Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Conheça a medicina do futuro https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/28/conheca-a-medicina-do-futuro/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/28/conheca-a-medicina-do-futuro/#respond Thu, 28 Dec 2017 12:16:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1470 Imagine que você está em 2045. O que tem a sua volta de diferente? Muita coisa pode estar diferente, você pode estar diferente. Alguns futuristas dizem que esse é o ano em que o homem se funde à máquina, porque nosso pensamento será híbrido, uma mistura entre orgânico e artificial. Pode ser o ano em que todas as doenças serão prevenidas, o ano em que nossos órgãos doentes e desgastados serão substituídos por novos, o ano em que não morreremos mais.

Talvez seja esse o objetivo final da medicina, curar a morte, ou melhor, vencer a morte em uma batalha que a maioria dos médicos se imagina travando diariamente.

Independente de chegarmos a essa realidade, há algumas tendências que parecem inevitáveis e já começam a marcar presença no nosso dia a dia. É a possibilidade do diagnóstico na palma da mão, em tempo real. Já existem aplicativos que permitem ver batimentos cardíacos, oxigenação, pressão arterial, tudo no celular. Essa tendência de wearables vai crescer. Relógios inteligentes e outros acessórios que poderemos vestir, seguir com a rotina e, ao mesmo tempo, ser monitorado. Para a diabetes, por exemplo, ter um acessório desses que meça o nível de açúcar no sangue, é muito bom. Ainda em medicina diagnóstica, fica claro o impacto de supercomputadores como o Watson (IBM), que já tem uma capacidade incrível de realização de diagnósticos, acessando novas pesquisas e protocolos no mundo todo, em tempo real.

Eu fico imaginando a tal da privada diagnóstica, em desenvolvimento no Japão. Nossos restos são uma importante fonte de informação para a saúde. Fica claro que uma privada que colete informações e consiga interpretá-las pode ser muito útil.

A medicina será cada vez mais customizada. Com acesso ao mapeamento do genoma, poderemos fazer remédios específicos para cada um e até uma dieta e plano de exercícios físicos personalizados em um outro nível de individualização. O personalizado aqui não se refere a gênero, altura ou peso. Ele tem como parâmetro o seu DNA.

A impressora 3D promete revolucionar a medicina fabricando equipamentos médicos, próteses, ou medicamentos. Também irão desempenhar um papel vital na medicina regenerativa, criando tecidos com vasos sanguíneos, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem da orelha, pele sintética e até mesmo órgãos. Com isso, poderemos substituir um órgão inteiro que estiver doente, por um saudável.

E os nanorobos? São micro robôs, do tamanho de uma célula sanguínea, feitos a partir de moléculas, que serão colocados no nosso corpo, levando nutrientes, remédios, vitaminas, fazendo cirurgias ou mesmo diagnósticos.

Os robôs convencionais não farão apenas cirurgias, também poderão ser enfermeiros, acompanhantes de idosos, realizar coleta de material e exames como raio-x.

Upload da mente

Ian Person, em seu livro “You Tomorrow” (2013), fala sobre a possibilidade de um dia sermos capazes de criar egos digitais de nós mesmos com base em informações neurológicas. Isso significa que poderíamos fazer o upload de nossas mentes para um computador e vivermos em uma forma digital. O bilionário russo Dmitry Itskov criou a “2045 Iniciative” justamente com esse propósito e acredita alcançar esse objetivo na prática.

O biomédico inglês, Aubrey De Grey, também se dedica a criar seres humanos imortais, com uma fundação – a Methuselah, ou Matusalém em português, que planeja curar o envelhecimento.

Você pode pensar: ah, mais isso é muito ficção científica…. Muitos filmes de ficção científica serviram para inspirar cientistas (e vice-versa) e por isso cria-se a sensação de que eles preveem o futuro. Escritores costumam ter a sensibilidade para acessar pensamentos coletivos, identificar tendências ainda em suas formas sutis. Por isso, há mesmo o potencial daquilo que consideramos ser muito “ficção cientifica” se tornar realidade. Por falar nisso, a quarta temporada de “Black Mirror” tem estreia prevista para 29 de dezembro.

