdadeiros, éticos e fortes.

Por meio de seus canais e atividades, a ANCP busca difundir conhecimento, promover discussões e está à disposição para colaborar com a divulgação correta deste trabalho.

Atenciosamente,

Academia Nacional de Cuidados Paliativos

Referências

  1. Código de Ética Médica, 2009, Conselho Federal de Medicina: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf
  2. Atlas dos Cuidados Paliativos da ANCP – 2019: https://api-wordpress.paliativo.org.br/wp- content/uploads/2020/05/ATLAS_2019_final_compressed.pdf.
  3. Dia Mundial de Cuidados Paliativos deste ano: “Não deixe ninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos”: https://paliativo.org.br/blog/dia-mundial-cuidados-paliativos-2021
  4. Biblioteca Virtual em Saúde – MINISTÉRIO DA SAÚDE: https://bvsms.saude.gov.br/datas-da-saude

 

]]>
0
Qual seria seu último sonho?  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/06/07/qual-seria-seu-ultimo-sonho/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/06/07/qual-seria-seu-ultimo-sonho/#respond Mon, 07 Jun 2021 21:28:20 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/Captura-de-Tela-2021-06-08-às-08.57.42-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2402 Se você estivesse no final da sua vida, e pudesse realizar um sonho, qual seria?

 Uma moça de 50 anos tem ELA.  Está traqueostomizada, gastrostomizada e ligada a um ventilador mecânico. Ela não sai mais da cama. E quer passear de Harley-Davidson. Uma imigrante da República de Camarões, com câncer em estágio avançado, sonha em rever a filha de 14 anos, que ficou no país  africano. Uma senhora de 92 anos está na fase final da vida. E ela quer voar de asa-delta. Mulher com doença cardíaca sem cura sonha em conhecer o morro do Pão de Açúcar. Um menino de 9 anos, com tumor no cérebro, sonha em conhecer um jogador do Flamengo.

Esses são exemplos de desejos realizados por Roberto Palmeira, diretor de sonhos do Instituto Rope. Sua missão: realizar desejos de pessoas que têm suas vidas ameaçadas por doenças graves.

Com sede no Rio de Janeiro, atendem no país todo e, em breve, irão abrir uma sde em São Paulo. Já foram mais de 60 sonhos realizados.

O projeto tem inspiração no Instituto Ambulância do Desejo, da Holanda, que funciona desde 2006. São associados ao Stichting Ambulance Wens Mundial, atualmente presente em 16 Países com mais de 18 mil desejos de pessoas em fim de vida realizados em todo o globo terrestre.

Quando Roberto conheceu o projeto, em 2016, ficou apaixonado. Um ano depois, já conseguiu realizar o primeiro sonho. “Era uma senhora, que ouvia Rádio Tupi o dia inteiro e queria conhecer os radialistas. Eu marquei com todo mundo e lá fomos nós”.

Ele só não usa o nome “Ambulância do Desejo”, como o projeto é chamado no mundo inteiro, porque ainda não conseguiu uma ambulância. Só na Alemanha, são 37 carros disponíveis.

Já levantou um casamento em 18 dias e editou livro em 1 semana, com direito a manhã de autógrafos no INCA. O autor, Mathorino, descobriu um câncer de laringe sem perspectiva de cura, aos 39 anos e sonhava em ter um livro de poesias publicado. Morreu 17 dias depois do lançamento.

O voo de asa-delta e o passeio de Harley-Davidson foram feitos com as pacientes conectadas à pessoa que está vivenciando a experiência. É uma conexão bonita e profunda. Os voluntários descrevem as sensações atrelados a sensores de realidade virtual. A emoção fica nítida nas duas pontas. E contagia. A moça da Harley-Davison partiu uma semana depois.

Uma menina sonhava em ter uma festa de 15 anos. Ganhou até mensagem da ídola, Anitta, e de um ator da Malhação. Ela viveu ainda 2 meses e meio depois da comemoração. “Durante o planejamento da festa, ela foi esquecendo da morte, da doença, deixou de fazer resgate de morfina, diminuiu dores de cabeça e o terror noturno. Ela focou na vida, na alegria da festa que estava por vir”.

Apesar de alguns sonhos serem complexos, levarem tempo e planejamento para serem realizados, também há os que são simples, próximos de uma rotina.“Se eu te perguntar o seu sonho, você vai falar um desses cinco: viajar, casa própria, carro, cirurgia plástica e gadgets. Em geral, são os cinco mais pedidos quando os seres humanos esquecem que vão morrer. Mas se você tem consciência de que a morte está próxima, já vai começar a pensar diferente. Não faz sentido pedir um super carro, um iPhone 12.  Eu quero estar com o meu gato. Eu quero comer uma coxinha de galinha com um guaraná. É o momento em que essas pessoas estão mais vulneráveis, mais sensíveis e mais verdadeiras. Ali não tem espaço para mimimi e vaidade”, diz o diretor de Sonhos.

Viagens, como ver o mar, demandam muita preparação e financiamento, mas Roberto ainda considera mais difíceis os pedidos  de reencontro. “Já trouxe, do Ceará, dois netinhos para ver a avó – vieram para cá e ficaram 4 dias com ela. Já teve pedido de morrer no país de origem, como a menina que conseguimos mandar para o Peru. Teve outro que queria ver a filha antes de morrer”.

Na diretoria, Roberto conta com três grupos de pessoas atendendo a três pilares: sabedoria, força e beleza. “No pilar da sabedoria, eu tenho profissionais da saúde que abrangem os quatro polos de dor, a física, mental, espiritual e social”. Também recebe consultoria de uma anestesista, formada em cuidados paliativos em Harvard, para avaliar se é possível retirar um paciente do hospital, ou não.

O segundo pilar é o da força, que faz acontecer, consegue as ambulâncias,  a mobilização e recursos financeiros.  O terceiro é o da beleza, que cuida da imagem, dos brindes e dos presentes.

Realizar últimos desejos é triste? Para Roberto, nem pensar. “Eu estou no dia mais feliz da vida de pessoas. Quando a Bianca morreu, a do aniversário de 15 anos, é lógico que doeu. Quando o Mathorino, autor do livro, morreu, também. Mas eu estava presente no  dia mais feliz da vida deles”, Roberto encontra sua gratificação.

A próxima etapa é fundar um hospice, que é uma unidade completa de cuidados paliativos. Ele visitou algumas referências na Holanda e está se mobilizando para levantar o projeto.

Roberto considera importante sonhar mesmo no momento difícil que estamos. “Quem deixa de sonhar, deixa de planejar. de sonhar, a gente não planeja nada. Não vê motivos para acordar. Se você não sonha, você apenas se defende”.

Adote um sonho!

Conheça mais em: https://www.institutorope.com.br

Arquivo do Instituto Rope

]]>
0
Por trás da falta de ar em Manaus, uma trajetória de políticas de morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/01/17/por-tras-da-falta-de-ar-em-manaus-uma-trajetoria-de-politicas-de-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/01/17/por-tras-da-falta-de-ar-em-manaus-uma-trajetoria-de-politicas-de-morte/#respond Sun, 17 Jan 2021 17:27:46 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/falta-oxigenio-em-manaus-bruno-kelly-reuters-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2214 Falta oxigênio, sobra irresponsabilidade política. Médicos tentam salvar seus pacientes com ventilação manual. Parentes se revezam para socorrer os familiares comprando cilindros. 

