Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Manoel: o sepultador que lutava pelos direitos dos sepultadores  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/09/23/manoel-o-sepultador-que-lutava-pelos-direitos-dos-sepultadores/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/09/23/manoel-o-sepultador-que-lutava-pelos-direitos-dos-sepultadores/#respond Wed, 23 Sep 2020 22:24:56 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/manoel-norberto-arquivo-pessoal-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2105 Manoel Norberto Pereira morreu aos 54 anos, em agosto, em decorrência de um câncer no esôfago. Agente  sepultador e líder sindical, teve papel fundamental na luta dos direitos dos trabalhadores do serviço funerário durante a pandemia. 

Era 3 de abril. O início incerto e tortuoso de um longo período de pandemia. Eu buscava por agentes sepultadores que topassem falar sobre os desafios desses profissionais em meio às preocupações do novo coronavírus.

Os funerais já haviam sido barrados; os enterros reduzidos a poucos familiares. Nas fotos dos grandes jornais, as mãos de homens anônimos abriam as valas comuns, enquanto se misturavam às camadas de terra.

Nas despedidas encurtadas, eles, sempre lá, segurando as próprias dores e medos. Atrás desses uniformes azuis, quem olhava para suas angústias e necessidades?

Manoel Norberto Pereira me atendeu prontamente. Antes, eu tinha assistido um vídeo dele no Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP). “Puxa, que pena, se eu soubesse que vocês estavam tão perto, teria ido ao cemitério para conversar contigo”, lamentei.

Naquela semana, ele havia rodado vários cemitérios além do Dom Bosco, acompanhado do parceiro João Batista, ambos dirigentes do Sindsep (Sindicato dos Servidores Públicos De São Paulo).  Em cada unidade, produziam um vídeo junto aos colegas denunciando a ausência de EPIs (Equipamento de Proteção Individual), escassez de álcool em gel ou de roupa adequada.

“Dessa vez, a mídia está em um contínuo alarde. É um vírus que é mais letárgico, está matando mesmo. Não dá pra você dizer que não tem medo”, disse em entrevista para mim naquele dia. “Ninguém quer se contaminar. O pessoal está querendo os EPIs, que é o básico para poder trabalhar com tranquilidade. Fora o uniforme comum, azul e bota, o ideal seria o macacão branco descartável, máscara NH95, que é bastante segura, luvas e o álcool em gel”, me contou.

A ideia era publicar a matéria ainda naquela semana. Porém, com dificuldades para encontrar mais fontes, a pauta paralisou e fui engolida por outras reportagens. A entrevista ficou aqui, bem guardada. Manoel não havia apenas falado sobre o caos pandêmico, mas sua história de vida, tudo que sempre vale a pena ser contado.

Era 19 de agosto, o celular apitou com uma mensagem de Alexandre, assessor de imprensa do Sindsep. Estranhei. 

“Nossa homenagem ao amigo e companheiro Manoel Norberto Pereira”, dizia o texto. Manoel havia falecido naquele dia, em decorrência de um câncer no esôfago, descoberto 17 dias antes. Nos últimos tempos, queixava-se de dores abdominais. Quando internado, a doença já estava em grau avançado.

Lembrei da entrevista que ainda não havia sido publicada e me peguei pensando na brevidade das manchetes, nas histórias que a gente não só deixa contar, mas, muitas vezes, até de ouvir.

Por isso, escrevo agora esse perfil. Uma homenagem e até um pedido de desculpa tardio, pela palavra que não chegou. Mas que vem agora na voz da irmã, a Andressa Norberto, relembrando que se falavam diariamente e inventam novas palavras para aquelas que Manoel não conseguia pronunciar; na voz do companheiro de trabalho, o João Batista, recordando as greves nas quais saíram vitoriosos; da filha, Fernanda Pereira, lembrando o diálogo cuidadoso entre pai e filha; e também da sobrinha Luiza, de seis anos, que tem o tio e as brincadeiras de cabaninha guardadas num desenho de papel sulfite.

“Sempre foi muito tranquilo”

Nascido em 24 de dezembro de 1966, na região da Vila Maria, zona norte de SP, mudou-se ainda criança para São Miguel Paulista, zona leste, com os pais, José Norberto e Leonor Pereira, e o irmão mais novo, Wagner. Na época, eram só dois, até chegar os demais, Josias, Vania e Andressa, a caçula e guardiã dessa memória. 

Embora a infância tenha sido cercada de dificuldades, foi também regada de brincadeiras na rua. “Tinha carrinho de rolimã, pião, empinar pipa e muitos amigos pela rua. Ele sempre foi muito tranquilo, uma pessoa muito calma”, lembra a irmã.

Manoel ainda crianã (Arquivo da família)

Mas Manoel também cresceu vendo os índices de desemprego da época afetando diretamente sua família. O pai, motorista, muitas vezes se via sem registro na carteira de trabalho. Aos 13 anos, o menino deixou a escola para trabalhar na feira e ajudar nas contas da casa. Aos 16, o dinheiro vinha de um trabalho num bar na região do Pari.

Andressa acredita que foi nesse período que o álcool também atravessou a trajetória do irmão e o acompanhou por bastante tempo. Na entrevista com ele, a questão não foi escondida. Pelo contrário. Fazia questão de contar e dialogar com outros colegas de profissão, já que muitos são acometidos pelo mesmo problema.

‘Não queria enterrar os colegas’

Em 1997, uma amiga que trabalhava no serviço funerário o alertou que havia concurso aberto para agente sepultador. Não pensou duas vezes. Ao entrar, no entanto, optou por não trabalhar próximo de São Miguel Paulista. “Não queria trabalhar perto de casa, porque sabia que iria enterrar colegas”, dizia. 

“Não queria enterrar os colegas”, dizia, quando entrou no serviço funerário (Arquivo pessoal)

Foi para o Cemitério da Penha, onde ficou três anos. Penha, inclusive, se tornou seu apelido nos outros cemitérios. Os problemas com alcoolismo se intensificaram e ele procurou ajuda com um tratamento. Ficou afastado e, ao voltar, também mudou de unidade.

“Fui para o Cemitério de Itaquera. Lá, foi onde eu tive a oportunidade de ir ao Alcoólicos Anônimos (AA). Além de sepultador, eu comecei a fazer um trabalho de serviço social. É comum demais o problema do alcoolismo entre sepultadores”.

‘Vou ser o Dr. Manoel’

Tornou-se encarregado e, nessa época, por volta dos anos 2000, também passou a se envolver na luta por mais direitos dos servidores públicos. Aos 44, voltou para a escola e terminou os estudos que havia deixado ainda criança. Agora, cursava o 4º ano da Faculdade de Direito e dizia sempre à irmã: “antigamente, eu era o Mané, agora eu sou o Manoel. Vou ser o doutor Manoel”.

“Não para de chegar homenagem para o meu irmão”, conta. “Como era envolvido com o sindicato, viajou para muitos locais, como Brasília, Rio de Janeiro, conheceu muita gente. Ele inspirava as pessoas”.


O companheiro de lutas

Inspirava mesmo. Integrante do Alcóolatras Anônimos do Sistema Funerário, Manoel ganhou não só o respeito, mas também a confiança de outros funcionários que passavam por situações similares. Contava sua história em palestras, era motivo de orgulho em casa e no trabalho. Estava alocado no cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, mas afastado para exercer o trabalho junto ao sindicato.

“Em 2011, realizamos uma grande greve na prefeitura de São Paulo, que durou 24h. Saímos vitoriosos, parando boa parte do serviço funerário. Depois, fizemos uma nova paralisação de 4 dias e Manoel teve um papel muito importante”, relembra João. 

“Uma perda irreparável”, diz dirigente do Sindsep

Sindicalizado desde os anos 2000, a atuação nas paralisações efetivou ainda mais sua participação no Sindsep. Tornou-se representante e até o momento era diretor e coordenador da região oeste de SP. Os dois caminharam lado a lado por mais de 10 anos e, neste momento de pandemia, a parceria se fortaleceu, diante da missão de vistoriar os cemitérios.

“Eu o Manoel ficamos destacados para fazer o trabalho junto ao serviço funerário. Foi o que fizemos. Dia sim, dia não estávamos no cemitério para poder denunciar a falta de equipamentos de proteção individual”, afirma orgulhoso e creditando ao trabalho deles o baixo número de mortes por Covid-19 entre funcionários do setor funerário.

