Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Opções para apoio psicológico online https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/22/opcoes-para-apoio-psicologico-online/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/22/opcoes-para-apoio-psicologico-online/#respond Sun, 22 Mar 2020 13:55:11 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/tyler-lastovich-L5DP6M5U2IA-unsplash.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1881 Há várias iniciativas para apoio psicológico online. Vou listar as que recebi até agora e devo atualizar essa lista no Facebook do blog. O blog não tem Instagram, mas abri o meu pessoal e me comprometo a postar atualizações lá.

OBS: Há uma seção sobre suicídio nesse blog que vale a pena ser conhecida… Se você precisa de ajuda nesse sentido, por favor contate o INSTITUTO VITA ALERE.

Segue a lista.

INSTITUTO GERAR

As “varandas terapêuticas” são grupos online de escuta.

Site: https://institutogerar.com.br/clinica-instituto-gerar/#varandas-terapeuticas

“A chegada do coronavírus trouxe uma série de exigências para a saúde mental de todos nós, seja pela tristeza do isolamento, as angústias desse novo cotidiano ou a ansiedade por não sabermos a duração e consequências dessa crise. A superação desses sofrimentos deve passar pelo apoio no laço social, o qual se encontra prejudicado justamente pela manutenção da distância física. Para encarar esse desafio, o Instituto Gerar aposta na importância de abrir as janelas e deixar a palavra circular livremente. Assim, por meio de sua Rede Clínica, o Instituto oferece a experiência de participar em grupos mediados por psicanalistas, nos quais as angústias poderão ser compartilhadas e sustentadas coletivamente. O pagamento é voluntário, conforme disponibilidade e escolha de cada um. Os interessados devem enviar e-mail para atende@institutogerar.com.br informando os períodos do dia de preferência, manhã, tarde ou noite”.

INSTITUTO ENTRELAÇOS

Disponibilizam telefones para atendimento em diversas cidades. Dá uma olhada no site:  http://www.institutoentrelacos.com e no Instagram: @entrelacospsico

THEIA

“Atendimento de saúde especializado e gratuito via chat, teste de nível de risco, além de um conteúdo
exclusivo para te ajudar nesse momento sensível”.

https://theia.com.br/coronavirus/

A CHAVE DA QUESTÃO

Desde que ofereceram ajuda, a procura foi imensa- 800.000 acessos em 24 horas, 150 mensagens por minuto. Começaram a fazer vídeo-aulas, lives, interação ao vivo no FACEBOOK  E INSTAGRAM

PROFISSIONAIS DO SUS

“Diante da pandemia de covid-19 que acomete todos nós pensamos que, como psicólogos e profissionais da saúde, podemos contribuir com os nossos colegas que estarão na linha de frente do combate à epidemia e do cuidado direto aos doentes. Para isso, estamos montando uma plataforma de atendimento on line e gratuito para profissionais do SUS com objetivo de dar suporte psicológico neste momento tão delicado. Convidamos os colegas que possam oferecer voluntariamente no mínimo um período semanal (4 horas, não necessariamente consecutivas) para iniciarmos esse projeto. Esses profissionais devem ter registro no Conselho Regional de Psicologia. Interessados favor entrar em contato através do e-mail apoiopsi.sus@gmail.com mandando apenas nome completo, número do registro profissional e Whatsapp. A ferramenta já estará no ar no início da próxima semana, 23/03/2020. Iniciaremos esse projeto como piloto nos primeiros dias, ampliando logo em seguida.Contamos com você para atendimento e divulgação. Marina Bragante, Evelyse Clausse e Camila Munhoz

​INSTITUTO DE PSIQUIATRIA FM USP

Atendimento online gratuito para pessoas acima de 60 anos. email: grupopsicorpo@gmail.com

MEDITAÇÃO

Grupo de Meditação e Apoio
no telegram. https://t.me/joinchat/PX2J2BnGmNSXH3DuxLqitg

Encontros via zoom todos os dias das 19hs as 20hs.: https://zoom.us/j/606032408

4 ESTAÇÕES – AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

“Vamos cuidar de quem está cuidando. Com o objetivo de cuidar do profissional de saúde que está na linha de frente do enfrentamento da pandemia do coronavirus, oferecemos apoio psicológico online. Aos interessados, enviar email para: cuidando.do.cuidador@4estacoes.com“.

YBRIDA CONSULTORIA – AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

“Pensando nos desafios dos novos casos de coronavirus no país, deixaremos um canal de escuta e acolhimento aberto as profissionais de saúde que necessitem de auxílio psicológico nesse período de maior estresse. Entre em contato: 011-95610-6550. Daniela Bernardes (Psicoterapeuta, Psicóloga Hospitalar, Neuropsicóloga e Practitioner em PNL). www.ybridaconsultoria.com.br

RUBICÃO – AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Rede virtual de profissionais, psicólogos, psicanalistas e terapeutas. “Nossa intenção é darmos o mínimo de apoio para os profissionais que atuam na rede de saúde brasileira, sejam hospitais públicos ou privados: enfermeiros, assistentes de enfermagem, médicos, nutricionistas, fisioterapeutas”…

Email: rubicaotravessiasjunguianas@gmail.com.

INSTITUTO TRILHAR

Site: http://institutotrilhar.com.br

Instagram: https://www.instagram.com/institutotrilhar/

PLIN PSICOLOGIA

“O cuidado permanece. Agora em casa.
Tecnologia que rompe fronteiras❤️
Toda quinta às 19h pelo zoom. Para participar envie inbox – Instagram @plinpsicologia”.

SOCIEDADE PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE

PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS

Alguns profissionais estão se disponibilizando… Vale a pena entrar em contato!

SUELI OLIVEIRA

Contato via Instagram: @sueli_soliveira_psicologa

VICTOR BIGELLI

PRISCILA MOSKAT

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Vamos começar pelo fim? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/01/24/vamos-comecar-pelo-fim/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/01/24/vamos-comecar-pelo-fim/#respond Tue, 24 Jan 2017 11:12:56 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2017/01/00021-119x180.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1237 Foi pensando no “adolescente virtualizado” que a pesquisadora Kate Rigo criou a pedagogia cemiterial. Sua teoria é descrita no livro “Vamos Começar Pelo Fim?”, lançado pela editora Chiado. O adolescente virtualizado é descrito pela autora como aquele que prefere interagir emocionalmente e racionalmente pela internet e acaba se distanciando cada vez mais da realidade.

Uma consequência brutal desse comportamento é não conseguir perceber a morte como concreta, o corpo como finito, e também seria um dos motivos para o crescimento das taxas de suicídio e de comportamentos autolesivos entre os jovens. “As coisas acontecem tanto no plano virtual que ao se cortar e ver o sangue escorrendo, eles se sentem vivos. São os adolescentes que precisam urgentemente de ajuda. Eles não se sentem vistos pelo outro, pelos pais e pelos professores”, comenta Kate.

Uma forma de lidar com esse problema social é, conforme sua sugestão, a pedagogia cemiterial, que se baseia no uso de cemitérios como forma de ensino. Kate levou seus alunos para esses espaços para discutir temas como geografia e história.

Apesar de haver muita superstição envolvida (um pai chegou a pedir para o filho ir banhado em sal grosso), Kate considera a recepção muito positiva. “O que me chamou atenção é que era um local para perguntarem coisas que na escola não há espaço. Eles conseguiam chegar a conclusões entre si respeitando a fé de cada um. Tinha uma troca social riquíssima”.

Comportamentos autolesivos seriam motivados por transtornos psicológicos, pela busca do alívio do sofrimento e também haveria um componente de modismo forte, com a influência de vídeos no YouTube com adolescentes se cortando. Mas a internet também pode ser uma fonte de consolo, por oferecer várias páginas no Facebook que acabam virando terapêuticas, unindo outras pessoas com essa dor.

Há alguns sinais de alerta, como mudanças de vestimenta. O adolescente passa a usar roupas de inverno mesmo no verão, para esconder as marcas. Ele começa a se retrair, tanto em casa quanto na escola. Kate orienta buscar auxílio na psicologia e fazer o encaminhamento necessário em cada caso.

Na essência de tudo, estaria o aumento da depressão e da ansiedade, como um sintoma da falta de espaços para reflexão e da falta de afeto em casa e na escola.