Deixando o tal upload da mente de lado, a conclusão pode ser simplificada dessa forma: o futuro nos reserva uma medicina preventiva e regenerativa. Viver mais e com maior qualidade. Se tudo der certo.

Tecnologias já existentes:

  • Aplicativo que mostra o nosso batimento cardíaco no celular.
  • Aparelho que se conecta ao iphone e mede a glicose na corrente sanguínea – bom para diabetes (IBGStar).
  • Monitoramento do corpo 24h por dia.
  • Cirurgias com robôs (mas controlados por um humano).
  • Realidade aumentada: médico vê dentro do paciente e pode fazer conferências com outros médicos ao redor do mundo.
  • Chips no cérebro para fazer uma cadeira de rodas andar, um braço mecânico se mexer…
  • Pílula que você engole e ela fotografa seu aparelho digestivo.
  • Retina artificial para cegos.
  • Lente de contato inteligente.
  • Laboratórios estão mudando radicalmente com microfluídos e microchips e com o uso de celular como microscópio. Os exames estarão mais baratos e mais acessíveis para a população.
  • Medicina personalizada – remédios personalizados de acordo com o genoma da pessoa.

Novas tecnologias:

  • Medicina regenerativa: substituição de órgãos inteiros doentes. Dizem que, em 2050, será possível produzir órgãos em laboratórios.
  • Espelho que faz diagnósticos. Você vai escovar os dentes e já vê todo seu diagnóstico logo pela manhã. É a mesma ideia da privada.
  • Jogos relacionados à saúde para as pessoas se envolverem mais com seus tratamentos.
  • Empoderamento do paciente: dispositivos permitem o auto-diagnostico. Parceria entre paciente e médicos.
  • Monitoramento remoto do paciente.
  • Uso de corpos virtuais para estudantes de medicina. Modelos de realidade aumentada e realidade virtual. Anatomia não precisará mais de doação de corpos.
  • Robôs cirúrgicos cada vez mais desenvolvidos.
  • Minúsculos sensores de coleta de dados, que podem ser vestíveis (wearables). Estes sensores vão medir todos os parâmetros importantes da nossa saúde, 24 horas por dia, transmitindo os dados para a nuvem e enviando alertas em tempo real aos sistemas médicos. Por exemplo, se uma pessoa sofrer um AVC, estes sensores irão chamar a ambulância imediatamente e enviar todos os dados necessários.
  • Smartphone serão capazes de diagnosticar diversas doenças, independentemente do lugar em que o paciente esteja.
  • Impressoras 3D podem fabricar equipamentos médicos, próteses, ou até mesmo medicamentos.
  • Estas impressoras também irão desempenhar um papel vital na medicina regenerativa, para criar tecidos com vasos sanguíneos, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem da orelha, pele sintética e até mesmo órgãos.
  • Trajes inteligentes, como a do filme “Homem de Ferro”. A Samsung  já patenteou o seu “robô vestível”, um exoesqueleto equipado com sensores.
  • Robôs cuidadores : são enfermeiros, fazem companhia, exames de sangue e até de imagem.
  • Nanorobôs na nossa corrente sanguínea.
  • Alimentação será mais saudável, porque poderemos saber o que exatamente tem ali (com informações na lente de contato, por exemplo). Fast food poderão imprimir opções mais saudáveis na impressora 3D.
  • Hospitais funcionarão não apenas para tratar doenças, mas também para evitá-las.

 

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A possibilidade da invenção de doenças mentais https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/26/a-possibilidade-da-invencao-de-doencas-mentais/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/26/a-possibilidade-da-invencao-de-doencas-mentais/#respond Thu, 26 Feb 2015 19:56:57 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=385 “Infelizmente propaga-se por aí uma falácia”, foi o início de um e-mail recebido de uma leitora indignada com o post Mitos sobre o Suicídio, criticando o artigo por “simplesmente reproduzir dados transmitidos por uma indústria farmacêutica apenas interessada em vender mais remédios”, como ela colocou.

