Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A morte de Marília Mendonça no país que não aguenta mais perder ninguém https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-morte-de-marilia-mendonca-no-pais-que-nao-ageunta-mais-perder-ninguem/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-morte-de-marilia-mendonca-no-pais-que-nao-ageunta-mais-perder-ninguem/#respond Fri, 05 Nov 2021 21:58:07 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/marilia-mendonca-1-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2578 por Camila Appel, Jéssica Moreira e Cynthia Araújo

É inacreditável a precoce morte de Marília Mendonça, em acidente de avião na cidade Serra de Piedade de Caratinga, interior de Minas Gerais.

Nós, brasileiras e brasileiros, que vivemos um grande luto coletivo por conta da Covid-19, assistimos com o peito apertado e doendo as cenas que passam nesse momento na televisão. Mais um luto coletivo. Em um país que não aguenta mais perder ninguem, ainda em luto por grandes nomes da cultura brasileira como Aldir Blanc, Nelson Freire, Paulo Gustavo, Nicette Bruno, Tarcísio Meira,  Agnaldo Timóteo, Letieres Leite e Jaider Esbell. 

Marília Mendonça era mãe de uma criança de quase dois anos. Aos 26 anos, estava no auge de sua carreira. Cantora, compositora, ícone do feminejo, era a grande rainha da sofrência. Cantou muitas dores que nós muitas vezes sentimos e não conseguimos expressar. Ela ecoou nossos sentimentos de uma forma que sentíamos junto a ela.

Em meio à pandemia, Marília nos salvou muitas vezes, com suas lives que bateram recordes de audiência. Nos fez chorar, nos fez rir, nos fez sentir, mesmo quando tudo estava em uma eterna suspensão.

Hoje à noite, pelo menos 5 mil pessoas a esperavam para um show. Ela tinha mais de 35 milhões de seguidores no Instagram. Seguiam seu dia a dia. Amanhã acordarão sem ver uma atualização feita pela cantora.

Essas 35 milhões de pessoas testemunhavam cada passo de Marília. Onde ela estava, com quem, com qual paisagem acordava. Amanhã acordarão sem saber que paisagem é essa, se é que existe tal coisa.

Nos assustamos com a constatação mais seca que há: a morte pode vir a qualquer momento, para qualquer um. Ela não espera um filho crescer, um show acontecer. Não espera uma declaração de amor, alguém fazer as pazes, esclarecer confusão. O choque dessa morte também traz a urgência da vida.

A urgência de deixarmos de lado migalhas. O único pó que nos interessa é o das estrelas. Somos universo. E precisamos uns dos outros. Um abraço em cada um que está agora sentindo a dor dessa transformada em espetáculo público.

A morte de uma pessoa conhecida como Marília remexe também os nossos próprios lutos, os antigos, os recentes, principalmente nesse momento, que já estamos em um estado de fragilidade emocional diante de tantas mortes, nem sempre visibilizadas.

A cobertura da mídia confundiu a todos. No início, era um acidente com zero vítimas fatais, logo foi esclarecido que essa informação era mais um desejo do que realidade. Além de Marília Mendonça, seu produtor Henrique Ribeiro, seu tio e assessor Abicieli Silveira Dias Filho, o piloto e co-piloto do avião, os quais ainda estão preservando o nome neste momento.

A iminência da morte nos atinge de formas diferentes. Rejeitamos a doença, mas rejeitamos ainda mais a ideia de que as pessoas morrem sem qualquer preparação. Se temos medo da morte, temos pavor da morte repentina. Do fim abrupto e sem despedida.  

Sabemos que pessoas morrem o tempo todo, em todo lugar. Sabemos que estão vivas e que no segundo seguinte não estão mais.

Mesmo jovens. Mesmo jovens demais. 

Mesmo saudáveis. Mesmo saudáveis demais. 

Mas quem morre é sempre o outro. Até que não é mais.

(O Programa Conversa com Bial reexibe hoje (5), entrevista com a cantora Marília Mendonça. Logo após do Jornal da Globo)

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Chá virtual sobre perdas: ‘É preciso respeitar nosso estado de luto’ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/02/cha-virtual-sobre-perdas-e-preciso-respeitar-nosso-estado-de-luto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/02/cha-virtual-sobre-perdas-e-preciso-respeitar-nosso-estado-de-luto/#respond Tue, 02 Nov 2021 15:00:37 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/mirian-cha-luto-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2563 Você já imaginou tomar um café ou chá para falar sobre luto? Pensando que todas as pessoas em algum momento já viveram algum tipo de luto –morte de entes queridos, fim de relacionamentos, ou a mudança de trabalho– um chá sobre o assunto soa bem possível, não é mesmo?

