Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Morte tem cor e CEP: é necessário expandirmos nossa discussão https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/06/24/morte-tem-cor-e-cep-e-necessario-expandirmos-nossa-discussao/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/06/24/morte-tem-cor-e-cep-e-necessario-expandirmos-nossa-discussao/#respond Wed, 24 Jun 2020 21:10:49 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/ac0f6fdb-b7e0-4b1f-9a12-59d721d747be.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2003 A reflexão sobre racismo estrutural me leva, sempre, a uma análise muito pessoal. Além da importância de discutir uma dívida histórica da escravidão, tento compreender como eu reproduzo esse comportamento no meu dia a dia.

Conscientemente, eu gostaria de dizer que não o reproduzo, mas essa investigação não merece respostas rápidas. No blog Morte sem Tabu, me dei a missão, há seis anos, de contribuir para quebrar o tabu da morte. Mas é necessário ampliarmos essa perspectiva. A partir de hoje, o blog terá uma coautora. Ele será escrito, também, por Jessica Moreira.

Jessica é jornalista do coletivo Nós  Mulheres da Periferia e eu tenho certeza de que, com ela, esse espaço terá ainda mais relevância.
Eu escrevo sobre a perspectiva de uma mulher privilegiada e branca. Levanto bandeiras universais, como ter autonomia, escolhas, direitos, desmitificar o setor funerário, dar espaço a temas delicados sobre depressão e suicídio. Apesar de universais, eles têm cep e cor, pontos de vistas sociais que violam direitos humanos. Sobre eles, devemos dialogar, nos indignar. Merecemos ter, também, outra visão em um espaço que considero nobre. Nobre não pela superioridade, mas pelo alcance, por falar com uma comunidade grande de leitores da Folha.
Jessica, obrigada por aceitar meu convite. Seja bem-vinda. Segue abaixo, seu texto de boas vindas. Confesso que fiquei emocionada e feliz com essa nova fase do blog.
Precisamos falar do luto coletivo da periferia

Após escrever alguns obituários de artistas e lideranças comunitárias das periferias, comecei a refletir: quem é que homenageia os rostos anônimos? Aqueles que não foram reconhecidos como líderes, mas lutaram bravamente pela própria sobrevivência?

Vai parecer mórbido, mas eu cresci visitando o cemitério Dom Bosco, aqui no meu bairro, Perus (SP), com frequência. Meu tio João, um sepultador que enterrou até presos políticos na Vala Comum durante a Ditadura Militar, morava em frente ao cemitério. Era o passeio de fim de tarde com meu pai.

Nas idas, eu sempre olhava as lápides imaginando a história por trás de cada foto; mirava, em Dia de Finados, a grande placa homenageando os presos políticos ou mortos no esquadrão da morte; tentava sempre distinguir uma morte da outra, um rosto de uma frase e me perguntando por que havia flores em umas e, noutras, a ausência de lembrança na imagem preta e branca já apagada pelo tempo. 

Hoje, crescida, eu consigo sistematizar as ideias soltas da criança em novas questões: Quem homenageia as donas Marias ou seus Josés que, diante de uma pandemia, serão esquecidos sem direito sequer a um luto que abrace o coração de seus familiares? 

Até a finalização dessa coluna, o Brasil já contabilizava 52.951 mortes em decorrência de Covid-19, segundo consórcio de veículos de mídia. 

Quem relembra os Joãos, Guilhermes, Ágathas, Migueis, Marielles, que continuam sendo assassinados pelas mãos genocidas de um Estado que mata crianças, jovens, mulheres e homens por serem pretos?

Essas constatações me fazem sempre pensar na minha responsabilidade enquanto alguém que se utiliza das palavras, seja por ofício ou por necessidade.

Diante das dores da morte, o cuidado com a memória deve ser redobrado. Mas isso só faz sentido quando a nossa palavra pode, minimamente, maximizar o tom daqueles que sempre tiveram suas vozes abafadas. 

Por isso a importância das mídias independentes e periféricas, como o Nós, mulheres da periferia, a qual sou cofundadora ao lado de outras mulheres: para que a História seja também registrada por nós. 