Faz tempo que respirar se tornou palavra ausente. Os joelhos no pescoço nunca dão trégua. Também estão nas mãos que carimbam as sentenças de morte.

Os exemplos são vários. Desde o começo da pandemia, Bolsonaro decidiu pelo genocídio. Genocida: que ou quem perpetra ou ordena um genocídio. Responsável pelo extermínio de muitas pessoas em pouco tempo.

Toda e qualquer decisão tomada por esse governo, inclusive o Ministério da Saúde pressionar a prefeitura de Manaus no uso de hidroxicloroquina e ivermectina, são assinaturas de morte.

Durante sua visita a Manaus, Pazuello lançou um aplicativo de uso exclusivo de médicos que incentiva o uso dessas medicações O MPF (Ministério Público Federal) segue investigando.

O governo do Amazonas já havia informado no dia 10 de janeiro sobre a falta de oxigênio. A fornecedora multinacional White Martins também alertou sobre a falta do item. A Folha informou neste domingo (17) que até mesmo uma parente de Pazuello apontou a ele a falta do material.

“Nós estamos em uma situação deplorável. Simplesmente acabou o oxigênio de toda uma unidade de saúde”, diz uma mulher vestindo máscara em um vídeo que correu as redes e também foi publicado na coluna da Monica Bergamo de sexta.

IMPOTÊNCIA E DESPROTEÇÃO

Impotência e desproteção. É assim que Jacqueline Pinheiro, farmacêutica clínica manauara, se sente. Ela trabalha em um hospital público da cidade, onde ainda não houve ausência de oxigênio, mas o alerta vermelho se estende para além das paredes dos serviços de saúde, preocupando a população.

“O dia a dia não está fácil. Agora mesmo não consigo dormir. A preocupação não deixa. Impotência e desproteção, emocional e social, me resumem. Eu acredito que lugar nenhum estava preparado para a grande demanda que receberia. A situação é caótica”, conta a farmacêutica. 

Depois de uma queda de braço entre comércio local e governo, o toque de recolher agora é uma realidade. Começa às 19h e acaba às 6h da manhã. A entrada no supermercado e farmácias está é reduzida. As frotas do transporte público também. É uma das ações possíveis para conter o vírus.

Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), o número de internações em Manaus chegou a um pico diário de 250 nesta semana, sendo que 2.221 pessoas foram internadas com covid-19 nos 12 primeiros dias de 2021. A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes  no Amazonas é, atualmente, de 143,1, sendo a mais alta do Brasil, atrás apenas de Rio de Janeiro e do Distrito Federal.

O professor universitário Eliseu da Silva mora em Parintins, a 23h de distância de Manaus de barco. Mesmo longe, sente por meio de amigos e familiares o impacto da tragédia que se aproxima.

“Aqui em Parintins, os hospitais estão superlotados. Tivemos problemas de oxigênio no Hospital Jofre Cohen e pacientes foram transferidos para o Hospital Padre Colombo. Chegou oxigênio na madrugada de quinta para sexta-feira”.

“Há um esgotamento físico. Hoje convivemos com a falta de leitos. Isso já é muito complicado. Como está superlotado, muitas famílias reclamam que não há mais resposta da condição de saúde dos familiares internados. Depois, se perde todo o contato. Há pessoas que só sabem da morte do familiar três dias depois do ocorrido”, conta.

Já não conseguimos enxugar lágrimas de parentes, amigos, conhecidos, porque logo vem outra notícia trágica. Estamos preocupados com quem não tem trabalho mas, ao mesmo tempo, preocupados com a vida que precisamos preservar. Sentimento dúbio de viver e manter a vida”, diz o professor.

UMA CRISE SANITÁRIA DE LONGA DATA

O sistema de saúde de Manaus foi um dos primeiros do Brasil a entrar em colapso no primeiro pico do coronavírus no país. A crise de saúde local, no entanto, já vinha sendo denunciada muito antes da pandemia.

“Infelizmente, o que está acontecendo em Manaus é o reflexo do nosso Governo. Mesmo antes da pandemia, nós já tínhamos hospitais lotados e falta de suprimentos e medicamentos. A pandemia veio para mostrar para o Brasil e para o mundo o que já vinha acontecendo”, aponta Jacqueline.

Segundo o presidente do sindicato dos médicos do Amazonas, Mario Vianna, a situação atual do governo de Manaus se iniciou em julho de 2019. “Denunciamos o caos bem antes da pandemia, mostramos vídeos e fotografias do caos da saúde do Amazonas inclusive com salários com até oito meses de atraso.”

Diante da impotência em exercer o exercício da profissão, muitos médicos estão diante de um verdadeiro cenário de guerra, conta Vianna. Embora muitos já tenham atuado em situações limítrofes, agora estão esgotados fisicamente e emocionalmente. 

“Falta medicamentos, pacientes estão no chão. Se sentem até ameaçados, situação totalmente anormal, única palavra que consigo pra desenhar é cenário de guerra”, diz. “O estado tem uma das maiores taxas de infecção dos profissionais de saúde. Não há proteção individual, as estruturas hospitalares não são muito bem planejadas”, critica o sindicalista.

Um outro médico que prefere não se identificar por receio de perseguições, assinala que a situação da área da saúde é calamitosa há décadas. “Estamos há quase duas décadas sem reajuste de salário. Aqui tem terceirização de trabalho na ponta. Muitos ficaram quase um ano inteiro, entre 2019 e 2020, trabalhando sem receber. Chegaram ao ponto de não terem condição de se locomover para o trabalho. O sistema de saúde está numa areia movediça. ela se movimenta. Entra e sai governo, a impressão é que só tem gente da mais elevada incompetência”, desabafa o médico.

NATURALIZAÇÃO DA MORTE

Olhar as imagens de Manaus e conversar com quem está lá é estarrecedor. Daqui do Sudeste, não sabemos do problema um terço. Afinal, desse lado do Brasil, impera o ego pela corrida da vacina, que duela contra o extremismo de um presidente que pula no mar para demonstrar saúde em um país onde 1 mil morrem por dia pela Covid-19.

Bater panelas é ínfimo. É preciso maior mobilização social contra o genocídio em curso. Mas o medo de contaminação também nos paralisa e adoece trancados dentro de casa. Faz tempo que a população brasileira se sente de mãos atadas.

Atrás de cada máscara, esgotamento, cansaço, medo. É difícil viver morrendo. Neste domingo (17) a Anvisa aprovou o uso da vacina no Brasil. A torcida é grande, queremos viver. Mas falta oxigênio em Manaus, médicos se recusam a fazer testes do coronavírus nas periferias. “Eu não posso respirar” não apenas atravessou 2020, como também chega nos primeiros dias de 2021 lembrando que ainda vai demorar para recuperarmos o ar.

Mas como bem poetizou Pablo Neruda, “por estes mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que salpicaram a pátria de sangue, peço castigo. Para o verdugo que ordenou esta morte, peço castigo. Para o que deu a ordem de agonia, peço castigo. Para os que defenderam este crime, peço castigo”.

+ Leia também:
O luto como política de resiliência
Vamos falar sobre o privilégio branco de morrer de morte natural?