Um ponto importante é a carência de escuta que ela vê no tratamento com o adolescente. “As pessoas não têm mais tempo para conversar umas com as outras. Os pais não têm mais tempo para os filhos. É só olhar no restaurante, ninguém conversa entre si, só com o smartphone. A solidão acaba se propagando”.

A falta de apoio na fé tradicional do Deus cristão também contribuiria para essa solidão. “O adolescente virtualizado quer informação, quer imagem, ele quer provas, e a teologia não dá essa perspectiva para ele”, comenta. Como alternativa, buscam o que Kate chama de o “Deus Google”, onde encontram todas as repostas para suas perguntas. Mas ela considera ser importante o adolescente buscar algum tipo de espiritualidade que sirva como apoio. “Pode até ser a ciência, o importante é ter um foco, um objetivo, algo que dê sustentação para ele continuar vivendo”.

A pedagogia cemiterial de Kate é uma proposta de ferramenta para tratar dessas questões, na medida em que mostra ao adolescente que a morte é algo concreto e “não um videogame onde você tem várias vidas”, como ela mesma coloca. Acima de tudo, é uma forma de interação real.

Quando falamos sobre morte, sinto que se estabelece uma conexão especial, como se estivéssemos transgredindo, tocando em um assunto proibido. Talvez esse seja um ponto importante na pedagogia de Kate. O adolescente cria intimidade e vê uma oportunidade para se abrir. Arrisco dizer que todo mundo busca relacionamentos profundos e significativos na vida. O que pode faltar é um ambiente que promova isso. Usar o cemitério me parece uma ótima sugestão.

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“Sobre sobreviver a si mesmo” e “O suicídio do meu marido” https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/09/29/sobre-sobreviver-a-si-mesmo-e-o-suicidio-do-meu-marido/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/09/29/sobre-sobreviver-a-si-mesmo-e-o-suicidio-do-meu-marido/#respond Thu, 29 Sep 2016 20:49:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1117 Para fechar o setembro amarelo – mês de conscientização do suicídio, trago dois depoimentos sobre o assunto. O de Letícia (nome fictício) sobre a morte de seu marido e o de Ivana, abordando uma experiência própria.

Depoimento: “o suicídio do meu marido”

“Há muito tempo que venho ensaiando este texto, mas não tinha certeza do que escrever. Até hoje não tenho. Faço isso mais por minha sobrevivência do que pela reanimação de um morto. Talvez eu queira, além de manter-me viva, manter vivos os meus sentimentos por aquele que tanto amei.

Conheci Igor numa aula onde ele era professor. Assim que o vi, senti que algo dentro de mim mudara, a chave da rebeldia virara e com ele eu queria ter tudo o que nunca tivera: filhos, família, vida… Igor era professor de português e 18 anos mais velho do que eu. Quando nos conhecemos, eu tinha 21 ou 22 anos. Nova de idade, mas com uma bagagem sentimental muita carregada, pesada. Até aquele dia, eu dizia aos quatro ventos que nunca iria me casar, que seria mãe solteira e que viveria livre, assim como via nos filmes de hippies. Queria construir ou viver numa comunidade autossustentável, numa época em que isso era somente escolha de vida e não um modismo, com todo o respeito.

(Estou tremendo, mãos suando…É tão difícil…)

Quando vi Igor, isso tudo mudou. Foi amor à primeira vista. Acabamos ficando, namorando, separando, reatando, morando, discutindo, refazendo, casando… Igor sempre terminava nosso relacionamento e eu entrava em depressão profunda. Foi numa dessas que comecei meu affair com a terapia. Porém, um dia, imbuída de um cansaço e exaustão de ver nosso relacionamento seguir por um caminho que eu já não estava mais a fim, resolvi terminar. Liguei para minha mãe pedindo para voltar para casa – ela respondeu que a casa sempre foi minha.

Igor entrou numa onda estranha e difícil de identificar. Nunca tinha visto ele naquele estado… tão deprimido. Ele me ligava e pedia para eu voltar. Dizia que iria mudar, que iria me amar. Escreveu lindas e longas cartas de amor, pedindo perdão, desculpas e dizendo que não passaríamos mais nossas tardes assistindo Raul Gil… que sairíamos. Até escreveu que eu tinha razão e que deveríamos, sim, mudar de casa.

Voltei. Mas ele começou a beber. Bebia cachaça. Tomava pura com limão espremido. E foi assim que fomos indo, diluindo, escorrendo, escorregando, vacilando, esquecendo, amornando. Tentamos fazer terapia de casal. Não deu. Igor era muito culto e bem informado. Ele era um homem acima da média. Conversa com todos sobre tudo. Era capaz de conversar sobre astrologia e astronomia, referenciando cada uma no espaço e tempo. Ele era admirável.

Há muito estávamos sem ter relação. Eu tinha acabado de concluir a pós-graduação quando, não encontrando meios de construir carreira na empresa na qual trabalhava, resolvi fazer um intercâmbio de um ano. No aeroporto, demos um beijo no rosto um do outro. Parecíamos dois amigos, não um casal. Chorei. Tinha certeza de que havia acabado.

Fiquei um ano fora do Brasil. Estudei muito, trabalhei, conheci pessoas, culturas, outras línguas, ampliei. Em uma de nossas conversas pelo Skype, ele disse que também pensava em separação. Aquilo foi um alívio. Eu disse para ele: “que alívio ouvir isso, pois achei que estava ruim só para mim”. Estava certa de uma única coisa: não queria mais viver daquela maneira. Queria construir… (Lágrimas)

Voltei e ficamos juntos por mais um ano. Continuava sem coragem de pedir separação. Eu o amava. Eu o amava, mas isso não era suficiente. Por quê? Por que amar não era suficiente para manter um casamento? Quando eu disse que queria a separação, em meio a um choro convulsivo, ele me perguntou se eu tinha mais alguma coisa a dizer, e eu disse: “saiba que com você eu quis casar, ter filhos e construir uma família”. Nesse meio tempo, ele foi despedido do emprego. Ele estava estranho e não me disse o real motivo do desligamento. Ele sempre foi fechado com relação aos seus sentimentos. Nos amávamos por admiração. Ele também não parava de beber. Eu dizia que a cachaça era a amante dele. Bebia muito ou pouco? O suficiente para roncar, não transar, e só beber. Preciso medir isso? Preciso contar os copos, as doses? Preciso de uma régua? Onde ficam os acordos que cada casal faz? Lá na sua intimidade, entre quatro paredes e a sós?

Ao voltar de uma aula de meditação, encontrei um bilhete sobre a mesa cujo título, em letras garrafais, dizia ADEUS. No recado, de três linhas, citava os filhos e eu. Não dizia muita coisa. Foi apenas um bilhete. Ao final, ele assinou que nos amávamos muito, MUITO. Era quase meia noite quando vi este recado e liguei apavorada para uma amiga. Eu sequer toquei no papel. Não podia acreditar naquilo. Aquilo só acontecia em filmes. “Aquilo” só acontecia com os menos esclarecidos, com os perturbados, com doentes crônicos, viciados, loucos. Igor não era nada disso. Ao contrário. Ele se diferenciava por sua cultura, por sua memória singular, por articular e transitar em todas as áreas devido ao fato de ser extremamente bem informado. Ele não! Não era possível! E ele era um covarde! Era covarde para ter um filho comigo, para comprar um apartamento, então, como iria fazer “aquilo”?

Fui tomada por acusações, dor, desespero, medo. Liguei para uma amiga que imediatamente ligou para um delegado. “Só aceitamos boletim de ocorrência após 24h” (ou 48h, não lembro). Liguei. Chorei. Orei. Sonhei. Acordei e fui trabalhar com medo de olhar para os lados. Como não tinha encontrado a carteira dele em casa, supus que ele tivesse ido para a cidade onde sua família mora.

Ilusão. Não tinha ido. Voltei para casa. Ao chegar, vi a porta da garagem entreaberta. Corri. Agachei. Vi. Meio braço. Meia perna. Meio turvo. Sufocante. Grito. Copo caído. Desespero. Morte. Perda.

Igor havia se enforcado.

O horror da cena, a dor da perda, a impotência diante de uma dor não vista, de uma ação não calculada. No celular, o registro das minhas inúmeras ligações e uma mensagem que eu nunca haveria de receber: “VOCÊ NÃO TEM CULPA DE NADA”.