Essa linha de raciocínio parte do pressuposto de que doenças podem ser “inventadas” e que os manuais de categorização de doenças mentais, como o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o CID (Classificação Internacional de Doenças, uma publicação da própria OMS – Organização Mundial da Saúde) são definidos por psicólogos e psiquiatras ligados financeiramente a empresas farmacêuticas (que financiam suas pesquisas, por exemplo).

Para o psicanalista Eduardo Rozenthal*, isso é possível sim, porque vivemos numa sociedade contemporânea monista, baseada em apenas um valor, que é o valor capitalista de mercado. Ela substitui a sociedade moderna, que era dualista, oscilando entre o bem e o mal. “Todas as práticas humanas se mobilizam em direção ao maior valor da cultura, que é o valor de mercado. Isso é automático. Não se trata de nenhuma ‛teoria da conspiração’. Somos seres moldados pela cultura em que vivemos”, Rozenthal diz.

Para o psicólogo Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, “doenças inventadas” podem ocorrer como fruto de erros e não de más intenções. Ele também diz ser perigoso falarmos de maneira tão categórica sobre uma relação entre estudos psiquiátricos de transtornos mentais e o objetivo de se ofertar algo para aquecer o mercado farmacêutico. Haveria equívocos em estudos e classificações, assim como a hipermedicalização da vida, mas isso diria muito mais respeito sobre quem recebe os resultados dos estudos e medicam seus pacientes a partir deles, do que sobre quem os produziram.

Sarkis diz estar certo de que boa parte dos estudiosos sobre os transtornos mentais estão efetivamente acreditando – talvez mais piamente do que devessem – naquilo que estão fazendo, dedicando-se, e confiando em suas descobertas. “O que guia a ciência, hoje e sempre, é a dúvida, o questionamento. Quando a ciência vira, ou é investida pelas pessoas como uma indústria de produção de verdades, um guia absoluto, temos um problema.”

O caso do TDAH: Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade

O psiquiatra norte-americano Leon Eisenberg (1922-2009) é considerado o pai do TDAH. Segundo reportagem do “The New York Times”, “nos seus últimos anos de vida, ele teria ficado alarmado com as tendências no campo que ajudou a criar, criticando o que ele viu como uma “confortável” relação entre o mercado de remédios e os médicos e a crescente popularidade do diagnóstico do déficit de atenção”. O semanário alemão “Der Spiegel” trouxe uma reportagem de capa, em 2012, com uma declaração bombástica de que Eisenberg teria dito que o TDAH é uma doença inventada.

A frase atribuída a ele nas matérias que encontrei é: “O TDAH é um excelente exemplo de uma doença fictícia”. O tradutor que consultei disse que colocaria a frase como: “O TDAH é um exemplo de sucesso de uma doença fabricada”. Ele me passou outras informações importantes da matéria, como Eisernberg mencionar que o componente genético da doença foi superestimado e afirmar que “psiquiatras infantis deveriam investigar as motivações psicossociais que possam causar os sintomas da doença, como verificar se existem problemas  de relacionamento na família, se os pais vivem juntos ou se estão brigando muito, por exemplo. São questões importantes, mas demandam muito tempo para serem respondidas. Sendo assim, é mais fácil simplesmente medicar”. A matéria diz que o diagnóstico do TDAH aumentou 40 vezes nos últimos dez anos e muitos dos pacientes mal têm de dois a três anos de idade. Também aponta que não se sabe qual o tipo de consequência dos medicamentos para o cérebro e que essa é uma experiência fora do controle.

Rozenthal diz receber muitos pais em consultório imaginando que seu filho tem a doença e muitas vezes já fazendo uso de medicação como a Ritalina. Ele não se coloca contra remédios, mas sim contra a medicalização hegemônica da sociedade, ou seja, o excesso de medicação que hoje se prescreve, “você dá a medicação e não trabalha com a subjetividade. É mais rápido e mais fácil, mas a longo prazo não serve. Se tirar a medicação volta tudo”.

