Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Novo endereço deste blog https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/12/30/novo-endereco-deste-blog/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/12/30/novo-endereco-deste-blog/#respond Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2589 Olá leitores !

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Seguimos por lá.

Um abraço!

Camila e Jessica

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A morte de Marília Mendonça no país que não aguenta mais perder ninguém https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-morte-de-marilia-mendonca-no-pais-que-nao-ageunta-mais-perder-ninguem/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-morte-de-marilia-mendonca-no-pais-que-nao-ageunta-mais-perder-ninguem/#respond Fri, 05 Nov 2021 21:58:07 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/marilia-mendonca-1-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2578 por Camila Appel, Jéssica Moreira e Cynthia Araújo

É inacreditável a precoce morte de Marília Mendonça, em acidente de avião na cidade Serra de Piedade de Caratinga, interior de Minas Gerais.

Nós, brasileiras e brasileiros, que vivemos um grande luto coletivo por conta da Covid-19, assistimos com o peito apertado e doendo as cenas que passam nesse momento na televisão. Mais um luto coletivo. Em um país que não aguenta mais perder ninguem, ainda em luto por grandes nomes da cultura brasileira como Aldir Blanc, Nelson Freire, Paulo Gustavo, Nicette Bruno, Tarcísio Meira,  Agnaldo Timóteo, Letieres Leite e Jaider Esbell. 

Marília Mendonça era mãe de uma criança de quase dois anos. Aos 26 anos, estava no auge de sua carreira. Cantora, compositora, ícone do feminejo, era a grande rainha da sofrência. Cantou muitas dores que nós muitas vezes sentimos e não conseguimos expressar. Ela ecoou nossos sentimentos de uma forma que sentíamos junto a ela.

Em meio à pandemia, Marília nos salvou muitas vezes, com suas lives que bateram recordes de audiência. Nos fez chorar, nos fez rir, nos fez sentir, mesmo quando tudo estava em uma eterna suspensão.

Hoje à noite, pelo menos 5 mil pessoas a esperavam para um show. Ela tinha mais de 35 milhões de seguidores no Instagram. Seguiam seu dia a dia. Amanhã acordarão sem ver uma atualização feita pela cantora.

Essas 35 milhões de pessoas testemunhavam cada passo de Marília. Onde ela estava, com quem, com qual paisagem acordava. Amanhã acordarão sem saber que paisagem é essa, se é que existe tal coisa.

Nos assustamos com a constatação mais seca que há: a morte pode vir a qualquer momento, para qualquer um. Ela não espera um filho crescer, um show acontecer. Não espera uma declaração de amor, alguém fazer as pazes, esclarecer confusão. O choque dessa morte também traz a urgência da vida.

A urgência de deixarmos de lado migalhas. O único pó que nos interessa é o das estrelas. Somos universo. E precisamos uns dos outros. Um abraço em cada um que está agora sentindo a dor dessa transformada em espetáculo público.

A morte de uma pessoa conhecida como Marília remexe também os nossos próprios lutos, os antigos, os recentes, principalmente nesse momento, que já estamos em um estado de fragilidade emocional diante de tantas mortes, nem sempre visibilizadas.

A cobertura da mídia confundiu a todos. No início, era um acidente com zero vítimas fatais, logo foi esclarecido que essa informação era mais um desejo do que realidade. Além de Marília Mendonça, seu produtor Henrique Ribeiro, seu tio e assessor Abicieli Silveira Dias Filho, o piloto e co-piloto do avião, os quais ainda estão preservando o nome neste momento.

A iminência da morte nos atinge de formas diferentes. Rejeitamos a doença, mas rejeitamos ainda mais a ideia de que as pessoas morrem sem qualquer preparação. Se temos medo da morte, temos pavor da morte repentina. Do fim abrupto e sem despedida.  

Sabemos que pessoas morrem o tempo todo, em todo lugar. Sabemos que estão vivas e que no segundo seguinte não estão mais.

Mesmo jovens. Mesmo jovens demais. 

Mesmo saudáveis. Mesmo saudáveis demais. 

Mas quem morre é sempre o outro. Até que não é mais.

(O Programa Conversa com Bial reexibe hoje (5), entrevista com a cantora Marília Mendonça. Logo após do Jornal da Globo)

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Chá virtual sobre perdas: ‘É preciso respeitar nosso estado de luto’ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/02/cha-virtual-sobre-perdas-e-preciso-respeitar-nosso-estado-de-luto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/02/cha-virtual-sobre-perdas-e-preciso-respeitar-nosso-estado-de-luto/#respond Tue, 02 Nov 2021 15:00:37 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/mirian-cha-luto-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2563 Você já imaginou tomar um café ou chá para falar sobre luto? Pensando que todas as pessoas em algum momento já viveram algum tipo de luto –morte de entes queridos, fim de relacionamentos, ou a mudança de trabalho– um chá sobre o assunto soa bem possível, não é mesmo?

Para ouvir histórias de perdas entre 2020 e 2021, a diretora teatral Mirian Fonseca lançou em suas redes sociais o convite “Vamos tomar um café/chá”, onde se coloca à disposição para escutar de maneira cuidadosa quem perdeu familiares e amigos nesse período.

Nesse tempo, Mirian perdeu o avô, uma tia, uma sobrinha e alguns amigos. Diante do próprio luto, e para tentar refletir e elaborar a dor, iniciou esse processo criativo sobre a temática junto a outros artistas.

Aluna do curso de Artes Cênicas – Direção Teatral da  Escola de Teatro da UFBA e artista colaboradora do Coato Coletivo, que pesquisa as interações entre arte e tecnologia na Bahia, a escuta integra o projeto “Dos que vão morrer aos mortos” e até o fim do ano irá se tornar um vídeo-art.

“Como parte do processo, resolvi convidar pessoas para tomar um chá virtual para compartilhar suas experiências de forma livre, me colocando à disposição através de uma escuta ativa e afetuosa”, conta. Para participar, é bem simples: envie um e-mail para mirian.fonseca97@gmail.com ou, então, uma mensagem em seu perfil no Instagram.

Mirian acredita que falar liberta e nos ajuda a entender os ciclos da vida. “Eu acredito que devemos celebrar a vida do outro, mas também devemos respeitar nosso estado de luto. Falar sobre o luto nos ajuda a entender que os ciclos se fecham, que há voos que não podem ser impedidos e que a vida é feita de encontros e despedidas. Sinto que a gente evita muito falar sobre esses momentos de passagens”.

Mirian ressignificou os próprios lutos ouvindo histórias de perdas/Arquivo pessoal
Mirian ressignificou os próprios lutos ouvindo histórias de perdas/Arquivo pessoal


Cada história é única

Até agora já ouviu 13 pessoas. As conversas são literalmente um chá virtual. A diretora artística convida a pessoa a estar com um chá, café ou água. “Sempre começa o encontro perguntando qual é a bebida que está tomando”.

Durante a prosa, Mirian escuta as histórias e também compartilha as suas, próprias. Em conjunto, pensam uma imagem que simbolize a conversa, sendo esta a figura que também irá compor o vídeo-arte produzido por Mirian.


O processo é permeado pelos mais diversos sentimentos, assim como o próprio luto. “Tive muitos momentos de riso com as pessoas,  momentos de lembrar das pessoas que se foram, com muito cuidado, com muito carinho. Há momentos tensos. Eu que choro ou a pessoa chora. Eu tô ali, com muita vontade de abraçá-la e digo isso a ela, que quero abraçá-la mesmo que seja virtualmente, para que ela se sinta abraçada”.

Em uma conversa, a pessoa narrou a perda de um parente, um jovem negro e trouxe e lamentou por ele não ter vivido seus sonhos. A imagem que sintetizou essa conversa foi a de uma árvore cortada.

“Eu fiquei pensando muito nisso, pensando nos meus irmãos, pensando sobre perspectiva e sobre quanto nós, pessoas negras também somos atravessadas. A gente não consegue falar, a gente não consegue lidar com isso. A gente também não entende esse processo de luto porque não aprendeu a lidar com nossas emoções”, diz.

Mirian não sabe com exatidão quando criou consciência da existência do luto. “Sou uma pessoa que já vivenciou inúmeras perdas (não apenas relacionadas à morte) desde muito nova, e nunca consegui falar abertamente sobre elas”. 

Nas sessões terapêuticas, percebeu que o psicólogo sempre utilizava a palavra luto para nomear situações e sentimentos. Seu interesse pelo assunto só aumentou.

No primeiro trabalho como diretora teatral, encarou o assunto de perto, já que o experimento cênico trazia o luto de mulheres negras que haviam perdido seus filhos para a violência policial.

Segundo o Atlas da Violência de 2021, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 29,2. Entre os não negros (amarelos, brancos e indígenas) a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil.

“Fruto de uma pesquisa coletiva com o grupo de teatro do Instituto Federal da Bahia- Campus Simões Filhos, em ”Neides”, me interessava saber como as mães que tinham perdido seus filhos se sentiam, como era este luto”, conta Mirian.

O dossiê “A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil” aponta que as mulheres pretas vivem violência tanto no esforço quanto no isolamento e solidão para tentar proteger a vida de seus filhos. Por trás dos números, há também uma violência não letal, tanto no intuito de preservar a vida de seus filhos, quanto para recuperar a memória de jovens assassinados.

Mirian acredita que a morte de pessoas negras é muito banalizada na sociedade brasileira e, por isso, tem também refletido sobre necropolítica. Aqui no Morte Sem Tabu, falamos sobre isso ouvindo mães de vítimas da violência estatal e já explicamos como a necropolítica afeta de diferentes formas a população negra no país.

“Venho  também  buscando referências de outras mulheres negras  que falem sobre o luto para me guiar para e no meu trabalho em geral, venho buscando resgatar rituais de passagens muito comuns em interiores da Bahia que tem forte inspiração em rituais afro-brasileiros”, diz.

Mirian e o avô Nicolau/ Arquivo pessoal

A morte faz refletir sobre a vida

Foi apenas em 2018, com o falecimento de sua avó, que Mirian percebeu quanto a morte a fazia refletir sobre a vida, a família e os sentimentos que ficam quando alguém parte.

“Movida pelo desejo de me conectar com a pessoa que minha avó foi e de ouvir histórias de outras mulheres negras, dirigi em 2019 um experimento cênico onde reuni histórias de avós de quatro performers e da minha avó que já tinha partido para um outro plano”.

Nesse meio tempo, perdeu outras duas pessoas bem próximas, acumulando nela uma sensação de não compreensão sobre essas partidas. Em 2020, com a chegada avassaladora da pandemia, a ideia do luto a assombrou a tal ponto, que Mirian começou a ter medo de perder novas pessoas.

“Tinha muito medo de perder alguém neste momento, ao mesmo tempo que sentia um vazio gigante pelas perdas das outras pessoas. Vi relatos de muitas pessoas próximas que morreram de Covid-19”.

Ao fim de 2020, ela gravou um documentário com o avô de 92 anos para entender como uma pessoa idosa estava atravessando a pandemia diante do isolamento de amigos e família.

“Criei um vínculo inacreditável com ele e uns 20 dias depois (íamos continuar gravando), ele partiu, junto da família. Uns meses depois,  perdi uma outra tia e uma sobrinha. Foi daí que a perda da  morte começou a me atravessar de maneira muito mais avassaladora”.

Desde que começou o projeto, Mirian se sente atravessada. “As imagens que as pessoas atravessam meu corpo de forma única. Eu acho que isso é o ápice da performance, que é o ato de ritualizar e entender. Todas essas conversas vão se tornar imagens futuramente, e elas dizem muito. Dizem não só sobre mim, dizem muito sobre o coletivo. Eu acho que nesse período de pandemia, o luto é coletivo”.

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Finados: dia para homenagear a memória dos que foram; confira programação https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/finados-dia-para-homenagear-a-memoria-dos-que-foram-confira-programacao/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/finados-dia-para-homenagear-a-memoria-dos-que-foram-confira-programacao/#respond Mon, 01 Nov 2021 23:29:04 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/mike-labrum-fvl4b1gjpbk-unsplash-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2566 Neste dia 02 de Novembro, Dia de Finados, se encerra a exposição “Memorial da Despedida”, na Praça Roosevelt. Conforme anunciado, ao longo deste dia tão especial, estão todos convidados para ir à praça, fazer uma homenagem à pessoa querida.