A escrita como lugar de memória

Não sou especialista, tampouco tenho a intenção de criar uma receita sobre como cada um deve atravessar o luto ou transformá-lo em memória.  Aqui, compartilho apenas a minha experiência de dor e os caminhos que me ajudaram a sobreviver sem aqueles que amo.

Nos últimos seis anos, eu vivi a perda de cinco pessoas que viviam na mesma casa que eu. Primeiro foi meu pai, Tião, que partiu em apenas 20 dias, acometido por uma diabetes descompensada. Depois, foi meu Tio Tiago, em menos de 30 dias, por conta de cirrose tardia. Em seguida, a Tia Cida, de pneumonia. A vó Laurentina, de morte dita “natural”, aos 96 anos e sem sofrimento. E, há quase conco meses, meu primo Tiaguinho, de câncer, aos 31.

A primeira delas, do pai, completa 6 anos no próximo 2 de julho. O caminho do luto foi pedregoso. Precisei perfurar a barreira do nunca mais e buscar nas nossas memórias juntos um jeito de seguir a vida sem ele.

Todo dia 2 de cada mês eu escrevia um texto em memória ao meu pai, até completar um ano. Foi o meio que encontrei para sobreviver com essa dor: guardando sua memória e mostrando isso ao mundo, entendendo que sua também havia me constituído.

A ancestralidade presente

Na minha vivência, o luto é uma doença crônica e nesse período, que a morte está tão presente em todos os noticiários, a dor do luto também vem à tona. Mas a arte, em todas suas formas, também pode ajudar a esquentar o coração.

Em outubro de 2019, quando o mestre e educador José Soró partiu, nos reunimos na Comunidade Cultural Quilombaque em volta de uma fogueira com tambores, cantando pontos de jongo, uma dança afro-brasileira da região sudeste. 

Um deles diz assim: “tenho saudades de quem se foi, tenho saudades de quem se foi. Saravá! Foi pra Aruanda”. Nas religiões de matriz afro-brasileira, Aruanda é sinônimo de um local espiritual, um ‘”paraíso” ou algo assim.

Longe de mim dizer que você precisa acreditar ou não nisso. Mas aí, dentro de você, que já perdeu alguém, assim como eu, pode ser essa Aruanda, cheia das histórias dos seus. E contá-las também é um ato político e de amor. Pois as memórias das pessoas negras e periféricas importam.

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Avanços e retrocessos para uma morte sem tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/12/29/avancos-e-retrocessos-para-uma-morte-sem-tabu/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/12/29/avancos-e-retrocessos-para-uma-morte-sem-tabu/#respond Sun, 29 Dec 2019 14:37:46 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/01/caveira-180x180.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1821 Conversei com algumas pessoas que considero consultores desse blog sobre os avanços e retrocessos dos assuntos que trato aqui. São muitos. Segura o fôlego e vamos lá. É pertinente a todos nós, que estamos vivos.

Começo com um pessoal. Destaco dois posts do ano. A morte do meu sogro… “Do Tormento à Paz, a morte do meu sogro“. E a despedida à Frida.

Setor Funerário 

  • Compostagem humana é a aposta da próxima década. Em 2021, a Recompose vai oferecer uma alternativa realmente orgânica e sustentável. É uma revolução no mercado funerário porque teremos, pela primeira vez, uma opção além do enterro e cremação. A presidente da empresa, Katrina Spade, esteve no Brasil nesse ano. A Caitlin Doughty, autora de “Confissões de um Crematório” também. Em outubro, o Festival Infinito, trouxe o pessoal do Zen Hospice. Esse ano significou a inclusão do Brasil no movimento internacional de transformação do setor funerário e da medicina no final da vida. Foi a primeira vez que vi esses agentes de mudanças internacionais aqui.
  • Um serviço humanizado: existe uma tendência de profissionalização do setor, com cursos de capacitação e a preocupação de oferecer apoio ao luto.
  • Ainda há um estigma enorme, mas essa década provou que a sociedade tem muito a ganhar com a desmitificação da última fase da vida, do acolhimento da dor e a transformação de parâmetros que não nos servem mais. Como não reconhecer e não respeitar o direito à informação e o poder de escolha.