Depressão

Eduardo Rozenthal diz que a depressão é a doença psíquica por excelência da contemporaneidade. “É alarmante o número de pacientes que chegam falando que têm depressão”. Ele considera haver uma confusão entre o “ficar triste”, por exemplo, diante de uma perda, e o “estar deprimido”. As pessoas teriam o direito de ficarem tristes e a felicidade não deveria ser colocada como uma obrigação. O diagnóstico de depressão é feito às pressas e logo se parte para a medicação. Segundo Rozenthal, há um componente orgânico na depressão que deve ser levado em conta, mas que não deve servir para generalizar o sofrimento.

Ele diz que os remédios mais usados hoje para tratar o excesso de ansiedade, como os ansiolíticos Rivotril, Olcadil e Frontal podem trazer benefícios se utilizados, quando for o caso, como complemento da análise. Podem diminuir a dor e às vezes até facilitar o trabalho psicanalítico. Mas nesse caso, devem ser vistos como circunstanciais e não como tratamento propriamente dito.

Há uma corrente que critica as drogas psicotrópicas por não existir pesquisas científicas comprovando a existência de componentes orgânicos nos distúrbios mentais. Alguns psiquiatras americanos divulgam opiniões contrárias ao status quo em sites pessoais e acabam servindo de fonte àqueles que são contra o uso de certos remédios, como o Dr. David Healy, e o Dr. Peter Breggin, que relaciona violência e suicídio causados por anti-depressivos. O filme “O Marketing da Loucura” traz a história desses medicamentos e depoimentos sobre seus efeitos secundários.

Classificar, categorizar, rotular

O DSM é um livro que indica a classificação de doenças mentais usado por profissionais de saúde mental dos Estados Unidos. Há uma linha de pensamento que defende que os psiquiatras dessas instituições são ligados a laboratórios e por isso trabalhariam no interesse deles e não da sociedade.

A psicóloga norte-americana Lisa Cosgrove, e outros três colegas, lançaram um estudo intitulado (em tradução livre) “Ligações financeiras entre os membros dos painéis do congresso DSM-IV e a indústria farmacêutica”. O artigo aponta que dos 170 membros do painel, 95 membros (56%) tinham uma ou mais associações financeiras com empresas da indústria farmacêutica. E 100% dos membros dos painéis ‘Transtornos de Humor’ e ‘Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos’ tinham ligações financeiras com as companhias de drogas. O estudo conclui que há fortes ligações financeiras entre a indústria e aqueles responsáveis por desenvolver e modificar os critérios para diagnósticos de transtornos mentais, “as conexões são especialmente fortes nos diagnósticos de áreas em que as drogas são a primeira linha de tratamento.”

A leitora que estimulou esse post enviou o link de um filme criticando o DSM e o CID, filmado pela CCHR – Comissão dos Cidadãos para os Direitos Humanos, de Portugal. Uma das críticas está em não precisar ter conhecimento sobre a causa e efeito da condição para poder classificá-la como uma doença e com isso dar margem à invenção de doenças mentais para alimentar a indústria farmacêutica. O documentário aponta que a inclusão de uma doença no DSM é votado numa reunião entre psicólogos e psiquiatras. O fato de a decisão ser votável indicaria não haver uma definição com base em pesquisas cientificas mas sim em motivos políticos. Também se vota na exclusão de uma doença, como ocorreu com a homossexualidade, anteriormente inclusa no DSM como distúrbio mental e depois retirada. O documentário disse que essa decisão nada tem de base científica, ele foi inserido e removido por razões políticas e não médicas.

A instituição lançou outros documentários como “O Inimigo Oculto” e “A Era do Medo”, disponíveis no seu site.

Para Rozenthal, as doenças precisam ser classificadas para que possamos estudá-las, ensiná-las e finalmente tratá-las e para facilitar a cobertura de planos de saúde também. “O problema surge quando se idealiza a doença – ou a saúde – para fazer com que o mercado lucre”, ele diz. O psicanalista ressalta que somos seres da singularidade e por isso é perigoso trabalharmos com rótulos para alimentar um modelo médico quantitativo, voltado para estatísticas e não para a qualidade.

A indústria farmacêutica

Para Nelson Mussolini, presidente executivo da Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estados de São Paulo), de fato houve uma medicalização da vida em razão do aumento da expectativa e a busca por maior qualidade. “Estamos vivendo cada vez mais e a indústria farmacêutica corre atrás para investir em desenvolvimento de produtos para dar mais qualidade de vida para as pessoas”, ele diz.