Isso não alivia. Em nada. Definitivamente não alivia. Ainda choro. Choro de amor, de dor, de saudade, de arrependimento. Culpa? Sinto, assim como não sinto. Cicatriza? Não sei, ainda não está.

O que dói de verdade, além do meu sofrimento narcísico, é me perguntar como. COMO uma pessoa tão bem informada e estruturada intelectualmente não dá importância para as questões da alma, do emocional, do inconsciente. COMO ele não pode acreditar? COMO eu não pude ver?

O estigma que carregam os psicólogos, terapeutas, psiquiatras e demais profissionais de saúde é pesado e bruto demais.

Tem uma frase que li no site “projetodraft” de Nana Calimeris que acho belíssima: “quem decide morrer não o faz por falta de amor à vida, mas porque o sofrimento se tornou insuportável.”

Eu queria abraçá-lo. Ele não gostava muito de carinho. Mas poderia ficar abraçada a ele por um tempinho. O tempinho que ele me permitisse ficar…”

Leia mais no blog: a máscara em que você vive: sobre suicídio entre homens

Leia mais no blog: setembro amarelo: mês de conscientização do suicídio

Depoimento: Sobre sobreviver a si mesmo

“O tabu sobre o suicídio é de tal forma arraigado que nem nossa imprensa livre se atreve a comentar. Julgar é o que mais fazemos, em todas as circunstâncias que a vida apresenta. De alguma forma sempre temos que ter uma opinião, nem sempre formada por informação.

Sofro de transtorno de ansiedade generalizada e já tive alguns graves surtos de pânico. Atentei contra minha vida duas vezes. Sobreviver a mim mesma foi mais difícil que me entregar ao desejo de por fim ao sofrimento.

Tenho duas filhas, já adultas. Na época, duas adolescentes. Como explicar que não se tratava de escolha entre estar com elas ou morrer? O inferno no meu espírito, o tumulto de milhões de pensamentos catastróficos, invasivos em minha mente, num ir e vir sem fim. Só eu sei como é. O inferno de cada um não é compartilhado ou compreendido, mas pode não ser julgado.

A cicatriz nos meus pulsos hoje são marcas da guerra. A cicatriz na alma foi melhorando com o tempo e o amadurecimento dos filhos. Mas quem bate no peito para dizer que sobreviveu a si mesmo? O que era para ser um ato de superação se torna vergonha, pelo peso que o suicídio ganha como pecado contra a vida.

Sigo tentando não julgar qualquer comportamento. Difícil. Mas sei eu daquele que, nas drogas ou no álcool achou a paz que a realidade não lhe permite viver?  Hoje, ando nas ruas e me vejo em muitas pessoas. Vejo minha dor empatizando com a dor de tantos com quem cruzo pelo caminho.

A compreensão que veio com a minha experiência talvez também seja só minha, assim como os meus paraíso e inferno particulares.

Gostaria que as pessoas que passam por estas situações pudessem se ver, se enxergar num grupo. A solidão dessa dor é única”.

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Confissões suicidas https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/06/16/confissoes-suicidas/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/06/16/confissoes-suicidas/#respond Thu, 16 Jun 2016 12:19:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=962 “Enfim, escrevo não apenas como um desabafo, mas na busca de sensibilizar pessoas, pois quem é acometido ou até nutre pensamentos e hábitos suicidas muitas vezes não transparece isso. Por isso, venho apelar para a generosidade das pessoas” (…) “Ouça, busque compreender e jamais julgue, pois só o frio escuro da madrugada conhece a amargura que um ser humano pode estar enfrentando calado, posando de feliz para não agravar ainda mais sua própria situação”.  – Frases do leitor Lucio Fermi, em depoimento enviado ao blog (reproduzido na íntegra, abaixo).

O suicídio pode ser visto como um problema filosófico, e para Albert Camus (1913-1960) é o mais importante de todos: “ julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”. Se matar seria uma espécie de confissão: “confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos”, ou “confessar que isto não vale a pena. Viver, naturalmente, nunca é fácil. Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume. Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento”. O filósofo não acredita que o suicídio seja uma saída, mas vê essa reflexão como necessária. O perigo seria não refletir a respeito.

Leia mais no post “É preciso imaginar Sísifo feliz”.

Para saber sobre mitos e prevenção ao suicídio (posvenção também), entre na categoria suicídio do blog.

Segue o depoimento enviado pelo contador Lucio Fermi.

“Confissões suicidas

Por Lucio Fermi

Diariamente sou tomado por pensamentos em acabar com minha própria vida. Às vezes, a fúria é tanta que se volta a toda a raça humana ou até mesmo à existência como um todo. Felizmente, hoje em dia, sei que esse impulso é controlável, que se trata de uma infantilidade da minha mente e aprendi a superar esse anseio tolo. Porém, como diria Nietzsche, ele me ajuda a suportar longas noites de desespero diante de um mundo tão nefasto e cheio de sofrimento.

Tudo começou com um misto de herança, talvez genética, mas mais familiar mesmo, já que tanto meu pai como minha mãe – talvez até minha avó que conviveu muito comigo – tinham depressão e o pensamento suicida se manifestava muito neles. Em meu pai, creio que de forma bem consciente, pois me lembro com uns 8 anos de idade de me deparar na biblioteca de casa com um livro chamado “Manual do Suicida”, com o Homem Vitruviano de Da Vinci de ponta-cabeça na capa. Não me recordo o autor, mas o livro continha os prós e contras de diversos métodos de suicídio. Nessa época eu já sofria um horrível bullying por ser terrivelmente magro e usar óculos. Não, as provocações de coleguinhas que me colocavam como um doente terminal nem eram as que mais me afetavam, mas o firme rechaço das meninas pelas quais eu me interessava.

Com uns 11 anos de idade, apenas porque eu morava num prédio bom e bonito, comecei a sofrer provocações de grupos de garotos que moravam em casas mais humildes e que, anos mais tarde, até conviveriam comigo – por meio de amigos em comum – com certa dose de pacifismo. Essas hostilidades vinham do fato de eu ser e parecer nerd e por apenas parecer estar em melhor situação financeira que esses garotos. Nesses anos posteriores, alguns destes garotos tomaram rumos de criminalidade e, certa vez, chegaram a me perseguir para me surrar. Só fui salvo porque o cara mais temido do bairro me respeitava, já que eu sempre o cumprimentava quando andava pela rua e demonstrava um carinho por ele sem qualquer interesse, apenas por felicidade.

Lá pelos 14 anos, fui tomado de uma revolta enorme e busquei consolo nas drogas e no ocultismo, paixões que perdurariam por dois terços da minha vida e que, de modo paradoxal, ajudaram a me libertar desse impulso suicida. Tendo escolhido um caminho um tanto na contramão do que deveria, acabei apenas reforçando minha magreza, um modo de vestir que nunca colaborou para demonstrar beleza, aumentando cada vez mais minha timidez e meu insucesso conjugal.

De todo modo, a autodestruição nunca passou do uso de drogas e um comportamento um tanto desleixado comigo mesmo. Acabei desenvolvendo uma toxicomania que me levou a experimentar de tudo, mas meus maiores vícios acabaram sendo as lícitas, tabaco e álcool. Das ilícitas, criei apreço maior pela maconha, mas atualmente, considero-me controlado, já que nenhuma destas 3 eu consumo mais do que algumas vezes por mês e, geralmente, sem precisar apelar ao tráfico (no caso da maconha). Porém, em épocas não muito distantes, tendo um acesso fortuito a opióides e opiáceos industriais, cheguei a ter uma leve overdose, gerenciada em casa mesmo, já que desde pequeno não apenas consumia drogas, mas também estudava farmacologia e primeiros socorros, o que me tirou de muita enrascada ou evitou de entrar nelas.

O único episódio em que tentei algo de pior foi quando eu tinha 22 anos, justamente numa balada da faculdade em que eu estava tentando parar de fumar maconha, mas onde havia vodca à vontade. Após inúmeras tentativas de me aproximar de mulheres, sendo rechaçado às vezes com grande nojo e humilhação, sumi na “natureza selvagem” e só fui encontrado porque meu melhor amigo sabia exatamente onde eu poderia estar, ajudado por conta da localização do meu carro, que eu havia abandonado aberto e, por sorte, tinha sido encontrado pela polícia.