– Lista completa da Gisela Adissi, empreendedora funerária, com muito orgulho:

Avanços:

  1. Compostagem Humana
  2. Hidrólise Alcalina (cremação líquida)
  3. Green burial (cinzas com sementes de árvores)
  4. Iniciativa de privatização do serviço funerário de SP que será seguido por várias prefeituras
  5. Novas empresas oferecendo produtos de homenagem como Heaven Address e Alife
  6. Legalização do Plano Funerário
  7. Setor funerário trabalhando com humanização, abrindo os olhos para o atendimento humanizado ao enlutado
  8. Cartografia da Morte uma pesquisa inédita para o setor
  9. Entrada de fundos de investimento no setor iniciando uma possível consolidação
  10. Aumento do número de crematórios no Brasil (até 1995 só tinha o Vila Alpina hoje tem mais de 100)
  11. Crescimento dos serviços funerários (no geral) para Pets
  12. Vários velórios hoje já disponibilizando “grieving dog”
  13. Iniciativas para se criar uma ponte com a area de saúde, especialmente com cuidados paliativos
  14. Testamento vital incluindo diretivas de funeral (você pode escolher o que deve ser feito coms eu corpo)
  15. Novas profissões dentro do setor como Funeral Planners e Doulas

Retrocessos

  1. Inciativa da privatização vem no formato Oligopólio, impedindo a livre concorrência
  2. Modelo de rodízio de funerárias em Curitiba, também impedindo a livre concorrência
  3. Alguns Estados tiveram a lei do fraldão para cemitérios aprovada (O espaço do jazigo deve ser forrado com uma manta absorvente que é vulgarmente chamada de fraldão. Não é ruim desde que seja opcional e não obrigatório)
  4. Denúncias de corrupção e propaganda enganosa.
  5. Não existência de leis federais regulamentando o setor nos coloca à mercê de leis municipais absurdas e impede o alinhamento para prestação de serviços funerários (não seria retrocesso é status quo)

Lista da Mylena Cooper – diretora do Crematório Vaticano.

Avanços:

  1. Projetos mais sustentáveis, com menor impacto ambiental em Cemitérios e fornos crematórios.
  2. Produtos biodegradáveis para espargir as cinzas.
  3. Avanço da tecnologia dentro do segmento tornando as cerimônias audiovisuais mais personalizadas e possibilitando um tributo à vida. Ex: projeção mapeada.
  4. Trabalho com cães e gatos terapeutas.
  5. Aplicação de aroma, cromoterapia e comfort food (comida de conforto) nos velórios. Exemplo de comida acolhedora: canja.
  6. Trabalhos de apoio aos enlutados.
  7. Em desenvolvimento: formulários padronizados para repatriamento do corpo entre os países.
  8. Legislações municipais para funeral gratuito para doadores de órgãos.
  9. Desenvolvimento do projeto Funeral Heritage pela FIAT IFTA (Thanos), junto à UNESCO, que preserva a cultura funeral e patrimônios intangíveis do mundo.
  10. Luto pet tornando-se mais reconhecido. Respeitando que onde há amor há dor.
  11. Crematórios pets com cerimoniais.

Retrocessos:

  1. Algumas legislações municipais ferem a livre escolha do consumidor e não estimulam a livre concorrência. Como resultado, a queda da qualidade e melhores condições de pagamento de um funeral:
  1. Rodizio de funerárias em Curitiba – a família não pode escolher a empresa que deseja.

-Lista do coveiro Fininho.

Avanços:

  1. O melhor parâmetro para entender o contexto do setor são as feiras funerárias. A atividade funerária tem marca social, mas os setor anda lado a lado com o desenvolvimento socio econômico de cada lugar.

2. Nos grandes centros, como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Salvador, eu destacaria Salvador com a apresentação do projeto do Cemitério Campo Santo, como uma atividade humana. É um grande exemplo para todo Brasil. Lá se usa gaveta ecológica, o que evita o chorume, problemas com gases, com detritos, entulhos… ou seja, eles dão à atividade uma solução com tecnologia adequada à bio ecologia. Isso é muito interessante.

3. Também destaco o uso maior  de fornos no Brasil. Aquilo que era inacessível a classes mais baixas agora vem se desenvolvendo, modificando as práticas da área.

4. Agora… todo esse avanço tecnológico é pequeno em relação ao todo. em um país gigantesco como o Brasil, um país continental, ele necessita ter uma maior proximidade entre a tecnologia e a necessidade. Ainda se usa muito pouco o aplicativo para soluções do serviço funerário.