“Foi uma perda trágica. Para nós, uma perda irreparável. Era um companheiro de luta, um amigo. Defendeu a vida e a proteção dos trabalhadores do serviço funerário. Essa é a lembrança que vamos ficar do Manoel”.

Era militante do Partido dos Trabalhadores (PT), mais especificamente da corrente do O Trabalho, seção da Quarta Internacional Trotskista. Foi delegado nos congressos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e também da Fetam (Federação dos Trabalhadores da Administração e dos Serviços Públicos Municipais do estado de Alagoas) e a Confetam (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal). Foi um dos organizadores da Greve dos 100 mil contra a Reforma da Previdência no estado de São Paulo e capital paulista. “Ele se foi, mas a luta vai continuar”, diz o parceiro João.

Orgulho da família

Em casa, a família apoiava sua militância e até o chamava de “deputado”, brincando. Vivia com os pais, mas quase todos os dias falava com a irmã, Andressa. Mesmo 13 anos mais nova, os dois eram grandes amigos.

“Ele me inspirou a enxergar que nunca é tarde pra nada: para estudar, para ser feliz ou mudar a vida. Mas você tem que fazer isso baseado em uma verdade, é o que ele pregava. Sempre foi muito verdadeiro em tudo. Não deixava pra falar as coisas depois, isso foi uma das coisas que aprendi com ele”, diz a irmã. 

Manoel junto aos irmãos e os pais (Arquivo da família)

O mesmo diz a filha, Fernanda Ferreira, 22. “Eu tenho muito orgulho do meu pai. Ele voltou a estudar com mais de 40 anos. terminou o ensino fundamental, o médio, tirou a carta de motorista, que era um dos sonhos dele. Saber que meu pai saiu do alcoolismo e se tornou estudante de Direito, líder sindicalista, é um orgulho”.

Um aluno dedicado

Andressa conta rindo sobre as vezes que ajudou o irmão com os trabalhos da faculdade. Toda vez que ele não sabia uma palavra, porque a pronúncia em outro idioma era difícil, ele inventava uma outra no lugar. “Para download ele dizia darlon e backup ele chamava de baduque. Ele era divertido”.

Mas mesmo não tendo muita intimidade com o idioma, Manoel sempre fez questão de pagar o curso de Inglês para a filha, que hoje é professora da língua estrangeira e também estuda Psicologia.

Ele era um aluno muito dedicado. Sempre me incentivou muito a estudar, sempre pagou meu curso de Inglês mesmo depois que comecei a trabalhar, porque era uma coisa que ele gostaria de fazer”, conta a filha.

Ela diz, ainda, que dada a criação mais rígida, Manoel não era do tipo que demonstrava amor por meio de abraços ou beijos. O cuidado vinha nas atitudes e no relacionamento sempre muito aberto entre os dois no cotidiano.

“A gente conversava bastante. Sobre relacionamentos, política, história do Brasil, sobre sua infância”, recorda a moça. “Uma das últimas coisas que ele me falou em vida é que gostava muito da relação que a gente tinha, porque existiam muitos pais e mães que nem conversavam com seus filhos”.

Mesmo pautando sua vida na luta por mais direitos, Manoel tinha a sensibilidade de entender que os gostos da filha eram diferentes. Por isso, uma das lembranças mais tenras que ela tem é do dia que ele a levou junto à prima para ver o uma peça da Kéfera.

“Tinha orgulho de nossa relação, sempre muito aberta a falar de tudo” (Arquivo da família)

“Meu pai nunca veria uma apresentação da Kéfera, mas topou fazer por mim e pela minha prima, eu sabia que ele devia ter odiado, mas reservou aquele tempo porque sabia que eu queria muito, fiquei muito contente”, relembra, trazendo uma marca de Manoel, olhar para o outro.

Com cada geração, ele falava a língua que precisava ser dita. Talvez, os anos como líder sindicalista tenha corroborado no tratamento com públicos diferentes. Não era diferente quando se tratava das sobrinhas, Luiza e Lara, filhas de Andressa, de 6 e 2 anos.

“Ele era apaixonado por elas. Foi com ele que Luísa andou de ônibus a primeira vez. Era um tio que fazia cabana com cabo de vassoura. Pegava a cadeira, lençol, botava uma mesa de plástico no fundo de casa, cobria com lençol, faziam várias selfies”, relembra.

‘As certezas da vida’

Foi Andressa quem acompanhou o irmão no hospital nos últimos dias e, agora, está tentando olhar o processo de partida da forma como ela acha que ele aprendeu a ver a morte, nesses 20 anos no cemitério:

“Ele dizia que ‘nossas únicas certezas é que nascemos e morremos, o restante é uma aventura’. Trabalhou muito perto da morte. Isso o tornou com uma visão mais diferenciada da nossa, que não vivenciamos essa rotina diária. Mesmo assim foi um baque”. 

No hospital, a equipe de cuidados paliativos o questionou se gostaria de ir para uma casa especializada nesse tipo de cuidado. “Ele disse que não, pois queria morrer perto da família, e que o mantivessem no hospital, não com gente desconhecida. Tentei acalentar, dizendo para termos fé e esperança e ele falou que as palavras eram lindas, mas a realidade era outra, ele só queria descansar. Ele já estava ciente de tudo”.

Ao tio Manoel 

Luíza, que tanto brincava com o tio, expressou a dor por sua partida brincando. Era assim que os existiam juntos e que ela deixa eternizado num desenho em grafite feito numa folha de papel. O tio no alto, ela e a irmã brincando, enquanto ele olha por elas, assim como fazia durante os dias de cabaninha.

Sobrinha LUiza, de 6 anos, fez um desenho homenageando o tio (Arquivo da família)

 

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História da vala clandestina de Perus (SP) ganha livro após 30 anos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/08/30/historia-da-vala-clandestina-de-perus-sp-ganha-livro-apos-30-anos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/08/30/historia-da-vala-clandestina-de-perus-sp-ganha-livro-apos-30-anos/#respond Mon, 31 Aug 2020 01:56:26 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/memorial-vala-clandestina-cemiterio-perus-1-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2085 As curvas que desembocam no Cemitério Dom Bosco, em Perus, região noroeste de SP, são desertas e com árvores que tornam a estrada ainda mais obscura. Há 30 anos, o caminho e o Cemitério Dom Bosco estampavam as capas dos jornais diante da abertura da Vala Clandestina Comum construída em 1976 e que serviu como destino final de 1.049 ossadas, entre vítimas da repressão da ditadura militar, mortos pelo esquadrão da morte ou pela epidemia de meningite dos primeiros anos da década de 1970.

Descoberta a partir das investigações do jornalista Caco Barcellos, a vala veio a público em 4 de setembro de 1990, sob o mandato da então prefeita Luiza Erundina. Na terça-feira (1), às 18h, o Instituto Vladimir Herzog lança em suas redes sociais o 1º capítulo do livro “Vala de Perus: uma biografia”, escrito pelo jornalista Camilo Vannuchi.

Em oito capítulos, o livro pretende mostrar a trajetória da vala ilegal e como o assunto ressoa até hoje no bairro da periferia de São Paulo.

“Mesmo nas tardes de julho, quando um vento frio costumava varrer o aclive suave da área destinada às sepulturas de Perus, familiares levavam flores, limpavam as placas de homenagem, arrancavam ervas daninhas. Em razão da pesquisa sobre as mortes da PM, Caco gostava de ir aos cemitérios aos domingos”, é um dos trechos do livro, que será lançado semanalmente nas redes sociais do instituto. 

Para Vannuchi, o tema se faz ainda importante nos dias de hoje, uma vez que a ocultação de cadáveres e desaparecimento permanece acontecendo no Brasil. “A vala clandestina retrata o período de exceção, com elementos e modos operandi que ainda se mantém em 2020. Até hoje os pretos, pobres e periféricos são assassinados e há ocultação de cadáveres. Onde está Amarildo? Quem matou Marielle Franco?”, questiona o jornalista.

A descoberta por um funcionário

Sentado em um banco do lado oposto do cemitério, Antônio Eustáquio, 75, aguarda pela reportagem lendo um livro. De 1978 a 1992, ele foi administrador do Dom Bosco e importante expoente na descoberta da existência da vala. Hoje, aposentado, administra uma floricultura e um bar, onde conta a história enquanto atende os clientes. 