 

]]>
0
Acusada de negligência à luta por autonomia e cuidados paliativos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/10/01/acusada-de-negligencia-a-luta-por-autonomia-e-cuidados-paliativos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/10/01/acusada-de-negligencia-a-luta-por-autonomia-e-cuidados-paliativos/#respond Thu, 01 Oct 2020 21:26:51 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/g1-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2120 “Passei a ser a “mãezinha” da neuropata e pessoa non grata por muitos médicos, por ousar questionar demais o que eu não entendia ou por pesar a necessidade real de certas coisas. Recusava propostas terapêuticas que não concordava. Sofri preconceito, desrespeito, indiferença, ameaça e negligência”.

Ivy Carvalho Oliveira

Ivy, seu caminho é muito bonito. Sua força nos inspira e representa a importância de conhecermos os cuidados paliativos a fundo… Muito obrigada por me enviar essa carta e aceitar compartilhá-la. Um abraço, com admiração.

Depoimento: acusada de negligência à luta por autonomia e cuidados paliativos

Me chamo Ivy, sou mulher, mãe, enfermeira, paliativista, dentre tantas outras coisas…Minha trajetória de vida foi completamente modificada com o nascimento da minha segunda filha, Gabriela, em 1999.

Gabi nasceu com alterações neurológicas que foram se acentuando. Com um ano de idade, já tínhamos passado por incontáveis exames e especialistas, consultas e hospitais.

Os sintomas eram claros: ela apresentava um grave atraso no seu desenvolvimento neuropsicomotor, que foi progredindo e comprometendo ainda mais sua qualidade de vida e necessidade de cuidados. Mas nunca recebeu um diagnóstico.

Depois de um tempo vendo nossa rotina diária ser preenchida por consultas médicas, inúmeras terapias e internações hospitalares, passei a me questionar o propósito de tudo isso.

Percebi que todo tratamento e terapias propostas pareciam estar voltados para doença sem nome e não o bem estar da minha filha.

Passei a ser a “mãezinha” da neuropata e pessoa non grata por muitos médicos, por ousar questionar demais o que eu não entendia ou por pesar a necessidade real de certas coisas. Recusava propostas terapêuticas que não concordava. Sofri preconceito, desrespeito, indiferença, ameaça e negligência.

Em 2014, Gabi tinha 14 anos e experienciado um período de mais de 7 anos estáveis em casa, seguindo a decisão conjunta da família em priorizar sua qualidade de vida e abandonar grande parte dos tratamentos fúteis que não surtiram resultado e nem tinham benefícios para ela, de acordo com nossos valores.

Nesse ano, ela sofreu complicações e passou por uma longa internação em UTI. Eu pedi, implorei para que ela recebesse cuidados paliativos, que eram disponibilizados no hospital em que estava, mas a incapacidade e despreparo dos profissionais era tamanha, que só inflamou ainda mais o desconforto e os conflitos.

Me senti uma pessoa extremamente privilegiada quando o hospital em que eu trabalho abriu um programa piloto de assistência a casos complexos para dependentes dos colaboradores.

Lá fui eu com Gabi para mais uma triagem e avaliação médica. Nesta altura, já não haveria razão alguma para deixar de dizer de cara, e de forma clara, que era muito grata pela oportunidade, mas só poderia aceitar se houvesse a chance dela ser acompanhada pela equipe de Cuidados Paliativos. Felizmente, isso ocorreu.

Nos seus quase três últimos anos de vida, fui uma pessoa de sorte. Fizemos parte da estatística de 0,3% dos brasileiros que recebem Cuidados Paliativos neste país.

Pela primeira vez depois de toda essa jornada, nós (Gabi e nossa família) fomos acolhidos, cuidados, integrados ao processo de decisão, respeitados dentro dos nossos valores.

Gabriela não era apenas a portadora de neuropatia crônica sem etiologia definida, com grave atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, com uma epilepsia de difícil controle, pneumopata e com escoliose severa associada ao baixo peso como era descrita antes.

Ela passou a ser assistida por uma equipe de saúde que a enxergava como uma pessoa, que gostava de chupar o dedo e isso era um sinal de que estava tudo bem, que sorria quando percebia que alguém falava sinceramente com ela, uma menina de um olhar brilhante e feliz, que gostava de fazer bagunça com a Rafa, sua irmã mais velha. E, sim, tinha uma condição grave de saúde, mas que faríamos TUDO, em conjunto, para lhe dar tudo que lhe pudesse garantir conforto e alívio de sofrimento, até onde fosse o seu tempo, o seu limite.

E assim aconteceu. Na sua última semana de vida precisou ficar internada pois não conseguiríamos em casa dar todos os cuidados necessários. Tivemos todo o suporte e tratamento, não só pela competência técnica, mas também de carinho e respeito, o que foi fundamental naquele momento e vejo o quanto isso foi ainda mais importante no processo de luto.

Sua partida foi repleta de paz, de muita tristeza pela sua morte, mas também de beleza por ver que toda sua vida e todo seu legado foi respeitado. Conseguimos cuidar da sua despedida. Seu pai, Cláudio, fez tudo que podia para organizar as questões burocráticas e nos poupar disso enquanto eu e a Rafa pudemos dar o banho em seu corpo.

Acompanhada pela minha irmã e duas amigas, a vestimos e arrumamos o seu cabelo. Pudemos nos despedir. Sua avó pode fazer as orações que lhe eram tão importantes, e tivemos a companhia da nossa família e de tantas pessoas que genuinamente se importavam com ela e conosco.

Muita gente me pergunta como eu consegui passar por esta perda, este luto. Bom… isso não se encerra, mas aprendi a conviver com a sua ausência física e direcionar ainda mais minha energia, propósito e sentido para o cuidado, acolhimento e disseminação dos Cuidados Paliativos.

Meu maior sofrimento foi ter vivido toda esta trajetória, antes dos Cuidados Paliativos em nossas vidas, em um luto não reconhecido, não validado e acolhido por nenhuma equipe de saúde nas quais passamos.

Como enfermeira, hoje atuo em uma unidade exclusiva a pacientes com Covid-19. Vejo o quanto esta pandemia, esta doença gera desdobramentos e consequências na nossa sociedade, exacerbando e escancarando as desigualdades e o abismo social que estamos inseridos.

O pensamento assustador de olhar para minha história e pensar como seria se ela estivesse aqui num momento como este que estamos vivendo, como seria não ter despedidas, ou não ter cuidados adequados e proporcionais como tantos…

O fato de me ver neste lugar de privilégio não me exime do pensamento e da responsabilidade para com tantos outros que passam por situações e carências até maiores que as que passei a não dispõem de recursos dos mais básicos para terem suas necessidades minimamente atendidas.

A impossibilidade de realização de rituais de despedida, a negligência do poder público com as minorias. Quantas pessoas como a Gabriela estão negligenciadas há décadas, imagine agora em meio a uma pandemia.

Não é de hoje que pessoas com deficiência, negros, indígenas, mulheres, LGBTQIA+, população de rua, vulneráveis, moradores de bairros com vulnerabilidade social, idosos, sofrem em seus anonimatos por falta de cuidado. Não posso me sentir culpada por tê-lo recebido, mas sinto que devo me colocar de alguma forma como alguém que deseja e quer fazer com que esta realidade mude.

Dar voz a isso, trazer informação e reflexão a sociedade é algo que você, Camila, faz e me enche os olhos de satisfação, emoção e esperança. Obrigada.