5. Por outro lado, há uma crescente onda de aperfeiçoamento, de cursos profissionalizantes para o setor funerário. Há um desenvolvimento no sentido da profissionalização, capacitadas dos atores da área funerária. Isso é algo muito positivo no setor.

6. Isso ocorre devido ao fato de grandes empresas suecas e canadenses atuando no ramo. Podemos destacar como positivo empresas realizando grandes velórios, fazendo com que o velório, o sepultamento ou a cremação seja de fato um evento.

7. Crescimento e verticalização dos cemitérios. Isso é uma americanização. O que mais se usava era o sistema europeu, que é o cemitério jardim e o cemitério construído. Agora temos a tendência da verticalização, cemitérios memoriais, com grades paredes, grandes prédios e é um sistema americano de sepultamento. Você usa menos equipamento, menos área e pode operar com menos funcionários.

Retrocessos

  1. De 2009 até hoje é flagrante e desenfreada a comercialização da atividade. Ela também deveria contar com aspectos sociais e civilizatórios e passa por um processo de comercialização forte. Alguns aspectos éticos deveriam ser acertados entre a sociedade e os atores
  2. O enterramento e a cremação devem virar bem de comércio? Será que a morte também é bem de comércio? Não seria um tanto exagerado isso? É importante sabermos que a grande maioria não tem dinheiro nem para comprar o caixão. E o Estado tem muita pressa para se livrar daquele que não contribui. Como eu posso comercializar algo que ninguém estima o valor?

Proteção de dados

A advogada Luciana Dadalto chama atenção para um potencial problema. A nova Lei geral de Proteção de Dados, de setembro de 2019, não olha para as necessidades do Setor Funerário. “É uma lei extremante complexa, ninguém sabe como ela será aplicada na prática, mas podemos ver que ela irá impactar o setor funerário de uma forma que ainda não conseguimos prever. O setor está alarmado nesse sentido. As pessoas precisam começar a entender que esse é um setor da economia como qualquer outro”.

Ortotanásia e Cuidados Paliativos

Ortotanasia é o processo de morte natural. Nele, não se abrevia a morte, como na eutanásia, nem estende a morte, como na distanasia – processo comum nas UTIs.

Alguns avanços:

  1. Livro sobre morte é o mais vendido da sua editora, a Sextante. “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, da Ana Claudia Arantes.
  2. Novela das 7 da TV Globo tem como tema principal um doente terminal, sem cura prevista pela medicina. O texto conta a consultoria da Ana Claudia Arantes. É a primeira vez que esse tema ocupa um espaço nobre na ficção da Globo. Ta incrível. Exibimos um programa no Conversa com Bial que vale a penas ser visto, aqui.
  3. Fundação da “Casa Humana”, que oferece Cuidados Paliativos em domicílios.
  4. A ANCP – Academia Nacional de Cuidados Paliativos fez um mapa sobre a oferta de cuidados paliativos no país. Dá uma olhada no site. A Academia tem se mostrado cada vez mais sólida, liderada por pessoas engajadas em uma medicina humanizada, e conquistando espaço para os cuidados paliativos no país.

Eventos

Destaco 3 eventos que me surpreenderam.

  1. Movimento Infinito – site oficial do festival  aqui. 
  2. Cineclube da morte – exibição de filmes que tratam o assunto morte, no Belas Artes. Seguido de um debate.
  3. II Congresso Paulista de Cuidados Paliativos – organizado pela ANCP.
  4. I Congresso Brasileiro sobre Luto – organizado por Maria Helena Franco.
  5. Suicídio – o trabalho da Karen Scavacini de prevenção e posvenção do luto é fundamental. Conheça mais no portal do Vita Alere.

Algumas iniciativas que seriam impensáveis no começo dessa década.

  • Bio Parque – Parque com árvores plantadas com as cinzas de cremação. Eles fazem uma cápsula que pode ser plantada onde você quiser.
  • Zilgo – Se definem como uma solução de produtos em luto.
  • Meu Último Desejo – mensagens pós-morte por 4,99 mensais. Você separa mensagens, vídeos e fotos e determina quando serão enviados e para quem.