Com faro de investigador herdado dos tempos de jornalista comunitário, o administrador estranhou o alto número de registros de indigentes exumados sem localização das ossadas. Os sepultadores evitavam falar sobre o assunto, até que um deles revelou a vala ilegal próxima ao cruzeiro do cemitério, que havia sido aberta após tentativa frustrada de criação de um crematório para esconder as ossadas espalhadas pelas salas de velório.

Homem atrás de um balcão
Antônio Eustáquio foi administrador do Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP) durante a ditadura militar ( Créditos: Jéssica Moreira)

Como Antônio também dormia na sala da administração, aproveitou uma das noites e foi verificar se havia mesmo alguma coisa no espaço dito pelo funcionário. Pegou uma sonda de ferro de mais de 3 metros de comprimento e enfiou em quatro cantos, confirmando as suspeitas.

“Aos domingos vinham famílias que pareciam não ser da região, com carros de placas do Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte”, relembra. “Alguns familiares chegaram a dizer que estavam procurando seus familiares desaparecidos”. Até o momento, ele não podia dizer nada, somando quase 10 anos entre a descoberta e a divulgação pela imprensa.

“O momento de maior medo foi quando ameaçaram meus filhos, mas fora isso eu nunca tive medo. Minha convicção era cuidar dessa memória”, conta o ex-funcionário olhando para o grafite na parede do cemitério que simboliza as botinas sangrentas de Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, condenado por ter sido torturador da ditadura militar.

Um silêncio de gerações

Ao buscar pessoas que queiram falar sobre o assunto em uma página com mais de 80 mil pessoas do bairro, apenas 20 comentam a postagem e a maioria indica o nome da professora de História Jaine Lima, 54. Aposentada, ela escreveu uma dissertação sobre o assunto em uma especialização em História pela Unicamp e lecionou para diversas gerações do bairro.

“Eu tinha um tio policial militar que dizia que o “comunismo era uma coisa ruim”Como eu era muito curiosa, fui pesquisar o assunto. Como professora do 3º ano do ensino médio, cujo conteúdo era a Ditadura Militar, eu sempre dava ênfase à história da vala clandestina de Perus, com trabalhos de campo e visitas ao Memorial da Resistência de São Paulo”, conta.

Mas o silêncio e o medo de falar sobre o assunto ainda se instala entre as gerações mais velhas, que evitam comentar sobre a vala com medo de represálias. O grupo de psicólogos do projeto Margens Clínicas, que aconteceu no bairro de 2016 a 2017, pode constatar isso de perto, ao ter dificuldade de encontrar gente que topasse falar sobre o período em rodas públicas.

“A violência de estado produz esse silêncio. Ninguém quer dizer e se levantar para dizer que sabia ou deixa eu dar meu depoimento. Esse silenciamento é fruto da própria prática de violência com as pessoas não se sentirem à vontade para falar a respeito do que aconteceu ou do que viram”, salienta o psicólogo Vitor Barão, 36, que era parte do projeto.

“O Cemitério Dom Bosco simboliza uma história verídica de um período de censuras, prisões e mortes de pessoas questionavam a ditadura e a opressão. Por isso, é nossa obrigação contar os fatos, para que, no futuro, isso não volte a acontecer”, acredita a educadora.

Sobre isso Antônio se entristece. Na época, ele lembra de ter sido muito julgado por seus companheiros e ficado conhecido como alguém exonerado do serviço público por ter “mexido com os terroristas”, forma preconceituosa que parte da população denominava os militantes políticos.

Uma memória em construção

Por outro lado, movimentos formados pela juventude do bairro fazem questão de tornar o assunto cada vez mais público. É o caso do Grupo Pandora de Teatro que, desde 2018, apresenta o espetáculo “Comum”, que traz a história pela perspectiva dos sepultadores e também de quem até hoje busca por seus familiares desaparecidos.

Para a atriz do grupo, Caroline Alves, 21, que cresceu ouvindo as histórias de seu tio que foi sepultador do cemitério no período da criação da vala, o fato não pode mais ser soterrado. “O espetáculo traz a tona um assunto ainda pouco falado pela população e mostra para os mais novos a importância da memória e verdade”.

Cena do espetáculo “Comum”, do Grupo Pandora de Teatro (Divulgação)

Além do Pandora, a Comunidade Cultural Quilombaque também realiza as trilhas da memória “Ditadura Nunca Mais”, para grupos de estudantes, nas quais um dos pontos de parada é o cemitério.

“É importante destacar o genocídio que pregavam naquela época e que acontece até hoje. A trilha é um jeito de os moradores entenderem o que foi a vala e entenderem os dias atuais”, diz Cleiton Ferreira, 36, cofundador da organização, que acredita ser importante falar sobre a morte de jovens negros, pobres e periféricos que também foram encontrados na vala.

A última vez que a “caixa” de 1.049 ossadas foi aberta pelo Grupo de Trabalho Perus (GTP), do CAAF (Centro de Arqueologia e Antropologia Forense), foi em dezembro de  2019. Nesse momento, o grupo está na etapa final de análise dos esqueletos.

“Foram enviadas amostras de 750 indivíduos para análise genética, com planos de amostragem de mais 150 indivíduos após a reabertura do laboratório, que tinha sido fechado devido a pandemia”, diz Aline Oliveira, 28, arqueóloga e técnica de Antropologia da equipe do GTP, que está confiante de que haja novas identificações nos próximos períodos.

*Atualizado em 31 de agosto de 2020, às 13:00.

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Cartografia da morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/11/02/cartografia-da-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/11/02/cartografia-da-morte/#respond Fri, 02 Nov 2018 13:19:18 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1636 Dia de Finados! Recebo mais parabéns do que no meu próprio aniversário.

Aproveito o dia para divulgar uma pesquisa.

A “Cartografia da Morte” foi conduzida por Gisela Adissi, presidente do Sincep/Acembra. Sincep é o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil. Sim, existe um. Ter Gisela como sua presidente é um ótimo sinal.  Ela faz parte de um (ainda) pequeno grupo disposto a humanizar nosso setor funerário. Essa pesquisa chega com algumas indicações sobre como o brasileiro vê a morte, seus símbolos e percepções sobre  rituais fúnebres.

Logo na primeira página, uma conclusão potente: “Os elementos, abordagens e práticas ao redor deste tema muitas vezes são sombrios, frios e potencializam, negativamente, a experiência da morte e do luto. Com a  linguagem visual não acontece muito diferente. Os  cemitérios, e suas  adjacências, são  marcados pela  presença  de  cores escuras,  ambientes  “frios” e  pouco acolhedores. Além  dos rituais em  torno da  morte  que  nem sempre trazem  significado”.

O tabu sobre a morte é sublinhado pela forma como ela se apresenta. Melancólica e escura. Muitas vezes, são rituais vazios em significados, com textos padrões e genéricos. Podem não acolher quem está sofrendo. A pesquisa abordou alguns símbolos específicos, como o uso da cor preta, mas vou me atentar aos aprendizados gerais. Acredito que sejam interessantes para qualquer leitor.

Aprendizados:

1) A morte é o tabu do mundo moderno

Grande parte dos entrevistados (75,70%) diz que a morte é um tabu da nossa sociedade. A pesquisa cita o antropólogo Geoffrey Gorer (1905-1985) conhecido por fazer paralelos entre a morte e o sexo:

“Enquanto nossos  bisavós   ouviram que  os  bebês eram  encontrados  embaixo de  arbustos,  de repolhos”… ou  trazidos  por cegonhas (a  sexualidade  era o  tabu), nossos  filhos provavelmente vão  ouvir  que os  que faleceram  viram flores, descansam  em  lindos jardins, viram  árvores  ou estrelas”.

2) Espera-se que ela simplesmente não aconteça

As pessoas tendem a rejeitar a morte como uma possibilidade. Pessoas morrem ao nosso redor, mas ainda assim esperamos que não nos alcance. Lembro da paliativista Ana Claudia Arantes dizendo: lidamos com a morte como crianças brincando de esconde-esconde. Tapamos o olho com as mãos e, assim, achamos que estamos escondidos.

3) Consequências do aumento da expectativa de vida

Com o aumento da expectativa de vida, a morte deixa de  ser  admitida como um fenômeno natural  e necessário.  Agora,  ela é  sempre  considerada como prematura  ou  acidental.