Poderão escrever os nomes das vítimas da pandemia do novo coronavírus nas fitas coloridas que serão amarradas aos cata-ventos. Estes poderão ser levados para o local simbólico desejado, seja para o jazigo de algum familiar ou amigo, para casa, seja para onde bem lhe entender, para melhor guardar e elaborar, individual e coletivamente, esta memória. O site do projeto seguirá online, onde as pessoas continuarão podendo enviar suas homenagens de forma permanente: www.memorialdadespedida.com.br .

E os cata-ventos revoarão, portanto, a partir de agora. Um dos nossos cata-ventos grandes irá, dias mais tarde, compor a inauguração do Parque Augusta, vizinho da Roosevelt. O outro provavelmente irá para outra cidade, surpresa, onde recomeçaremos novos memoriais transitórios (ou permanentes), novos ventos de despedida, relembranças e recomeço…

No exato momento em que o mundo supera a terrível marca de 5 milhões de pessoas mortas pela pandemia da Covid-19, das quais mais de 600 mil só no Brasil, os nossos cerca de 38 mil pequenos cata-ventos, que têm representado e buscado honrar cada uma das vítimas do coronavírus na cidade de São Paulo, produzidos pela Escola de Samba Vai-Vai, com material reciclado da Recifavela, agora serão semeados: além dos rituais particulares dos enlutados e enlutadas que quiserem os colher e os levar consigo, também em uma série de outras celebrações pelo Dia das Mortas e Mortos em São Paulo, nas suas inumeráveis ruas e variadas redes, lutos e lutas pela vida.

Finados é um dia para celebrar a vida dos que se foram. Em algumas crenças, é um momento para se visitar túmulos. Em outras, é uma fase de reclusão. A memória dos mortos é homenageada desde os primórdios dos tempos. A Igreja católica estabeleceu o Dia de Finados logo após o Dia de Todos os Santos, comemorado em 1 de novembro.

Confira, abaixo, algumas dessas atividades que estão sendo chamadas, abertas à participação de todos que assim se identificarem com cada uma delas.

Agradecemos a todos os envolvidos nesta ação: correalizadores, produtores, apoiadores, amigos, frequentadores e vizinhos da Praça Roosevelt. Estamos vivenciando um período histórico traumático. Compartilhar de uma ação coletiva como um Memorial que acolhe homenagens aos que se foram é um ato de esperança e fé. Não estamos sozinhos. 

Como diz o escritor moçambicano “Os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos”. Registramos e oramos em voz alta cada um dos nomes das vítimas e abraçamos em pensamento os milhares de enlutados por esta pandemia. Não esqueceremos jamais.

Mais informações: www.memorialdadespedida.com.br 

 

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO GRATUITO AO LONGO DO DIA:

Instituto 4 Estações. Agende seu horário pelo WhatsApp: 11-97437-8686

Outros atendimentos gratuitos ao longo do ano: www.mapadasaudemental.com.br

 

10hs – ATO SIMBÓLICO EM HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DA COVID (Ipiranga)

Local: Museu do Ipiranga, concentração na parte de baixo do museu

Concentração: Ladeira dos skates

Organização: Familiares e Amigos de Vítimas da Covid-19 em SP

 

13h30 – DIA DAS MORTAS E MORTOS – ARRASTÃO DOS BLOCOS EM LUTO PELA VIDA (Centro, Praça da Sé)

 

A ideia é ter um encontro para celebrar e honrar a vida dos que se foram, para que seja uma formar de realizar um processo de luto coletivo – que tanta falta fez nos últimos anos, além de honrar e celebrar a vida e o trabalho das e dos agentes funerários, tão fundamentais e, muitas vezes, invisibilizados.

As pessoas que vierem participar podem trazer instrumentos para somar, fotos dos que se foram e oferendas como velas, flores, frutas, cartazes, mensagens e memórias. Obrigatório o uso de máscara e o respeito aos protocolos de segurança.

13h30 – maquiagem e organização

14h – aquecer e roda

15h – cortejo feliz finado (volta na sé)

16h20 – jogral nas escadarias

16h47 – cortejo arrastão até a vigília na câmara

17h30 – vigília na câmara municipal

Local: a partir das 13h30 na Praça da Sé

Endereço: Praça da Sé,  s/n (concentração próximo às escadarias da Sé) – Centro 

Mais informações: https://www.instagram.com/arrastaodosblocos/

Playlist para o Dia das Mortas e Mortos (por Fabito Figueiredo): https://open.spotify.com/playlist/1evN0KuuonPKDng03zLQPI 

 

AÇÃO NAS REDES DO MEMORIAL INUMERÁVEIS – #NãoÉUmNúmero

O objetivo da ação é fazer com que a data seja lembrada pelas mortes causadas pelo vírus e permitir a familiares e amigos prestarem homenagens de qualquer lugar do mundo.

A ideia é inundar as redes sociais com as memórias de pessoas queridas que partiram por conta da doença nesses últimos dois anos. Para participar, é só escrever um texto curto sobre uma vítima do novo coronavírus que você quer homenagear, compartilhar nas redes sociais com a hashtag #nãoéumnúmero e convidar outras pessoas para o movimento.

Mais informações: https://www.instagram.com/inumeraveismemorial/

 

AÇÃO NAS REDES DA FRENTE INTER-RELIGIOSA DOM PAULO EVARISTO ARNS – #LutoPorElas #LutoPorTodas

A Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, junto com o Coletivo Respira Brasil e outros, realizaram uma campanha nas redes durante este feriado: LUTO POR ELAS, VIVO POR TODAS.

A Campanha tem como principal objetivo fazer memória e semear justiça por todas as pessoas que morreram, direta ou indiretamente, vítimas da COVID-19, nesse período de celebrações pelo Dia de Finados. #LutoPorElas #LutoPorTodas

Mais informações: https://www.facebook.com/FIRPEA 

 

CERIMÔNIAS E SERVIÇO NOS CEMITÉRIOS MUNICIPAIS

A Prefeitura de São Paulo, por meio do Serviço Funerário e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), já se preparou para a movimentação de cerca de 100 mil pessoas que visitarão os 22 cemitérios municipais na próxima terça-feira (2), Dia de Finados. O público deverá seguir os protocolos em prevenção à Covid-19, a fim de proteger a saúde dos visitantes e evitar aglomerações. Haverá medição de temperatura nas entradas das unidades, máscaras e álcool em gel serão disponibilizados em pontos estratégicos.

A CET vai monitorar o trânsito nas imediações dos cemitérios da cidade de São Paulo no Dia de Finados, das 6h às 18h. Na celebração da data em 2020, quase 84 mil pessoas visitaram os 22 cemitérios municipais e a expectativa é de que neste ano cerca de 100 mil pessoas estarão prestarão homenagens aos entes falecidos. As unidades funcionarão das 7h às 18h.

Para evitar filas nos atendimentos e portões de entrada dos cemitérios, o número de funcionários será reforçado com o apoio das equipes que atuam na área administrativa do serviço funerário.

CERIMÔNIAS

Confira os horários das cerimônias de várias religiosidades que serão celebradas em alguns cemitérios municipais:

Cemitério São Paulo: duas cerimônias, às 9h e às 15h

Cemitério Santo Amaro: quatro cerimônias, às 8h, 10h, 12h e 14h

Cemitério São Luiz: ato ecumênico às 10h

Cemitério da Penha: cinco cerimônias, às 8h, 10h, 12h, 14h e 16h

Cemitério de Santana: quatro cerimônias, às 8h, 10h, 12h e 15h

Cemitério do Campo Grande: uma cerimônia às 15h

Cemitério Dom Bosco: duas cerimônias, às 10h e às 15h

Cemitério Vila Nova Cachoeirinha: três cerimônias, às 8h, 10h e 15h

Cemitério Freguesia do Ó: uma cerimônia às 11h.

Cemitério da Vila Mariana: uma cerimônia às 10h

Cemitério da Lapa: cinco cerimônias, às 8h, 10h, 12h, 15h e 16h30

Cemitério de Tremembé: duas cerimônias, às 10h e às 15h

Cemitério de Itaquera: quatro cerimônia, às 7h30, 10h30, 14h e 16h

***Os procedimentos adotados para a realização de velórios no período da pandemia continuam valendo e podem ser consultados nos links abaixo:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/noticias/?p=296661

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/servico_funerario/index.php?p=317815

Consulte abaixo os endereços do crematório e cemitérios municipais:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/servico_funerario/enderecos/index.php?p=3572

 Alterações e monitoramento do trânsito

A Companhia de Engenharia de Tráfego vai monitorar o trânsito nas imediações dos cemitérios das 6h às 18h. A CET fará a montagem de bloqueios, alterações de sentido de circulação, orientação de trânsito, travessia de pedestres e mudanças voltadas a melhorar as condições de segurança viária, respeitando as características do entorno de cada cemitério, nas diversas regiões da cidade.

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Memorial da Despedida: para nunca esquecer seu nome  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/memorial-da-despedida-para-nunca-esquecer-seu-nome/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/memorial-da-despedida-para-nunca-esquecer-seu-nome/#respond Tue, 26 Oct 2021 20:24:50 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Captura-de-Tela-2021-10-26-às-17.19.01-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2551 No centro da cidade de São Paulo, a praça que abriga a Igreja Nossa Senhora da Consolação abriga, também, um Memorial transitório em homenagem às vítimas da pandemia do Coronavírus da cidade. O Memorial da Despedida traz pelo menos 38 mil cata-ventos, um para cada uma das vítimas, feitos a partir de caixas de leite pela tradicional Escola de samba Vai-Vai

Os visitantes são convidados a escrever os nomes dos homenageados em fitas coloridas que são amarradas ao cata-vento escolhido.

Eles são recebidos por produtores contratados pela Secretaria Municipal de Cultura, como Elisete Jeremias e Patrícia Sueza. 

Diretora de palco teatro e produtora executiva, Elisete não pode exercer a profissão durante a pandemia. Moradora da Praça Roosevelt há 20 anos — onde está o Memorial — ela observa os próprios vizinhos.

Caminham com cachorros, skatistas praticam suas manobras, outros fazem musculação. Alguns estendem uma toalha e tomam sol.

Os monitores, como Elisete, olham com ternura para cada um que se aproxima. Impossível não elucubrar sobre quem estão homenageando. Será um marido, a esposa, um filho, o pai, um amigo, a mãe? Qual a história por trás de cada ação?

Os visitantes do Memorial se aproximam sensibilizados e muito emocionados. Afinal, estão ali para prestar uma homenagem a alguém que morreu de covid-19. Uma morte traumática, avassaladora. Privados da possibilidade dos ritos fúnebres que tanto nos ajudam a contemplar e assimilar a dor.

O acolhimento é feito com muita delicadeza. “O efeito do luto ainda é forte nas pessoas. Alguns se aproximam para ler os totens explicativos, como o de apresentação, o que fala sobre luto e a lenda do cata-vento. Aí, sugerimos as fitinhas coloridas para as homenagens. A própria pessoa amarra a fitinha. Para eles, essa ação de amarrar as fitinhas é importante. A homenagem e o pensamento estão nesse ato, que se torna um ritual”, diz Elisete.

É comum os produtores estabelecerem uma relação com os visitantes. Um dia, Elisete chegou na praça e se deparou com um bilhete. Um homem tinha chegado mais cedo, deixou seu número de celular e os nomes das pessoas que gostaria de homenagear. Elisete escreveu os nomes, amarrou aos cata-ventos, fotografou e enviou as fotos. 