Contato: ivy.carvaoli@gmail.com

 

]]>
0
Covid-19 e um memorial para guardar as lembranças dos nossos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/07/07/covid-19-e-um-memorial-para-guardar-as-lembrancas-dos-nossos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/07/07/covid-19-e-um-memorial-para-guardar-as-lembrancas-dos-nossos/#respond Tue, 07 Jul 2020 19:45:38 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/cemiterio-creditos-leonardo-britto-agencia-mural.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2013 Por muitas vezes, a História — essa que se escreve com maiúscula — excluiu dos documentos oficiais as memórias de gente anônima, de gente que vive à margem, tanto dos direitos humanos, quanto dos grandes centros, geográficos ou sociais.

Mas é em momentos de crise, como a que vivemos agora, que essa tentativa de apagamento fica ainda mais evidente, reforçando a importância de contar as nossas próprias histórias e a dos nossos mortos.

Até esta terça-feira (7) já eram mais de 65 mil óbitos em decorrência de Covid-19 no país, sendo mais de 16 mil só em São Paulo. A letalidade da doença é muito maior territórios periféricos — onde a presença de negros é maior — não me deixa mentir: o inimigo invisível chamado coronavírus tem uma geografia muito bem localizada: periferias, cortiços, vielas, como já bem cantou Racionais MCs

Um levantamento da Rede Nossa SP mostra que os bairros periféricos de SP com maior número de negros também são aqueles com mais casos de óbitos pela Covid-19: Sapopemba, zona leste de São Paulo. Brasilândia, zona norte. Grajaú, Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís, na zona sul.

A morte, para nós, chega muito antes da hora. Ela aparece na falta: de saneamento, de saúde, de moradia, de informação. Em um processo contínuo de genocídio dos povos negros e indígenas.

Homenagens no Cemitério Vila Nova Cachoeirinha, em SP/ Léu Britto/Agência Mural

Passado e presente

Eu sou de Perus, na região noroeste da capital paulista. Por muito tempo, o local foi conhecido por conta da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, descoberta no início dos anos 1990. Das 1047 ossadas encontradas no espaço, ao menos 49 foram identificadas como de desaparecidos políticos e as demais eram de jovens executados pelo esquadrão da morte ou de vítimas de meningite durante os anos da Ditadura Militar.

Para contar essa história e mostrar como todas as mortes são políticas, é que, em tempos considerados “normais”, ativistas e moradores realizam trilhas da memória, com visitas ao cemitério e atuação no Centro de Direitos Humanos Carlos Alberto Pazzini (CDDH-CAP)que luta pelo registro da memória da época a partir da periferia.

“Apesar do alto número de óbitos, os militares negavam a existência da epidemia de meningite, assim como o atual governo, que naturaliza a morte”, conta Amanda Vitorino, estudante de Direito e integrante do CDHH. Ela aponta, ainda, como a subnotificação do passado também pode ser encontrada em tempos atuais, diante das tentativas de Jair Bolsonaro (sem partido) em não divulgar os dados sobre a pandemia: “a omissão de dados oficiais faz com que as pessoas não conheçam a real dimensão dos problema que nos atinge. Durante a ditadura, informações foram escondidas para preservar o suposto “milagre econômico”.

Um levantamento realizado pelo Opera Mundi mostra que nos anos de chumbo, mais especificamente em 1974, os casos de meningite não apenas foram escondidos pelo governo da época, como também foram proibidos de divulgação pela mídia. Só naquele ano 2.500 pessoas morreram por conta da doença.

Foto de flores em um cemitério
Cemitério São Luís (SP)/ Léu Britto/Agência Mural

Guardar nossas memórias

É nesse cenário insólito, de dor e de luto, que iniciativas como a Rede Apoio Covid-19 se faz ainda mais importante, ampliando as memórias periféricas que sempre foram silenciadas. Gestado por alguns meses, o site, lançado na segunda-feira (6) reúne uma série de iniciativas voltadas ao amparo das famílias vítimas da pandemia, entre essas o registro das histórias dos entes queridos e outros acolhimentos e cuidados, como oficina de escrita para enlutados.

Iyá Adriana T’Oluaiyê, pedagoga e uma das coordenadoras da coalizão, diz algo muito bonito sobre a existência desse espaço: “a rede tem esse papel de acolher, de dar voz a essas famílias e suas vítimas, com um papel extremamente bonito de olhar para essas famílias e fazer justiça às suas histórias”.

Para ela, as histórias são aquilo de mais valioso que que construímos em vida. “Histórias que merecem ser lembradas. Famílias que merecem ser acolhidas”, diz a Iyá, que enxerga a rede como um espaço de olhar para os nossos — negros, periféricos, indígenas –, para que a gente não repita os erros do passado e, parafraseando a poeta polonesa Wislawa Szymborska, não deixemos que a História arredonde os esqueletos para zero.

]]>
0
A difícil habilidade de dar um telefonema com a pior notícia https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/05/16/a-dificil-habilidade-de-dar-um-telefonema-com-a-pior-noticia/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/05/16/a-dificil-habilidade-de-dar-um-telefonema-com-a-pior-noticia/#respond Sun, 17 May 2020 00:49:50 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/national-cancer-institute-cQ8FfVNvbew-unsplash.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1965 Nos últimos dois meses, mais de 15 mil famílias receberam um telefonema com a pior das notícias: seu parente morreu de COVID-19.

Durante a internação hospitalar, cabe ao profissional de saúde passar um boletim médico diário sobre o estado do paciente, atualizar sua piora, ou melhora, tentar responder perguntas que muitas vezes não tem respostas, e oferecer o máximo de acolhimento e empatia possível. Isso tudo à distância. Não é fácil.

No contexto pré-pandemia, grande parte das UTIs já estava humanizada, liberando visitas aos pacientes durante 24 horas. Na rede privada é comum permitir um acompanhante durante o dia todo. Na pública, há horários específicos, com entradas diárias. A política de visitação varia entre os hospitais, mas garante um momento de proximidade com o paciente e de conversa íntima entre a família e o médico.

Normalmente, é um momento importante para decidir tratamentos, medicações, procedimentos invasivos, discutir seus riscos e possíveis prognósticos. Enfim, tirar dúvidas. Esses momentos ajudam a processar a evolução da doença.

Se evoluir para a morte, há chances dessa notícia ser recebida com maior compreensão após esse acompanhamento e espaços para discussão. Conseguimos traçar uma narrativa do que ocorreu, porque e como progrediu de certa forma. Como a pessoa passou seus últimos minutos, o que ela disse, sentiu e como foi acolhida.

Com a pandemia do novo coronavírus, a comunicação com a família se tornou um momento mais estressante e dolorido. Não é permitido visitas. O profissional de saúde tem ainda menos respostas. Ele está inseguro com as informações disponíveis. A narrativa que formamos sobre o estado da pessoa fica truncada e confusa. A notícia da morte chega como um choque repentino. Seguido de outros choques: a impossibilidade de reconhecimento do corpo, do velório e enterro com amigos e familiares reunidos.

Conversei com a médica especializada em medicina intensiva Mariana Monteiro. Atualmente, ela coordena uma UTI-adulto de 20 leitos em um hospital público em Barueri e trabalha como plantonista em uma UTI de um hospital privado em São Paulo. Ela é mãe de dois bebês, um de 2 anos e 10 meses e uma menina de 1 ano e 2 meses.