Para ouvir histórias de perdas entre 2020 e 2021, a diretora teatral Mirian Fonseca lançou em suas redes sociais o convite “Vamos tomar um café/chá”, onde se coloca à disposição para escutar de maneira cuidadosa quem perdeu familiares e amigos nesse período.

Nesse tempo, Mirian perdeu o avô, uma tia, uma sobrinha e alguns amigos. Diante do próprio luto, e para tentar refletir e elaborar a dor, iniciou esse processo criativo sobre a temática junto a outros artistas.

Aluna do curso de Artes Cênicas – Direção Teatral da  Escola de Teatro da UFBA e artista colaboradora do Coato Coletivo, que pesquisa as interações entre arte e tecnologia na Bahia, a escuta integra o projeto “Dos que vão morrer aos mortos” e até o fim do ano irá se tornar um vídeo-art.

“Como parte do processo, resolvi convidar pessoas para tomar um chá virtual para compartilhar suas experiências de forma livre, me colocando à disposição através de uma escuta ativa e afetuosa”, conta. Para participar, é bem simples: envie um e-mail para mirian.fonseca97@gmail.com ou, então, uma mensagem em seu perfil no Instagram.

Mirian acredita que falar liberta e nos ajuda a entender os ciclos da vida. “Eu acredito que devemos celebrar a vida do outro, mas também devemos respeitar nosso estado de luto. Falar sobre o luto nos ajuda a entender que os ciclos se fecham, que há voos que não podem ser impedidos e que a vida é feita de encontros e despedidas. Sinto que a gente evita muito falar sobre esses momentos de passagens”.

Mirian ressignificou os próprios lutos ouvindo histórias de perdas/Arquivo pessoal
Mirian ressignificou os próprios lutos ouvindo histórias de perdas/Arquivo pessoal


Cada história é única

Até agora já ouviu 13 pessoas. As conversas são literalmente um chá virtual. A diretora artística convida a pessoa a estar com um chá, café ou água. “Sempre começa o encontro perguntando qual é a bebida que está tomando”.

Durante a prosa, Mirian escuta as histórias e também compartilha as suas, próprias. Em conjunto, pensam uma imagem que simbolize a conversa, sendo esta a figura que também irá compor o vídeo-arte produzido por Mirian.


O processo é permeado pelos mais diversos sentimentos, assim como o próprio luto. “Tive muitos momentos de riso com as pessoas,  momentos de lembrar das pessoas que se foram, com muito cuidado, com muito carinho. Há momentos tensos. Eu que choro ou a pessoa chora. Eu tô ali, com muita vontade de abraçá-la e digo isso a ela, que quero abraçá-la mesmo que seja virtualmente, para que ela se sinta abraçada”.

Em uma conversa, a pessoa narrou a perda de um parente, um jovem negro e trouxe e lamentou por ele não ter vivido seus sonhos. A imagem que sintetizou essa conversa foi a de uma árvore cortada.

“Eu fiquei pensando muito nisso, pensando nos meus irmãos, pensando sobre perspectiva e sobre quanto nós, pessoas negras também somos atravessadas. A gente não consegue falar, a gente não consegue lidar com isso. A gente também não entende esse processo de luto porque não aprendeu a lidar com nossas emoções”, diz.

Mirian não sabe com exatidão quando criou consciência da existência do luto. “Sou uma pessoa que já vivenciou inúmeras perdas (não apenas relacionadas à morte) desde muito nova, e nunca consegui falar abertamente sobre elas”. 

Nas sessões terapêuticas, percebeu que o psicólogo sempre utilizava a palavra luto para nomear situações e sentimentos. Seu interesse pelo assunto só aumentou.

No primeiro trabalho como diretora teatral, encarou o assunto de perto, já que o experimento cênico trazia o luto de mulheres negras que haviam perdido seus filhos para a violência policial.

Segundo o Atlas da Violência de 2021, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 29,2. Entre os não negros (amarelos, brancos e indígenas) a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil.

“Fruto de uma pesquisa coletiva com o grupo de teatro do Instituto Federal da Bahia- Campus Simões Filhos, em ”Neides”, me interessava saber como as mães que tinham perdido seus filhos se sentiam, como era este luto”, conta Mirian.

O dossiê “A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil” aponta que as mulheres pretas vivem violência tanto no esforço quanto no isolamento e solidão para tentar proteger a vida de seus filhos. Por trás dos números, há também uma violência não letal, tanto no intuito de preservar a vida de seus filhos, quanto para recuperar a memória de jovens assassinados.