Mussolini afirma que podem haver abusos e modismos que são prejudicais para a indústria e que qualquer atividade humana está passível de cometer erros, mas se tem procurado, principalmente nos últimos vinte anos, minimizá-los ao máximo. Como por exemplo, retirar remédios do mercado que apresentem efeitos colaterais graves e criar códigos de conduta para os médicos – como deixar claro suas conexões financeiras, como quem patrocinou seu estudo e para qual empresa trabalham, na hora de apresentar suas teses em congressos, “nenhuma empresa quer ver seu nome envolvido com falta de transparência, porque um dos principais pilares dessa indústria é a credibilidade”.

Sobre o TDAH, Mussolini afirma que ele vem sendo estudado desde 1947 e a Ritalina é um medicamento de 1955. “Me parece estranho falar em uma doença fabricada por um período tão longo quanto esse. De fato, se existisse essa questão, ela já teria sido desmitificada, porque nenhuma ‛mentira’ dura tanto tempo”. Ele diz ser possível encontrar alguns abusos, como ser usado para pais sossegarem seus filhos, mas essa seria uma questão presente em todos os produtos. Por exemplo, o abuso de antibióticos resultou em bactérias mais resistentes levando a indústria a investir em pesquisas para descobrir antibióticos mais potentes.

Acredito que abrir margem para a existência de doenças inventadas possa contribuir ainda mais para o preconceito em torno dos distúrbios mentais e prejudicar a importante pesquisa dos medicamentos psiquiátricos, hoje em curso. Erros e abusos devem ser minimizados e a transparência das ligações financeiras tida como uma prioridade. Mas o debate é bem vindo e pode indicar quão manipuláveis somos, tanto para defender a indústria farmacêutica quanto para criticá-la.

*Eduardo Rozenthal é Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj e autor do livro “O ser no gerúndio: corpo e sensibilidade na psicanálise”, editado pela Cia de Freud.

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Morte e Psicanálise

Mitos sobre o suicídio e como preveni-lo

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A era dos adictos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/01/21/a-era-dos-adictos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/01/21/a-era-dos-adictos/#respond Wed, 21 Jan 2015 11:28:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=281 Vamos falar sobre o suicídio.

O tema é considerado tabu e uma questão alarmante. Todos os anos, cerca de 12 mil pessoas se suicidam no Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e 800 mil no mundo. A taxa de suicídio cresceu 62,5% nos últimos trinta anos, aumentando o ritmo a partir da virada do século, segundo o Mapa da Violência 2014, organizado por Julio Jacobo Waiselfisz. De acordo com esse estudo, há pouca discussão sobre o tema e haveria um tabu na mídia de divulgar essas questões para evitar o efeito de incentivar suicídios por imitação ou indução, chamado de Efeito Werther. A produção acadêmica também não estaria acompanhando essa realidade. Acesse o mapa neste link.

A OMS divulgou um relatório em 2014, colocando o crescimento das taxas de suicídio como um grave problema mundial de saúde pública. É a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e há indícios de que para cada adulto que se suicida, 20 tentaram cometer o ato. A instituição afirma que os suicídios são evitáveis e elaborou uma cartilha sobre como preveni-lo. Disponível aqui.  Ela é destinada a profissionais de saúde, mas acredito poder ser útil para o público em geral. Segundo reportagem da Folha sobre esse relatório, o Brasil é o oitavo país no ranking mundial de suicídios.

Tenho escutado cada vez mais notícias de que um amigo de infância, colega de classe ou mesmo amigo próximo, se suicidou. E acredito que não sou a única. Há várias questões fundamentais a serem discutidas do porquê do aumento das taxas de suicídio e o que fazer a respeito. A entrevista abaixo traz o ponto de vista de Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, membro e supervisor da CAPA*.