Sobre luto, vale a pena conhecer o portal dessas organizações:

Instituto 4 estações – “Desde 1998 o 4 Estações Instituto de Psicologia destaca a importância dos vínculos afetivos oferecendo tanto aos indivíduos e comunidades, quanto aos profissionais de saúde e educação um importante trabalho de prevenção, educação e tratamento em situações de perdas, luto e outros momentos de transformações da vida”.

Instituto Entrelaços – “O Instituto Entrelaços nasceu do desejo de duas psicólogas, com larga experiência clínica e hospitalar, em promover o atendimento clínico e a capacitação e formação de profissionais da saúde e afins, em temas relacionados a perdas e ao luto”.

Vamos Falar sobre o Luto? – “é uma plataforma digital de informação, inspiração e conforto para quem perdeu alguém que ama ou para quem deseja ajudar um amigo nessa etapa tão difícil. Uma tentativa de romper com o tabu e tornar a experiência menos triste e solitária”.

Finalizo com o instagram do Jardim da Ressurreição. Muito bem bolado.

Uma boa passagem de ano a todos vocês, obrigada por me acompanhar por mais um ano.

Um abraço,

Camila

 

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“Morte sem Tabu” pede licença para parir https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/11/morte-sem-tabu-pede-licenca-para-parir/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/11/morte-sem-tabu-pede-licenca-para-parir/#respond Fri, 11 Mar 2016 16:36:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=859 “Morte sem Tabu” completa cem artigos, pede licença para parir e convida leitores para enviarem depoimentos.

Camila Appel267556
Camila Appel. Foto de Hudson Senna @estudiotocha

“Morte sem tabu” pede licença para parir e coloca o blog à disposição de depoimentos dos leitores. Serão bem-vindos relatos sobre envelhecimento, perda, luto, acompanhamento de pessoas em final de vida, opiniões sobre aborto, suicídio, eutanásia, depressão, dilemas morais, reflexões filosóficas, relatos médicos, a ciência e o futuro da morte, enfim, os temas abordados por aqui.

Pensar na morte, hoje, é um ato secreto e acanhado. Há certo constrangimento em dedicar-se a algo que de nada agrega à produtividade óbvia da sociedade. Se bem que a morte em si é bem produtiva porque gira um mercado enorme, aquele que você só descobre quando precisa desesperadamente dele e tem pouco tempo e disposição para fazer uma pesquisa mínima, como faz ao consumir um produto ou serviço de qualquer outro setor.

Puxar uma conversa franca sobre receios em relação ao envelhecimento, como dizer que sua memória está te pregando uma peça, ou falar sobre o medo de ser um fardo, de ficar sozinho, pensar no legado de uma vida ou fazer um testamento, são atitudes vistas como inconvenientes.

Refletir sobre a finitude seria uma perda de tempo comparado aos mil artigos opinativos que poderíamos escrever sobre  a política e a economia do nosso país. Ainda bem que há gente o suficiente para esmiuçar todo esse terreno “quente”, como dizem nas redações dos jornais. E ainda bem que existe espaço para os terrenos “frios”, como esse aqui.

Estou prestes a parir e tenho facilidade em procurar informações relacionadas a como ajudar alguém a nascer: tipos diferentes de partos, de médicos, vantagens e desvantagens do parto humanizado ou da cesárea, do parto em casa ou institucionalizado, fazer episiotomia ou não, tomar anestesia ou não, os tipos de anestesia, as fases do parto, quem são as doulas e como podem ajudar, para que serve uma fisioterapia de assoalho pélvico, benefícios de amamentar imediatamente, o corte do cordão umbilical, o que é a depressão pós parto e seus riscos, enfim, o conhecimento a respeito está disponível.

Numa pesquisa sobre como ajudar alguém que está no leito de morte, o cenário muda completamente. Ficamos perdidos, sem saber onde encontrar informações confiáveis. Tratamentos, tipos de médicos, morte em casa ou institucionalizada, sedar, sedação paliativa, entubar, não entubar, esperar, agir, doar, quais decisões tomar. Há uma confusão mental e física num momento de extrema vulnerabilidade. E depois da morte, os trâmites… enterrar, cremar, inventário, herança, homenagear, sofrer e sobreviver. Em muitos casos, a saída é fechar os olhos e aguardar. Torcer para que esse momento passe rápido e o mais longe possível. O que os olhos não veem, o coração não sente, dizem por aí.