Mirian acredita que a morte de pessoas negras é muito banalizada na sociedade brasileira e, por isso, tem também refletido sobre necropolítica. Aqui no Morte Sem Tabu, falamos sobre isso ouvindo mães de vítimas da violência estatal e já explicamos como a necropolítica afeta de diferentes formas a população negra no país.

“Venho  também  buscando referências de outras mulheres negras  que falem sobre o luto para me guiar para e no meu trabalho em geral, venho buscando resgatar rituais de passagens muito comuns em interiores da Bahia que tem forte inspiração em rituais afro-brasileiros”, diz.

Mirian e o avô Nicolau/ Arquivo pessoal

A morte faz refletir sobre a vida

Foi apenas em 2018, com o falecimento de sua avó, que Mirian percebeu quanto a morte a fazia refletir sobre a vida, a família e os sentimentos que ficam quando alguém parte.

“Movida pelo desejo de me conectar com a pessoa que minha avó foi e de ouvir histórias de outras mulheres negras, dirigi em 2019 um experimento cênico onde reuni histórias de avós de quatro performers e da minha avó que já tinha partido para um outro plano”.

Nesse meio tempo, perdeu outras duas pessoas bem próximas, acumulando nela uma sensação de não compreensão sobre essas partidas. Em 2020, com a chegada avassaladora da pandemia, a ideia do luto a assombrou a tal ponto, que Mirian começou a ter medo de perder novas pessoas.

“Tinha muito medo de perder alguém neste momento, ao mesmo tempo que sentia um vazio gigante pelas perdas das outras pessoas. Vi relatos de muitas pessoas próximas que morreram de Covid-19”.

Ao fim de 2020, ela gravou um documentário com o avô de 92 anos para entender como uma pessoa idosa estava atravessando a pandemia diante do isolamento de amigos e família.

“Criei um vínculo inacreditável com ele e uns 20 dias depois (íamos continuar gravando), ele partiu, junto da família. Uns meses depois,  perdi uma outra tia e uma sobrinha. Foi daí que a perda da  morte começou a me atravessar de maneira muito mais avassaladora”.

Desde que começou o projeto, Mirian se sente atravessada. “As imagens que as pessoas atravessam meu corpo de forma única. Eu acho que isso é o ápice da performance, que é o ato de ritualizar e entender. Todas essas conversas vão se tornar imagens futuramente, e elas dizem muito. Dizem não só sobre mim, dizem muito sobre o coletivo. Eu acho que nesse período de pandemia, o luto é coletivo”.

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Finados: dia para homenagear a memória dos que foram; confira programação https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/finados-dia-para-homenagear-a-memoria-dos-que-foram-confira-programacao/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/11/01/finados-dia-para-homenagear-a-memoria-dos-que-foram-confira-programacao/#respond Mon, 01 Nov 2021 23:29:04 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/mike-labrum-fvl4b1gjpbk-unsplash-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2566 Neste dia 02 de Novembro, Dia de Finados, se encerra a exposição “Memorial da Despedida”, na Praça Roosevelt. Conforme anunciado, ao longo deste dia tão especial, estão todos convidados para ir à praça, fazer uma homenagem à pessoa querida.

Poderão escrever os nomes das vítimas da pandemia do novo coronavírus nas fitas coloridas que serão amarradas aos cata-ventos. Estes poderão ser levados para o local simbólico desejado, seja para o jazigo de algum familiar ou amigo, para casa, seja para onde bem lhe entender, para melhor guardar e elaborar, individual e coletivamente, esta memória. O site do projeto seguirá online, onde as pessoas continuarão podendo enviar suas homenagens de forma permanente: www.memorialdadespedida.com.br .

E os cata-ventos revoarão, portanto, a partir de agora. Um dos nossos cata-ventos grandes irá, dias mais tarde, compor a inauguração do Parque Augusta, vizinho da Roosevelt. O outro provavelmente irá para outra cidade, surpresa, onde recomeçaremos novos memoriais transitórios (ou permanentes), novos ventos de despedida, relembranças e recomeço…

No exato momento em que o mundo supera a terrível marca de 5 milhões de pessoas mortas pela pandemia da Covid-19, das quais mais de 600 mil só no Brasil, os nossos cerca de 38 mil pequenos cata-ventos, que têm representado e buscado honrar cada uma das vítimas do coronavírus na cidade de São Paulo, produzidos pela Escola de Samba Vai-Vai, com material reciclado da Recifavela, agora serão semeados: além dos rituais particulares dos enlutados e enlutadas que quiserem os colher e os levar consigo, também em uma série de outras celebrações pelo Dia das Mortas e Mortos em São Paulo, nas suas inumeráveis ruas e variadas redes, lutos e lutas pela vida.