Enfim, escrevo não apenas como um desabafo, mas na busca de sensibilizar pessoas, pois quem é acometido ou até nutre pensamentos e hábitos suicidas muitas vezes não transparece isso. Por isso, venho apelar para a generosidade das pessoas. Talvez se eu tivesse me sentido mais amado pelas garotas, eu teria atenuado isso antes e de modo mais fácil. Talvez se as pessoas ao meu redor estivessem mais preocupadas comigo e não com que eu me amoldasse a padrões que não tornavam nem mesmo elas felizes, eu tivesse aprendido a me respeitar mais. De toda maneira, não culpo ninguém, nem a mim mesmo e vejo que por mais que o mundo externo pudesse ter colaborado, é o meu filtro que importa. Com isso, apelo aos suicidas em potencial para que busquem a razão, a lógica e o controle emocional. Afinal, embora eu concorde com que a pessoa se mate em caso de doenças realmente incuráveis nas quais não faz sentido que se prolongue o sofrimento, para todas as outras situações sempre há uma saída.

Não sei dos outros, mas tenho vontade de me matar ou matar o mundo inteiro quando vejo a situação lastimável em que nosso país se encontra ou mesmo em que o planeta todo se encontra, quando vejo que muitas pessoas estão mais preocupadas com valores absurdos do que com o que realmente importa… O pensamento suicida surge como uma saída possível para o desespero financeiro, o desânimo profissional, a apatia sexual e tantas outras mazelas pessoais, como dores crônicas que (ironicamente), a maconha alivia sem causar os efeitos colaterais e o perigo que os opióides provocam. Entretanto, quando lembro das pessoas ao meu redor que ainda gostam de mim ou das coisas boas que ainda posso fazer pelo mundo, vejo o suicídio como um egoísmo descabido, que só vai disseminar mais sofrimento e gerar mais problemas.

Para terminar, registro que o único caminho para sair do estado suicida é a busca pela positividade, com auxílio dos esportes, da arte, do humor e do humanismo em geral, independente de religiões, sempre tomadas de objetivos inescrutáveis que nos colocam em último lugar (claro, há exceções) e de regras que nos colocam em conflito com nossa natureza ambígua. A você que tem a sorte de não ser assolado pelo “fantasma suicida”, peço respeito com quem o seja, pois lhe garanto que ninguém, se pudesse escolher, gostaria de ser rondado por esse “demônio”.

Quem quer ajudar, quer mudar o mundo, comece com seus familiares e amigos, pois tenho certeza que algum deles padece desse mal silencioso, que corrói a mente e pode levar à loucura, à morte e até mesmo ao homicídio em massa. Ouça, busque compreender e jamais julgue, pois só o frio escuro da madrugada conhece a amargura que um ser humano pode estar enfrentando calado, posando de feliz para não agravar ainda mais sua própria situação”.

Contato do Lucio: terion@bol.com.br

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Luto da barriga e depressão pós-parto https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/09/03/luto-da-barriga-e-depressao-pos-parto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/09/03/luto-da-barriga-e-depressao-pos-parto/#respond Thu, 03 Sep 2015 11:43:45 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=636 Ela passou os nove meses imaginando a cara do bebê, a nova vida, a alegria da família. Ela visualizou um parto lindo, todo natural e leite jorrando dos seios numa fartura de bicho mãe. Ela fez exercícios de pompoarismo, ela viu filmes sobre parto, ela leu tudo o que achou pela frente, ela trocou de obstetra para priorizar o parto normal, ela namorou fotos de mulheres amamentando divinamente no Facebook e ela fez um curso de amamentação. Ela se alimentou muito bem, fez natação e se orgulhou de ter trabalhado até o último minuto.

Nesse último minuto, ela começou a ter contrações, foi ao hospital, não dilatou o suficiente, o coração do bebê começou a desacelerar, aconteceu um tal de mecônio que assustou a médica e foi logo anunciando uma cesárea emergencial. Ela entrou na sala de cirurgia aos prantos.

A bebê era mesmo linda. Mas os familiares chegavam e ela sentia vontade de chorar. E chorava mesmo. Sentia-se frágil como um pássaro de asa quebrada. Sem entender o porquê. Afinal, não seria esse o momento mais feliz na vida de uma mulher? Ela foi para casa carregando o novo ser do lado de fora de si mesma numa sensação, no mínimo, estranha. A recém-nascida chorava muito, e todos falavam que era normal. Até a pediatra confirmar seu maior desespero: a bebê estava passando fome, a balança não mentia. Aí ela comprou um tal de leite em pó produzido por uma multinacional e não por ela mesma. As amigas olhavam torto para a mamadeira. Ela mesma detestava aquela mamadeira. Sentia-se inferior.

E pensava: que tipo de mãe não dá conta de parir e alimentar um filho? Enfim, deu tudo errado. Não, não deu, fala o marido. Nossa filha está saudável, você está saudável. Deu tudo certo. Ela sabia que sim, só que o vazio do ventre se transferia para o peito. A angústia ia aumentando. Ela chorava, sentia-se mal amada, olhava a bebê inocente e linda e sentia culpa por estar esfacelada diante da sua cria. A culpa ia cavando mais esse vazio do peito. A mãe não sentia mais vontade de sair da cama e nem saía mesmo. Perdeu o interesse em tudo. Até que ela e o marido decidiram buscar ajuda para um mal bem mais comum do que imaginamos: a depressão pós-parto.

No caso acima, a quebra de expectativas aliada à tendência a quadros depressivos – por essa mãe já ter sofrido de depressão anteriormente – contribuiu para uma depressão pós-parto. Além da culpa por não ter alcançado o patamar de “mulher perfeita” enraizado silenciosamente na nossa concepção de maternidade. A lista de causas e fatores de riscos é bem maior do que essa e há uma diferença significativa entre o que se conhece por blues puerperal (ou baby blues, ou luto da barriga) e a depressão pós-parto, nas suas características e na abordagem para tratamento.

O médico psiquiatra Luiz Henrique Junqueira Dieckmann comenta que as mulheres são vulneráveis à depressão pós-parto tanto pelas mudanças hormonais e físicas, como pela pressão que sentem da nova responsabilidade de cuidar de um recém-nascido. Mas muitas mães experimentam um episódio breve de alterações de humor, que ele chama de “blues puerperal” – e envolve a sensação de não dar conta da responsabilidade, irritabilidade, choro mais fácil, cansaço e melancolia. Luiz afirma que alguns estudos apontam que a porcentagem das mães que experimentam esses sintomas na primeira semana após o nascimento do bebê pode chegar a 80%.

A depressão pós-parto se diferencia do “blues puerperal” por ser uma condição muito mais grave e que requer tratamento ativo e apoio emocional e psicoterápico para a mãe. Luiz comenta que “na depressão existem alterações de sono, de humor, de apetite, da disposição, pensamentos negativos, auto estima diminuída, ou seja, sintomas de um quadro depressivo de fato importante” e ressalta ainda que alguns estudos apontam que as mulheres que têm depressão pós parto muitas vezes tiveram episódios depressivos prévios.

Luiz considera que esse tipo de sensação também pode ser sofrida por homens e pais e mães de crianças adotivas, pois existem diversas mudanças na rotina, no relacionamento, na casa e no sono. “Existem o que chamamos de transtornos adaptativos, que podem ser caracterizados por sintomas ansiosos ou sintomas depressivos e costumam acontecer nos primeiros meses da mudança. O tratamento vai depender da intensidade e duração do quadro”.

Causas e fatores de risco

Para o médico e psiquiatra Jõao Augusto Figueiró, o fator predominante são as alterações hormonais, que vulnerabilizam mais as mulheres sensíveis a esse tipo de variação. Ele diz que, durante a gravidez, o cérebro se habitua a uma quantidade grande de estrogênio e progesterona, por exemplo. Na expulsão do feto e da placenta, há uma queda súbita desses hormônios. Figueiró ainda considera outros fatores importantes a serem considerados, como a privação do sono. “A privação do sono é altamente estressante para o cérebro. O sono se torna superficial e interrompido, muitas vezes já no final da gravidez e piora quando o bebê nasce. E o stress crônico é um fator precipitante para a depressão. O choro (do bebê) também é muito irritante para o cérebro. Há ainda outras causas, como a dificuldade com a amamentação, tensões ligadas a maternidade e dificuldades financeiras que surgem num período de aumento de gastos”.