Ele faz uma análise dos tempos atuais, refletindo sobre o que chama de “A era dos adictos”. O cenário traçado me parece um bom ponto de partida para a discussão que pretendo trazer cada vez mais a esse fórum. Já abordei em outros posts as campanhas “Precisamos falar sobre o aborto” e a “Vamos falar sobre o luto”. Agora inicio essa: “Vamos falar sobre o suicídio”, seja pensando sobre características patológicas da nossa sociedade ou mesmo em termos práticos.

Dizem que não se fala em suicídio na mídia por causa do tal Efeito Werther, que se baseia na ideia de que explorar o tema pode incentivar potenciais suicidas a cometerem o ato, ao lerem notícias de pessoas famosas que se mataram, por exemplo. De forma mais abrangente, o efeito fala sobre como comportamentos humanos podem ser influenciados por ideias, e tem esse nome herdado de um romance de Goethe – “Os Sofrimentos do jovem Werther” (1774), em que o protagonista se suicida por causa de um amor frustrado. Utilizar o medo desse efeito como justificava para ficarmos calados não é válido e talvez uma das causas para as taxas aumentarem ainda mais. Claro que não é benéfico falar em suicídio de forma sensacionalista, mas fora isso, é fundamental discutirmos esse tema e suas ramificações.

Segue, abaixo, a entrevista.

O que seria a era dos adictos?

Vivemos numa era alarmante quanto ao abuso, à compulsão, ao vício. Não só em relação a drogas (remédios e drogas ilícitas), mas também a vícios de todo tipo: viciados em celular, internet, rede social, futebol, televisão, bebida. Tudo é vício e tudo é vivido à exaustão. Compramos demais, comemos demais, bebemos demais, jogamos demais, teclamos demais, produzimos demais, trabalhamos demais, fazemos exercícios físicos demais, contudo, falamos de menos sobre o que eu chamo de “território do negativo” – fragilidade, tristeza, falta de sentido, dificuldades, desordem, morte, falhas, diacronia, estranheza, desencontros, adoecimentos, suicídio etc. Diferenças então? Nem pensar. Jamais tratamos disso.

Esse cenário pode estar relacionado ao aumento das taxas de suicídio?

Essa situação da adição não necessariamente leva ao suicídio ou teria a ver com o aumento das taxas de suicídio, mas os dois temas tocam a mesma questão, que é a de como lidamos com o vazio na contemporaneidade. Procuramos sempre reafirmar nossa identidade, ou aquilo que está no que eu chamo de “território do positivo”. Fazemos com esse território, que inclui, dentre outras coisas, identidade, potência, capacidade, força, saúde, vitalidade, resistência, beleza, sincronia, sentido, ordem, ideal etc., o oposto do que fazemos com o “território do negativo”. Enquanto fugimos e evitamos a todo custo qualquer contato com o registro da falta, vamos sedentos em busca de tudo – e o tempo todo – que tange ao registro do “positivo”. É importante ressaltar que, quando falo de positivo e negativo não associo qualquer ideia de bom ao positivo e mau ao negativo, nem qualquer coisa similar. O território do negativo apenas marca uma subtração no Eu e o do positivo marca um acréscimo, um “a mais”.

Lidar com o registro da falta não é de fato fácil, mas quanto menos o fazemos, mais dificuldade temos ao nos depararmos com isso. Lembro-me de assistir a jogos de futebol com as torcidas misturadas. Hoje em dia a coisa se agravou de tal forma que decidiram separar as torcidas, inclusive impedir que ambas estejam nos mesmos jogos, porque o lidar com o outro, com esse registro da alteridade radical, com aquilo que não confirma minha identidade mas sim marca uma diferença, traz dúvidas insuportáveis: o que sou eu? Quem sou eu? Sou de fato o que penso que sou? Então, procura-se eliminar a dúvida.

Quais aspectos podem ser vistos como determinantes em casos de suicídio e como isso se correlacionaria com o que estamos falando?

Algo que me parece claro no caso do sujeito que comete suicídio é certo raciocínio peculiar que vai se desdobrando desta maneira: “Não há sentido. Tudo dá em nada. Tudo é nada. Nada é tudo. Eu sou nada. Nada vai mudar. Não há mais nada a fazer”. O sujeito que comete um suicídio, entretanto, não é necessariamente um niilista. O niilista vê a falta de sentido em toda e cada parte ou ao fundo de tudo. O suicida não vê nada além do nada. Ele habita exclusivamente o território do negativo e crê que este território é tudo o que há.