Finados é um dia para celebrar a vida dos que se foram. Em algumas crenças, é um momento para se visitar túmulos. Em outras, é uma fase de reclusão. A memória dos mortos é homenageada desde os primórdios dos tempos. A Igreja católica estabeleceu o Dia de Finados logo após o Dia de Todos os Santos, comemorado em 1 de novembro.

Confira, abaixo, algumas dessas atividades que estão sendo chamadas, abertas à participação de todos que assim se identificarem com cada uma delas.

Agradecemos a todos os envolvidos nesta ação: correalizadores, produtores, apoiadores, amigos, frequentadores e vizinhos da Praça Roosevelt. Estamos vivenciando um período histórico traumático. Compartilhar de uma ação coletiva como um Memorial que acolhe homenagens aos que se foram é um ato de esperança e fé. Não estamos sozinhos. 

Como diz o escritor moçambicano “Os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos”. Registramos e oramos em voz alta cada um dos nomes das vítimas e abraçamos em pensamento os milhares de enlutados por esta pandemia. Não esqueceremos jamais.

Mais informações: www.memorialdadespedida.com.br 

 

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO GRATUITO AO LONGO DO DIA:

Instituto 4 Estações. Agende seu horário pelo WhatsApp: 11-97437-8686

Outros atendimentos gratuitos ao longo do ano: www.mapadasaudemental.com.br

 

10hs – ATO SIMBÓLICO EM HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DA COVID (Ipiranga)

Local: Museu do Ipiranga, concentração na parte de baixo do museu

Concentração: Ladeira dos skates

Organização: Familiares e Amigos de Vítimas da Covid-19 em SP

 

13h30 – DIA DAS MORTAS E MORTOS – ARRASTÃO DOS BLOCOS EM LUTO PELA VIDA (Centro, Praça da Sé)

 

A ideia é ter um encontro para celebrar e honrar a vida dos que se foram, para que seja uma formar de realizar um processo de luto coletivo – que tanta falta fez nos últimos anos, além de honrar e celebrar a vida e o trabalho das e dos agentes funerários, tão fundamentais e, muitas vezes, invisibilizados.

As pessoas que vierem participar podem trazer instrumentos para somar, fotos dos que se foram e oferendas como velas, flores, frutas, cartazes, mensagens e memórias. Obrigatório o uso de máscara e o respeito aos protocolos de segurança.

13h30 – maquiagem e organização

14h – aquecer e roda

15h – cortejo feliz finado (volta na sé)

16h20 – jogral nas escadarias

16h47 – cortejo arrastão até a vigília na câmara

17h30 – vigília na câmara municipal

Local: a partir das 13h30 na Praça da Sé

Endereço: Praça da Sé,  s/n (concentração próximo às escadarias da Sé) – Centro 

Mais informações: https://www.instagram.com/arrastaodosblocos/

Playlist para o Dia das Mortas e Mortos (por Fabito Figueiredo): https://open.spotify.com/playlist/1evN0KuuonPKDng03zLQPI 

 

AÇÃO NAS REDES DO MEMORIAL INUMERÁVEIS – #NãoÉUmNúmero

O objetivo da ação é fazer com que a data seja lembrada pelas mortes causadas pelo vírus e permitir a familiares e amigos prestarem homenagens de qualquer lugar do mundo.

A ideia é inundar as redes sociais com as memórias de pessoas queridas que partiram por conta da doença nesses últimos dois anos. Para participar, é só escrever um texto curto sobre uma vítima do novo coronavírus que você quer homenagear, compartilhar nas redes sociais com a hashtag #nãoéumnúmero e convidar outras pessoas para o movimento.

Mais informações: https://www.instagram.com/inumeraveismemorial/

 

AÇÃO NAS REDES DA FRENTE INTER-RELIGIOSA DOM PAULO EVARISTO ARNS – #LutoPorElas #LutoPorTodas

A Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, junto com o Coletivo Respira Brasil e outros, realizaram uma campanha nas redes durante este feriado: LUTO POR ELAS, VIVO POR TODAS.

A Campanha tem como principal objetivo fazer memória e semear justiça por todas as pessoas que morreram, direta ou indiretamente, vítimas da COVID-19, nesse período de celebrações pelo Dia de Finados. #LutoPorElas #LutoPorTodas

Mais informações: https://www.facebook.com/FIRPEA 

 

CERIMÔNIAS E SERVIÇO NOS CEMITÉRIOS MUNICIPAIS

A Prefeitura de São Paulo, por meio do Serviço Funerário e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), já se preparou para a movimentação de cerca de 100 mil pessoas que visitarão os 22 cemitérios municipais na próxima terça-feira (2), Dia de Finados. O público deverá seguir os protocolos em prevenção à Covid-19, a fim de proteger a saúde dos visitantes e evitar aglomerações. Haverá medição de temperatura nas entradas das unidades, máscaras e álcool em gel serão disponibilizados em pontos estratégicos.