Dos fatores de risco, Figueiró ressalta: Já ter tido depressões anteriores, ou algum transtorno mental, ter sofrido violência doméstica (25% das mulheres no Brasil são vítimas de violência durante a gravidez) e a falta de apoio e abandono do companheiro. “O parto e o pós-parto podem ser um momento de muita alegria mas também podem ser um momento intenso de stress e problemas no relacionamento. As relações extraconjugais masculina aumentam durante a gravidez e no período do pós-parto. Os maridos se sentem enciumados e rejeitados pela esposa”.

A coach, especialista em cuidados com recém-nascidos e doula de pós-parto Mariana Zanotto Alves, fez sua formação nos Estados Unidos, onde esse tipo de profissão é comum. Ela diz que, de acordo com a American Pregnancy Association, cerca de 10% a 15% das mulheres sofrem de depressão pós-parto e de 70% a 80% sofrem do que ela chama de “baby blues” (equivalente ao “blues puerperal”). Ela comenta a falta de sono também como uma causa fundamental e adiciona a falta de suporte. “Especialmente com a revolução industrial, as famílias tornaram-se famílias nucleares. Então, passamos a conviver com menos pessoas e a ajuda à mãe ficou restrita a esse núcleo familiar”, Mariana diz.

Para Mariana, dentre os fatores de risco também se deve considerar a perda de gestações anteriores, quebra de expectativas, histórico de TPM severa (pois indicaria mulheres com maior predisposição para alterações hormonais), histórico de drogas e álcool. Além disso, ela menciona ter sido vítima de abuso sexual ou violência física durante a infância, ou abuso físico durante a infância.

Mariana considera que quando temos um filho, vivenciamos nossas próprias frustrações da infância, pois o choro do bebê desencadeia processos da nossa memória, trazendo à tona questões antes camufladas.

A falta de preparo emocional durante a gestação também seria uma causa importante para Mariana. Quando ela pergunta a suas clientes como foi a gravidez, a grande maioria se orgulha de ter trabalhado até o “último momento”. Haveria uma quebra brusca de rotina, da agenda cheia do trabalho para a rotina do bebê, que é completamente diferente. “As mulheres fazem enxoval, chá de bebê, mas não se permitem organizar emocionalmente”.

Outra questão seria a expectativa de amar o bebê logo quando nasce. “Mas esse sentimento é uma construção, assim como todos os amores. Vínculos não se criam da noite para o dia e não há tempo determinado para o surgimento desse amor”.

Os tratamentos envolvem psicoterapia, medicação para os casos mais graves e apoio familiar. O pai da criança teria um papel fundamental nesse processo. “Apoiar a mãe integralmente e diminuir cobranças vai aumentar as chances de uma rápida recuperação. Os pais têm que saber que aquele quadro tem tratamento e que suas mulheres vão voltar a ser quem eram antes da doença”, comenta Luiz.

Psicose

Em alguns casos, o diagnóstico correto não é depressão pós-parto, mas sim psicose. Essa identificação é fundamental para indicar o tratamento correto e prevenir suicídios. Na psicose, há indícios de um comportamento maníaco depressivo. A mãe pensa que pode machucar o bebê ou ela mesma.

Mariana teve uma cliente que cometeu suicidou recentemente. Ela estava em tratamento psiquiátrico, tomando medicação. Mas a coach comenta que o tratamento nem sempre funciona de imediato, porque o médico vai testando medicamentos para verificar qual reage melhor com a cliente. Além disso, haveria um tempo para o corpo se adaptar à droga. Essa seria a janela de maior risco. Essa mãe buscou ajuda da internet ao desabafar seus conflitos na rede social. Mas foi prejudicada por essa ação pois só recebeu agressão em retorno, o que Mariana considera ter contribuído para agravar o quadro – “As pessoas são muito rápidas para julgar quem está nesse tipo de situação”.

Luiz comenta que “o risco de suicídio existe sim e devemos estar sempre atentos a ele. Uma pessoa não se suicida por querer simplesmente morrer, é uma tentativa de parar de sofrer”.

 

Temos que falar sobre isso

“A gente morre e renasce no parto” – Thais Cimino

“Temos que falar sobre isso” é uma plataforma online para receber depoimentos de mulheres sobre experiências e sentimentos do pós-parto. Com três meses de existência, já recebeu mais de cem “desabafos” que podem ser anônimos ou não. O próximo passo do projeto é oferecer um espaço físico para encontros – gratuitos.

Sua idealizadora, a gaúcha Thais Cimino, mora na França há dois anos, onde teve sua filha – hoje com um ano e sete meses. Apesar de considerar o atendimento médico da França muito bom, Thais teve dificuldades em se adaptar a essa nova cultura, principalmente por estar distante da família, dos amigos e não dominar o idioma. Durante a gravidez, sentia momentos de ansiedade ao pensar no futuro e muita solidão, junto à felicidade de em breve receber a tão esperada filha.

Seu parto ocorreu como ela desejava. Um parto normal, sem anestesia e sem a “violência obstétrica que acontece no Brasil”, como ela colocou. As dificuldades relacionadas à amamentação foram o gatilho para uma grande desestabilização emocional. Quarenta e cinco dias após o parto, Thais foi operada devido a um abcesso mamário. Os cuidados pós-operatórios, primeiro um cateter no seio que necessitava de cuidados de uma enfermeira e depois uma “ferida aberta”, contribuíram para deixar Thais ainda mais fragilizada: “demorou um mês para cicatrizar no meu seio e um ano para cicatrizar na minha alma”.

Foi relatando sua história, que Thais passou a sentir-se melhor, como ela nos conta abaixo.

“Cada vez que eu contava minha história, eu entendia um pouco mais do que acontecia. Depois do luto e da luta que eu passei, eu consegui ressignificar a minha dor para fazer disso uma coisa positiva e tentar evitar com que outras mulheres passassem pelo que eu passei. Para elas não se sentirem sozinhas e julgadas. Eu acho que falar é muito terapêutico. A gente morre e renasce no parto, é um momento de extrema fragilidade, de ruptura, no qual a mulher não pode ficar sozinha. A gente se joga numa coisa completamente desconhecida. Não há livro ou conhecimento que te prepare sobre o que realmente é esse momento. Ao mesmo tempo, é um momento maravilhoso, de muito amor, muito carinho e uma conexão incrível com outra vida. Mas a mulher tem essa pressão de precisar mostrar que está sempre tudo bem. A mulher não tem direito de ter dúvidas, de estar infeliz, de chorar, porque em teoria, é o melhor momento da vida dela. A sociedade não só não permite como invisibiliza e cala essa mulher. Tem muito preconceito em tudo e a pressão pela “mulher perfeita”. Parece que a mulher não tem mais saída. A mulher perdeu seu instinto, aquilo que lhe é mais profundo, para que ela possa saber o que é melhor para ela. O pós-parto é uma oportunidade para calar tudo que está ao redor e se escutar. Uma oportunidade de se conhecer, para enfrentar suas dúvidas e rever o passado que ressurge. A sociedade tem que abraçar essa mulher e ver o que ela está precisando. Não adianta dar a ajuda que se considera necessária, mas sim a ajuda que ela está precisando. A mulher na gravidez, no parto e “recém-nascida” é completamente isolada. O ser humano tem que começar a pensar no que deseja para o futuro da sociedade – se a gente quer uma mudança, temos que primeiro pensar como tratamos essa nova mulher e o ser humano que está chegando ao mundo”.

OBS: indico a leitura dessa ótima matéria publicada pela Folha, traduzida do “New York Times”. “Depressão pós-parto pode surgir fora de hora e com sintomas confusos”.

E a entrevista de Drauzio Varella com o médico e psiquiatra Frederico Navas Demetrio.