Por quantos anos devemos viver?

4) A morte é a negação da tecnologia

A tecnologia é associada ao aprimoramento dos homens. Os superhumanos do futuro viverão mais com o apoio da tecnologia, ou imersão. Há quem aposte na imortalidade. A  morte passa a ser vista como a negação desse fenômeno. O movimento contrário ao da imortalidade tecnológica. “A morte não  é  civilizada, ao  contrário, é  animal, instintiva, não se  domestica”.

Categoria: “tecnologia e morte” do blog

Categoria: envelhecimento e imortalidade

5) Vínculos líquidos

Aqui, a pesquisa aponta para um fenômeno sociológico. “Com  os laços  cada  vez mais  frouxos  entre as  pessoas  e  suas  escolhas (relacionamentos,  carreira, prazeres, etc), a morte  vem  perdendo também o  seu  lugar. A sociedade  ocidental vive  uma espécie  de presente  perpétuo. Não há nem a visão de um  futuro nem a evocação de um passado. O resultado é uma  sociedade  que busca  inutilmente a  felicidade em fugas da realidade”.

A era dos adictos

4) Super capitalismo

“Ao  capitalismo interessa quem produz.  Mortos são   improdutivos!  Mais uma  vez,  o  foco deve estar  em  quem está vivo.  Quem  pode, conta com o que há  de melhor  na medicina para adiar a  morte e os rituais  atuais dão mais conta de “satisfazer” quem fica do que valorizar quem se foi”.

Uma boa notícia: os entrevistados não acham que falar sobre morte pode atraí-la. Apenas 10% respondeu que sim. Ótimo. Essa teoria do mau agouro nunca nos ajudou em nada. Diversos testamentos deixaram de ser feitos em função disso, causando uma dor de cabeça desnecessária aos que ficam.

Os entrevistados consideram que morrer cercado de familiares é melhor. Sobre esse tema, sugiro duas leituras: “A solidão dos moribundos” e “É melhor morrer em casa ou no hospital?”.

É interessante perceber como poucos consideram a morte uma escolha (ao redor de 10%).  Esse tema é abordado na categoria eutanásia e suicídio assistido desse blog.

A pesquisa aponta que o ritual fúnebre não é visto como um espaço para valorizar quem se foi. Apenas 4% vê o enterro como uma homenagem. Na cremação, a porcentagem sobre para 7,7%. Aí, eu vejo uma oportunidade. Um velório no Brasil dura em média 6 horas. É um tempo precioso. Poderia ser utilizado para uma homenagem, para ajudar no luto dos que estão sofrendo uma perda irreparável. Como a própria Gisela me ensinou: rituais mal elaborados levam a lutos mal elaborados.

Hoje é dia de Finados, um ótimo gancho para refletirmos sobre isso. Em tempo de mudar essa concepção.

Conheça outras categorias do blog: bastidores da morte, luto, suicídio, depoimentos de leitores….

 

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Refugiados de cemitérios https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/05/25/refugiados-de-cemiterios/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/05/25/refugiados-de-cemiterios/#respond Fri, 25 May 2018 19:13:56 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/CLAUDIO-SEIA-320x213.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1542 “Vida após a morte”: projeto fotográfico retrata moradores de cemitérios

Fernando Cardamone registrou, por um ano, a vida dentro de cemitérios. Foram mais de 10 na grande São Paulo e cerca de 150 pessoas. Ele escolheu 20 para compor seu projeto fotográfico, permeado por escritos inspirados nessas pessoas que, na linguagem jornalística, ganham o apelido de “personagens”. Eu já estranhei o uso dessa palavra, mas comecei a entender que as pessoas entrevistadas, ou retratadas, deixam de ser pessoas e passam a ser personagens quando descritas por um outro. É inevitável. Construímos uma imagem a partir de nossa própria vivência e valores. Para reforça-los ou criar uma antítese de nós mesmos. É um reflexo ficcional. Fernando passa a ser um personagem meu, que me permitiu absorver os personagens dele. Ninguém existe, de fato.

Eu fiquei muito tocada com seu livro, tão bonito quanto cruel, que nunca chegou a ser impresso por falta de interesse das editoras.

Logo na abertura, Fernando afirma deixar de lado qualquer juízo de valor, contexto político, sociocultural ou religioso. Ele deseja trazer “um resgate pessoal apenas do relacionamento humano em seus níveis mais profundos”.

Esse tipo de relacionamento pressupõe uma troca. Em certa ocasião, um morador pediu para que ele contasse sua história primeiro. “Senta aí playboy, conta aí a sua vida”. Justo.

Fernando é casado e tem três filhos. Me deu a entender que passou por diversas fases complicadas na vida. Uma delas pode ter sido a morte do pai, a quem dedica o livro com palavras sofridas. Sua empatia com a dor alheia parece vir de uma experiência pessoal. Não apenas do luto, mas também da depressão. Aquela chamada pelo jornalista Andrew Solomon de “O Demônio do Meio-Dia”, que ataca em plena luz do dia.

Publicitário de formação, Fernando já ganhou prêmios importantes como o Marketing Best e liderou campanhas de destaque como “Você no Show do Milhão” ,“Senna In Concert” e “Senna Experience”.

Há  5 anos, decidiu ressignificar sua profissão, processo que ele definiu como: “optar pelo caminho do amor e não mais pelo da dor, me tornando uno com a arte e com esta imensa responsabilidade de tentar tocar verdadeiramente o coração de outras pessoas sendo apenas um instrumento criativo”.

“Vida após a morte” traz no título o aprendizado de Fernando depois de conviver um ano com a morte concreta. Fiquei com a impressão de que essa experiência curou uma cicatriz antiga. Ele fala sobre seu projeto com a paixão de um agradecimento. Talvez seja a consciência de que ele estava ali para aprender sobre a vida e sua câmera, sua habilidade estética, servia como uma justificativa para isso.

Fernando não se acanha em admitir ter sentido medo. Medos, no plural. Medo de violência, medo de pegar doenças, medo de perder seu equipamento. Ele diz entender que a palavra “necessidade” pode ser um conceito relativo. “É uma opção, também, estar na rua. A necessidade de cada um é uma coisa diferente. Não dá para dizer que todo mundo precisa da mesma coisa”. Os moradores de cemitérios sobrevivem de doações, das comidas de fim de feira e restos de “bandejões”.

Fernando foi parar ali por acaso. Ficou um ano convivendo com moradores de rua, quando se deparou com o cemitério da Consolação. Decidiu entrar e descobriu, ali, vida.

Fernando me permitiu divulgar algumas dessas fotos. Tomo a liberdade de contar um pouco sobre elas.

Foto 1:“Anjo” aparece com uma mão estendida na frente da câmera. Ele não está pedindo para não ser fotografado. Ele está imaginando uma limpeza espiritual com as mãos. As linhas marcadas por sujeira, dedos firmes dispostos a arrancar o “demônio” dos outros. Em seu delírio, “Anjo” prega que o mundo será invadido e um grupo de pessoas, preparadas por ele, poderá se salvar. Por uma hora, limpou Fernando dessas energias que ele considera malignas. Fernando não conta a história desse homem com julgamento. Há respeito e tolerância. Do meu lado, fica uma pontinha de dor, por perceber que esse homem deveria estar em um intenso tratamento psiquiátrico e não jogado em cima de um túmulo fechado, confabulando histórias cruéis que devem alimentar sua dor.

Foto 2: Claudio é marinheiro mercante chileno. Fernando usa uma palavra para significa-lo: “saudades”. Claudio afirma ter família no Chile e alimenta a esperança de, um dia, juntar dinheiro para voltar a vê-los. “Ele chorava ao ser fotografado quando falava da saudade que sentia da família em Santiago do Chile. Viajou pelo mundo inteiro, Bélgica, França, Portugal, Espanha, até desembarcar no Brasil”, comenta Fernando. Hoje, é morador de um cemitério em São Paulo. Nessa foto, ele aparece com um olhar ingênuo, na mesma posição da estátua de uma criança. Um das várias simbioses presentes no livro.

Foto 3: O homem dormindo no banco mais parece uma estátua de bronze. O par de sapatos no chão indica que ele é “de verdade”. Ele é um coveiro do cemitério. E ali, parece estar em aconchego. O coveiro é uma figura tão presente quanto as estátuas que decoram os mausoléus de cemitérios antigos. Muitos coveiros, acabam realmente morando ali.