Não precisaria ser assim. Nem vai ser assim por muito tempo, porque as coisas estão mudando. A rede social permite testemunhos e confidências de todos os tipos, inclusive sobre a perda. Em breve, será comum falarmos sobre os dilemas do final da vida. O IBGE calcula que em 2050 o Brasil será classificado como um país velho.

Criaremos novas estruturas sociais, como políticas públicas de cuidados paliativos e licenças, num molde similar à licença-maternidade, para quem deseja auxiliar um parente no final da vida. E criaremos novos tabus, principalmente sobre o que é morrer bem ou morrer mal, como existe hoje em relação ao parto.

Como a morte, a maternidade também é uma viagem ao desconhecido, mas nessa aqui temos o privilégio de continuarmos a ser testemunhas e atores do tempo, do movimento cíclico da vida. E com a dádiva de sermos de carne e osso para poder sentir os frios da barriga que nos dominam quando uma grande mudança está prestes a acontecer.

Até daqui a pouco.

OBS: Enviem os depoimentos para mortesemtabu@gmail.com ou entrem em contato pela página do blog no Facebook.

Ensaio de fotos feito pelo meu marido, Hudson Senna (@estudiotocha): A força da natureza e seus 4 elementos (terra, água, fogo e ar – a foto da gravata borboleta não representa um elemento, é só uma brincadeira minha. Ou talvez esse seja um quinto elemento: a descontração).

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Para além dos cem https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/02/24/para-alem-dos-cem/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/02/24/para-alem-dos-cem/#respond Wed, 24 Feb 2016 11:38:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=844 O mito de Titono fala sobre um fulano que foi presenteado com a vida eterna, mas não ficou tão feliz assim devido a um pequeno detalhe. A dádiva foi uma conquista de sua amada Aurora (Eos da mitologia grega, deusa do amanhecer) que, apaixonada por um mortal, intercedeu junto a Zeus pedindo a tal da imortalidade. Mas ela esqueceu de pedir também a eterna juventude. Titono foi envelhecendo até virar putrefato e sem movimentos. Aurora trancou o ex-amado num quarto escuro para não ser mais obrigada a olhar para ele.

O avanço da tecnologia e suas aplicações médicas nos oferecem a possibilidade de imaginar um novo desfecho para Titono. Tocada pela situação de seu amado, Aurora intercederia junto ao deus Tecsus para que use sua tecnologia e imprima os órgãos 3D do seu querido, incluindo pele e ossos, com base na receita de seu DNA.

Impressões de órgãos podem não ser uma realidade tão distante. A “Scientific American” tem publicado artigos a respeito. Apesar de não ser uma possibilidade hoje, espera-se que em 2020 esteja despontando por aí. A empresa belga Materialise já disponibiliza algumas aplicações importantes para o uso de modelos de órgãos em 3D. Alguns cientistas falam em uploads de consciências em novos cérebros artificiais, como o popular expoente da ciência da computação, Ray Kurzweil. Ele acredita que alcançaremos uma imortalidade cibernética lá pelos anos 40. Kurzweil prevê que em 2029 já seremos parte humanos e parte máquinas, principalmente com o crescimento da nanotecnologia. Também diz não ter dúvidas de que um dia seremos imortais e de que vamos transferir o conteúdo do nosso cérebro para outro meio físico, como um novo hardware.

No futuro, poderemos ter corpos e mentes artificialmente projetados. Quem sabe, ser de carne e osso será comparado a selvagens indomáveis que precisam ser colonizados.

Se você pudesse escolher quantos anos deveria viver, qual número escolheria? 100, 105, 125, 150? Ou começaria com mil e conforme fosse se enfadando da vida iria diminuindo o número até chegar no zero? Aí, era só chegar numa clínica de “boa morte” e fazer com que a mente pare de funcionar numa viagem promovida a psilocibina e sem dor. Uma decisão racional, como a eutanásia e o suicídio assistido. Mesmo resultado, diferentes motivos.