Outro aspecto importante: talvez todos nós já passamos por um ou vários destes pensamentos: “tudo dá em nada”, “não há nada que eu faça que adiante”, “tudo é nada”, “eu sou nada”, “eu não sirvo para nada”, “tudo dá errado comigo”. Enfim, estes e similares. O suicida não é alguém que me parece simplesmente passar por estes pensamentos. Ele é alguém que se afunda nestes pensamentos, que não consegue se desvencilhar minimamente de quaisquer destas perspectivas e que, ao invés de se psicanalisar e se tratar a fim de questionar todas estas certezas, encerra seu suplício indo ao encontro da única coisa que enxerga: o nada.

É absolutamente equivocado e simplista dizer que o pensamento da pessoa que comete um suicídio é um “raciocínio estúpido” ou que, para mudar, basta que a pessoa “pense diferente”. Não é uma questão consciente. O raciocínio descrito é resultado de uma série de fatores que incluem agressividade, ansiedade, sensações de depreciação, exclusão, inutilidade, inoperância, impotência, fracasso em relação às próprias expectativas ou de outros, frustrações, sérios conflitos em relações interpessoais (principalmente com aqueles que operam nas funções paterna e materna) etc. A quantidade de questões singulares que acharemos nestas situações é imensa também. Não há como dizer: “é assim para todos”. No máximo: “generalizando, é assim”. Só ouvindo a história de cada um para entender.

O que mais podemos ver de comum em pessoas que pensam ou chegam a efetivar um suicídio?

Outro ponto comum é ver nas pessoas que falam seriamente em suicídio a aplicação em si de uma agressividade que, na verdade, se desviou: inconscientemente se direciona a outro, porém, algo impede que essa agressividade se realize em relação a este outro, e ela “estaciona” na pessoa ou, em termos freudianos, “retorna” na própria pessoa.

Em outros casos, é possível observar a pessoa agredindo o que há deste outro em si. Ao se ver repetir um ato que repudia e que é usual de algum outro que ele não quer ser e com quem não quer se parecer minimamente (em outras palavras, ao se deparar com uma identificação indesejada), o sujeito pode se agredir de múltiplas formas, dentre elas, o próprio suicídio.

Há um abuso do uso de remédios como anti-depressivos e ansiolíticos?

Em determinadas situações, sim, há abuso. O remédio deixa de ser medicamento e passa a ser droga destinada a perpetuar o estado do paciente, ao invés de ajudá-lo. Por exemplo, já escutei analisandos dizendo que não podem parar de tomar o remédio porque não podem falhar, não podem parar de forma alguma em qualquer âmbito: não podem, nem por um instante, vacilar, parar de trabalhar, parar de ser um bom marido, um bom pai, lidar com os próprios limites, pensar em questões pessoais.

 O remédio tem o seu lugar e vem auxiliando para que, mesmo em condições psicológicas desfavoráveis, a pessoa possa seguir a vida. Alguns cenários psicopatológicos são seriamente impossibilitantes e nestes o remédio atua muito bem. Mas o uso do remédio às vezes é que é questionável, pois entra no lugar de uma droga. Ao invés de auxiliar o paciente a lidar com suas questões, o remédio comumente tem surgido como aquilo que se alia ao excesso do paciente e “o ajuda” a não ter que lidar minimamente com quaisquer de suas questões. Algo similar a um jovem que toma uma pílula na boate para poder se manter de pé até o amanhecer. Ou o funcionário que precisa trabalhar a noite inteira e apela a todas as substâncias possíveis para não dormir, “não parar”, “não falhar”. Todos esses cenários partem do princípio da necessidade de se produzir esse “a mais” eterno. É sempre um mais, a coisa não acaba. A pessoa, sim, “se acaba”, mas não sei se no melhor sentido da expressão.

Você vê alguma pressão para sermos felizes?