Foto 4: mais uma intrigante simbiose entre o ambiente e morador do cemitério. “José” posa ao lado da estátua do São José. A barba pontiaguda igual a do Santo.  “Ele viveu tantos anos ao lado da imagem de São José, que ao passar do tempo, foi assumindo a mesma semelhança”, diz Fernando. É um santo muito presente na vida do fotógrafo, aprofundando a simbologia da relação dos dois.

Foto 5: Essa é Nice. Mora no cemitério há 16 anos. Aos 9,  levou 6 facadas na barriga e foi estuprada pelo pai. Infelizmente, um caso nada incomum na realidade do nosso país.

Foto 6: “Sexy lady”: a prostituta. Ela leva fregueses para um capelinha. Fernando escreve sobre ela: “sexo também é vida. Dentro dos cemitérios, o sexo não precisa necessariamente ser algo proibido, “coisa do pecado”. Pelo contrário, para Sexy Lady, é puro prazer e diversão”.

Fernando ainda observou os “moradores temporários do cemitério”, pessoas enlutadas, que passam por ali para prestar condolescências. Ele define o luto da seguinte forma:

 

“Luto:

Em qualquer língua, em qualquer época, em qualquer história, dor é dor. A dor é uma violência para a alma e nos tira do patamar de compreensão que tínhamos até então para nos lançar ao estado do limbo. No qual não se pertence a mundo nenhum, pois a conexão com a realidade fica frágil. Cenas como esta eram comuns. Chamo essas tristes pessoas e “moradores temporários de cemitério”.

Outros personagens ainda chamam atenção:  um homem que perdeu os pais muito cedo e adotou um casal morto, do cemitério, como pais afetivos. Ele posa ao lado das fotos grudadas no túmulo. Ainda há um cigano, que o ensinou a entrar e sair de cemitérios: “você deve sair de costas, deve pedir permissão para entrar. As almas estão flutuando ali e fazem um abre alas para você passar”. Um jardineiro que pavimentou as ruas do cemitério e um “Rafael” que disse a Fernando: “Acabou, esse é seu ponto final”. E, assim, Fernando guardou a câmera e se foi.

Contato do Fernando: fcardamone1@me.com

 

 

 

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Cemitério faz aula aberta de ioga https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/08/17/cemiterio-faz-aula-aberta-de-ioga/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/08/17/cemiterio-faz-aula-aberta-de-ioga/#respond Thu, 17 Aug 2017 18:58:12 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1342
Foto de Marcelo Justo

 

“Cemitério também é lugar para falar de vida. É onde guardamos a memória e a história dos nossos entes queridos e, ao homenageá-los, valorizamos o legado deles, fazendo viver em nós. Cemitério nos traz, também, a certeza da importância de valorizar o momento presente e quem amamos. Por isso, olhar para a finitude, ou falar de morte, nos faz refletir sobre a vida”. Gisela Adissi – diretora do Grupo Primaveras

Nesse domingo (20), o Cemitério Primaveras, de Guarulhos, realiza uma aula aberta de ioga. A atividade é parte do evento “O Mundo Unido pela Vida”, que acontecerá simultaneamente em 50 países.

O evento é coordenado pela ALPAR, Associação Latino-Americana de Cemitérios e Serviços Funerários. Segundo a presidente da instituição, Teresa Saavedra, “a ideia da aula aberta de yoga é linda, certamente será um momento especial para contemplar, relaxar e manter uma conexão de união universal para celebrar a vida”.

“O Mundo Unido pela Vida” começou em 2012 com o intuito de incentivar cemitérios a interagirem mais com a sua comunidade. O Cemitério Primaveras participa do evento há três anos. Nessa edição, escolheu a aula de ioga por ser uma atividade que propicia a reflexão. “É a primeira vez que faremos uma aula aberta no cemitério, e de ioga talvez seja inédita no mundo”, diz Gisela Adissi, diretora do Grupo Primaveras. “Mas acreditamos que tem tudo a ver para as pessoas se conectarem com elas mesmas e sentir a importância de valorizar o momento presente”.

O evento começa às 10h, com uma missa, seguido pela aula de ioga com a professora Roberta Monteiro. Para encerrar,  sucos, bolos e um painel para os participantes escreverem as sensações que tiveram.

E por que não? Cemitérios têm potencial para oferecer lazer e cultura em sua comunidade, como o Cemitério Parque das Cerejeiras, no Jardim Ângela, que tem o maior acervo do designer Hugo França fora de Inhotim. O Cemitério da Consolação, em São Paulo, que oferece visitas guiadas, peças teatrais e cinema ao ar livre. E o Memorial Metrópole Ecumênica, de Santos, um espaço com criação de pássaros, museu de carros antigos, shows ao vivo e música ambiente em todo estabelecimento.

Serviço:

Aula de Yoga aberta à família

Data: 20/08/2017

Horário: 10h missa, 10h40 aula de yoga

Local: Cemitério Primaveras 1, Av. Otávio Braga de Mesquita, 3.535, Guarulhos.

Traje: confortável. Não precisa levar tapetes, eles serão distribuídos na hora

 

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Como o brasileiro vê o cemitério https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/03/07/como-o-brasileiro-ve-o-cemiterio/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/03/07/como-o-brasileiro-ve-o-cemiterio/#respond Tue, 07 Mar 2017 14:09:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1267 O professor e pesquisador Thiago Nicolau de Araújo é fascinado por arte cemiterial e pelo papel artístico e sociocultural dos cemitérios, representados nas artes dos túmulos.

Seu livro “O Que Amamos Não Esquecemos”, (ed. Chiado, 2016) fala sobre a relação do ser com sua própria finitude e de que forma isso se expressa na simbologia presente no cemitério. O livro é fruto de sua tese de doutorado, realizado entre o Brasil e Berlin. Por isso, ele compara cemitérios do Brasil com os da Alemanha e chega a pontos de vistas interessantes sobre como nós, brasileiros, lidamos com cemitérios.

“Nesses anos de pesquisa, percebi que a visão do brasileiro varia demais conforme a sua religião e conforme o tempo. Mas o brasileiro em si tem uma superstição forte, independente da religião. Esse sentimento supersticioso é relacionado à algo ruim estar embutido em cemitérios. Não os vemos como um museu a céu aberto, como o Cemitério da Consolação, por exemplo”, diz.

Na Alemanha e na Europa, não haveria essa relação de negatividade presente aqui. Na Europa, já no final da década de 50, surgiam associações de pesquisa sobre a cultura cemiterial. Por outro lado, quando os brasileiros viajam para fora do país, aceitam o cemitério como uma visita desejada. O Père-Lachaise, por exemplo, é um grande ponto turístico.

Vamos começar pelo fim? Livro sugere pedagogia cemiterial para facilitar a interação com adolescentes

E como surgiu essa superstição? Para Thiago, ela é relacionada ao catolicismo pietista, ao drama da morte, do purgatório e do sofrimento para chegar à redenção. “É resultado dessa bricologem cultural que cria o sentimento de que o local onde tem espíritos é ruim”. Ele também sinaliza dois fatores importantes: uma bagagem educacional pobre, indicando que temos medo daquilo que não entendemos, e uma analogia, mesmo que inconsciente, da morte com a violência que vivemos no cotidiano. Os cemitérios também podem representar essa violência.

Nesse sentido, o medo da violência diária a que somos submetidos, poderia contaminar o cemitério, um espaço de morte.

A simbologia presente nos cemitérios se modifica conforme nossa cultura se transforma. Thiago observa que, a partir da década de 70, as imagens religiosas passaram a ser substituídas por elementos de identidade da vida pessoal do morto. “Já vi símbolos de time de futebol e fotos do morto em tarefas da vida cotidiana.  É um elemento de manutenção de identidade do sujeito enquanto vivo e a diminuição da fé”. Esse processo teria se intensificado ainda mais a partir dos anos 2000.

As gavetas, onde está o grosso da população como diz Thiago, costumavam ter símbolos como cruz e ramos de palma e epitáfios bíblicos (como “fé na vida eterna”). Agora, contam com frases e símbolos pessoais. “Há o nome, data de nascimento, falecimento, foto e símbolo. Já vi em um túmulo de um Cemitério em Novo Hamburgo, duas raquetinhas cruzadas, porque o morto era atleta de Tênis. Em Salvador, tinha um celular esculpido em um túmulo de um adolescente”, conta Thiago.