Essa relação gera uma conexão muito importante para quem está em luto. “Muitos nos contam a história de quem morreu. Tem gente que pega 4, 5 fitinhas, senta e começa a escrever.  Tem gente que pergunta: meu irmão não faleceu em São Paulo, mas eu posso colocar fitinha para ele? Claro, claro!Tem gente que se emociona só de ler a palavra ‘luto’. Tem muita história silenciosa com eles. Comentam, esse é para “meu pai”, “meu irmão”. 

  Elisete também relata que algumas pessoas que não tiveram oportunidade de dar adeus, estão encontrando uma maneira de significar essa despedida. “Em diversas crenças, ritualizamos os nomes das pessoas. Por exemplo, colocamos nomes nas missas católicas. Sentimos que as pessoas estão indo lá, conversando com seus entes queridos, e dando adeus. É como a frase do Mia Couto que está atrás das nossas camisetas.  ‘Os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos’”. 

          Elisete diz que o Memorial está sendo respeitado por quem frequenta a praça à noite. É comum danificarem a praça, quebrarem garrafas durante a noite, mas ela considera haver um respeito pelo o que está acontecendo aqui.

“O não esquecimento que está na poética deste trabalho é o mais bonito disso tudo. Fazer parte de uma ação pública, estar ali com as pessoas, tem sido meu palco, meu teatro”. 

 Patrícia Sueza também é uma produtora cultural contratada pela Secretaria Municipal de Cultura para receber os visitantes na praça. Publicitária e escritora, ela vê importância desse ritual de despedida. “Muitas pessoas não tiveram a oportunidade de se despedir, então é uma forma de homenagear e ter esse momento simbólico de passagem”, ela diz ao se identificar com essas pessoas. Patrícia perdeu sua avó para a covid-19 há duas semanas. “Foi tudo muito rápido”. 

Não foi sua única familiar que partiu. Em janeiro, a tia morreu de Covid-19. “Por eu ter passado por isso, tenho tido essa empatia e fiquei bem mexida em estar participando dessa monitoria”. 

Patricia se emociona com as histórias que presencia. Se diz marcada por cada um que passa.

         Um senhor se aproximou, acompanhado da esposa. Sentou e começou a extravasar pensamentos em voz alta, refletindo sobre o que escrever na fitinha. Até que disse: “Só posso escrever uma coisa. ‘A melhor mãe do mundo’”. 

        Duas mulheres chegaram juntas para fazer a homenagem. As duas perderam seus maridos, que eram irmãos. 

         Um rapaz com deficiência visual, perdeu o pai e sentiu não ter tido uma despedida. Patrícia o acompanhou nesse momento simbólico.

Um senhor veio de Maringá, no Paraná, especialmente para fazer uma homenagem.

         E, ainda, uma moça que se aproximou super emocionada. Contou que seu marido pegou Covid-19, ficou hospitalizado e recebeu alta. Foi para casa carregando sequelas. Um mês se passou e ele faleceu. A esposa entendeu esse momento como um presente, uma oportunidade de despedida nesse mês que ficaram juntos em casa. 

Esses produtores estão fazendo um lindo trabalho de acolhimento. Abertos e sensíveis para receber e encaminhar os visitantes a suas homenagens e a serviços de atendimento ao luto, estampados em um dos totens do Memorial.

Registro aqui meu agradecimento e admiração pelo trabalho de vocês.

O Memorial ficará na praça Roosevelt até 2 de novembro na cidade de São Paulo. Neste dia, os cata-ventos poderão ser levados para casa e serem usados em um ritual particular.

Estamos elaborando planos para levar esta ação a outras cidades. Os cata-ventos grandes terão outros destinos, que anunciaremos em breve, e as pessoas poderão continuar suas homenagens no nosso site: www.memorialdadespedida.com.br.

Um abraço em todos vocês que sentem a perda de alguém querido. O luto é um processo individual, cada um irá senti-lo de uma forma, e duração, totalmente diferente do outro. Perder alguém na pandemia é um processo de luto muito traumático. 

Ter apoio nesse momento é fundamental. É possível verificar locais de atendimento gratuito no site do Mapa da Saúde Mental. E no dia 2 de novembro, Feriado de Finados, haverá uma ação especial, coordenada pelo Instituto Quatro Estações, para atendimento gratuito que pode ser agendado no WhatsApp: 11-97437-8686.

Até breve,

Camila

Elisete no Memorial da Despedida. Crédito: Guinho da Vai-Vai
Patrícia no Memorial. Crédito: Brunna Marchese

 

Crédito: Patrícia Sueza

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Cortejo ecumênico inaugura o Memorial da Despedida nesta quarta (6) https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/05/cortejo-ecumenico-inaugura-o-memorial-da-despedida-nesta-quarta-6/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/05/cortejo-ecumenico-inaugura-o-memorial-da-despedida-nesta-quarta-6/#respond Tue, 05 Oct 2021 15:56:37 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/img_5094-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2537 Me emociona a definição de luto apresentada pelo compositor José Miguel Wisnik, que já passou por processos intensos ao perder a esposa e o filho. Segundo ele, luto é o movimento de internalização da pessoa que morre, na tentativa de ocuparmos um mundo desertificado por essa ausência.

A função primordial dos rituais fúnebres é nos auxiliar nesse processo. Neles, compartilhamos histórias, somos acolhidos, homenageamos uma vida inteira. Nos sentimos menos sós. Especialistas apontam que a cada morte, pelo menos 9 pessoas ficam diretamente enlutadas.

A pandemia levou quase 600 mil pessoas e privou familiares e amigos deste momento de processamento. Ficamos sem a concretude da morte, oferecida nos velórios e nos enterros. E sem a narrativa de um adoecimento, construída em idas e vindas ao hospital ao acompanharmos um tratamento.

A psicóloga especializada em luto Gabriela Casellato vê com preocupação as consequências da privação desses momentos durante a pandemia. Costumamos criar uma narrativa para a morte, baseada em como a pessoa ficou doente, quando foi internada, o que aconteceu durante essa internação, a fase da complicação, e como ocorreu a morte em si. Os pacientes contaminados são isolados, não permitindo aos familiares desenvolver essa narrativa. Ela sugere, sempre que possível, valorizar o ritual simbólico, para não deixarmos de ter esse momento de processamento da perda.

O Memorial da Despedida é realizado pela prefeitura de São Paulo e idealizado pelo coletivo Luto pela Vida (do qual fazemos parte) e do Flores par Heróis, e tem apoio da Gafisa. A Praça Roosevelt, centro da cidade de São Paulo, recebeu corações grafitados nos 1000m2 ao redor da praça, que abraçam 38 mil cata-ventos.

Decidimos confeccionar um cata-vento para cada uma das vítimas da pandemia na cidade de São Paulo. Eles foram feitos pela Escola de Samba Vai Vai, que passou meses mergulhada nesse processo de produção. Caixas de leite foram compradas da Recifavela, abertas, lavadas, desinfetadas, cortadas e dobradas para virarem um cata-vento.

Cada uma dessas caixas de leite estiveram na mesa de refeição de uma casa da cidade, de uma família. Testemunharam, simbolicamente, a intimidade da pandemia desses núcleos. E agora, são transformadas nesses cata-ventos que trazem consigo o ar do passado, capturado por um redemoinho e impulsionado em direção ao futuro.

Colocamos fitas coloridas nos cata-ventos para que os familiares e amigos das vítimas possam ir até a praça escrever os respectivos nomes nessas fitas. Produtores da prefeitura estarão a disposição nos cinco finais de semana (e feriados) desta instalação para receber a população e orientar essa ação. Os dias e horários exatos você pode encontrar no @memorialdadespedida.

Nesta quarta (6), às 11h, faremos um cortejo ecumênico de inauguração do Memorial. São diversas lideranças interreligiosas que trarão palavras e sons nas diversas crenças, com um objetivo comum: acolhimento do luto. Teremos contribuições do Padre Julio Lancelotti, do grupo Ilu Oba de Min, do cantor gospel Clovis Pinho e da Velha Guarda da Vai-Vai, do Rabino Uri Lam e outras representações do Candomblé, Espiritualismo, Xamanismo, Budismo, Islamismo, Cultura Cigana, referências indígenas. Por favor, veja a lista completa em @memorialdadespedida, que será atualizada ao longo do dia.  O Ilu e a Vai-Vai produzirão o som da batida do coração em seus tambores. O som da vida que pulsa em cada um de nós. Pulsa com dor e tristeza por um período tão cruel que já levou quase 600 mil pessoas. Vamos sentir esse pulsar, juntos.

Seguiremos todos os protocolos de segurança. A praça é aberta e muito ventilada. Máscaras e álcool gel serão oferecidos no local.

Convidamos a todos para registrarem suas histórias no no site: www.memorialdadespedida.com.br. Você pode enviar texto e imagem para nosso email: memorialdadespedida@gmail.com .

Gostaria de compartilhar um encontro que aconteceu durante a instalação dos cata-ventos nesse final de semana.

O cinegrafista, Helio Torchi, enviado pela Band para registrar esse momento, nos contou que perdeu a esposa no começo do ano. Foi tudo muito rápido. Ela começou a apresentar sintomas de resfriado. Os sintomas ficaram mais intensos, foram para o hospital. O percurso foi descontraído, nunca imaginaram que poderia ser um dos últimos momentos juntos. Em cinco dias, ela faleceu. Vanuza foi sua primeira namorada. Fizeram 34 anos de casados. Dois filhos. Helio ainda não levou a placa de identificação para o túmulo, anda com ela no carro. A falta dessa narrativa da morte, da concretude oferecida nos rituais fúnebres, tornou essa experiência algo surreal e inacreditável. Eram parceiros de trabalho também. Ele filma e ela busca personagens, faz entrevistas. Ela estaria ao seu lado naquela noite chuvosa no meio da praça no centro da cidade. Ele conversou conosco, se abriu, e colocou um cata-vento em homenagem à Vanuza.

Essa história revela a alma desse projeto. Tentar oferecer algum conforto, acolhimento e uma possibilidade de homenagem. Vamos até a praça homenagear quem partiu e contar sua história. Tem uma frase do escritor Mia Couto que gostamos de repetir com frequência: “os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos”. Não esqueceremos jamais.

 

Foto: Aline Flores

 

No Memorial, colocamos um banner com alguns links relevantes, que oferecem apoio gratuito ao luto. Que reproduzo abaixo:

Links relevantes. 

INSTITUTO 4 ESTAÇÕES: Suporte psicológico para perdas e lutos. https://www.4estacoes.com

VAMOS FALAR SOBRE O LUTO:  plataforma digital de informação, inspiração e conforto para quem perdeu alguém que ama ou para quem deseja ajudar um amigo nessa etapa tão difícil. http://vamosfalarsobreoluto.com.br 

CUIDADO AO LUTO PELA COVID 19: http://www.cuidadoaoluto.com.br /  contato@cuidadoaoluto.com.b

REDE AP: A REDE API- Apoio a perdas Ir (reparáveis) oferece reuniões online aos enlutados.  Encontros online gratuitos: https://redeapi.org.br/encontros-online-mes-de-maio/

UNIFESP : o departamento de psiquiatria da UNIFESP oferece acompanhamento emocional por meio de plataforma digital ou telefônica.

acolheluto@gmail.com

LELU: LABORATÓRIO DE ESTUDOS E INTERVENÇÕES SOBRE O LUTO:

Site. www.pucsp.br/clinicapsicologica

BLOG MORTE SEM TABU: Blog da Folha de S.Paulo desmistifica temas relacionados à morte. https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br

Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito, por meio de atendimento exclusivamente pelo telefone 188 ou pelo site.

REDE APOIO COVID – Rede Nacional de Apoio às Famílias de Vítimas da Covid-19 no Brasil. https://www.redeapoiocovid.com 

MAPA DA SAÚDE MENTAL: Mapa de organizações que oferecem suporte psicológico  gratuito https://mapasaudemental.com.br

O Instituto Maria Helena Franco de Psicologia oferece apoio emocional ao luto por covid-19 online e gratuito. Entre em contato: falandodeluto.imhfp@gmail.com

Foto: Aline Flores

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Por que eu quero receber cuidados paliativos? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/por-que-eu-quero-receber-cuidados-paliativos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/por-que-eu-quero-receber-cuidados-paliativos/#respond Thu, 30 Sep 2021 18:59:08 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/ef1712f0-5e06-40f4-9a70-303ae0a6c778-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2526 Na CPI da Covid, temos escutado barbaridades sobre uma área da medicina conhecida como cuidados paliativos. Para quem sentiu na pele os benefícios de uma abordagem paliativista, escutar desinformações desse tipo é uma facada no peito.