Sua rotina durante a pandemia se assemelha aos intensos relatos que temos escutado. A carga horária dobrou, mal tem tempo para os filhos, convive com medo de ser contaminada e de contaminar sua família.

Apesar do aumento da carga horária e do stress, sua maior dificuldade é ver o sofrimento dos familiares. “Em alguns casos, eles deixam o parente em uma UPA com falta de ar. Lá dentro ele é intubado, transferido para o hospital e muitas vezes os familiares nem sabem onde esse paciente está. Há casos em que o paciente morre sem se despedir do familiar pessoalmente. Isso é muito dolorido para eles e para a gente que acompanha esse processo. Foi um baque muito grande psicológico para mim e acredito que para todos meus colegas”.

Uma vez ao dia, ela liga para os familiares dos pacientes internados na sua UTI com a missão de transmitir um boletim médico. Tenta fazer ligações com vídeo para os que estão em conscientes. Mas em muitos casos isso não é possível, principalmente com quem está em ventilação mecânica. A impossibilidade de fazer isso pessoalmente, como está acostumada, é preocupante.

“Nos treinamentos que a gente faz, sempre tem um contato físico. A gente tenta ficar próximo, sentar, abraçar, acolher quando a pessoa dá abertura para isso. E obviamente, agora com coronavírus, não pode. É muito impessoal. Eu to de máscara, a pessoa não consegue ver me rosto. Eu vejo a pessoa chorando, se desesperando e eu não posso fazer nada, não posso abraçar, encostar. É difícil até para quem tem treinamento para dar má notícia”.

Mariana me contou uma vez em que ligou para passar o boletim de uma paciente e descobriu que o marido dela tinha morrido de Covid-19 e o filho estava internado em outro hospital, em estado grave. “Há famílias que estão sendo realmente destruídas por conta desse vírus”.

Seu treinamento para a comunicação de más notícias não sinaliza frases específicas a serem usadas, mas há uma indicação de estratégia que pode ser benéfica.

“A gente não tem uma fala pronta, mas tentamos fazer com que a pessoa coloque em palavras toda a trajetória do paciente até aquele momento. Usando perguntas como: ‘O que você sabe da condição dele até hoje?’. ‘Você tem acompanhado a evolução?’. Isso é importante para que na hora que você dê a notícia do falecimento, não seja uma surpresa tão grande”.

 

André Junqueira é presidente da ANCP, Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Essa área da medicina é reconhecida por sua capacitação em dar más notícias. André me disse ver um grande retrocesso nesse aspecto porque as UTIs mais modernas já estavam se humanizando e permitindo a visita praticamente por 24 horas. E agora vemos, novamente, uma distância entre o médico e o paciente. Mas por um motivo bem diferente.

“Eu trabalho com dois novos desafios, a insegurança e a imprevisibilidade. No cenário do COVID-19, a gente não sabe realmente o que vai acontecer. É diferente falar sobre um câncer em fase avançada. Não temos uma segurança das possibilidades. Há perguntas que não temos respostas, como: Onde será que ele se contaminou? E se tivesse feito exame mais cedo?”.

Como protocolo, ele indica tentar aproximar o paciente dos familiares virtualmente, com teleconferência, tablet, e filmar a pessoa. “Mas não podemos fazer isso com os pacientes sedados e intubados, por respeito.  Não sabemos se ele deixaria ser visto assim”.

Ele me encaminhou um guia de comunicação para profissionais de saúde na pandemia COVID-19, desenvolvido por uma instituição americana, VitalTalk, e adaptada pela ANCP.

O guia oferece orientações, em forma de perguntas e respostas, às diversas situações que necessitam de uma comunicação entre o profissional de saúde e seu paciente ou familiar. São momentos como a triagem, quando alguém está com medo de estar contaminado, a admissão do paciente no hospital ou UTI, nas conversas sobre tomadas de decisão (tratamentos, procedimentos), na informação de más notícias pelo telefone e como o profissional pode pedir ajuda para lidar com determinada situação.

Na comunicação de más notícias aos familiares, primeiro aconselha-se perguntar se a pessoa está em um local onde possa falar. Após essa introdução, passar a informação da morte do parente, dar espaço para momentos de silêncio e oferecer apoio: “Eu sinto muito”. “Estou aqui”. “Eu posso imaginar como tudo isso está sendo um choque para você. É uma situação muito triste e difícil”.

Há itens relacionados à possível antecipação dos profissionais sobre reações de pacientes e familiares. Por exemplo: “Eu não sei como dizer para esta adorável senhora que eu não posso colocá-la na UTI e que ela ta morrendo”. O guia orienta: “Lembre-se do que você pode fazer. Você pode ouvir sobre o que ela ta preocupada, pode explicar o que está acontecendo, pode ajudá-la a se preparar, pode estar junto. Essas atitudes são especiais”.

André já permitiu a visita de familiares para um último encontro. “Em casos muito difíceis, quando a família está em sofrimento muito grande, deixamos entrar para despedir à distância e toda paramentada. A nossa maior preocupação é promover essa despedida”.

Ele se emociona quando consegue ajudar uma família mesmo nessas condições.

“Apesar do cenário triste, quando a gente consegue reestabelecer a confiança, a gratidão da família é enorme. Eles agradecem muito o esforço da equipe e do hospital de promover a despedida, acolhimento e empatia. É algo que está se valorizando cada mais”.

 

]]>
0
Últimos socorros: para no final, saber o que fazer https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/03/ultimos-socorros-para-no-final-saber-o-que-fazer/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/03/ultimos-socorros-para-no-final-saber-o-que-fazer/#respond Tue, 03 Mar 2020 12:56:45 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/a2faf834-2aaf-49a9-b3b5-a3df7a584d8a-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1842 Estar ao lado de uma pessoa amada em processo de morte ativa traz um sentimento de impotência devastador. Não somos treinados tecnicamente ou psicologicamente para acompanhar um processo desses.  A medicina oferece ferramentas para a cura de diversas doenças mas não cura a morte em si. Uma hora, nosso corpo vai parar. Ele vai parar de funcionar.  Isso ocorre aos poucos, dependendo da doença irreversível que o acarreta. Não precisamos ser profissionais da área da saúde para acompanhar esse movimento, mas ter informação para isso é essencial. Lembro quando acompanhei a morte do meu sogro. Me via cheia de dúvidas, ele deve ou não receber água? Ele deve receber alimento? Ele está com dor? Os médicos têm sempre razão? Esse som é… normal? Afinal, o que é normal? Para mim, a morte é natural mas não consigo vê-la como normal. Ela é um absurdo necessário.

Foi pensando em como oferecer apoio aos acompanhantes leigos, que a enfermeira Karin Schmid adaptou o curso de últimos socorros para o Brasil.

Karin se formou na Alemanha, onde acompanhou a morte dos pais. “Quando minha mãe morreu, em 2005, eu ainda não tinha feito enfermagem. Mas ela me mostrou que morrer não é algo horrível. Não tem que ter sofrimento. Foi ela que me levou à oncologia e aos cuidados paliativos. Ela teria ficado feliz se pudesse ter sido mais tarde, mas já que não seria possível a cura, ela entendeu e conseguiu lidar bem. Também teve a sorte de ter médicos, na Alemanha, que faziam acompanhamento domiciliar. Ela morreu em casa”.