A CET vai monitorar o trânsito nas imediações dos cemitérios da cidade de São Paulo no Dia de Finados, das 6h às 18h. Na celebração da data em 2020, quase 84 mil pessoas visitaram os 22 cemitérios municipais e a expectativa é de que neste ano cerca de 100 mil pessoas estarão prestarão homenagens aos entes falecidos. As unidades funcionarão das 7h às 18h.

Para evitar filas nos atendimentos e portões de entrada dos cemitérios, o número de funcionários será reforçado com o apoio das equipes que atuam na área administrativa do serviço funerário.

CERIMÔNIAS

Confira os horários das cerimônias de várias religiosidades que serão celebradas em alguns cemitérios municipais:

Cemitério São Paulo: duas cerimônias, às 9h e às 15h

Cemitério Santo Amaro: quatro cerimônias, às 8h, 10h, 12h e 14h

Cemitério São Luiz: ato ecumênico às 10h

Cemitério da Penha: cinco cerimônias, às 8h, 10h, 12h, 14h e 16h

Cemitério de Santana: quatro cerimônias, às 8h, 10h, 12h e 15h

Cemitério do Campo Grande: uma cerimônia às 15h

Cemitério Dom Bosco: duas cerimônias, às 10h e às 15h

Cemitério Vila Nova Cachoeirinha: três cerimônias, às 8h, 10h e 15h

Cemitério Freguesia do Ó: uma cerimônia às 11h.

Cemitério da Vila Mariana: uma cerimônia às 10h

Cemitério da Lapa: cinco cerimônias, às 8h, 10h, 12h, 15h e 16h30

Cemitério de Tremembé: duas cerimônias, às 10h e às 15h

Cemitério de Itaquera: quatro cerimônia, às 7h30, 10h30, 14h e 16h

***Os procedimentos adotados para a realização de velórios no período da pandemia continuam valendo e podem ser consultados nos links abaixo:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/noticias/?p=296661

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/servico_funerario/index.php?p=317815

Consulte abaixo os endereços do crematório e cemitérios municipais:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/servico_funerario/enderecos/index.php?p=3572

 Alterações e monitoramento do trânsito

A Companhia de Engenharia de Tráfego vai monitorar o trânsito nas imediações dos cemitérios das 6h às 18h. A CET fará a montagem de bloqueios, alterações de sentido de circulação, orientação de trânsito, travessia de pedestres e mudanças voltadas a melhorar as condições de segurança viária, respeitando as características do entorno de cada cemitério, nas diversas regiões da cidade.

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Memorial da Despedida: para nunca esquecer seu nome  https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/memorial-da-despedida-para-nunca-esquecer-seu-nome/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/memorial-da-despedida-para-nunca-esquecer-seu-nome/#respond Tue, 26 Oct 2021 20:24:50 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Captura-de-Tela-2021-10-26-às-17.19.01-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2551 No centro da cidade de São Paulo, a praça que abriga a Igreja Nossa Senhora da Consolação abriga, também, um Memorial transitório em homenagem às vítimas da pandemia do Coronavírus da cidade. O Memorial da Despedida traz pelo menos 38 mil cata-ventos, um para cada uma das vítimas, feitos a partir de caixas de leite pela tradicional Escola de samba Vai-Vai

Os visitantes são convidados a escrever os nomes dos homenageados em fitas coloridas que são amarradas ao cata-vento escolhido.

Eles são recebidos por produtores contratados pela Secretaria Municipal de Cultura, como Elisete Jeremias e Patrícia Sueza. 

Diretora de palco teatro e produtora executiva, Elisete não pode exercer a profissão durante a pandemia. Moradora da Praça Roosevelt há 20 anos — onde está o Memorial — ela observa os próprios vizinhos.

Caminham com cachorros, skatistas praticam suas manobras, outros fazem musculação. Alguns estendem uma toalha e tomam sol.

Os monitores, como Elisete, olham com ternura para cada um que se aproxima. Impossível não elucubrar sobre quem estão homenageando. Será um marido, a esposa, um filho, o pai, um amigo, a mãe? Qual a história por trás de cada ação?

Os visitantes do Memorial se aproximam sensibilizados e muito emocionados. Afinal, estão ali para prestar uma homenagem a alguém que morreu de covid-19. Uma morte traumática, avassaladora. Privados da possibilidade dos ritos fúnebres que tanto nos ajudam a contemplar e assimilar a dor.