Ressalto que paliativo não é uma gambiarra que você faz para remendar algo que está errado. Também não se trata de jogar a toalha, desistir do  que seria, supostamente, bom. O termo deriva do latim pallium e significa cobrir com manto. É o manto protetor que simboliza o cuidar que faz parte do olhar proposto pelos médicos paliativistas.

Em 1990, esse termo foi adotado e definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os cuidados paliativos entram em cena quando um paciente recebe o diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida. Ele será amparado por uma equipe multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e assistentes espirituais que discutem caso a caso de forma integrada e personalizada. Olha-se para o paciente como uma pessoa (e parte de um núcleo familiar) e não como uma doença, como costuma-se dizer.

Em uma das reportagens que fiz, me chamou atenção uma equipe que estava discutindo o sonho do paciente naquela noite. Refletiam sobre como esse sonho revelava o medo da morte e a complexa relação com os familiares que o visitavam na enfermaria. Em uma fase final desse cuidado, realiza-se desejos, intermedia-se reconciliações. Tudo isso não está em uma prescrição médica de uma abordagem convencional, mas ajuda no controle da dor, do stress, da qualidade de vida. Até seu último segundo.

Um dos princípios dos cuidados paliativos é não usar tratamentos abusivos que tenham mais impacto negativo do que positivo na qualidade de vida do paciente. Permeia o conceito da ortotanásia, que é deixar a morte ocorrer naturalmente e não tentar prolongá-la a qualquer custo com o uso das tecnologias disponíveis. Seguimos o direito de autonomia e escolhas. A ortotanásia não é essa eutanásia que estamos escutando na CPI. Comparar cuidados paliativos à eutanásia é um equívoco enorme.

Orto significa correto e  thanatos, morte.  Ela se opõe à distanásia, que é o prolongamento da vida com a ajuda de aparelhos respiratórios ou procedimentos invasivos como a entubação. Apesar de serem protocolo em diversas UTIs pelo país,  são uma opção, uma escolha que o paciente e seus familiares têm o direito de tomar.  Muitas pessoas não sabem disso e são levadas à uma distanásia sem compreenderem que se trata de uma escolha.

Os paliativistas são reconhecidos por sua sabedoria no controle da dor e na comunicação de notícias delicadas. Porque eles entendem a importância disso e se preparam para conversar com uma família, acolher suas inseguranças e anseios.

Recebi o depoimento da bioeticista Luciana Dadalto, que reproduzo abaixo. Ela é doutora em Ciências da Saúde. Advogada especialista em Direito Médico e da Saúde. Administradora do portal Testamento Vital  e coordenadora do livro “Cuidados Paliativos: aspectos jurídicos”.

A ilustração de Beatriz Martín Vidal, que acompanha esse texto, é uma sugestão de Luciana. Ela a usa em aulas sobre cuidados paliativos que ministra em congressos, pós graduação e palestras. Luciana vê, nesta imagem, cuidado.

Os cuidados paliativos trazem essa poesia, essa sutileza, e a abertura de espaço para interpretações. Respeita-se o tempo de cada um, nossa visão de mundo e as escolhas que consideramos serem melhores para nós, a partir da sabedoria que a medicina, e da saúde tanto física quanto mental, possa, oferecer.

O título que Luciana colocou no seu texto é “Eu Quero Receber Cuidados Paliativos”. Eu tomo a liberdade de já me incluir nessa afirmação. Eu também!.

Reproduzo abaixo, também, a carta da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, sobre os recentes acontecimentos na CPI.

Boa leitura! E vamos em frente nessa busca por  uma maior qualidade de vida. Até seu último segundo.

Eu quero receber Cuidados Paliativos!

Por Luciana Dadalto

Imagine que haja um tratamento para uma pessoa gravemente doente que melhore a qualidade de vida, diminua a depressão, a possibilidade de que o paciente precise ser internado e aumente a sobrevida. Se você estivesse gravemente doente, gostaria de recebê-lo?

Se você tiver respondido sim, saiba que esse “tratamento” já existe e se chama Cuidados Paliativos. Saiba ainda que ele é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como um Direito Humano. Saiba que ele encontra respaldo na Constituição Federal do Brasil. Saiba que ele é a melhor chance de você ser cuidado como pessoa e não como um corpo doente. Saiba que ele garante dignidade. Saiba que ele busca combater o sofrimento. Saiba que ele protege os pacientes de cuidados inadequados. Saiba que ele apoia a autonomia do paciente. Saiba que ele acolhe a família.

Ao redor do mundo os Cuidados Paliativos são uma abordagem estigmatizada, pois em sociedades acostumadas com a cura, a ideia de uma prática de saúde que visa cuidar do sofrimento de pessoas com doenças graves é, frequentemente, deturpada. Frases como “não há mais o que fazer”, “a luta foi perdida”, “não tem solução” são constantemente associadas aos Cuidados Paliativos e produzem um enorme desserviço para população que acaba compreendendo essa abordagem como contraponto à abordagem curativa e não como complementar.

O teste que eu trouxe no primeiro parágrafo proposto Sean Morrison  e Mireille Jacobson (2021), dois geriatras paliativistas estadunidenses, com o objetivo de sensibilizar o Poder Público, a imprensa e a sociedade civil para a importância dos Cuidados Paliativos e demostrar que quando compreendemos o conceito, é difícil sermos contra a abordagem.

Em contrapartida, quando não compreendemos o conceito, é fácil seguir o senso comum. Foi exatamente isso que assistimos e lemos nos últimos dias no Brasil: os Cuidados Paliativos sendo utilizados macabramente para nomear supostas práticas antiéticas, imorais e ilícitas ocorridas dentro dos hospitais da Prevent Sênior, com o alegado apoio de agentes do Governo Federal e do Conselho Federal de Medicina.

Ao contrário do que tem sido divulgado por alguns profissionais que trabalham na operadora de saúde Prevent Sênior e/ou por alguns políticos, os Cuidados Paliativos não são indicados apenas para pessoas que estão morrendo, não aceleram a morte, não são sinônimos de abandono terapêutico, nem de suspensão de suporte, muito menos de economia de custos.

Em maio de 2020, a Organização Mundial de Saúde publicou o documento  “Manejo Clínico da Covid” conceituando a abordagem paliativa e recomendando-a para pacientes com covid-19:

“Os cuidados paliativos são uma abordagem multifacetada e integrada para melhorar a qualidade de vida de pacientes adultos e pediátricos e suas famílias que enfrentam os problemas associados a doenças com risco de vida como a Covid-19. Concentram-se na prevenção e no alívio do sofrimento por meio de identificação, avaliação e tratamento de estressores físicos, psicossociais e espirituais. Incluem, mas não se limitam aos cuidados em fim de vida.”

Desde então, inúmeras pesquisas científicas foram publicadas evidenciando a melhoria da qualidade de vida e o aumento da sobrevida de pacientes com covid-19 que receberam Cuidados Paliativos. Portanto, não podemos aceitar que uma abordagem clínica reconhecida internacionalmente e aplicada em dezenas de países do mundo seja usada para justificar práticas que não tem qualquer semelhança com os Cuidados Paliativos ou para nomear possíveis crimes cometidos.

Na abertura da sessão da CPI de 29.09.2021, o senador Humberto Costa leu um posicionamento escrito pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Neste a ANCP deixa claro a legalidade e a ética da abordagem paliativa – no Brasil e ao redor do mundo – e trata-se de uma atividade que merece respeito “não só aos seus profissionais, como principalmente aos pacientes e aos seus familiares que, ao serem atendidos por equipes comprometidas, são os maiores beneficiados, conforme apontam diversos estudos internacionais”.

No dia 09.10 é comemorado o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos e o lema desse ano é “não deixe ninguém para trás.” É exatamente isso que os Cuidados Paliativos fazem com maestria, acolhem, escutam, cuidam, aliviam…. TODOS, sem distinção. E, para que os paliativistas brasileiros continuem trabalhando com ética e dentro da legalidade, cuidando de todos os que precisam, nós, sociedade civil precisamos exigir que os Cuidados Paliativos sejam respeitados. Do contrário, quando precisarmos deles, corremos o risco de sermos deixados para trás.

Eu quero receber Cuidados Paliativos quando e se eu precisar. E você?

 

……….   ……….  ……..

CARTA DA ANCP

São Paulo, 29 de Setembro de 2021

Posicionamento da Academia Nacional de Cuidados Paliativos sobre o uso inadequado da nomenclatura “Cuidados Paliativos” durante a CPI da Covid.

A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), suas seccionais Estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo e a Sociedade Mineira de Tanatologia e Cuidados Paliativos (SOTAMIG), em seu compromisso de disseminar e fomentar a busca por conhecimento adequado e embasado em evidências científicas, vem por meio desta esclarecer e desfazer equívocos a respeito da abordagem de Cuidados Paliativos.

Importante primeiramente frisar que o Cuidado Paliativo não é um tratamento que deve ser considerado apenas quando o paciente se encontra moribundo e exaurido pelo uso de medidas invasivas prolongadas em um leito de terapia intensiva; tampouco deve ser indicado com o intuito de economizar gastos, ou de abreviar a vida dos pacientes; além disso, jamais deve ser um tratamento imposto pela equipe médica, sem consentimento do pacientes e/ou de seus familiares. Todos esses argumentos são exatamente o oposto do que propõe o Cuidado Paliativo.

Vale destacar, que a abordagem de Cuidados Paliativos, mundialmente uma especialidade, não é apenas consagrada na literatura médica, como recomendada pelo Conselho Federal de Medicina em seu Código de Ética desde 2009 (capítulo V, artigo 41) 1, acompanhando tantos outros órgãos reguladores da profissão pelo mundo.

O Cuidado Paliativo é uma estratégia fundamental, efetuada por meio de uma equipe multiprofissional dedicada a esgotar os recursos existentes com o objetivo de cuidar do sofrimento do paciente e de sua família, frente a uma situação de saúde complexa, visando a preservação da dignidade humana.

Segundo a OMS, Cuidados Paliativos são “uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e de seus familiares, que enfrentam doenças que ameaçam a vida. Atua por meio da prevenção e alívio do sofrimento através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas físicos, psíquicos, sócio familiares e espirituais”.