Apesar desse movimento, Thiago diz acreditar que a fé nunca deixará de existir. “O que teremos é uma transformação na forma de expressar a fé. A Igreja Universal, por exemplo, sempre se transforma e procura atender a essas questões. A igreja católica demora muito para reagir. Eu até entendo, porque ela é milenar e não pode se alterar a cada momento cultural. Ela precisa ter uma base, mas não pode ficar travada durante 500 anos”.

Quando eu perguntei ao pesquisador se Deus está morto, ele respondeu: “não… mas de um ponto científico, ele foi morto no século XIX. Nosso avanço científico é muito mais rápido do que a população é capaz de absorver, e por isso a humanidade ainda recorre a superstições e religiosidades populares. Mas de qualquer forma, mesmo em locais com elevado índice educacional, a fé permanece como algo inerente a existência”.

Thiago Nicolau de Araújo é doutor em Teologia pela Faculdades EST com bolsa-sanduíche pela Freie Universität Berlin – Alemanha (2014), licenciado e Bacharel em História e mestre em História das Sociedades Ibero-americanas.

Serviço:

O Que Amamos não Esquecemos: Cemitérios – Finitude – Teologia

Autor: Thiago Nicolau de Araujo

Data de publicação: Agosto de 2016

Gênero: Ensaio

Onde comprar: Editora Chiado (link: https://www.chiadoeditora.com/livraria/o-que-amamos-nao-esquecemos-cemiterios-finitude-teologia)

Contato: thdearaujo@gmail.com.

Leia mais sobre cemitérios no blog

Veja também: bastidores da morte e entrevistas

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Fotógrafa registra o Brasil por meio de cemitérios https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/02/23/fotografa-registra-o-brasil-por-meio-de-cemiterios/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/02/23/fotografa-registra-o-brasil-por-meio-de-cemiterios/#respond Thu, 23 Feb 2017 16:25:46 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2017/02/cemi_p4-127x180.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1257 A analista de software e fotógrafa Paula Portes sente-se bem em cemitérios. É uma postura herdada do pai, que sempre tratou a morte sem dedos com a menina. Em viagens pelo Brasil, ela registra lápides, esculturas e símbolos. Encantada com a história e a cultura de cada cemitério, Paula considera que uma cidade só é realmente conhecida a partir dessa experiência.

Ela nos enviou o depoimento abaixo. Algumas fotos podem ser vistas na galeria de fotos, abaixo.

DEPOIMENTO: Paula Portes

“Meus pais me ensinaram a ver cemitério como museu, como um parque, como um lugar de respeito, de história, onde não há motivo para temer ou fantasiar medos e afins.

O primeiro cemitério que explorei fica a uma quadra da casa dos meus pais, em Mogi das Cruzes -SP. Meu pai me contou a maior parte das histórias das pessoas enterradas ali, de “santos milagreiros” a personalidades da cidade.

Adestrei um cachorro lá, a Brisa, para simular as ruas, mas sem o medo dela morrer atropelada (risos). Nessa, acabamos amigas dos coveiros e funcionários do local. Converso com eles até hoje.

Tenho quatro sobrinhos e me preocupo em transmitir essa naturalidade em relação aos cemitérios a eles. Dois passeios marcaram bastante suas vidas: a primeira vez que fomos ao cemitério, fizemos um piquenique em cima de um dos meus túmulos favoritos. Na segunda visita, decidimos fazer uma brincadeira e assustar os que passavam na calçada. Moral da história: risadas de doer o abdômen e alguns impropérios proferidos pelas “vítimas” da pegadinha.

Meu pai sempre foi muito sarcástico e eu nunca sabia quando ele falava sério ou quando me pregava uma peça. Eu pequena, apegada a ele e a seu mundo no escritório de casa, quando comecei a ler, peguei aquele bloquinho de carnê que me chamava a atenção por ter uma logomarca com um pássaro e perguntei: “o que é convênio funerário, papai?”.

Ele, calmamente se abaixou e disse: “sabe quando o papai comprou a filmadora pelo consórcio? Então, convênio funerário é igual, quando o papai for sorteado, cada um vai ter seu caixão embaixo da cama e você poderá até guardar seus brinquedos nele”. Isso tudo em tom sério. Até hoje não consigo dormir em cama que tem um vão embaixo.

O tema da morte sempre foi corriqueiro e tratado com naturalidade. Até demais ao meu ver, principalmente se tratando da morte dos pais. Eles eram claros quanto à questão de “vamos morrer antes de vocês” e isso foi o maior temor da minha vida.

Quando meu pai faleceu, o medo veio à tona e mesmo após quase sete anos, ainda é latente sua presença e a sensação de “papai foi trabalhar” ou foi ao centro da cidade… Ele sempre foi muito ativo e vivia para cima e para baixo com os netos.

Acompanhar todo o trâmite da morte é bem complicado quando se trata de um pai. Ele descobriu um câncer e, três meses depois, se foi. O enterro foi num cemitério jardim, onde estão os meus avós paternos. Só tem uma placa e o gramado, sem ornamento algum. Porém, num gramado lindo cheio de quero-queros que tanto amamos. Fiquei alguns meses sem pisar em um cemitério depois da morte dele.

Comecei meus registros fotográficos por Mogi, em meados de 2005. A partir de então, toda viagem, a cada cidade nova, se eu não conheço o cemitério, eu não conheço sua história. Inicialmente, procuro a história da cidade, suas personalidades e faço uma pesquisa prévia, vejo se há algum link dessas personalidades com o cemitério local.

Fui realizando os registros em torno do município e expandindo para o litoral. Em 2009, mudei de Mogi para o sertão nordestino, Petrolina – PE. Lá, conheci cemitérios no meio da caatinga, no meio da areia e seus espinhos. O cemitério local, dentro da cidade, tem a ala da ostentação com seus mármores e estátuas clichê (pietá, sagrado coração de Jesus, anjos, santos e crucifixos) e também a ala do abandono, com caixões e restos mortais expostos. Um pouco de descaso aliado com a falta de segurança e preservação.

Conheci outro, Cemitério do Campo da Esperança – Roçado, esse memorabilíssimo por eu ter ido de chinelos e ter ferido bastante meus pés com espinhos… Ele fica afastado da cidade, em uma estrada a caminho de uma ilha paradisíaca chamada Ilha da Amélia. Tem poucos túmulos de verdade e a maioria são em valas no chão arenoso. Poucos adornos e nenhuma escultura. É, nitidamente, um indicador da evolução econômica local. Morei um ano em Petrolina e visitei também cemitérios na região, ao lado da Bahia, separados apenas por uma ponte.

A maior diferença com os cemitérios do estado de São Paulo são os adornos. A quantidade e a qualidade deles. E a qualidade do material dos túmulos também. No Nordeste, reinam granito e cerâmica, enquanto que no estado de São Paulo, reinam mármore e esculturas mil. Não conheci os cemitérios da capital de Pernambuco e estive apenas uma vez no de Salvador, esse mais “similar” aos de SP.

Outra particularidade que difere entre os estados: só vi pixaçao nos muros de cemitérios do estado de SP. Muitos tem placas de ˜respeite os mortos˜, porem em vão. Descaso e abandono há por toda parte, inclusive abandono de gatos – unânime em todos os cemitérios. Em algumas cidades ocorreram até envenenamentos e casos bem pesados como em Piracicaba: em 2012, 38 gatos foram mortos a chutes e pauladas. Porém, em vários, os gatos contam com o apoio da população, recebem alimento e zelo. Também por repelirem  ratos e outros animais peçonhentos.
Meu cemitério favorito é o do Redemptor, na esquina da dr Arnaldo com a Cardeal (na cidade de São Paulo), graças ao divino trabalho de paisagismo e jardinagem contidos ali. É a melhor praça para passear de todas!

Posteriormente, me mudei para o interior de SP, noroeste do estado, Catanduva. Ali, consegui um trabalho maravilhoso no qual eu implantava sistemas em usinas de beneficiamento de álcool e açúcar pelo Brasil. Aí eu comecei a viajar de verdade e a explorar um estado inexplorado ainda: Mato Grosso do Sul.

Como tudo era muito longe, geralmente em implantações, deixavam um motorista à minha disposição. No primeiro passeio, o motorista super animado pergunta “para onde a senhora vai no primeiro passeio?” e eu “cemitério municipal” – silêncio.