Quando seu pai morreu, em 2017, Karin já era formada em cuidados paliativos em enfermagem e diz ter sentido na pele a diferença que esse conhecimento pode fazer.  Decidiu retornar ao Brasil para atuar nessa área. “Fiquei bastante feliz ao ver que a rede paliativa do Brasil tem crescido. O tema está aparecendo mais na mídia, possibilitando cursos como o nosso. No ano passado, foram 5 cursos, com média de 7 a 10 participantes. O primeiro desse ano estava esgotado um mês antes dele acontecer”.

O curso, “últimos socorros”, é dividido em quatro partes:

  • A morte faz parte da vida – Ela é natural e falar sobre o assunto já muda toda a perspectiva. Também se fala sobre a pesquisa de como se morre no Brasil, com dados, e a rede de cuidados paliativos.
  • Planejamentos – diretivas antecipadas. O que são, o que pode ser feito ou não.
  • Aliviar o sofrimento – dor e sofrimento como conceito e aborda os sintomas mais recorrentes de dor, dispneia, a inapetência da alimentação no final da vida. Se deve, não deve, porque ou porque não alimentar no final da vida.
  • Despedida –  o luto. Há algumas dicas sobre rituais. Não existe maneira certa ou errada de estar enlutado…

Para Karin, o mais importante desse processo todo é tirar o medo e a angústia do familiar e do paciente. “O maior medo do familiar é não saber o que fazer e, quando faz, achar que ta fazendo errado. No processo de morte, a pessoa vai morrer e na maior parte das vezes a gente não quer isso. Por mais que a gente faça o melhor de nós, ela vai piorando. O familiar sente mal… ah se eu tivesse dado um copo de água a mais ou a menos, teria vivido mais tempo, não teria engasgado, não teria tido a pneumonia….”.

O maior questionamento que normalmente aparece dos atendentes desse curso é sobre como aliviar o sofrimento, do familiar e o próprio.

Ainda tenho a esperança de que é possível morrer bem. Já encontrei diversos exemplos disso e vejo, a cada ano, mais pessoas, movimentos e instituições preocupados nesse sentido. Há uma mudança de paradigma em curso.

((Conheça mais sobre o blog pesquisando nas abas das seções separadas por temas)).

Divulgação: Karin Schmid
Divulgação: Karin Schmid
]]>
0
A morte pede passagem https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/27/a-morte-pede-passagem/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/27/a-morte-pede-passagem/#respond Tue, 27 Aug 2019 11:46:06 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/Ensaio-Tom-Almeida-0040-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1765 Não basta estarmos no topo da lista dos indicadores que prejudicam a vida, como a escancarada desigualdade social e a violência doméstica, também somos um país ruim para se morrer. (veja ranking)

Eu não gosto muito de grupos, mas nesse eu confesso que me engajei. Trata-se do movimento Infinito.etc que discute a qualidade do morrer no Brasil e busca uma maior consciência das escolhas e autonomia no processo de morte. O mantra é dado pela médica paliativista Ana Claudia Arantes: ” a morte é um dia que vale a pena viver”. Eu também proponho essa discussão no tema que chamo de: “o que você quer ser quando morrer”.  Pensamos ser importante uma melhor comunicação entre médico e o paciente, a suspensão de procedimentos invasivos se assim ele desejar, o iluminar das opções que uma família tem para vivenciar esse período final da vida, que é a morte.

A negação da morte é muito prejudicial para nossa sociedade, como já disse o premiado sociólogo Ernest Becker. Além da questão sociológica que ele aponta, quem sai perdendo são os consumidores de todos os serviços relacionados a ela. Basicamente, TODOS nós. E acabamos tendo uma experiência traumatizante ao acompanhar uma pessoa que amamos morrer.

Tom Almeida levanta essa bandeira, chamando-a de movimento. Ele fundou o Infinito.etc no ano passado, com a semana de eventos “Inspirações sobre o viver e o morrer”. Neste ano, retoma com um festival que considera uma evolução do anterior. Decidiu manter a seção com palestrantes internacionais porque considera importante criar pontes com o que está acontecendo no mundo.

A ideia de ser um movimento surge da concepção de ser um processo. “Vejo um movimento mundial. E ele exige o envolvimento da sociedade como um todo. Estamos num momento propício para isso. Teve uma evolução boa da medicina, dos cuidados, mas o uso da medicina feito sem consciência pode passar do ponto. Pode nos distanciar da nossa própria vida, tirar a autonomia, nos afastar da participação da família, nos tirar o direito de escolher. Podemos perder o protagonismo na nossa própria doença”, resume Tom.

O festival é estruturado em cinco ciclos. Maturidade (envelhecimento), adoecimento (diagnóstico), processo de terminalidade, a morte em si, e o luto. Também há uma seção de prevenção do suicídio, aproveitando o setembro amarelo e a urgência do tema.

A abertura ocorre no “Cineclube da Morte”, no Cinema Belas Artes, gratuita. Será exibido o documentário, indicado ao Oscar desse ano, “A Partida Final”. O médico paliativista que participa do documentário, Steve Pantilat, dará uma palestra no evento. Ele é filmado no Zen Hospice, na Califórnia (veja o que é um hospice aqui), e coordenado por Roy Remer, que também participa do festival. Você pode acessar toda a programação aqui.

Será interessante conhecer o ineditismo do arquiteto Michael Murphy, falando sobre a arquitetura da cura. Ele propõe a construção de espaços de saúde, hospitais e etc, que propiciem a cura. No ano passado, teve a palestra da Yoko Sen, que redesenha o som dos hospitais, os bipes dos aparelhos, para tornar a experiência mais acolhedora. O som do bipe é infernal. Faz todo sentido mudar isso.

A escolha do nome “infinito” surgiu de uma conversa de Tom com uma amiga. “Eu tava contando para ela sobre a morte do meu pai. Eu, dormindo com ele na cama do hospital, na fase final. A gente tava abraçado e eu consegui acessar um amor tão forte… Me surpreendi como isso. Ela me disse: você acessou o que é infinito dentro da finitude. O permanente, na impermanência”.

Como mensagem final, na essência de tudo isso, Tom vê a possibilidade da criação a partir da perda. “Eu perdi algumas pessoas que eu amava muito, tive muitas mortes ao longo da vida, mas olha o que eu criei. Não se encerra no luto. A morte cria vida, essa é a mensagem final”.

Festival inFINITO sobre Viver e Morrer
Data: 3 a 8 de setembro de 2019
Local: Unibes Cultural e Petra Belas Artes.
Ingressos: www.festivalinfinito.etc.br
Informações: festival@infinito.etc.br
Site oficial: www.festivalinfinito.etc.br

]]>
0
Adeus Hospital (ou até breve)  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/21/adeus-hospital-ou-ate-breve/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/21/adeus-hospital-ou-ate-breve/#respond Wed, 21 Aug 2019 23:56:16 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/iStock-912333790-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1761 Conversei com Eduardo Dias, geriatra, médico paliativista. Ele coordena a pós graduação em cuidados paliativos do Hospital Albert Einstein e a área médica de uma instituição que aposta na desospitalização do paciente, a Humana Magna.

O que te levou aos cuidados paliativos?