A OMS ainda destaca, nos princípios gerais, que os Cuidados Paliativos buscam:

  • Fornecer alívio para dor e outros sintomas estressantes; através de medicamentos e abordagens não farmacológicas
  • Reafirmar a vida e entender a morte como um processo natural em condições de doença irreversível;
  • Integrar os aspectos psicológicos, sociais e espirituais ao aspecto clínico de cuidado do paciente;
  • Elaborar plano de cuidados alinhados aos desejos e valores do paciente, favorecendo o exercício desua autonomia;
  • Não acelerar o processo de morte, prática proibida em nosso meio, conhecida como eutanásia;tampouco retardá-lo de forma artificial e com sofrimento, prática chamada de distanásia;
  • Oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente, em seu próprioambiente;
  • Oferecer um sistema de suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível atésua morte;
  • Usar uma abordagem interdisciplinar para acessar necessidades clínicas e psicossociais dos pacientese suas famílias, incluindo o aconselhamento e suporte ao luto;Os Cuidados Paliativos podem ser oferecidos conjuntamente às medidas que tratam especificamente a doença, como a quimioterapia e a radioterapia no caso do câncer. E deve ser realizado nos diversos ambientes de cuidado, desde a residência até os hospitais, incluindo os CTIs.O paciente é avaliado de forma ampla, considerando suas dimensões física, psicológica, social e existencial, bem como seus valores pessoais e a partir daí são propostas intervenções baseadas na ciência, que façam sentido para aquela pessoa específica. Dependendo do caso e da fase de evolução da doença podem ser implementadas medidas mais ou menos invasivas.De acordo com o Atlas dos Cuidados Paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos publicado em 20191, existem no país 191 serviços especializados. Além disso, esta prática é reconhecida pela Associação Médica Brasileira, que concede Título de Área de Atuação a profissionais habilitados desde 2011.É uma atividade que merece respeito não só aos seus profissionais como, principalmente, aos pacientes e seus familiares que, ao serem atendidos por equipes comprometidas, são os maiores beneficiados, conforme apontam diversos estudos nacionais e internacionais.Apesar de todos os avanços, pacientes por todo país ainda enfrentam falta de assistência relacionada aos Cuidados Paliativos e o uso inadequado do termo é um desserviço ao nosso sistema de saúde, a seus profissionais e usuários. No dia 9 de outubro profissionais comemoram em todo o mundo o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, com o objetivo de conscientizar a opinião pública sobre a relevância do assunto. Esta data,inclusive,constanocalendáriodoMinistériodaSaúde3. Otemadoanode2021é:“Nãodeixeninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos”2. O acesso ao atendimento de maneira equitativa é tão relevante, que também consta na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

Os princípios do SUS ressaltam que todos os cidadãos devem ter acesso aos tratamentos indicados. Desta forma, deixar de oferecer tratamento adequado a alguém não é correto. Portanto, se alguém deixou de oferecer UTI ou qualquer tratamento indicado a um paciente que tivesse indicação clara, isto deve ser averiguado. O problema grave é associar práticas delituosas com Cuidados Paliativos. O emprego deste termo por quem faz a má prática médica é outro grande erro, pois fere a honra dos milhares de profissionais que exercem bem a profissão e cuidam do sofrimento do outro.

Para fins de esclarecimento, solicitamos que, a partir de agora, considerem os Cuidados Paliativos uma especialidade que cuida do sofrimento de pacientes e familiares que convivem com doenças graves. Por favor, nos ajudem a disseminar a boa prática. Busquem a justiça, investiguem, questionem as práticas de quem quiserem, mas não associem mais o nome Cuidados Paliativos.

Enquanto realizam a CPI, milhares de pacientes estão sendo atendidos por paliativistas em todo Brasil, mães e filhos têm as dores de seus familiares aliviadas, famílias são atendidas por psicólogos, pessoas com falta de ar por um câncer avançado tem seu sintoma aliviado, pessoas recebem alta com menos sofrimento após uma internação, colegas apoiam outros colegas em conversas que nem sempre são fáceis, pacientes com doenças graves recebem reabilitação, pessoas realizam seus desejos e tem sua dignidade preservada. Isso são os cuidados paliativos verdadeiros, éticos e fortes.

Por meio de seus canais e atividades, a ANCP busca difundir conhecimento, promover discussões e está à disposição para colaborar com a divulgação correta deste trabalho.

Atenciosamente,

Academia Nacional de Cuidados Paliativos

Referências

  1. Código de Ética Médica, 2009, Conselho Federal de Medicina: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf
  2. Atlas dos Cuidados Paliativos da ANCP – 2019: https://api-wordpress.paliativo.org.br/wp- content/uploads/2020/05/ATLAS_2019_final_compressed.pdf.
  3. Dia Mundial de Cuidados Paliativos deste ano: “Não deixe ninguém para trás – Equidade no acesso aos Cuidados Paliativos”: https://paliativo.org.br/blog/dia-mundial-cuidados-paliativos-2021
  4. Biblioteca Virtual em Saúde – MINISTÉRIO DA SAÚDE: https://bvsms.saude.gov.br/datas-da-saude

 

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Esclerose Múltipla: luto, desafios e aprendizados de uma mulher negra https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/esclerose-multipla-luto-desafios-e-aprendizados-de-uma-mulher-negra/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/esclerose-multipla-luto-desafios-e-aprendizados-de-uma-mulher-negra/#respond Wed, 29 Sep 2021 20:36:02 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/ester-maria-esclerose-multipla-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2514 Psicóloga conta como foi descobrir e lidar com a Esclerose Múltipla em seu cotidiano e relações sociais.

Na manhã de 12 de outubro de 2016, a psicóloga Ester Maria Horta sentiu um desconforto na vista direita. Correu para um Pronto Socorro focado em oftalmologia. Descobriu que não havia nada nas retinas, mas um edema de papila, ligado diretamente ao nervo óptico. No neurologista, entendeu que o sintoma era um alerta para outra doença. Após diversos exames, o diagnóstico foi finalmente encontrado: Esclerose Múltipla (EM).

“Quando recebi o informe de que se tratava de algo neurológico que precisaria ser investigado, eu literalmente ‘gelei’. Foi um momento ali congelado, a vivência de uma pausa, de um fim. Lembro de sair da sala de exames e caminhar meio que fora do ar até chegar ao encontro do meu marido. Ele segurou minha mão e me acolheu. Era o que eu precisava. Era o sentimento de que uma nova jornada iria se iniciar”, conta.

De lá para cá, a psicóloga precisou se reinventar. Entendeu o processo de conviver com uma doença crônica também como um tipo de luto, que exige tempo para entender as mudanças.

“O luto, na perspectiva psicanalítica, é uma reação à perda de um ente querido ou de algum objeto de afeto que, neste caso, pode ser a própria saúde”, explica Ester. “Quando se recebe o diagnóstico de uma doença crônica – definida como uma doença de evolução lenta, com duração longa que, no geral, acompanha um paciente durante toda a vida – vivencia-se o luto pois perdeu-se aquele objeto amado, no caso a saúde física.”

Ela explica que o diagnóstico, apresentado de forma abrupta, gera insegurança e ansiedade frente ao futuro, surgindo assim o medo da morte e do incerto. “E isso é justamente o processo do luto, inicia-se um período de transição entre o ‘viver’ o adoecimento para para o ‘conviver’ com o adoecimento. É um processo doloroso justamente porque é preciso que o sujeito precise retirar seus investimentos de afeto do objeto perdido, no caso sua saúde. É um processo que demanda tempo para que o ego consiga transpor o afeto antes direcionado ao objeto perdido, no caso a saúde, o corpo e a vida antes do diagnóstico”.

Para quem não sabe, a Esclerose Múltipla (EM) é uma doença que atinge, geralmente, pessoas jovens, entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres. Aproximadamente 2,5 milhões de pessoas no mundo têm EM.

Segundo dados da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), estima-se que, no Brasil, a cada 100 mil habitantes 15 indivíduos vivem com EM, sendo uma média de 35 mil brasileiros com a doença. Uma antiga noção aponta que a doença acomete mais mulheres jovens e brancas, dificultando o diagnóstico e o tratamento de pessoas negras.

“Estudos sugerem que o risco de desenvolver esclerose múltipla é até 47% maior em mulheres negras em comparação com homens ou mulheres brancos, e a incidência de esclerose múltipla é pelo menos tão alta em homens negros quanto entre seus homólogos brancos, conforme afirma Mitzi Joi Williams, fundador da Life Wellness Group Multiple Sclerosis Center em Atlanta”, diz a psicóloga.

Por ser considerada uma doença heterogênea, os sintomas são variados, a depender da área do sistema nervoso acometida, dificultando um diagnóstico mais rápido. Ester enxerga isso com preocupação, já que falta informação, e o acesso aos exames ainda não é uma realidade para todos os pacientes, principalmente entre negros e pobres. Por isso ela está construindo, em parceria com a também neuropsicóloga Marcela Silva, um projeto de democratização do acesso aos conhecimentos e serviço especializado de neuropsicológica às famílias periféricas.

“Num país desigual como o nosso, milhares de pessoas seguem sem acesso a um diagnóstico e tratamentos especializados. Portanto, é preciso lutar por políticas públicas e de Estado, pela defesa e manutenção do SUS e pela divulgação da informação Esclerose Múltipla e outras condições neurológicas pouco conhecidas entre as pessoas. Guardar estas experiências comigo seria contribuir para a manutenção de um estigma.  Que mais pessoas se somem nessa caminhada”.

Nesta entrevista para o Morte Sem Tabu, Ester explica o que é a esclerose múltipla e conta sua experiência pessoal de como aprendeu a lidar com a doença e com o luto após descobri-la.

Ester é especialista em Neuropsicologia pela Divisão de Psicologia do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) há 10 anos. Neuropsicóloga na Baobá Neuropsicologia. Membro do conselho da Associação Aliança Pró Saúde da População Negra, membro da coordenação do Núcleo de São Paulo da ANPSINEP (Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadores), membro e co-fundadora do Movimento Afro vegano (MAV), Cofundadora da Adelinas  – Coletivo Autônomo de Mulheres Negras.

Confira abaixo!

 

ester maria horta fala sobre esclerose múltipla
‘Sem roamantizar, experienciar o adoecimento crônico me trouxe um novo olhar para a vida’/Arquivo Pessoal


Morte Sem Tabu: Ester, confesso que sei muito pouco sobre esclerose múltipla. E muita gente que nos lê também. Pode explicar o que é?  

Ester Maria Horta: O termo “esclerose múltipla” se refere a múltiplas áreas de cicatrização (escleroses) resultantes da destruição dos tecidos que envolvem os  neurônios (bainha da mielina) no cérebro e na medula espinhal. Essa destruição denomina-se desmielinização. Desta forma, a Esclerose Múltipla (EM) é uma doença crônica, autoimune, desmielinizante, inflamatória, que afeta o sistema nervoso central.  Ela é autoimune pois é o  próprio sistema imunológico, responsável por combater agentes externos como vírus e bactérias, que ataca células saudáveis. No caso da EM, ataca a bainha de mielina dos neurônios. Imagine um cabo elétrico, ele tem um fio elétrico interno, mas para que a condução da energia aconteça ele precisa estar recoberto por um isolamento externo certo? A bainha de mielina funciona como a capa de um fio elétrico (um condutor, mas também age na manutenção do neurônio) que, quando perdida, acaba gerando dano na função do neurônio, tal qual um fio desencapado não conduz seu potencial elétrico adequadamente. Ou seja, dependendo da região do cérebro na qual tenha ocorrido a lesão, as manifestações serão diferentes. Atinge geralmente pessoas jovens, entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres. Aproximadamente 2,5 milhões de pessoas no mundo tem EM, sendo que no Brasil estima-se que existam 15 indivíduos com EM a cada 100 mil pessoas no Brasil, uma média de 35 mil brasileiros com a doença, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM).

Morte Sem Tabu: E quais os sintomas iniciais da EM e como ocorre o diagnóstico?

Ester: A Esclerose Múltipla é uma doença heterogênea, podendo ocasionar diversos sintomas neurológicos a depender da área do sistema nervoso acometida. Não existe uma manifestação neurológica típica, porém alterações visuais, fraqueza nos membros, desequilíbrio, descoordenação, alterações de sensibilidade e distúrbios urinários são as queixas mais frequentes. Fisioterapia e tratamentos medicamentosos que atuam na supressão ou modulação do sistema imunológico ajudam a combater os sintomas e a progressão da doença. A EM é uma doença que costuma ter um início insidioso, com sintomas iniciais  difusos que se confundem com outras doenças e, geralmente, há um longo caminho de idas a médicos e especialistas até que se ocorra o primeiro surto da doença.

Como  bem define a  Associação AME- Amigos Múltiplos pela Esclerose, de forma geral, os sintomas mais comuns podem ser: sintomas sensitivos –  como perda da sensibilidade em determinada região do corpo, formigamentos, dor inexplicável; neurite óptica –  é o segundo sintoma mais comum, ocasionando embaçamento visual, perda do brilho das cores, até perda visual; e Sintomas motores e cerebelares –   podem  causar perda de força em algum ou múltiplos membros, descoordenação motora e tonturas.