Como já era nosso terceiro dia de convivência e ele sempre engraçado, resolvi quebrar o gelo com a clássica frase: não sou gótica, nem satanista, gosto de arte. Até explicar, muitas perguntas e risadas. Quebrei tão bem o gelo que ele quis me acompanhar, e para fazê-lo ver tudo diferente, comecei a contar as histórias dos símbolos, fotografar e mostrar a ele os significados e como eu via tudo aquilo.

Ganhei um amigo e um aliado na missão de quebrar esse tabu em torno dos cemitérios. O que mais me chamou a atenção nos cemitérios visitados em MT foi o tamanho das imagens das fotografias dos enterrados ali. SP, BA e PE utilizam a clássica fotinha, pequena, emoldurada em bronze, com pinturas a mão, às vezes. Mas no MT, é bem diferente, verdadeiros banners gigantes, alguns com fundos “a lá” fundo de tela do Windows, com os rostos nesse contexto. Eles prezam bastante também por construções maiores, como “casinhas”. Poucas esculturas e ornamentos, porém existentes na ala mais abastada. Mármore, granito e cerâmica (em maior número).

Minha intenção é a de registrar a maior parte dos cemitérios pelo Brasil, ao menos todos os estados e suas respectivas capitais, para fazer um estudo a fundo e montar um livro documentando as histórias e as principais diferenças entre os estados. Muita coisa difere conforme a religião. Os abandonados também me chamam a atenção, porém o acesso é mais difícil e a companhia nesse caso é fundamental. O que é difícil, porque nem todos veem o cemitério como coisa boa”. (fim do relato)

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Cemitério tem cachorrinho que auxilia em velórios https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/11/01/cemiterio-tem-cachorrinho-que-auxilia-em-velorios/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/11/01/cemiterio-tem-cachorrinho-que-auxilia-em-velorios/#respond Tue, 01 Nov 2016 12:46:41 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/DSC_5157-180x120.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1177 Jung é filho de Freud e tem a missão de continuar o trabalho do pai: colocar um sorriso no rosto dos que passam pelos velórios do Memorial Necrópole Ecumênica de Santos – um prédio de 14 andares que lhe dá o título do mais alto cemitério do mundo (leia mais sobre ele nesse post aqui).

Freud morreu em outubro, aos 11 anos, e ganhou esse nome por causa da barbicha de sua raça, schnauzer. Além do cemitério, Jung e seu irmão Teddy, também frequentam hospitais – adulto e infantil, casas de repouso, eventos para crianças autistas e com paralisia cerebral, creches, escolas e casas de reabilitação.

Freud foi o pioneiro da Dr.Auau, que coloca em prática, há 11 anos, a chamada zooterapia – “uma terapia focada em como usar animais para uma interação positiva com os homens”, comenta sua fundadora Victoria Girardelli, jornalista.

Victoria teve essa ideia a partir de um momento pessoal – o acolhimento de Freud durante o processo de cura de um câncer. A presença do animal foi tão importante que a fez pensar em como compartilhar essa experiência. “Ele foi fundamental, me fez companhia, me deu forças, e eu pensei: não quero que ele seja só meu”. Passou a levar Freud para uma república de idosos e a hospitais infantis. Victoria diz que a presença do cachorrinho nesse tipo de ambiente é positivo porque motiva a criança a sair do leito, a andar pelo corredor, a pegar o animal no colo, o que ajuda no intestino, contribuindo para a alta.

Há cerca de um ano, Freud passou a frequentar o Memorial Necrópole Ecumênica de Santos e, segundo sua dona, foi o primeiro cão do mundo a fazer esse tipo de trabalho no ambiente de luto. Com um colete azul de bolsos para levar mensagens de conforto, Freud (e agora Jung) passou a visitar velórios e agradar aqueles com quem interage. “Nesse momento de afago e carinho, você já consegue mexer com os hormônios ocitocina e endorfina, que trazem prazer”, comenta Victoria.

Ela diz que a aceitação é 100% e não há reclamações. O serviço é gratuito e normalmente o cachorro fica na parte externa do velório. Mas se for requisitado, entra na sala. Às vezes, o parente leva o cachorro para ‘apresentá-lo’ ao morto. “Tem gente que pega no colo, leva para o falecido, conversa, tira um cartão e lê em voz alta. E dizem ‘nossa, era isso que eu precisava ouvir agora’. ”

Alguns exemplos de frases levadas aos velórios:

“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós” – Chico Xavier.

“O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades” – Vinicius de Moraes.

“Há coisas que nunca poderão se explicar com palavras” – Saramago.

“A vida não passa de uma oportunidade de encontro. Só depois da morte se dá a junção. Os corpos tem apenas o abraço, as almas, o enlace” – Victor Hugo.

Para Victoria, a morte é única certeza que a gente tem, mas é uma dor sem medidas e muito pessoal – “cada um passa de uma forma, cada um tem a sua leitura, o seu tempo”. Por isso, esse tipo de carinho num momento de fragilidade é sutil e bastante positivo. “Encontrei minha missão e não largo o osso”, comenta.

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Cemitérios de São Paulo preparam eventos para Finados https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/29/cemiterios-de-sao-paulo-preparam-eventos-para-finados/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/29/cemiterios-de-sao-paulo-preparam-eventos-para-finados/#respond Sat, 29 Oct 2016 12:43:57 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/Finados_2015-180x120.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1170 Cemitérios de São Paulo prepararam uma programação para o mês de novembro em homenagem a Finados. Além das tradicionais missas, há exposição de fotos, um encontro para homenagear ciclistas mortos, o espetáculo “Caixa de Memórias” – inspirado em Guimarães Rosa, oficina infantil com psicólogas sobre a expressão do luto, uma simulação de uma cerimônia de cremação, entre outros. Há uma tendência das necrópoles das cidades se envolverem cada vez mais com atividades culturais e lazer. Confira.

Sampa Bikers: Pedal Caveira

Cemitérios: Consolação e Araçá

Rua da Consolação, 1660 e Av. Dr. Arnaldo, 666.

1º de novembro, às 21h

O encontro vai homenagear os ciclistas que se aposentaram dos pedais mais cedo do que se imaginava. O evento terá início às 21h, dia 1 de novembro, na Avenida JK, no estacionamento da Pizzaria Camelo, bairro Itaim. No total, serão 40 km de trajeto com passagem e parada para fotografias dentro dos Cemitérios Consolação e Araçá.

Nosferatu

Cemitério Araçá

Av. Dr. Arnaldo, 666

06, 13, 20 e 27 de novembro, às 20h30

A peça Nosferatu, da Companhia Teatral do Subsolo, é uma adaptação do filme alemão Nosferatu, do diretor Friedrich Wilhelm Murnau, realizado em 1922. Narra a história de Conde Orlok, um vampiro que se apaixona por uma garota, Ellen, e toca o terror na cidade em que ela vive. A peça tem capacidade de público de até 50 lugares, portanto, os interessados em assistir o espetáculo devem chegar com uma hora de antecedência para retirada dos ingressos.

Histórias do Além

Cemitério Consolação

Rua da Consolação, 1660

29 de outubro, e 12 e 16 de novembro, às 21h

Após uma longa pesquisa sobre os personagens sepultados na primeira necrópole da capital paulista, “Histórias do Além” propõe uma viagem pela história de São Paulo. No itinerário, os participantes terão um encontro teatralizado com personificações de Luís Gama, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Paulo Vanzolini, entre outros grandes nomes sepultados no Cemitério Consolação. Para participar do passeio teatral, basta comparecer aos portões de Cemitério Consolação com uma hora de antecedência.

Contos Mal-ditos

Cemitério Araçá

Av. Dr. Arnaldo, 666

10, 17 e 24 de novembro, às 15h

O trabalho “Contos Mal-ditos” de André Mendes e Gustavo Valezzi traz a ressignificação dos espaços cemiteriais com histórias que transitam entre o ficcional e real. Ao narrar uma história, os atores que investigam as vidas das pessoas que estão sepultadas nos cemitérios, relacionam essas biografias a lendas urbanas e à literatura do norte americano Edgar Allan Poe. Para participar basta chegar uma hora antes do início do evento e se reunir ao grupo.