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A possibilidade da invenção de doenças mentais https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/26/a-possibilidade-da-invencao-de-doencas-mentais/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/26/a-possibilidade-da-invencao-de-doencas-mentais/#respond Thu, 26 Feb 2015 19:56:57 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=385 “Infelizmente propaga-se por aí uma falácia”, foi o início de um e-mail recebido de uma leitora indignada com o post Mitos sobre o Suicídio, criticando o artigo por “simplesmente reproduzir dados transmitidos por uma indústria farmacêutica apenas interessada em vender mais remédios”, como ela colocou.

Essa linha de raciocínio parte do pressuposto de que doenças podem ser “inventadas” e que os manuais de categorização de doenças mentais, como o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o CID (Classificação Internacional de Doenças, uma publicação da própria OMS – Organização Mundial da Saúde) são definidos por psicólogos e psiquiatras ligados financeiramente a empresas farmacêuticas (que financiam suas pesquisas, por exemplo).

Para o psicanalista Eduardo Rozenthal*, isso é possível sim, porque vivemos numa sociedade contemporânea monista, baseada em apenas um valor, que é o valor capitalista de mercado. Ela substitui a sociedade moderna, que era dualista, oscilando entre o bem e o mal. “Todas as práticas humanas se mobilizam em direção ao maior valor da cultura, que é o valor de mercado. Isso é automático. Não se trata de nenhuma ‛teoria da conspiração’. Somos seres moldados pela cultura em que vivemos”, Rozenthal diz.

Para o psicólogo Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, “doenças inventadas” podem ocorrer como fruto de erros e não de más intenções. Ele também diz ser perigoso falarmos de maneira tão categórica sobre uma relação entre estudos psiquiátricos de transtornos mentais e o objetivo de se ofertar algo para aquecer o mercado farmacêutico. Haveria equívocos em estudos e classificações, assim como a hipermedicalização da vida, mas isso diria muito mais respeito sobre quem recebe os resultados dos estudos e medicam seus pacientes a partir deles, do que sobre quem os produziram.

Sarkis diz estar certo de que boa parte dos estudiosos sobre os transtornos mentais estão efetivamente acreditando – talvez mais piamente do que devessem – naquilo que estão fazendo, dedicando-se, e confiando em suas descobertas. “O que guia a ciência, hoje e sempre, é a dúvida, o questionamento. Quando a ciência vira, ou é investida pelas pessoas como uma indústria de produção de verdades, um guia absoluto, temos um problema.”

O caso do TDAH: Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade

O psiquiatra norte-americano Leon Eisenberg (1922-2009) é considerado o pai do TDAH. Segundo reportagem do “The New York Times”, “nos seus últimos anos de vida, ele teria ficado alarmado com as tendências no campo que ajudou a criar, criticando o que ele viu como uma “confortável” relação entre o mercado de remédios e os médicos e a crescente popularidade do diagnóstico do déficit de atenção”. O semanário alemão “Der Spiegel” trouxe uma reportagem de capa, em 2012, com uma declaração bombástica de que Eisenberg teria dito que o TDAH é uma doença inventada.

A frase atribuída a ele nas matérias que encontrei é: “O TDAH é um excelente exemplo de uma doença fictícia”. O tradutor que consultei disse que colocaria a frase como: “O TDAH é um exemplo de sucesso de uma doença fabricada”. Ele me passou outras informações importantes da matéria, como Eisernberg mencionar que o componente genético da doença foi superestimado e afirmar que “psiquiatras infantis deveriam investigar as motivações psicossociais que possam causar os sintomas da doença, como verificar se existem problemas  de relacionamento na família, se os pais vivem juntos ou se estão brigando muito, por exemplo. São questões importantes, mas demandam muito tempo para serem respondidas. Sendo assim, é mais fácil simplesmente medicar”. A matéria diz que o diagnóstico do TDAH aumentou 40 vezes nos últimos dez anos e muitos dos pacientes mal têm de dois a três anos de idade. Também aponta que não se sabe qual o tipo de consequência dos medicamentos para o cérebro e que essa é uma experiência fora do controle.

Rozenthal diz receber muitos pais em consultório imaginando que seu filho tem a doença e muitas vezes já fazendo uso de medicação como a Ritalina. Ele não se coloca contra remédios, mas sim contra a medicalização hegemônica da sociedade, ou seja, o excesso de medicação que hoje se prescreve, “você dá a medicação e não trabalha com a subjetividade. É mais rápido e mais fácil, mas a longo prazo não serve. Se tirar a medicação volta tudo”.

Depressão

Eduardo Rozenthal diz que a depressão é a doença psíquica por excelência da contemporaneidade. “É alarmante o número de pacientes que chegam falando que têm depressão”. Ele considera haver uma confusão entre o “ficar triste”, por exemplo, diante de uma perda, e o “estar deprimido”. As pessoas teriam o direito de ficarem tristes e a felicidade não deveria ser colocada como uma obrigação. O diagnóstico de depressão é feito às pressas e logo se parte para a medicação. Segundo Rozenthal, há um componente orgânico na depressão que deve ser levado em conta, mas que não deve servir para generalizar o sofrimento.

Ele diz que os remédios mais usados hoje para tratar o excesso de ansiedade, como os ansiolíticos Rivotril, Olcadil e Frontal podem trazer benefícios se utilizados, quando for o caso, como complemento da análise. Podem diminuir a dor e às vezes até facilitar o trabalho psicanalítico. Mas nesse caso, devem ser vistos como circunstanciais e não como tratamento propriamente dito.

Há uma corrente que critica as drogas psicotrópicas por não existir pesquisas científicas comprovando a existência de componentes orgânicos nos distúrbios mentais. Alguns psiquiatras americanos divulgam opiniões contrárias ao status quo em sites pessoais e acabam servindo de fonte àqueles que são contra o uso de certos remédios, como o Dr. David Healy, e o Dr. Peter Breggin, que relaciona violência e suicídio causados por anti-depressivos. O filme “O Marketing da Loucura” traz a história desses medicamentos e depoimentos sobre seus efeitos secundários.

Classificar, categorizar, rotular

O DSM é um livro que indica a classificação de doenças mentais usado por profissionais de saúde mental dos Estados Unidos. Há uma linha de pensamento que defende que os psiquiatras dessas instituições são ligados a laboratórios e por isso trabalhariam no interesse deles e não da sociedade.

A psicóloga norte-americana Lisa Cosgrove, e outros três colegas, lançaram um estudo intitulado (em tradução livre) “Ligações financeiras entre os membros dos painéis do congresso DSM-IV e a indústria farmacêutica”. O artigo aponta que dos 170 membros do painel, 95 membros (56%) tinham uma ou mais associações financeiras com empresas da indústria farmacêutica. E 100% dos membros dos painéis ‘Transtornos de Humor’ e ‘Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos’ tinham ligações financeiras com as companhias de drogas. O estudo conclui que há fortes ligações financeiras entre a indústria e aqueles responsáveis por desenvolver e modificar os critérios para diagnósticos de transtornos mentais, “as conexões são especialmente fortes nos diagnósticos de áreas em que as drogas são a primeira linha de tratamento.”

A leitora que estimulou esse post enviou o link de um filme criticando o DSM e o CID, filmado pela CCHR – Comissão dos Cidadãos para os Direitos Humanos, de Portugal. Uma das críticas está em não precisar ter conhecimento sobre a causa e efeito da condição para poder classificá-la como uma doença e com isso dar margem à invenção de doenças mentais para alimentar a indústria farmacêutica. O documentário aponta que a inclusão de uma doença no DSM é votado numa reunião entre psicólogos e psiquiatras. O fato de a decisão ser votável indicaria não haver uma definição com base em pesquisas cientificas mas sim em motivos políticos. Também se vota na exclusão de uma doença, como ocorreu com a homossexualidade, anteriormente inclusa no DSM como distúrbio mental e depois retirada. O documentário disse que essa decisão nada tem de base científica, ele foi inserido e removido por razões políticas e não médicas.

A instituição lançou outros documentários como “O Inimigo Oculto” e “A Era do Medo”, disponíveis no seu site.

Para Rozenthal, as doenças precisam ser classificadas para que possamos estudá-las, ensiná-las e finalmente tratá-las e para facilitar a cobertura de planos de saúde também. “O problema surge quando se idealiza a doença – ou a saúde – para fazer com que o mercado lucre”, ele diz. O psicanalista ressalta que somos seres da singularidade e por isso é perigoso trabalharmos com rótulos para alimentar um modelo médico quantitativo, voltado para estatísticas e não para a qualidade.