O acolhimento é feito com muita delicadeza. “O efeito do luto ainda é forte nas pessoas. Alguns se aproximam para ler os totens explicativos, como o de apresentação, o que fala sobre luto e a lenda do cata-vento. Aí, sugerimos as fitinhas coloridas para as homenagens. A própria pessoa amarra a fitinha. Para eles, essa ação de amarrar as fitinhas é importante. A homenagem e o pensamento estão nesse ato, que se torna um ritual”, diz Elisete.

É comum os produtores estabelecerem uma relação com os visitantes. Um dia, Elisete chegou na praça e se deparou com um bilhete. Um homem tinha chegado mais cedo, deixou seu número de celular e os nomes das pessoas que gostaria de homenagear. Elisete escreveu os nomes, amarrou aos cata-ventos, fotografou e enviou as fotos. 

Essa relação gera uma conexão muito importante para quem está em luto. “Muitos nos contam a história de quem morreu. Tem gente que pega 4, 5 fitinhas, senta e começa a escrever.  Tem gente que pergunta: meu irmão não faleceu em São Paulo, mas eu posso colocar fitinha para ele? Claro, claro!Tem gente que se emociona só de ler a palavra ‘luto’. Tem muita história silenciosa com eles. Comentam, esse é para “meu pai”, “meu irmão”. 

  Elisete também relata que algumas pessoas que não tiveram oportunidade de dar adeus, estão encontrando uma maneira de significar essa despedida. “Em diversas crenças, ritualizamos os nomes das pessoas. Por exemplo, colocamos nomes nas missas católicas. Sentimos que as pessoas estão indo lá, conversando com seus entes queridos, e dando adeus. É como a frase do Mia Couto que está atrás das nossas camisetas.  ‘Os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos’”. 

          Elisete diz que o Memorial está sendo respeitado por quem frequenta a praça à noite. É comum danificarem a praça, quebrarem garrafas durante a noite, mas ela considera haver um respeito pelo o que está acontecendo aqui.

“O não esquecimento que está na poética deste trabalho é o mais bonito disso tudo. Fazer parte de uma ação pública, estar ali com as pessoas, tem sido meu palco, meu teatro”. 

 Patrícia Sueza também é uma produtora cultural contratada pela Secretaria Municipal de Cultura para receber os visitantes na praça. Publicitária e escritora, ela vê importância desse ritual de despedida. “Muitas pessoas não tiveram a oportunidade de se despedir, então é uma forma de homenagear e ter esse momento simbólico de passagem”, ela diz ao se identificar com essas pessoas. Patrícia perdeu sua avó para a covid-19 há duas semanas. “Foi tudo muito rápido”. 

Não foi sua única familiar que partiu. Em janeiro, a tia morreu de Covid-19. “Por eu ter passado por isso, tenho tido essa empatia e fiquei bem mexida em estar participando dessa monitoria”. 

Patricia se emociona com as histórias que presencia. Se diz marcada por cada um que passa.

         Um senhor se aproximou, acompanhado da esposa. Sentou e começou a extravasar pensamentos em voz alta, refletindo sobre o que escrever na fitinha. Até que disse: “Só posso escrever uma coisa. ‘A melhor mãe do mundo’”. 

        Duas mulheres chegaram juntas para fazer a homenagem. As duas perderam seus maridos, que eram irmãos. 

         Um rapaz com deficiência visual, perdeu o pai e sentiu não ter tido uma despedida. Patrícia o acompanhou nesse momento simbólico.

Um senhor veio de Maringá, no Paraná, especialmente para fazer uma homenagem.

         E, ainda, uma moça que se aproximou super emocionada. Contou que seu marido pegou Covid-19, ficou hospitalizado e recebeu alta. Foi para casa carregando sequelas. Um mês se passou e ele faleceu. A esposa entendeu esse momento como um presente, uma oportunidade de despedida nesse mês que ficaram juntos em casa. 

Esses produtores estão fazendo um lindo trabalho de acolhimento. Abertos e sensíveis para receber e encaminhar os visitantes a suas homenagens e a serviços de atendimento ao luto, estampados em um dos totens do Memorial.

Registro aqui meu agradecimento e admiração pelo trabalho de vocês.

O Memorial ficará na praça Roosevelt até 2 de novembro na cidade de São Paulo. Neste dia, os cata-ventos poderão ser levados para casa e serem usados em um ritual particular.

Estamos elaborando planos para levar esta ação a outras cidades. Os cata-ventos grandes terão outros destinos, que anunciaremos em breve, e as pessoas poderão continuar suas homenagens no nosso site: www.memorialdadespedida.com.br.