É importante observar que os sintomas devem durar mais de 24h para serem considerados de origem neurológica. Tais sintomas podem também variar, ir e vir, o que torna o diagnóstico mais desafiante. É possível que a pessoa  tenha  um sintoma e, em seguida, meses ou anos depois tenha um completamente diferente, e não notar a relação entre os dois eventos. Quanto ao diagnóstico, este necessita ser realizado por neurologista, de preferência com especialidade no diagnóstico de EM. A  ressonância magnética (RM) é o melhor exame de imagem para detectar a esclerose múltipla. De forma geral, o exame é capaz de detectar as áreas de desmielinização no cérebro e na medula espinhal. O acesso a tratamentos que atuam na supressão ou modulação do sistema imunológico e fisioterapia aliado a um cuidado na saúde como um todo, incluindo os cuidados de saúde mental,  ajudam a combater os sintomas e a progressão da doença.

Morte Sem Tabu: Ester, como foi quando você descobriu a doença?

Ester: Na manhã do dia 12 de outubro de 2016, algumas semanas antes do meu aniversário de 30 anos,  subitamente, ao despertar, notei que minha vista direita estava estranha, havia uma espécie de “borrão” bem no centro do meu campo de visão à esquerda. Assustada, primeiramente cheguei a pensar se tratar de algo nos olhos, olhando no espelho tudo estava normal. E como já tenho diagnóstico de epilepsia (controlada há mais de 13 anos) fiquei ainda alarmada quando já imaginando poder se tratar de algo neurológico. Como não tive outros sintomas fui primeiro num pronto socorro de olhos onde no dia seguinte realizei exames de campo visual (que se mostrou alterado) e o de retinografia que acusou que não era nada na retina e sim um “edema de papila” (ou seja, no nervo ótico), e sendo assim que era necessário que eu procurasse um neurologista.

Naquele mesmo dia, orientada por uma neurologista colega de trabalho, acompanhada de meu marido, fui a um hospital,  cujo pronto socorro havia  a especialidade de  neurologia na emergência. Já no pronto socorro foi detectada a neurite óptica (a desmielinização/inflamação do nervo óptico), via Ressonância Magnética, mas era preciso investigar a causa. Lá, fiquei internada por uma semana, tratei com pulsoterapia (corticoide intravenoso) e foram realizados diversos exames  como tomografia, ressonância magnética, líquor, fan e outros exames laboratoriais que descartaram causas virais, infecciosas ou cancerígenas.

O resultado do  exame de líquor, que seria decisivo, só saiu alguns dias depois que tive alta do hospital e indicou a esclerose múltipla. Eu estava aguardando este resultado para decidir o que faria em seguida. Mas anos antes, em meados de 2013, experienciei sintomas que eram até então inespecíficos: fadiga, eventos súbitos de dificuldade de manter o equilíbrio e  de caminhar. Eram sintomas que iam e vinham, e afetaram minha rotina, minha vida acadêmica e profissional, porém sem respostas médicas para o que era.  De 2015 a 2016 voltei a ter os mesmos eventos, até que em outubro ocorreu o primeiro “surto” de EM, tal como descrevi acima. Com esse histórico, tive diagnóstico fechado por um neurologista especialista na área. Hoje, quase 5 anos depois, sigo sem novos surtos da doença, graças a um diagnóstico e tratamento adequados. Mas esta  não é uma realidade para todos os pacientes de EM. Ainda mais neste ano de pandemia, que encaramos escassez de medicamentos devido ao sucessivos atos que visam desmonte do SUS, inclusive para EM, aumento abusivo dos planos de saúde e direitos sendo retirados para pessoas com deficiência.

Morte Sem Tabu: Você é psicóloga, faz diversas reflexões sobre luto, e costuma dizer sobre seu próprio luto em relação à doença. Como é isso pra você? Por que você traz esse processo também como um luto? 

Ester: O luto, na perspectiva psicanalítica, é uma reação à perda de um ente querido ou de algum objeto de afeto que, neste caso, pode ser a própria saúde. Quando se recebe o diagnóstico de uma doença crônica – definida como uma doença de evolução lenta, com duração longa que, no geral, acompanha um paciente durante toda a vida – vivencia-se o luto pois perdeu-se aquele objeto amado, no caso a saúde física. Além de amigos e familiares poderem também viver um luto antecipatório, antecipando a possibilidade de perda daquele ente querido, frente a um diagnóstico, o que acaba muitas vezes gerando distanciamento, as pessoas se distanciam daquela pessoa que ainda em vida carrega em si o estigma de uma morte em potencial, por ser a doença uma ameaça à vida.

Desta forma, o luto antecipatório envolve a família, amigos e entes queridos próximos ao paciente. Cada um desenvolve mecanismos a fim de interpretar e lidar com a possibilidade da morte e para o enfrentamento do que estará por vir. No meu caso, quando ainda nos exames iniciais recebi o informe de que se tratava de algo neurológico e  que precisaria ser investigado, eu literalmente ‘gelei’. Foi um momento ali congelado, a vivência de uma pausa, de um fim. Pois era justamente o que mais temia, até então ainda imaginava que poderia ter sido algo apenas na retina.

Nesse momento, lembro de sair da sala de exames e caminhar meio que fora do ar até chegar ao encontro do meu marido que me aguardava na sala de espera e só conseguir dizer  “A causa é neurológica…” com um misto de sentimentos, relembrando a jornada que eu já havia passado com o diagnóstico de epilepsia que, naquele momento, era algo já distante e superado. Era algo como “lá vamos nós outra vez..,”. Naquele momento, meu marido segurou minha mão e me acolheu. Era o que eu precisava, pois era o sentimento de que uma nova jornada iria se iniciar.

O diagnóstico, apresentado em nossa vida de forma abrupta, gera insegurança e ansiedade frente ao futuro, surge o medo da morte, o medo do incerto. E isso é justamente o processo do luto, inicia-se um período de transição entre o ‘viver’ o adoecimento para para o ‘conviver’ com o adoecimento. É um processo doloroso justamente porque é preciso que o sujeito precise retirar seus investimentos de afeto do objeto perdido, no caso sua saúde. É um processo que  demanda tempo para que o ego consiga transpor o afeto antes direcionado ao  objeto perdido, no caso a saúde, o corpo e a vida antes do diagnóstico.

E esta dor que tanto se refere  apesar de parecer abstrata, não está perdida em nosso corpo, ela tem uma razão e uma explicação fisiológica de ser, ou melhor, neurofisiológica. Do ponto de vista neuropsicológico, o luto, a percepção da perda desencadeia respostas psicológicas que se intercomunicam pelas vias neurológicas. Neste sentido há a participação do  sistema límbico  –  conjunto das estruturas neurais que são associadas com os comportamentos e a memória emocionais –  em especial da amígdala, uma destas estruturas,  que por meio da ínsula que está altamente envolvida no sentido do estado interno do corpo e atua no estado de consciência.  São circuitarias que se encontram em atividade diferenciada num processo de luto e estão relacionadas aos sintomas de alteração de percepção do próprio corpo no processo de luto, aquela “sensação de corpo pesado, cansado”. A amígdala também é ativada nos episódios de memórias recorrentes e ruminantes que surgem num processo de luto bem como  na fase de resolução e compreensão deste, na qual são produzidos sentimentos diversos, agradáveis, desagradáveis ou mesmo neutros. Pessoalmente, experienciar o adoecimento crônico, longe de romantizar essa vivência, me trouxe um novo olhar para a vida, mais aprofundamentos de leituras e estudos nesta temática e  em especial um olhar ainda mais cuidadoso no que diz respeito às pessoas que me deparo na minha prática profissional enquanto psicóloga-neuropsicóloga.

Morte Sem Tabu: No dia 30 de agosto comemorou-se o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla. Muito pouco se fala como a doença acomete mulheres negras. Pode falar um pouco sobre isso?

Ester: Celebrada pela primeira vez em 2006, a data foi criada pela  ABEM com o objetivo de buscar uma representatividade nacional que aumentasse a visibilidade da Esclerose Múltipla, seus pacientes e os desafios por eles enfrentados no dia a dia. Desde 2014, o mês de agosto ganhou cor em prol da conscientização desta  doença autoimune que mais acomete jovens adultos em todo o mundo. O Agosto Laranja foi criado pela AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose com o objetivo de ser um movimento coletivo para desmistificar essa condição crônica de doença e fomentar o diagnóstico precoce, mais qualidade de vida, acolhimento, respeito e dignidade para quem convive com a doença, seus amigos e familiares. A condição atinge geralmente pessoas jovens entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres,  então quando falamos da mulher negra sabemos que essa condição vai se somar com os desafios que o ser mulher negra, num país marcado por uma cultura sexista, patriarcal e racista.

Com minha experiência tive contato com pesquisas que demonstram que, diferentemente do que se pensa, a EM é tão comum na população negra quanto na população branca. Ao integrar a comunidade da organização ‘We are illmatic’ – uma organização americana, sem fins lucrativos, de mulheres negras pacientes de Esclerose Múltipla, tive acesso a  estudos que demonstram ainda que ela é, na verdade, mais comum na população negra.

Acontece que há menos pesquisas investigando a EM na população negra.  Estudos sugerem que o risco de desenvolver esclerose múltipla é até 47% maior em mulheres negras em comparação com homens ou mulheres brancos, e a incidência de esclerose múltipla é pelo menos tão alta em homens negros quanto entre seus homólogos brancos, conforme   afirma Mitzi Joi Williams fundador da Life Wellness Group Multiple Sclerosis Center em Atlanta.

Desta forma, a velha noção de que a esclerose múltipla é a doença de uma jovem mulher branca continua a afetar a rapidez com que os negros são diagnosticados e como são tratados. Outra pesquisa, mencionada pela National Multiple Sclerosis Society (Sociedade Americana de Esclerose Múltipla) constatou que de 60.000 artigos publicados sobre a EM, apenas 113, ou cerca de 0,2%, se concentram nos afro-americanos. E pessoas negras têm 47% mais chances de desenvolver EM do que pessoas brancas.

Já se sabe inclusive que ela apresenta curso e sintomatologia com especificidades na população negra, como por exemplo: ter recaídas mais frequentes e pior recuperação dessas recaídas, quadro mais incapacidade e maior risco de envolvimento dos nervos ópticos e medula espinhal (EM óptico-espinhal) e inflamação da medula espinhal (mielite transversa). Essa pesquisa, que inclui uma revisão de 2019 na Current Neurology and Neuroscience Reports e um estudo de 2018 no Brain, também mostra que pessoas negras com EM têm sinais anteriores de deficiência e mais problemas com locomoção e coordenação do que pessoas brancas. Além de estudos já apontam a relação de baixos níveis de vitamina D em pessoas negras com esclerose múltipla.

Aqui estamos falando de pesquisas estadunidenses, cuja população negra não é majoritária no país. E no Brasil, no qual a população negra compõe mais da metade da população (cerca de 56%), ainda não há estudos e levantamentos amplos que incluam o quesito raça/cor. Recentemente, em uma live referente ao Agosto Laranja promovida pela ativista Alyne Sousa , a convidada a escritora Jéssica Teixeira trouxe a problematização sobre pesquisas e  plataformas de monitoramento da EM no Brasil, apesar de trazerem dados importantes sobre acompanhamento de aplicação de políticas públicas não trazerem informação do quesito raça/cor.

Ainda que quando se fala em saúde, além das pesquisas se pautarem nos corpos brancos, mesmo quando se faz levantamento dos corpos negros, em regra, são corpos cisgêneros. É preciso pensar também em como as mulheres trans e travestis negras são afetadas, em vista de que lhes é negado o direito ao acesso ao acompanhamento básico de saúde, lhes é negada a humanidade.

Por meio dos dados do relatório da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) apontam as violências a que mulheres trans e travestis negras são alvo, bem como os levantamentos da FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, nos leva a inferir que é preciso pensar no subdiagnóstico ainda maior  da EM na população trans negra. Organizações como a ‘Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam – VNDI’  e o ‘Quilombo PCD’, apesar de não serem coletivos que abordam exclusivamente sobre EM, mas trazem a discussão e a voz de pessoas negras com deficiência, também nos aponta como falar da realidade da mulher negra nos leva a pensar na multiplicidade de vivências negras e como o diagnóstico de EM irá impactar de maneira diferente em cada uma destas vivências, ao se somar a outras opressões a que àquela mulher já está exposta. São também espaços que precisamos nos aproximar e fortalecer a fim de que possamos realizar um trabalho de base que chegue à mulher preta periférica e transformemos as políticas públicas e políticas de estado para que possam de fato proteger essa população.