Kurweil prevê, por exemplo, que em 2030, vamos criar avatares de pessoas que já morreram com as informações passadas em vida. Essa ideia foi desenvolvida num episódio da série “Black Mirror”, disponível no Netflix. No episódio, uma empresa cria réplicas dos mortos usando vídeos (para imitar sua voz, movimentos faciais e corporais), fotos e e-mails, toda informação deixada em vida para também reproduzir suas possíveis opiniões e decisões. Um grande desdobramento para essa inovação seria novos paradigmas para o desapego e o luto.

Se a eterna juventude fosse então possível, haveria um momento em que Titono decidiria morrer por conta própria? Cansado de Aurora e dos deuses eternos do Olimpo, ele diria um basta por estar exaurido nem tanto dos outros, mas de si mesmo. O tédio tomaria conta de Titono. Até que um dia, ele subiria no alto de um precipício, arrancaria a própria pele e sairia voando.

OBS: Esse é o centésimo post do blog “Morte sem Tabu”, que segue sua trajetória para além dos cem….

 

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Foto do pinterest: https://www.pinterest.com/XElenaX/tim-burton/

Vídeo: Você viverá o suficiente para viver para sempre? Ray Kurzweil

 

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O próximo tabu a ser quebrado: a morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/16/o-proximo-tabu-a-ser-quebrado-a-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/10/16/o-proximo-tabu-a-ser-quebrado-a-morte/#respond Thu, 16 Oct 2014 11:11:00 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=20 Foi o depoimento da atriz Odete Lara que me despertou. Ela dizia que a morte é o próximo tabu a ser quebrado na nossa sociedade, depois do sexo. Tabu ou não, é raro se ver discussões na mídia sobre o tema. Tempos atrás não se escrevia a palavra câncer nos jornais, muito menos orgasmo. Hoje escrevemos e falamos sobre isso com total liberdade e criamos plataformas para esmiuçarmos os mais variados assuntos como maternidade, vegetarianismo, homossexualidade, finanças etc. Foi aí que surgiu a ideia de um blog para tratar de um assunto pouco abordado, mas polêmico e complexo, tão natural quanto estranho: a morte.

Sim, todos nós vamos morrer, um dia. Mas no fundo ainda conto com a possibilidade de que esse dia nunca chegue. Ela que exista, claro, longe de mim. O medo da morte é tema comum nos ensaios filosóficos e psicanalíticos. Há uma linha de raciocínio, defendida pelo antropólogo Ernest Becker (1924-1974) em seu premiado livro “A Negação da Morte”, que afirma que a repressão do medo natural da morte o transforma em pânico, refletindo em paranóias da nossa sociedade, como a necessidade de heroísmo, de sermos especiais, diferenciado dos demais.

O desconforto com a morte também pode estar ligado à busca pela juventude eterna e ao afastamento dos doentes do circuito social para o isolamento do hospital, em contraposição a um costume não mais usual onde os familiares morriam e eram velados dentro de casa.

A sociedade da juventude eterna negaria a morte e tudo relacionado a ela, inclusive as discussões a seu respeito.

Esse é um ponto de vista, mas chama atenção ao colocar a repressão do medo da morte como uma característica ocidental com repercussões negativas. Esse blog vê sua razão de existir em encarar o tema e não reprimi-lo.

Essa me parece uma tendência inevitável. Hoje em dia nos conectamos com o mundo pela internet, lemos notícias e alimentamos um perfil virtual. A geração que viu tudo isso surgir ainda está viva. A vida on-line em algum momento deverá pensar na morte e abordá-la de forma sistemática, sem pudores, já que o perfil on-line não morre naturalmente, mata-se.

Comentei com amigos e familiares sobre o interesse em criar esse blog e as reações confirmaram o título deste post. A morte é um tabu, um tema contagioso e de mau agouro. Aqui, vamos jogar uma luz sobre ela explorando pensamentos nas áreas da filosofia, psicologia, ciência e religião, além de prestar um serviço ao leitor, ao trazer informações úteis a respeito das burocracias, da indústria que gira em torno dessa atividade tão presente e tão repudiada.

Nos esforçamos para viver cada vez mais e tem quem diga ser parte do desejo biológico de aperfeiçoamento humano. Mas não há fuga da realidade indiscutível de que um dia deixaremos de existir. E falar a respeito pode ser tão natural quanto o medo desse destino inevitável.

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