Um abraço em todos vocês que sentem a perda de alguém querido. O luto é um processo individual, cada um irá senti-lo de uma forma, e duração, totalmente diferente do outro. Perder alguém na pandemia é um processo de luto muito traumático. 

Ter apoio nesse momento é fundamental. É possível verificar locais de atendimento gratuito no site do Mapa da Saúde Mental. E no dia 2 de novembro, Feriado de Finados, haverá uma ação especial, coordenada pelo Instituto Quatro Estações, para atendimento gratuito que pode ser agendado no WhatsApp: 11-97437-8686.

Até breve,

Camila

Elisete no Memorial da Despedida. Crédito: Guinho da Vai-Vai
Patrícia no Memorial. Crédito: Brunna Marchese

 

Crédito: Patrícia Sueza

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Cortejo ecumênico inaugura o Memorial da Despedida nesta quarta (6) https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/05/cortejo-ecumenico-inaugura-o-memorial-da-despedida-nesta-quarta-6/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/10/05/cortejo-ecumenico-inaugura-o-memorial-da-despedida-nesta-quarta-6/#respond Tue, 05 Oct 2021 15:56:37 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/img_5094-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2537 Me emociona a definição de luto apresentada pelo compositor José Miguel Wisnik, que já passou por processos intensos ao perder a esposa e o filho. Segundo ele, luto é o movimento de internalização da pessoa que morre, na tentativa de ocuparmos um mundo desertificado por essa ausência.

A função primordial dos rituais fúnebres é nos auxiliar nesse processo. Neles, compartilhamos histórias, somos acolhidos, homenageamos uma vida inteira. Nos sentimos menos sós. Especialistas apontam que a cada morte, pelo menos 9 pessoas ficam diretamente enlutadas.

A pandemia levou quase 600 mil pessoas e privou familiares e amigos deste momento de processamento. Ficamos sem a concretude da morte, oferecida nos velórios e nos enterros. E sem a narrativa de um adoecimento, construída em idas e vindas ao hospital ao acompanharmos um tratamento.

A psicóloga especializada em luto Gabriela Casellato vê com preocupação as consequências da privação desses momentos durante a pandemia. Costumamos criar uma narrativa para a morte, baseada em como a pessoa ficou doente, quando foi internada, o que aconteceu durante essa internação, a fase da complicação, e como ocorreu a morte em si. Os pacientes contaminados são isolados, não permitindo aos familiares desenvolver essa narrativa. Ela sugere, sempre que possível, valorizar o ritual simbólico, para não deixarmos de ter esse momento de processamento da perda.

O Memorial da Despedida é realizado pela prefeitura de São Paulo e idealizado pelo coletivo Luto pela Vida (do qual fazemos parte) e do Flores par Heróis, e tem apoio da Gafisa. A Praça Roosevelt, centro da cidade de São Paulo, recebeu corações grafitados nos 1000m2 ao redor da praça, que abraçam 38 mil cata-ventos.

Decidimos confeccionar um cata-vento para cada uma das vítimas da pandemia na cidade de São Paulo. Eles foram feitos pela Escola de Samba Vai Vai, que passou meses mergulhada nesse processo de produção. Caixas de leite foram compradas da Recifavela, abertas, lavadas, desinfetadas, cortadas e dobradas para virarem um cata-vento.

Cada uma dessas caixas de leite estiveram na mesa de refeição de uma casa da cidade, de uma família. Testemunharam, simbolicamente, a intimidade da pandemia desses núcleos. E agora, são transformadas nesses cata-ventos que trazem consigo o ar do passado, capturado por um redemoinho e impulsionado em direção ao futuro.

Colocamos fitas coloridas nos cata-ventos para que os familiares e amigos das vítimas possam ir até a praça escrever os respectivos nomes nessas fitas. Produtores da prefeitura estarão a disposição nos cinco finais de semana (e feriados) desta instalação para receber a população e orientar essa ação. Os dias e horários exatos você pode encontrar no @memorialdadespedida.

Nesta quarta (6), às 11h, faremos um cortejo ecumênico de inauguração do Memorial. São diversas lideranças interreligiosas que trarão palavras e sons nas diversas crenças, com um objetivo comum: acolhimento do luto. Teremos contribuições do Padre Julio Lancelotti, do grupo Ilu Oba de Min, do cantor gospel Clovis Pinho e da Velha Guarda da Vai-Vai, do Rabino Uri Lam e outras representações do Candomblé, Espiritualismo, Xamanismo, Budismo, Islamismo, Cultura Cigana, referências indígenas. Por favor, veja a lista completa em @memorialdadespedida, que será atualizada ao longo do dia.  O Ilu e a Vai-Vai produzirão o som da batida do coração em seus tambores. O som da vida que pulsa em cada um de nós. Pulsa com dor e tristeza por um período tão cruel que já levou quase 600 mil pessoas. Vamos sentir esse pulsar, juntos.