Morte Sem Tabu: O que fazer para ampliar o acesso à informação sobre EM? 

Ester: Para você que está lendo mas não é uma pessoa com EM, porém convive com alguém que tem (ou mesmo que seja outro quadro autoimune), em primeiro lugar: 

  • Escute: entenda como a pessoa com EM está se sentindo e procure não comparar o estado de saúde dela com o de outras pessoas. Cada pessoa experiencia a EM de uma forma diferente.
  • Pesquise: é cansativo para uma pessoa com EM ter que, a todo momento, explicar o que ela tem. Uma das coisas legais que você pode fazer é pesquisar sobre, para compreender um pouco mais a realidade dela e para que você também possa ter mais informações para levar adiante e contribuir para combater tabus e preconceitos.
  • Acolha: Há dias bons e dias ruins, dependendo do curso da doença e de tantos outros fatores, muitas vezes o acolhimento que você oferecer vai contribuir muito para a qualidade de vida daquela pessoa.

Morte Sem Tabu: Pode deixar uma mensagem para pessoas que passaram ou estão passando por situações semelhantes à sua?

Ester: Gostaria de (re)afirmar que, ao mencionar, em específico, a minha vivência com EM, falo do meu lugar, do lugar de uma mulher negra cis e profisisonal da saúde, mas as histórias são múltiplas e minha experiência não pode ser tomada como um “exemplo” ou a simples ideia de que é “possível superar a doença” como um “caso de superação”. A “superação”, se é que se pode usar este termo, não depende única e exclusivamente da(o) paciente. Tive a possibilidade de ter direito de acesso ao diagnóstico e tratamento;  ter um plano de saúde, contar com o apoio de meu marido e minha mãe, além de já ter familiaridade com o assunto, dada a minha profissão.  Ainda assim, como qualquer outro paciente, enfrento desafios diários principalmente em lidar com o preconceito e perda de oportunidades que tais diagnósticos geram, fruto da desinformação e preconceito ainda existentes. Nesse percurso, depois que falamos abertamente sobre o diagnóstico, não temos como controlar as reações alheias, como abordei anteriormente, familiares, amigos e conhecidos também vivenciam um luto antecipatório e lidam com suas próprias ideias e tabus internalizados acerca da morte e do adoecimento.  Algumas pessoas podem se afastar, outras se silenciam, outras ignoram. Mas, ao mesmo tempo, novas amizades chegam e com elas novos aprendizados. Estar num grupo de apoio contribui para encontrarmos novas soluções e perspectivas. Dê tempo ao tempo. Há e haverão desafios e sintomas benignos, incômodos que vez ou outra ocorrem. Há e haverão dias bons e dias ruins. Espero que ao ler esta entrevista, este possa ter sido um dia bom e espero que assim continue. Num país desigual como o nosso, milhares de pessoas seguem sem acesso a um diagnóstico e tratamentos especializados. Portanto, é preciso lutar por políticas públicas e de estado, pela defesa e manutenção do SUS e pela divulgação da informação Esclerose Múltipla e outras condições neurológicas pouco conhecidas entre as pessoas. Guardar estas experiências comigo seria contribuir para a manutenção de um estigma.  Que mais pessoas se somem nessa caminhada. Juntos, de fato,  vamos mais longe. Estou à disposição para dar as mãos para mais colegas de caminhada.

Organizações para acompanhar:

AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose) 

Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla

Blogs de mulheres negras que falam sobre sua experiência com EM:

Ester Maria Horta: @ester_psi (colabore com o projeto de neuropscologia comunitária doando pelo PIX: neuropsicologiacomumitaria@gmail.com)

Alyne Souza: @aesclerosadarara

Jéssica Teixeira: @jazzeflow


Atualizado em 30 de setembro de 2021 às 10:08

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Depoimento: sobrevivi a duas tentativas de suicídio  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/13/depoimento-sobrevivi-a-duas-tentativas-de-suicidio/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/13/depoimento-sobrevivi-a-duas-tentativas-de-suicidio/#respond Mon, 13 Sep 2021 19:25:18 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/ca880b1e-bd4e-4ac7-948d-cb1da7798b6d-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2509 Setembro é o mês da prevenção do suicídio. Falar sobre suicídio é importante, mas é necessário cuidados para não alimentarmos mitos e disseminarmos estatísticas falsas. Tenho visto bastante disso por aí, infelizmente. Na semana passada, publicamos uma entrevista sobre isso com a psicóloga fundadora do Instituto Vita Alere, Karen Scavacini.  Leia a entrevista aqui.

Hoje, trazemos o depoimento de Rodriggo Marucco “Eu sobrevivi a duas tentativas de suicídio”.

Rodriggo é professor de português e de música. Formado em piano clássico, sente que a arte o ajudou a sair da crise em que estava. “Eu me encontrei comigo mesmo. Eu não era aquela pessoa. Eu sou o Rodriggo artista, que gosta de viver, que gosta de amar, que gosta de escrever”. Rodriggo escreve poesias na sua página do instagram. 

Uma música para esse momento? Essa daqui.

Ele comentou que escrever sobre essa experiência para o blog lhe fez muito bem. “O que eu vivi era um fantasma dentro de mim, que poderia voltar a qualquer momento. Quando eu escrevi, percebi como isso tudo é distante de mim. Parece que nem foi comigo. Sinto como se tivesse acontecido com outra pessoa. Todo receio que eu tinha foi embora”.

Esse texto foi modificado para seguir as recomendações da OMS na cobertura desse tema. Não se deve mencionar o método e o local da tentativa para não acionar o risco do Efeito Werther. O nome do efeito é inspirado no livro do autor alemão Goethe (1749-1832), “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, escrito em 1774. O protagonista, Werther, morre depois de uma frustração amorosa. O drama incitou uma onda de suicídios com jovens usando a mesma roupa que o protagonista usava e o mesmo método que ele descreve no livro. Hoje, esse livro não teria esse efeito. Naquela época, ele foi inovador ao provocar uma reflexão sobre os sentimentos, o que não ocorria na literatura, e impulsionou o Romantismo na Europa.

Roddrigo, agradeço a confiança. Seu depoimento é recebido de braços abertos e coração aquecido.

 

Sobrevivi a duas tentativas de suícidio 

Por Rodriggo Maruco

Olá, eu sou o Rodriggo – tenho 42 anos de idade, 26 de depressão diagnosticada e duas tentativas de suicídio. Antes de contar minha história, quero dizer que estou bem e que estou à disposição de quem estiver passando por isso. Minha vida é muito boa, nunca me faltou nada – sobrava até. Nunca sofri bullying, tampouco fui desprezado ou repelido. E esse é o ponto de onde eu quero partir.

É um engano tão perigoso quanto comum acreditar que o suicídio vem unicamente da pobreza e/ou da solidão; pais, mães, maridos, esposas…, quem aparentemente está em consonância com a existência pode carregar o inferno dentro de si;  sufocando-se em seu desespero, rendendo-se perante a angústia, perdido na agonia.

Alguns dos que pretendem encerrar a própria vida se manifestam claramente – inclusive verbalizam acerca desse desejo – e não pense que essa manifestação é apenas da boca para fora: quem se manifesta acerca do fim da própria vida já pensou nele muitas vezes. Mas há ainda um tipo de “desesperado” mais passivo, mais complicado de entender, o meu caso.

De uma hora para outra, com minha linda namorada, meu filho repleto de boa saúde e meu trabalho indo muito bem, eu prostrei-me. Calei minha voz, alquebrei o meu corpo sobre o colchão de onde só saí para buscar o que iria me matar; não direi o quê porque para quem passa o que passei isso seria uma péssima dica.

Acordei zonzo no hospital, com um tubo no nariz e vendo a face estática da minha mãe. Saí de lá e tentei tocar a vida, mas sabia – temos muitas certezas ruins quando pensamos em morrer – que não daria certo. Passaram-se dois anos.

Dia 1 de fevereiro deste ano eu planejei meu suicídio e no dia sete eu escrevi uma carta (levem a sério as cartas, são um sinal muito claro de que as coisas não vão bem).  Eu vi a morte: não consegui voltar, quase desmaiei. 

Uma cachorra recém chegada em casa, a Zara, mordeu meu calcanhar e por puro reflexo eu consegui fazer o último movimento de que fui capaz. Não fiquei em prantos nem caí ajoelhado, eu fiquei parado – corpo e mente parados. Depois de alguns minutos eu consegui entrar de volta em casa e até hoje sinto o medo da morte que vi tão de perto – não gostei, não era hora. Desisti de morrer e nunca quis tanto viver. 

Quero terminar dizendo que esse sofrimento doído vai passar, meu irmão, minha irmã – sua vida é seu bem mais precioso e você é um precioso bem da vida – aos que sofrem: peça ajuda, não é vergonha sofrer; aos que vêm sofrer: aja, o mais rápido possível.

Prostração, silêncio absoluto e descuido com a higiene são sinais claríssimos de um suicida em potencial. Vai passar, mas até isso acontecer – cuidemo-nos. 

Um abraço,  

Rodrigo 

Contato: letraseteclas@gmail.com

CANAIS DE AJUDA GRATUITA:

CVV – 188 SITE

INSTITUTO VITA ALERE – SITE

MAPA DO ACOLHIMENTO  – SITE

 

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O que você pode fazer pelo setembro amarelo? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/o-que-voce-pode-fazer-pelo-setembro-amarelo/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/o-que-voce-pode-fazer-pelo-setembro-amarelo/#respond Fri, 03 Sep 2021 12:40:23 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/lina-trochez-ktPKyUs3Qjs-unsplash-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2495 O que você pode fazer pelo setembro amarelo?

Primeiro, entender melhor sobre o tema, com uma  especialista confiável do assunto. Entrevisto abaixo, Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere. Karen também representa o Brasil nas discussões internacionais sobre como tornar as redes sociais mais seguras, em termos de saúde mental, aos usuários, como veremos abaixo.

É importante termos em mente que falar sobre suicídio é fundamental e exige cuidados. O primeiro deles é pensar que quem lerá sua postagem, ou comentário, pode estar em uma situação de vulnerabilidade. Ou, pode ter passado por uma situação de risco, pessoalmente, ou acompanhado alguém em risco. Nesse caso, esse tema pode trazer memórias e sensações delicadas.

Outro ponto: sempre indicar locais de ajuda especializada, como o CVV (188), o Mapa da saúde mental e o instituto Vita alere.

Você pode se disponibilizar para uma escuta empática, sem julgamentos. Não tem problema perguntar para a pessoa se ela está pensando em suicídio. Perguntar não é colocar o pensamento na cabeça dela. Isso é um dos mitos do suicídio. Podemos também  usar a palavra ‘suicídio’, de forma clara. A pessoa se sentirá vista, escutada, se você não tiver constrangimentos durante a conversa e se abrir para uma relação profunda e conectada.

Muitas pessoas em risco sentem que não ‘pertencem a esse mundo’ porque ‘não são suficientes’ para ele. O fardo de precisarmos ser ‘bons o suficiente’ é terrível. Não podemos saber o que o outro está sentindo, mas podemos acolher. E encaminhar para ajuda especializada. Se houver risco iminente, se você perceber que essa pessoa planejou um suicídio e pretende fazê-lo nesse momento ou  em um momento próximo, tome cuidado com a crença de quem ‘ameaça não faz. Este é um mito também. Essa pessoa precisa de ajuda imediata e pode ser encaminhada a um pronto socorro psiquiátrico.

Esse é um dos maiores desafios de hoje. Termos espaços seguros para esses encaminhamentos, que seja específico para o comportamento suicida, com profissionais treinados nesse tema, e uma política nacional de prevenção. É sobre isso que deveríamos estar falando, e fazendo, no setembro amarelo. Para isso, não precisamos de um mês de pautas, sim de planejamento e atuação, qualquer dia do ano.