Mais do que ajudar as pessoas, eu sempre tive aptidão e prazer em cuidar do outro. Podem ser cuidados simples, como ouvir uma pessoa. Eu fiz residência em neurologia e uma das coisas que me frustrou muito foi fazermos muitos diagnóstico, mas oferecermos  poucos cuidados. Por isso, larguei a neurologia e fui para a geriatria e para os cuidados paliativos. Era onde realmente se cuida da pessoa e não da doença.

A médica Elisa Aires, que construiu os cuidados paliativos no Hospital Emílio Ribas, me apresentou  essa área. Eu não sabia o que era, naquela época a gente não tinha essa formação na faculdade. Eu me apaixonei. Antes, eu olhava para a medicina e pensava: ‘gente, essa pessoa ta morrendo, a gente vai continuar puncionando artéria, fazendo procedimentos invasivos? Será não existe um plano B para essa história toda?’ A Elisa me mostrou que tinha.

((Entenda os cuidados paliativos nos posts dessa seção do blog)).

Qual é sua missão, como médico, hoje?

Na Humana Magna, nosso principal foco é a desospitalização e o cuidar diferenciado. Temos uma preocupação muito grande com a biografia do indivíduo. Durante um período, essa pessoa  conseguiu escrever essa biografia sozinho. Nosso foco é garantir que ele ainda tenha autonomia e consiga decidir, tenha uma vida que ele mesmo continue escrevendo, decidindo o que é importante para si mesmo.

A desospitalização é uma alternativa ao home care?

Os pacientes, na fase aguda de doença, têm um período de convalescência, em que ele pode sair do hospital e ir para casa, mas muitos estão muito comprometidos e precisam de cuidados especializados difíceis de serem feitos em casa, mesmo com uma estrutura de home care robusta. Nossa ideia é fazer essa transição e oferecer uma reabilitação física e social. De uma foram geral, os pacientes que recebemos tiveram um evento catastrófico que mudou sua vida, uma doença sem cura, ou traumatismo craniano, acidente vascular, que os deixaram numa situação comprometida. Ele não vai conseguir voltar à uma vida como era antes, mas nosso objetivo principal é fazer com que ele volte para a sociedade o mais próximo possível do que era antes. Isso também é um cuidado paliativo. A sociedade ainda acredita que cuidado paliativo é só apara quem ta no leito de morte com poucas horas de vida. Isso não existe mais. Na verdade, o cuidado paliativo é para aquele que tem uma doença grave que ameace sua vida. O paliativo não é a gambiarra, é um cuidado, uma filosofia diferente.

Você também atua em um hospital, o Albert Einstein. Qual é o problema da hospitalização?

Iatrogenia (complicações causadas pelo próprio tratamento médico). Excesso de procedimentos que uma pessoa é submetida no hospital, exposição a infecções, excesso de medicação. Eu fui médico dentro de hospital durante muito tempo… Tem um período em que o hospital é benéfico para o paciente. Se a gente perde esse gap de tempo, em que o paciente deveria ficar no hospital, a gente começa a ser iatrogênico. A gente começa a fazer mais mal para o paciente do que bem. Nem todos os cuidados exigem que o paciente esteja encarcerado no hospital. Ele pode receber cuidados na comunidade, ou no hospital de transição, ou em uma instituição de longa permanência, enfim. Você expõe menos o paciente a esses riscos.

Nos cuidados paliativos há uma grande aproximação com a família. Como você lida com isso?

Eu me emociono todo dia, toda hora. Tem vezes que a família chora e me dá vontade de chorar junto. E já aconteceu, não vou dizer que nunca aconteceu, né. Eu sou um ser humano também. Eu sofro, tenho as minhas fraquezas. Tem dias que são mais pesados do outros… ontem, eu tava conversando com um amigo sobre isso. E a minha missão diária é a seguinte: todo dia, quando eu vou para cama a noite, deito minha cabeça no travesseiro e faço uma reflexão sobre o dia. Penso se eu consegui fazer uma diferença na vida de alguém. Acho que esse é meu principal objetivo ao longo do dia. Seja aliviando o sofrimento, ou não causando mais sofrimento.

Quais diferenças você viu entre o que aprendeu na escola e o que encontrou no exercício da profissão?

Quando eu fiz faculdade, a gente ainda era formado para fazer um diagnóstico e fazer um tratamento. A gente aprendia muito a tratar, mas muito pouco a cuidar. Não são todas as doenças que terão tratamento, a maior parte delas, ainda mais hoje com o envelhecimento populacional que a gente vive, não tem cura. Teremos que aprender a cuidar do indivíduo naquela condição. Acho que essa é principal coisa que eu aprendi. Mais do que tratar é cuidar. Eu não aprendi isso na faculdade, eu aprendi isso na vida.

O que você acha da medicina de mercado, do pedido em excesso de exames, da remuneração do médico com base nesses pedidos…  é algo que você vê?

Sim… Vejo muito na minha prática diária. E vejo que essa é uma luta incessante para a gente tentar quebrar isso o máximo possível. Esse é o grande problema do processo iatrogênico, erro médico, erro de cuidado. Acabam pedindo um monte de exames para documentar e até mesmo para se proteger de algum problema futuro (jurídico) e, às vezes, trata o resultado do exame e não o indivíduo em si. Isso pode ser maléfico para o paciente, submetendo-o a procedimentos e tratamentos desnecessários. Eu sou super contra isso, sou ponderado com pedidos de exames. Mas virou uma questão cultural no Brasil. Tem muitos pacientes que falam: doutor, me dá uns exames e eu levo para você na consulta. E eu digo: não, primeiro você vem na consulta, eu vou avaliar e ver o que é necessário. Isso ficou meio cultural, as pessoas pedem os exames. Temos que tentar quebrar esse ciclo vicioso.

Como você lida com os casos em que a família não quer que você conte a verdade para o paciente?

Isso chama ‘cerco do silêncio’. Na verdade, essa é uma situação sempre muito difícil de lidar. O que a gente tenta fazer é respeitar sempre a autonomia do paciente. Existem pacientes que não querem saber sobre a doença, os tratamentos, as decisões a serem tomadas. Eles delegam as decisões. Existem outros que querem saber de tudo, tomar a decisão de tudo e a família tenta ser um empecilho para isso. Não existe receita, é caso a caso. Mas a autonomia do paciente ta acima. O que eu percebo é que a família entra nessa história do cerco do silêncio porque não consegue lidar com o sofrimento do paciente. Então, quando você consegue oferecer subsídios para que ela lide com essa situação, fica mais fácil. Mas sempre tentamos respeitar o princípio da autonomia.

 

Divulgação/Humana Magna

 

 

 

]]>
0
Filhos do câncer e uma despedida para Frida https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/07/30/filhos-do-cancer-e-uma-despedida-para-frida/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/07/30/filhos-do-cancer-e-uma-despedida-para-frida/#respond Tue, 30 Jul 2019 16:27:45 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/O-Mar-contra-os-efeitos-da-quimio-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1733 Frida, diminutivo para Elfriede, tem câncer metastático no fígado, ossos e pulmão desde 2010. Foi na doença que ela encontrou uma nova forma de estar no mundo: como porta-voz de um tema delicado, desmitificando tabus, ajudando a informar e apoiar famílias que recebem esse tipo de diagnóstico.

Os canais de acesso à Frida são o Facebook, Instagram e o aplicativo do Oncoguia.