A indústria farmacêutica

Para Nelson Mussolini, presidente executivo da Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estados de São Paulo), de fato houve uma medicalização da vida em razão do aumento da expectativa e a busca por maior qualidade. “Estamos vivendo cada vez mais e a indústria farmacêutica corre atrás para investir em desenvolvimento de produtos para dar mais qualidade de vida para as pessoas”, ele diz.

Mussolini afirma que podem haver abusos e modismos que são prejudicais para a indústria e que qualquer atividade humana está passível de cometer erros, mas se tem procurado, principalmente nos últimos vinte anos, minimizá-los ao máximo. Como por exemplo, retirar remédios do mercado que apresentem efeitos colaterais graves e criar códigos de conduta para os médicos – como deixar claro suas conexões financeiras, como quem patrocinou seu estudo e para qual empresa trabalham, na hora de apresentar suas teses em congressos, “nenhuma empresa quer ver seu nome envolvido com falta de transparência, porque um dos principais pilares dessa indústria é a credibilidade”.

Sobre o TDAH, Mussolini afirma que ele vem sendo estudado desde 1947 e a Ritalina é um medicamento de 1955. “Me parece estranho falar em uma doença fabricada por um período tão longo quanto esse. De fato, se existisse essa questão, ela já teria sido desmitificada, porque nenhuma ‛mentira’ dura tanto tempo”. Ele diz ser possível encontrar alguns abusos, como ser usado para pais sossegarem seus filhos, mas essa seria uma questão presente em todos os produtos. Por exemplo, o abuso de antibióticos resultou em bactérias mais resistentes levando a indústria a investir em pesquisas para descobrir antibióticos mais potentes.

Acredito que abrir margem para a existência de doenças inventadas possa contribuir ainda mais para o preconceito em torno dos distúrbios mentais e prejudicar a importante pesquisa dos medicamentos psiquiátricos, hoje em curso. Erros e abusos devem ser minimizados e a transparência das ligações financeiras tida como uma prioridade. Mas o debate é bem vindo e pode indicar quão manipuláveis somos, tanto para defender a indústria farmacêutica quanto para criticá-la.

*Eduardo Rozenthal é Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj e autor do livro “O ser no gerúndio: corpo e sensibilidade na psicanálise”, editado pela Cia de Freud.

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A Era dos Adictos

Morte e Psicanálise

Mitos sobre o suicídio e como preveni-lo

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A era dos adictos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/01/21/a-era-dos-adictos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/01/21/a-era-dos-adictos/#respond Wed, 21 Jan 2015 11:28:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=281 Vamos falar sobre o suicídio.

O tema é considerado tabu e uma questão alarmante. Todos os anos, cerca de 12 mil pessoas se suicidam no Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e 800 mil no mundo. A taxa de suicídio cresceu 62,5% nos últimos trinta anos, aumentando o ritmo a partir da virada do século, segundo o Mapa da Violência 2014, organizado por Julio Jacobo Waiselfisz. De acordo com esse estudo, há pouca discussão sobre o tema e haveria um tabu na mídia de divulgar essas questões para evitar o efeito de incentivar suicídios por imitação ou indução, chamado de Efeito Werther. A produção acadêmica também não estaria acompanhando essa realidade. Acesse o mapa neste link.

A OMS divulgou um relatório em 2014, colocando o crescimento das taxas de suicídio como um grave problema mundial de saúde pública. É a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e há indícios de que para cada adulto que se suicida, 20 tentaram cometer o ato. A instituição afirma que os suicídios são evitáveis e elaborou uma cartilha sobre como preveni-lo. Disponível aqui.  Ela é destinada a profissionais de saúde, mas acredito poder ser útil para o público em geral. Segundo reportagem da Folha sobre esse relatório, o Brasil é o oitavo país no ranking mundial de suicídios.

Tenho escutado cada vez mais notícias de que um amigo de infância, colega de classe ou mesmo amigo próximo, se suicidou. E acredito que não sou a única. Há várias questões fundamentais a serem discutidas do porquê do aumento das taxas de suicídio e o que fazer a respeito. A entrevista abaixo traz o ponto de vista de Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, membro e supervisor da CAPA*.

Ele faz uma análise dos tempos atuais, refletindo sobre o que chama de “A era dos adictos”. O cenário traçado me parece um bom ponto de partida para a discussão que pretendo trazer cada vez mais a esse fórum. Já abordei em outros posts as campanhas “Precisamos falar sobre o aborto” e a “Vamos falar sobre o luto”. Agora inicio essa: “Vamos falar sobre o suicídio”, seja pensando sobre características patológicas da nossa sociedade ou mesmo em termos práticos.

Dizem que não se fala em suicídio na mídia por causa do tal Efeito Werther, que se baseia na ideia de que explorar o tema pode incentivar potenciais suicidas a cometerem o ato, ao lerem notícias de pessoas famosas que se mataram, por exemplo. De forma mais abrangente, o efeito fala sobre como comportamentos humanos podem ser influenciados por ideias, e tem esse nome herdado de um romance de Goethe – “Os Sofrimentos do jovem Werther” (1774), em que o protagonista se suicida por causa de um amor frustrado. Utilizar o medo desse efeito como justificava para ficarmos calados não é válido e talvez uma das causas para as taxas aumentarem ainda mais. Claro que não é benéfico falar em suicídio de forma sensacionalista, mas fora isso, é fundamental discutirmos esse tema e suas ramificações.

Segue, abaixo, a entrevista.

O que seria a era dos adictos?

Vivemos numa era alarmante quanto ao abuso, à compulsão, ao vício. Não só em relação a drogas (remédios e drogas ilícitas), mas também a vícios de todo tipo: viciados em celular, internet, rede social, futebol, televisão, bebida. Tudo é vício e tudo é vivido à exaustão. Compramos demais, comemos demais, bebemos demais, jogamos demais, teclamos demais, produzimos demais, trabalhamos demais, fazemos exercícios físicos demais, contudo, falamos de menos sobre o que eu chamo de “território do negativo” – fragilidade, tristeza, falta de sentido, dificuldades, desordem, morte, falhas, diacronia, estranheza, desencontros, adoecimentos, suicídio etc. Diferenças então? Nem pensar. Jamais tratamos disso.

Esse cenário pode estar relacionado ao aumento das taxas de suicídio?

Essa situação da adição não necessariamente leva ao suicídio ou teria a ver com o aumento das taxas de suicídio, mas os dois temas tocam a mesma questão, que é a de como lidamos com o vazio na contemporaneidade. Procuramos sempre reafirmar nossa identidade, ou aquilo que está no que eu chamo de “território do positivo”. Fazemos com esse território, que inclui, dentre outras coisas, identidade, potência, capacidade, força, saúde, vitalidade, resistência, beleza, sincronia, sentido, ordem, ideal etc., o oposto do que fazemos com o “território do negativo”. Enquanto fugimos e evitamos a todo custo qualquer contato com o registro da falta, vamos sedentos em busca de tudo – e o tempo todo – que tange ao registro do “positivo”. É importante ressaltar que, quando falo de positivo e negativo não associo qualquer ideia de bom ao positivo e mau ao negativo, nem qualquer coisa similar. O território do negativo apenas marca uma subtração no Eu e o do positivo marca um acréscimo, um “a mais”.

Lidar com o registro da falta não é de fato fácil, mas quanto menos o fazemos, mais dificuldade temos ao nos depararmos com isso. Lembro-me de assistir a jogos de futebol com as torcidas misturadas. Hoje em dia a coisa se agravou de tal forma que decidiram separar as torcidas, inclusive impedir que ambas estejam nos mesmos jogos, porque o lidar com o outro, com esse registro da alteridade radical, com aquilo que não confirma minha identidade mas sim marca uma diferença, traz dúvidas insuportáveis: o que sou eu? Quem sou eu? Sou de fato o que penso que sou? Então, procura-se eliminar a dúvida.

Quais aspectos podem ser vistos como determinantes em casos de suicídio e como isso se correlacionaria com o que estamos falando?