Coral da GCM

Cemitério Vila Formosa

Av. Flor de Vila Formosa s/n

Coral da Guarda Civil Metropolitana

02 de novembro, às 9h e às 11h

Trabalho Cidadania

Cemitérios: Araçá e Consolação

02 de novembro, das 7h às 13h

A Sociedade Beneficente Cultural e Educacional Missão Resgate oferecerá um trabalho de medicina preventiva, com serviços como aferição arterial, monitoramento de glicemia e informações preventivas, durante toda a manhã, nos Cemitérios Araçá e Consolação.

Visitas Guiadas

Cemitério Consolação

Rua da Consolação, 1660

Todas as terças e sextas, às 9h e às 14h, e às quartas, às 10h, 12h, 14 e 16h.

O Cemitério Consolação é um verdadeiro museu a céu aberto. Durante a visita guiada, que é realizada pelo guia Francivaldo Gomes, o querido “Popó”, a população poderá conhecer um pouco mais sobre a história das personalidades de São Paulo, além de admirar as obras de arte que compõem o local. Para fazer a visita, basta agendar seu horário enviando e-mail para assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br

Espetáculo teatral “Caixa de Memórias”

Cemitério Primaveras 1

Av. Otávio Braga de Mesquita, 3.535, Guarulhos

1 de novembro: Haverá missa campal às 19h30, e o espetáculo começa às 20h15.

O espetáculo será a adaptação do conto “Nada e a nossa condição”, de Guimarães Rosa. Trata-se de um improviso cênico que, com uma mistura de dança, circo, teatro e parkour (arte de deslocar-se e ocupar os espaços com velocidade e estética, utilizando apenas o corpo), cria sensações das imagens poéticas do conto. A direção é do premiado intérprete Diogo Granato.

Oficina infantil e simulação de uma cerimônia de cremação

Cemitério Primaveras 1

Av. Otávio Braga de Mesquita, 3.535, Guarulhos

02/11

9h30 – Palestra sobre luto e missa campal

10h: oficina infantil com psicólogas para expressão do luto infantil

15h – missa campal

16h30 simulação de cerimônia de cremação

Cemitério Primaveras 2

Av. Silvestre Pires de Freitas, 1579, Guarulhos

10h30 – Palestra sobre luto e Missa campal

11h – Oficina Infantil com psicólogas para expressão do luto

15h – Missa campal

Exposição: Curt Nimuendajú e os índios brasileiros

Cemitério do Redentor

Av. Dr. Arnaldo, 1105 – Sumaré (próximo ao Metrô Clínicas)

Data: 2 de novembro das 9 às 18 horas

Cerimônia de abertura: 10h com Orquestra e Coro do Porto Seguro, com regência de Gretchen Miller e Sergio Assumpção. A exposição terá fotos do acervo do Instituto Martius Staden que retratam o trabalho de Curt com tribos indígenas. Será inaugurado um monumento em homenagem ao antropólogo, que abrigará uma Igaçaba, urna indígena, com seus restos mortais, que foi trazida pelos índios para São Paulo.

Música e missa

Músicos vão percorrer as ruas dos cemitérios do grupo Acempro (abaixo) tocando instrumentos.

Dia 2 de novembro, das 9h às 17h

Cemitério dos Protestantes

Dia 2 de novembro, das 9 às 17 horas

Rua Sergipe, 177 – Consolação

 Cemitério da Paz

Rua Dr. Luiz Migliano, 644 – Jd. Morumbi

Horário: 9 às 17 horas – Músicos percorrendo as Alamedas do Cemitério

Horário: 10 e 15 horas – Celebrações Religiosas – Padre Élcio Barros e Reverendo Daniel FerreiraCemitério e Crematório Horto da Paz

Acompanhamento de Orquestra e Coro durante as celebrações.

Rua Horto da Paz, 191 – Potuverá – Itapecerica da Serra – SP

Das 9 às 17 horas – Celebrações Religiosas: 14h – Pastor Edilson de Oliveira

15h – Padre Alexandre Matias

Cemitério de Colônia

Celebrações Religiosas com Padre Marcelo Alexandre

Rua Sachio Nakao, 28 – Colônia – São Paulo – SP

Dia 2 de novembro das 10 e 15 horas

Concerto, missa, palestra e oficina para crianças

Memorial Parque das Cerejeiras

Av. Parque das Cerejeiras, 300, Jardim Ângela

9h e 15h: Concerto Monte Cristo Coral e Orquestra. 10H: missa campal, 15h40: palestra “Conversando sobre a dor da perda”. 16h: oficina de artes para crianças. 16h10: missa campal.

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O cemitério mais alto do mundo é brasileiro https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/28/o-cemiterio-mais-alto-do-mundo-e-brasileiro/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/28/o-cemiterio-mais-alto-do-mundo-e-brasileiro/#respond Fri, 28 Oct 2016 18:20:20 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/ITS_6022-180x120.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1162 O cemitério mais alto do mundo é brasileiro e fica em Santos, São Paulo. Quem afirma isso é o próprio cemitério, o Memorial Necrópole Ecumênica de Santos fundado em 1983 por Pepe Altstut e o “Guinness Book of Records” – com registro desde 1991. O cemitério de Pepe tem fonte, lagoa com carpas, tartarugas, um viveiro com pavões e faisões e um criadouro de araras regulamentado pelo Ibama. O prédio de 14 andares tem ares mais de hotel do que de cemitério. É um espaço para abrigar lembranças empilhadas em forma de ossos, para receber o luto e a saudades. Um novo prédio, em construção, terá 32 andares e 108 metros de altura.

Esse conceito é chamado de “cemitério vertical”, são prédios que abrigam cadáveres em lóculos (gavetas) conectados por tubos para a saída de gases provenientes do processo de decomposição, evitando o mau cheiro. No Estado de São Paulo há outros do tipo, como o Phoenix Memorial do ABC em Santo André, projetado pelo arquiteto Carlos Bratke, o memorial do Alto Tietê em Suzano e o Memorial Guarulhos.

Pepe diz que nossa relação com a morte tem se modificado ao longo dos anos. “Estamos desmitificando esse momento tão difícil, porque é um processo muito agressivo e as necrópoles normalmente são muito frias, não acolhem. Mas o processo pode ser menos traumático em lugares como esse” .

Ele considera o cemitério vertical uma tendência mundial do setor funerário, por não poluir o meio ambiente como o enterro, independer do tempo, como chuva e possibilitar maior segurança para as pessoas. Seu prédio é todo monitorado por câmeras.

A cremação também seria uma tendência forte. “Temos o primeiro crematório privado do país”, diz Pepe. E ressalta ser interessante termos um local para guardar as cinzas, para podermos ir “visitar” o morto e não termos que levar as cinzas para casa. Esse espaço é chamado de Columbário, ele é cobrado e acaba sendo uma fonte de receita importante para os cemitérios.

O interesse pelo negócio de Pepe surgiu da vontade de retribuir a receptividade que recebeu dos brasileiros quando imigrou da Argentina aos 25 anos (hoje ele tem 78). Pepe é ligado em esportes, patrocina 150 atletas – por exemplo, na equipe do campeonato brasileiro de ciclismo e nas paraolimpíadas.

Seu ambiente, além de acolhedor, deve ser igualitário. “No meu cemitério, não existe pobre nem rico, é tudo padrão”.

A padronização dos túmulos é uma marca da modernização, já que no passado, esses espaços eram usados justamente para mostrar a relação de poder entre as famílias. Quanto maior o poder, maior o mausoléu de um nome.

Outra tendência do setor funerário são os cemitérios jardins, como o Cemitério Cerejeiras, no Jardim Ângela, que também padronizam os túmulos tirando esse aspecto de poder social.

Pepe diz ver a morte como uma etapa da vida e não o fim em si. Católico, acredita na vida após a morte e espera um dia reencontrar sua mãe, que dá nome à gruta do local.

E o luto? “O luto é a perda do nosso público. Nossos familiares são nosso público, são o público da nossa vida. Quando perdemos uma pessoa querida, perdemos parte do público e perdemos um pouco da motivação da vida”. Nesse sentido, seu cemitério é um prédio de audiências perdidas, que ganharam de presente, uma linda vista.

Veja um vídeo produzido pela revista eletrônica inglesa, AEON, sobre esse cemitério, clicando aqui.

Memorial Outubro Rosa 2015 (2) memorial-5

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