         Aos 63 anos, ela descobriu mais uma metástase e faz um tratamento de quimioterapia experimental, agressivo. Frida tem pressa. Quer ajudar o maior número de pessoas possível. Gaúcha, filha de imigrantes alemães, mora na Vila Brasilândia em São Paulo com seu marido, há 35 anos, Jadyr Galera, e os dois filhos. Uma família linda de ver. Os olhos de Jadyr brilham de admiração pela esposa, melhor amiga, cúmplice de vida.

Neta de uma ilustradora, estudou artes plásticas, se especializou em comércio exterior, trabalhou em uma multinacional, mas gosta mesmo é de velejar. Construído na garagem de casa por 26 anos com o marido, o veleiro “Augenblick” ficou pronto em 2014. O nome significa “Momento”,  em alemão.

Velejar foi tão importante nessa fase, que resolveu criar o projeto “Velejando Contra o Câncer de Mama”, para sentirem juntos a brisa do mar.

Não é desinibida só na fala. Já posou nua para o UOL, em uma reportagem sobre pacientes com câncer metastático.

Apesar do diagnóstico em 2010, só conseguiu ser atendida pelo SUS dois anos depois. “Minha luta tem sido árdua, mas ela não é impossível. O SUS não é ruim, o problema é não ter medicamento disponível a todos. Eu preciso lutar por uma medicação que está em falta, o tempo todo. Para o médico, também é muito doloroso ver um paciente morrendo, sabendo que existe remédio para aquela pessoa, só que não ele está disponível… o que sobra para nós, é a ação judicial”, diz.

Toda vez que ela era procurada por uma mulher com problemas de acesso a medicamentos, Frida e seu marido indicavam um advogado disponível e mostravam seus próprios processos administrativos, como uma referência. Impossível mensurar o número de vidas que salvaram com esse tipo de apoio.

A falta de acesso à medicação é uma de suas bandeiras, mas não a única. “Fiquei chocada porque eu não posso usar a palavra câncer, muito menos metástase. Eu sofri muita discriminação. Imagina como se sente uma pessoa em uma sociedade que acha que câncer é igual a morte? As pessoas se afastaram, não me convidam mais para festas, não convidam para nada. Não podemos fazer esporte… Mas eu, por exemplo, velejo todo final de semana!”.

A boa morte

Frida deseja uma morte em que seja respeitado seus desejos. “Eu vejo coisas absurdas acontecendo. Um amigo meu está mantendo a mulher viva há mais três meses. Para mim isso é egoísmo, ele nem pergunta se ela quer ficar ali, daquele jeito, entubada, viva. Ela ficou acamada em pé, para receber mais oxigênio. Isso é fazer sofrer. Essa distanásia começa com nossos animais de estimação. Você quer enfiar comida nele, mas ele não quer comer, ele quer partir. Ele não come porque o rim não processa mais, o sistema vai parando. Nós desligamos nossas luzes internas e isso tem que ser respeitado”, desabafa. Eu tive essa conversa com Frida há dois anos e passei por essa situação logo depois. Tentei forçar comida no meu cachorro que estava morrendo. E, depois, vi meu sogro ser obrigado a comer, por sonda. Mas nessa segunda situação eu já consegui agir de uma forma diferente.

Distanásia é o processo de prolongamento da vida a qualquer custo. É o oposto da eutanásia (encurtamento da vida). A ortotonásia é a morte natural, sem prolongá-la com o uso da tecnologia ou abrevia-la com medicamentos. A ortotanásia é o processo dos Cuidados Paliativos. Frida é paciente de cuidados paliativos há 9 anos. “Para mim, a morte vai ser um dia muito importante que eu quero viver, quero experienciar. As pessoas fogem do assunto, porque você não costuma falar. Eu queria que todo mundo morresse sem dor e sem falta de ar, que são as duas coisas que você pode aliviar nesse momento”.

Suas vontades foram registradas em um testamento vital, documento utilizado para descrever vontades no final da vida.

Quando comentei sobre fazer esse post, ela respondeu: Vamos! Antes que eu vire purpurina! Revi minhas anotações sobre ela, nossa conversa para a preparação de um programa sobre morte no “Conversa com Bial”, e encontrei mais uma referência ao brilho. Frida diz que sua essência vai virar purpurina, e as cinzas serão colocadas em uma caixa bem pesada, feita de concreto ou tijolo. “Em uma bela cerimônia, com todos meus amigos velejadores, vamos em um determinado lugar para jogar minha caixinha para o fundo do mar. Ela será lançada lá e vou virar um coral”.

Filhos do câncer

Frida encontrou prazer em ter um canal de comunicação com pacientes oncológicos e familiares. Ela é voluntária do aplicativo do Oncoguia. Uma das questões que mais recebe se refere a como tratar um familiar que está com câncer. Para uma menina que disse “não sei o que falar com mamãe, estou ilhada de medo e depressão”, Frida respondeu “faça todas as vontades da sua mãe, realize os sonhos dela, faça ela relembrar esses momentos bons”. Frida conta de um menino que levou a mãe para o Rio de Janeiro, realizando o sonho de visitar o cristo redentor.

O filho de uma paciente desabafou: “escuto minha mãe chorar no banheiro. Como posso ajudá-la, como posso chegar perto nesse momento?”. Frida recomenda: “chegue perto, não diga nada. Jamais diga para sua mãe: não chore. Abrace e chore com ela. Isso vai fortificá-la”.

Ao passar pelo andar do diagnóstico no hospital, Frida diz ser muito comum ver a família toda junta e escutar um dos filhos falando não chora mamãe, você prometeu que não ia chorar”. Frida não pensa duas vezes, “eu entro no meio, abraço todo mundo e digo: vamos chorar todos juntos, ela precisa chorar e nós também”.

Frida se refere a essas pessoas que buscam sua orientação como “filhos do câncer”.

“A maioria dos filhos do câncer, se encontram em um desespero tão grande… Buscam um apoio, mas não é o apoio que eles encontram em sites e ONGs. Querem apoios em relação aos pensamentos. Aquilo que uma pessoa que está com câncer pensa. Eles não conseguem entrar nesse pensamento. É muito mais difícil para um filho ver uma mãe, um pai, ou um ente querido com câncer do que ele próprio. A minha resposta para esses filhos é aproximar-se e começar um diálogo bem devagarinho., comendo pelas beiradas. Nada muito bruto, invasivo. Esse é um momento para descobrir o que esse ente querido deseja fazer com seus dias. Não vamos pensar que ele vai morrer amanhã, mas a família, os filhos, os netos, podem realizar sonhos. Então, descobrir o que ele gosta de fazer, o que faz tempo que ele não faz, parentes que não visita há anos… Entre uma quimioterapia e outra, é possível viajar, visitar parentes. É possível visitar um local desejado. Às vezes, uma família inteira faz uma excursão. Isso faz muito bem para quem pratica essa ação e para quem recebe. Para quem pratica é como se fosse um carinho no coração, uma paz. Para o paciente, isso é vida”.

Infelizmente, hoje, ela não está mais aconselhando. Frida está partindo, já inconsciente. A mim, só resta dizer: foi uma honra te conhecer. Vá em paz, minha querida Frida. Que sua purpurina brilhe no céu de hoje, de amanhã, de depois de amanhã, e nos ajude a encontrar um pouco mais dessa lucidez que você esbanja de sobra. Sua voz vai fazer falta.

Atualização: Frida faleceu alguns minutos após essa publicação…

 

]]>
0