Algo que me parece claro no caso do sujeito que comete suicídio é certo raciocínio peculiar que vai se desdobrando desta maneira: “Não há sentido. Tudo dá em nada. Tudo é nada. Nada é tudo. Eu sou nada. Nada vai mudar. Não há mais nada a fazer”. O sujeito que comete um suicídio, entretanto, não é necessariamente um niilista. O niilista vê a falta de sentido em toda e cada parte ou ao fundo de tudo. O suicida não vê nada além do nada. Ele habita exclusivamente o território do negativo e crê que este território é tudo o que há.

Outro aspecto importante: talvez todos nós já passamos por um ou vários destes pensamentos: “tudo dá em nada”, “não há nada que eu faça que adiante”, “tudo é nada”, “eu sou nada”, “eu não sirvo para nada”, “tudo dá errado comigo”. Enfim, estes e similares. O suicida não é alguém que me parece simplesmente passar por estes pensamentos. Ele é alguém que se afunda nestes pensamentos, que não consegue se desvencilhar minimamente de quaisquer destas perspectivas e que, ao invés de se psicanalisar e se tratar a fim de questionar todas estas certezas, encerra seu suplício indo ao encontro da única coisa que enxerga: o nada.

É absolutamente equivocado e simplista dizer que o pensamento da pessoa que comete um suicídio é um “raciocínio estúpido” ou que, para mudar, basta que a pessoa “pense diferente”. Não é uma questão consciente. O raciocínio descrito é resultado de uma série de fatores que incluem agressividade, ansiedade, sensações de depreciação, exclusão, inutilidade, inoperância, impotência, fracasso em relação às próprias expectativas ou de outros, frustrações, sérios conflitos em relações interpessoais (principalmente com aqueles que operam nas funções paterna e materna) etc. A quantidade de questões singulares que acharemos nestas situações é imensa também. Não há como dizer: “é assim para todos”. No máximo: “generalizando, é assim”. Só ouvindo a história de cada um para entender.

O que mais podemos ver de comum em pessoas que pensam ou chegam a efetivar um suicídio?

Outro ponto comum é ver nas pessoas que falam seriamente em suicídio a aplicação em si de uma agressividade que, na verdade, se desviou: inconscientemente se direciona a outro, porém, algo impede que essa agressividade se realize em relação a este outro, e ela “estaciona” na pessoa ou, em termos freudianos, “retorna” na própria pessoa.

Em outros casos, é possível observar a pessoa agredindo o que há deste outro em si. Ao se ver repetir um ato que repudia e que é usual de algum outro que ele não quer ser e com quem não quer se parecer minimamente (em outras palavras, ao se deparar com uma identificação indesejada), o sujeito pode se agredir de múltiplas formas, dentre elas, o próprio suicídio.

Há um abuso do uso de remédios como anti-depressivos e ansiolíticos?

Em determinadas situações, sim, há abuso. O remédio deixa de ser medicamento e passa a ser droga destinada a perpetuar o estado do paciente, ao invés de ajudá-lo. Por exemplo, já escutei analisandos dizendo que não podem parar de tomar o remédio porque não podem falhar, não podem parar de forma alguma em qualquer âmbito: não podem, nem por um instante, vacilar, parar de trabalhar, parar de ser um bom marido, um bom pai, lidar com os próprios limites, pensar em questões pessoais.

 O remédio tem o seu lugar e vem auxiliando para que, mesmo em condições psicológicas desfavoráveis, a pessoa possa seguir a vida. Alguns cenários psicopatológicos são seriamente impossibilitantes e nestes o remédio atua muito bem. Mas o uso do remédio às vezes é que é questionável, pois entra no lugar de uma droga. Ao invés de auxiliar o paciente a lidar com suas questões, o remédio comumente tem surgido como aquilo que se alia ao excesso do paciente e “o ajuda” a não ter que lidar minimamente com quaisquer de suas questões. Algo similar a um jovem que toma uma pílula na boate para poder se manter de pé até o amanhecer. Ou o funcionário que precisa trabalhar a noite inteira e apela a todas as substâncias possíveis para não dormir, “não parar”, “não falhar”. Todos esses cenários partem do princípio da necessidade de se produzir esse “a mais” eterno. É sempre um mais, a coisa não acaba. A pessoa, sim, “se acaba”, mas não sei se no melhor sentido da expressão.

Você vê alguma pressão para sermos felizes?

Uma marca cruel da atualidade é a exigência de felicidade, assim como a necessidade de você transmitir essa felicidade a seus semelhantes e vivê-la constantemente, ininterruptamente. Isso não é felicidade. Isso é mania. Toca mais no pathos do que na felicidade real, que seria mais próxima de coisas momentâneas, do desfrutar, contemplar do que do “se acabar”, ou viver em um interminável excesso. A felicidade não existe initerruptamente. A tristeza tem o seu lugar e é fundamental que ela tenha o seu lugar. Não podemos excluí-la. E ai tocamos novamente no território do negativo: a tristeza, a diferença, a falha, a incapacidade, a dificuldade, a morte, o adoecimento. Não falamos sobre isso, excluímos esses temas das nossas conversas e agimos como tudo isso sequer existisse.

Mas não é possível tamponar essas coisas porque são elas que se afirmam para além de nossa vontade. Podemos fazer o esforço que for, por meio de drogas, de Instagram, de inúmeros selfies, aquisições e compras de todo tipo, sorrisos amarelos de suposta alegria, horas e horas conectados à Internet, mil “amigos” no Facebook que sequer nos conhecem e qualquer outra coisa que nos ajude a ser vistos da forma desejada ou idealizada por nossos semelhantes, mas não adianta. Esse projeto de “eterno a mais” é fracassado desde seu princípio, por tentar afirmar aquilo que – eventualmente – se conquista, e evitar a todo custo aquilo que inevitavelmente se impõe.

Como lidar com isso?

É uma resposta difícil e não penso que falemos de uma cura aqui. Falamos mais de um tratamento, de algum apaziguamento possível. Talvez um ponto crucial seja conseguir encontrar um sentido próprio para a vida; conseguirmos nos esquivar um pouco dos sentidos ofertados e, assim, tentar encontrar um sentido mais particular, que tenha ressonância com nosso desejo, não com a demanda externa.

Essa tentativa eterna de afirmar um positivo faz justamente com que se caia no vazio – em relação ao próprio desejo principalmente. E se não sabemos lidar com isso, porque evitamos qualquer contato com este ponto no nosso dia a dia, acabamos reagindo aos encontros com o “território do negativo” com quadros de ansiedade, pânico, depressão, adição, e até mesmo, o suicídio.

Porque essa questão da adição, como você coloca, está impactando essa era especificamente?

Além da maneira como lidamos com a falta, nossa era tem uma maneira muito particular de lidar com os objetos. É uma via intensa, funcional, sem limite. O que marca a experiência da adição no nosso tempo pode estar conectado a essa experiência ininterrupta com nossos objetos de investimento. Estamos em absoluto curto-circuito com as centenas de objetos com os quais nos relacionamos.

Acho que isso que estou falando é caricaturalmente representado em um episódio recente dos humoristas do “Porta dos Fundos”, chamado “Sem Bateria”, onde um casal está num restaurante e o homem fica sem bateria do celular. Assim, ele é obrigado a conversar com sua esposa e vê que não sabia nada da vida dela, nem de sua própria de certa forma. Esse sujeito é um emblema da adição da nossa sociedade, da vivência funcional com nossos objetos e de como o “vazio” se impõe para além de todos os nossos infrutíferos esforços do contrário. Estamos em curto-circuito.

Qual é o futuro dessa realidade?

O futuro dessa realidade já é um pouco do que vemos na atualidade. Se é um curto-circuito, em algum momento vamos pifar, entrar em colapso. Mas não é uma situação apocalíptica, porque temos nossos meios e temos outras habilidades. Essa questão de nossas relações de objeto tem uma marca muito forte no homem contemporâneo e nos causa danos seríssimos, mas não somos só isso.

Há solução?

Há apaziguamentos, possibilidades de melhora. Algum excesso, porém, estará sempre ali. Ou melhor, aqui (em nós). E cada analisando encontra a sua forma de melhorar a partir da análise. O certo é que uma forma de amenizar esse processo agudo é passar a discutir essas questões, falar dos sentimentos, falar do que dói, abrir as portas a esse território que tão freneticamente evitamos.

* CAPA: China American Psychoanalytic Alliance

Anxiety
Lassedesignen – Fotolia

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