Uma marca cruel da atualidade é a exigência de felicidade, assim como a necessidade de você transmitir essa felicidade a seus semelhantes e vivê-la constantemente, ininterruptamente. Isso não é felicidade. Isso é mania. Toca mais no pathos do que na felicidade real, que seria mais próxima de coisas momentâneas, do desfrutar, contemplar do que do “se acabar”, ou viver em um interminável excesso. A felicidade não existe initerruptamente. A tristeza tem o seu lugar e é fundamental que ela tenha o seu lugar. Não podemos excluí-la. E ai tocamos novamente no território do negativo: a tristeza, a diferença, a falha, a incapacidade, a dificuldade, a morte, o adoecimento. Não falamos sobre isso, excluímos esses temas das nossas conversas e agimos como tudo isso sequer existisse.

Mas não é possível tamponar essas coisas porque são elas que se afirmam para além de nossa vontade. Podemos fazer o esforço que for, por meio de drogas, de Instagram, de inúmeros selfies, aquisições e compras de todo tipo, sorrisos amarelos de suposta alegria, horas e horas conectados à Internet, mil “amigos” no Facebook que sequer nos conhecem e qualquer outra coisa que nos ajude a ser vistos da forma desejada ou idealizada por nossos semelhantes, mas não adianta. Esse projeto de “eterno a mais” é fracassado desde seu princípio, por tentar afirmar aquilo que – eventualmente – se conquista, e evitar a todo custo aquilo que inevitavelmente se impõe.

Como lidar com isso?

É uma resposta difícil e não penso que falemos de uma cura aqui. Falamos mais de um tratamento, de algum apaziguamento possível. Talvez um ponto crucial seja conseguir encontrar um sentido próprio para a vida; conseguirmos nos esquivar um pouco dos sentidos ofertados e, assim, tentar encontrar um sentido mais particular, que tenha ressonância com nosso desejo, não com a demanda externa.

Essa tentativa eterna de afirmar um positivo faz justamente com que se caia no vazio – em relação ao próprio desejo principalmente. E se não sabemos lidar com isso, porque evitamos qualquer contato com este ponto no nosso dia a dia, acabamos reagindo aos encontros com o “território do negativo” com quadros de ansiedade, pânico, depressão, adição, e até mesmo, o suicídio.

Porque essa questão da adição, como você coloca, está impactando essa era especificamente?

Além da maneira como lidamos com a falta, nossa era tem uma maneira muito particular de lidar com os objetos. É uma via intensa, funcional, sem limite. O que marca a experiência da adição no nosso tempo pode estar conectado a essa experiência ininterrupta com nossos objetos de investimento. Estamos em absoluto curto-circuito com as centenas de objetos com os quais nos relacionamos.

Acho que isso que estou falando é caricaturalmente representado em um episódio recente dos humoristas do “Porta dos Fundos”, chamado “Sem Bateria”, onde um casal está num restaurante e o homem fica sem bateria do celular. Assim, ele é obrigado a conversar com sua esposa e vê que não sabia nada da vida dela, nem de sua própria de certa forma. Esse sujeito é um emblema da adição da nossa sociedade, da vivência funcional com nossos objetos e de como o “vazio” se impõe para além de todos os nossos infrutíferos esforços do contrário. Estamos em curto-circuito.

Qual é o futuro dessa realidade?

O futuro dessa realidade já é um pouco do que vemos na atualidade. Se é um curto-circuito, em algum momento vamos pifar, entrar em colapso. Mas não é uma situação apocalíptica, porque temos nossos meios e temos outras habilidades. Essa questão de nossas relações de objeto tem uma marca muito forte no homem contemporâneo e nos causa danos seríssimos, mas não somos só isso.

Há solução?

Há apaziguamentos, possibilidades de melhora. Algum excesso, porém, estará sempre ali. Ou melhor, aqui (em nós). E cada analisando encontra a sua forma de melhorar a partir da análise. O certo é que uma forma de amenizar esse processo agudo é passar a discutir essas questões, falar dos sentimentos, falar do que dói, abrir as portas a esse território que tão freneticamente evitamos.

* CAPA: China American Psychoanalytic Alliance

Anxiety
Lassedesignen – Fotolia

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