Esses são alguns aprendizados que eu trago da conversa abaixo. Boa leitura. Um abraço com carinho, Camila.

Por que setembro amarelo?

O setembro amarelo foi criado pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), pela Associação Brasileira de Psiquiatria e a Associação Médica Brasileira por conta do dia 10 de setembro, que é o Dia Internacional da Prevenção do Suicídio. 

Uma das versões para a opção da cor amarela é a de um rapaz que se matou nos Estados Unidos e tinha um camaro amarelo (um tipo de carro). Seus pais distribuíram laços amarelos no dia do velório, com mensagens de oferta de ajuda. 

Setembro amarelo é um mês todo dedicado a esse tema tão delicado quanto fundamental: prevenção do suícidio. Precisamos ter responsabilidade e empatia.  Um mês todo é muito tempo falando sobre isso?

É muito tempo falando desse tema. As pessoas que estão vulneráveis, que têm comportamento suicida, e as que perderam pessoas, podem ficar incomodadas neste mês. Então, você gera um sofrimento extra para essas pessoas. Elas são lembradas o mês inteiro sobre o que aconteceu ou o comportamento que estão passando e escutam muitas bobeiras, infelizmente. Por exemplo, a informação equivocada de que ‘90% dos casos podem ser prevenidos’. Não há embasamento para esse número e traz uma  culpabilização enorme para aqueles que ficam. 

Eu vi que você divulgou que alguns podem ser prevenidos, mas não previstos.

Nem todos serão evitados, nem prevenidos. Não temos essa estatística. 

Tem outro ponto importante, que eu chamo de marketing amarelo. São as pessoas que colocam a fitinha, postam na rede social, mas não estão realmente abertas para terem essa conversa. (falamos mais sobre orientações para se ter essa conversa, mais para frente, na entrevista )

Como o poder publico tem se posicionado nesse mês? 

Hoje, a gente tem visto muitas prefeituras aprovarem o dia da prevenção do suicídio, ou a semana amarela. Mas o quanto que realmente a prefeitura, o governo, estão trabalhando na prevenção do suicídio?

O que eles deveriam estar fazendo?

Nossa, muitas coisas. Primeiro, ter um programa nacional de prevenção do suicídio. 

Precisaria dar mais apoio ao CVV, por exemplo. O CVV tem um atendimento maravilhoso, mas o estado poderia ajudar também. 

E quando precisamos encaminhar a pessoa para atendimento, encaminhamos para onde?

Precisaria ter espaços de atendimento específicos para o comportamento suicida. Não temos espaço de atendimento para jovens com comportamento suicida.  

Os agentes de saúde e os professores de ensino médio deveriam ter um treinamento de prevenção do suicídio. O que temos hoje em dia em termos de promoção de saúde mental para os próprios professores?

Boa pergunta. Deveríamos ter. Há um longo caminho pela frente.

A notificação compulsória ainda não foi regulamentada. Os hospitais e os profissionais de saúde deveriam fazer notificação compulsória das tentativas de suicídio. Não sei o quanto isso acontece. Não temos como medir. Agora estão querendo regulamentar que a escola também faça notificação compulsória.

E eu não sei até que ponto esse é o papel da escola. Porque aí é notificação compulsória de suicídio e autolesão. E são comportamentos diferentes.

Por que é importante termos essa notificação feita pelos profissionais de saúde e pelos hospitais?

Porque só assim a gente consegue ter uma ideia da quantidade de casos e poderemos fazer uma análise por região, por idade.Para pensar nas melhores práticas ou nas práticas necessárias para a prevenção do suicídio.  

A notificação compulsória funciona para conseguirmos mais dados e funciona para o conselho tutelar ser acionado e verificar em que condições essa pessoa está vivendo. Sempre com muito cuidado para não culpabilizar essa família. Então, o conselho tutelar também precisa ser sensibilizado para a atuação que ele tem junto à família.

 Você mencionou que autolesão e suicídio são comportamentos diferentes. Quais são as diferenças?  

A principal diferença é a intencionalidade. A autolesão acontece, muitas vezes, para um alívio de uma dor psíquica. Mas a intenção é o alívio, não a morte.  No suicídio, a intenção é morrer. Mesmo que a gente entenda que a maioria das pessoas queira acabar com uma dor insuportável e não morrer, ela sabe que a intenção daquele ato é provocar a morte.  

Mas quem se autolesiona tem mais risco de suicídio. Porque a gente também entende que é uma pessoa que não está lidando de forma saudável com suas questões emocionais. Então, ela pode vir a desenvolver um comportamento de suicídio. 

 Quais são ainda, os maiores mitos do suicídio?

 ‘Quem fala não faz’. Relação com coragem, com fraqueza, com falta de Deus no coração. Que perguntar para uma pessoa se ela está pensando em se matar é colocar a ideia na cabeça dela.

Outro mito é que o suicídio pode ser prevenido a todo custo. É um mito que a gente consegue prevenir todos os casos. 

A prevenção é extremamente importante e possível, mas não sabemos quanto. Por isso, não dá para falar em 90% de prevenção, como se fala por aí. 

O que está por trás do mito de ‘quem fala não faz’?

Tem duas vertentes aí. Uma que o suicídio tem a ver com manipulação. Então, se essa pessoa tá falando é porque ela tá querendo me manipular. ‘Cão que ladra não morde’, ‘se falou é porque não quer fazer’, ‘se quer fazer de verdade não fala para ninguém’. 

E a gente sabe que muitas das pessoas que falam, podem fazer. Não se trata de manipulação, e sim de comunicação. De que algo muito difícil está acontecendo com aquela pessoa a ponto dela falar sobre suicídio.  

 Há sinais de que uma pessoa está em risco?

 Existem sinais. Nem sempre são fáceis de interpretar. Alguns são mais óbvios, como dar um sinal verbal direto ‘quero morrer’, ‘vou me matar’. Os sinais verbais mais indiretos às vezes só fazem sentido depois da morte, por exemplo: ‘eu vou acabar com tudo’, ‘logo vocês não vão precisar mais se preocupar comigo’, ‘vou resolver essa situação para sempre’. 

O importante é tentar perceber falas fora de contexto. Se a pessoa está falando isso e parece não ter muito sentido, é um sinal de alerta. Por exemplo: ‘eu não estarei aqui quando você voltar’. Essa fala faz sentido se tiver algo que explique isso. Se não tiver, não faz sentido.

Depois que acontece, os familiares vão buscar na memória algumas falas e decodificam que poderiam ser sinais verbais que não foram percebidos. Isso aumenta a culpa dos familiares. 

Nós temos sinais comportamentais. Os mais fáceis da gente perceber são as mudanças bruscas de comportamento, alterações de sono, aumento da agressividade, aumento de engajamento em comportamentos de risco, uso de álcool e drogas. 

E tem os mais indiretos. Como não ter mais prazer nas coisas que tinha antes. Para adolescentes: problemas na escola, problemas físicos que a gente não entende a causa, como começar a ter muita dor de barriga, muita dor de cabeça. 

Lógico que são sinais de sofrimento emocional. Algumas pessoas com sofrimento emocional podem ter comportamento suicida.

Como ajudar uma pessoa próxima que apresente sinais?

 A primeira coisa é não ficar passivo. 

Podemos chamar essa pessoa para uma conversa. Uma conversa empática, que significa se colocar no lugar do outro, não julgar, não ter essa conversa com pressa. Fazer uma escuta ativa é muito mais ouvir do que falar. Demonstrar sua preocupação é dar espaço para a pessoa contar sua história. 

Se num dado momento, você achar importante, achar que deve, faça a pergunta: ‘Você está pensando, ou já pensou, em fazer alguma coisa com você?’… Ou variantes dessa pergunta. 

Para a gente fazer essa pergunta, temos que superar o mito de ‘se eu perguntar, vou colocar a ideia na cabeça da pessoa’. 

Se ela falar que sim, a gente pode fazer perguntas mais específicas. ‘você já pensou em suicídio? Já pensou em se machucar?’.

Não tem problema usar a palavra suicídio. Não tem problema perguntar isso para alguém. Pode ser justamente a fresta que ela estava esperando para ser ajudada. 

Se você perceber que ela pode estar em risco agora, que é falar que ela está pensando em fazer o ato, que sabe como e quando. Nesses casos, ela precisa ser levada a um pronto socorro psiquiátrico. Nos outros casos, será encaminhada para uma avaliação psicológica ou psiquiátrica. 

No caso de adolescentes, entender que não se deve jurar segredo. 

Como é isso?

Adolescentes contam muito para os outros que estão pensando em se matar e pedem segredo ‘não conta para ninguém’. Tem uma campanha nos Estados Unidos que fala ‘é melhor um amigo bravo do que um amigo morto’, tamanha a quantidade de vezes que isso acontece. 

Você tem duas edições do”Histórias de Sobreviventes do Suicídio”, que são relatos de um concurso de sobreviventes. Depoimentos de tentantes, familiares e profissionais de saúde. Qual é o retorno que você tem tido disso?

 As pessoas ficam muito tocadas com as histórias. Tem pessoas que agradecem poder contar as histórias. Pessoas que leem e agradecem por conseguirem ver o tema de outra forma. Ou conseguirem se ver nas histórias. Profissionais usam para estudo de caso, discussão em grupo. E pessoas que passaram por isso e se identificam. São histórias de superação.

O suicídio aumentou na pandemia?

Não aumentou. Eu faço parte de um grupo internacional de 47 países, a International Covid-19 Prevention of Suicide Research (Pesquisa Internacional de prevenção ao suicídio). É um grupo formado por representantes internacionais do IASP – International Association for Suicide Prevention. A gente tá monitorando, desde março do ano passado, a relação entre covid e pandemia. Temos reuniões mensais para discutir esses temas. Eu sou a representante do Brasil junto com o doutor José Manoel Bertolote, que  fez parte da OMS (Organização Mundial da Saúde). É feito um agrupamento de artigos relacionados ao suicídio e à covid para a gente ver o que ta sendo publicado. 

O que tem aparecido? Uma estabilização do número de casos de suicídios completos. Até diluição em alguns locais, inclusive no Brasil. Para medirmos no Brasil pegamos alguns dados oferecidos pelo Ministério da Saúde e alguns dados cedidos pela prefeitura. 

Junto a uma outra pesquisa que fizemos junto ao corpo de bombeiros de São Paulo em relação ao número de chamadas que eles recebem. 

O único local que teve aumento foi no Japão, em mulheres, a partir de outubro do ano passado. 

Se a gente pegar histórico de outras pandemias, também não vemos aumento durante a pandemia. O número de casos aumenta quando a pandemia acabou. 

Neste mês em que falaremos sobre esse tema, quais são os cuidados ao compartilhar conteúdo? 

O que não falar? Não colocar fotos, vídeos, fotos de métodos, explicações de métodos, não mencionar o local, não colocar suicídio ligado a falta de deus no coração, não falar números sem comprovação científica. Fazer uma revisão de todo o conteúdo antes da postagem, pensando que pessoas vulneráveis podem ter acesso a esse conteúdo. Quando necessário, precisa ter aviso de gatilho. Pensar na mensagem que a pessoa que quer passar. A mensagem não funciona para todos os públicos. 

 Pensar o que você quer comunicar e para quem. Mostrar que o suicídio pode ser prevenível, que existe ajuda disponível.

Sempre, sempre colocar locais de ajuda, como o CVV (188) e o mapa de saúde mental.

Pensar se você estará disponível se alguém vier te procurar. Pensar na pós campanha, na pós postagem. Pensar no que você vai fazer com as pessoas que você sensibilizar e virem te procurar. Pensar em transmitir uma mensagem positiva que é possível fazer algo. No instituto tem uma cartilha com muitos materiais de apoio. 

Podemos e devemos falar  sobre o suicídio, seja em  setembro ou o ano todo. E você, o que tem feito para a prevenção  do suicídio?

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