Seguiremos todos os protocolos de segurança. A praça é aberta e muito ventilada. Máscaras e álcool gel serão oferecidos no local.

Convidamos a todos para registrarem suas histórias no no site: www.memorialdadespedida.com.br. Você pode enviar texto e imagem para nosso email: memorialdadespedida@gmail.com .

Gostaria de compartilhar um encontro que aconteceu durante a instalação dos cata-ventos nesse final de semana.

O cinegrafista, Helio Torchi, enviado pela Band para registrar esse momento, nos contou que perdeu a esposa no começo do ano. Foi tudo muito rápido. Ela começou a apresentar sintomas de resfriado. Os sintomas ficaram mais intensos, foram para o hospital. O percurso foi descontraído, nunca imaginaram que poderia ser um dos últimos momentos juntos. Em cinco dias, ela faleceu. Vanuza foi sua primeira namorada. Fizeram 34 anos de casados. Dois filhos. Helio ainda não levou a placa de identificação para o túmulo, anda com ela no carro. A falta dessa narrativa da morte, da concretude oferecida nos rituais fúnebres, tornou essa experiência algo surreal e inacreditável. Eram parceiros de trabalho também. Ele filma e ela busca personagens, faz entrevistas. Ela estaria ao seu lado naquela noite chuvosa no meio da praça no centro da cidade. Ele conversou conosco, se abriu, e colocou um cata-vento em homenagem à Vanuza.

Essa história revela a alma desse projeto. Tentar oferecer algum conforto, acolhimento e uma possibilidade de homenagem. Vamos até a praça homenagear quem partiu e contar sua história. Tem uma frase do escritor Mia Couto que gostamos de repetir com frequência: “os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos”. Não esqueceremos jamais.

 

Foto: Aline Flores

 

No Memorial, colocamos um banner com alguns links relevantes, que oferecem apoio gratuito ao luto. Que reproduzo abaixo:

Links relevantes. 

INSTITUTO 4 ESTAÇÕES: Suporte psicológico para perdas e lutos. https://www.4estacoes.com

VAMOS FALAR SOBRE O LUTO:  plataforma digital de informação, inspiração e conforto para quem perdeu alguém que ama ou para quem deseja ajudar um amigo nessa etapa tão difícil. http://vamosfalarsobreoluto.com.br 

CUIDADO AO LUTO PELA COVID 19: http://www.cuidadoaoluto.com.br /  contato@cuidadoaoluto.com.b

REDE AP: A REDE API- Apoio a perdas Ir (reparáveis) oferece reuniões online aos enlutados.  Encontros online gratuitos: https://redeapi.org.br/encontros-online-mes-de-maio/

UNIFESP : o departamento de psiquiatria da UNIFESP oferece acompanhamento emocional por meio de plataforma digital ou telefônica.

acolheluto@gmail.com

LELU: LABORATÓRIO DE ESTUDOS E INTERVENÇÕES SOBRE O LUTO:

Site. www.pucsp.br/clinicapsicologica

BLOG MORTE SEM TABU: Blog da Folha de S.Paulo desmistifica temas relacionados à morte. https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br

Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito, por meio de atendimento exclusivamente pelo telefone 188 ou pelo site.

REDE APOIO COVID – Rede Nacional de Apoio às Famílias de Vítimas da Covid-19 no Brasil. https://www.redeapoiocovid.com 

MAPA DA SAÚDE MENTAL: Mapa de organizações que oferecem suporte psicológico  gratuito https://mapasaudemental.com.br

O Instituto Maria Helena Franco de Psicologia oferece apoio emocional ao luto por covid-19 online e gratuito. Entre em contato: falandodeluto.imhfp@gmail.com

Foto: Aline Flores

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Esclerose Múltipla: luto, desafios e aprendizados de uma mulher negra https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/esclerose-multipla-luto-desafios-e-aprendizados-de-uma-mulher-negra/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/09/29/esclerose-multipla-luto-desafios-e-aprendizados-de-uma-mulher-negra/#respond Wed, 29 Sep 2021 20:36:02 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/ester-maria-esclerose-multipla-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2514 Psicóloga conta como foi descobrir e lidar com a Esclerose Múltipla em seu cotidiano e relações sociais.

Na manhã de 12 de outubro de 2016, a psicóloga Ester Maria Horta sentiu um desconforto na vista direita. Correu para um Pronto Socorro focado em oftalmologia. Descobriu que não havia nada nas retinas, mas um edema de papila, ligado diretamente ao nervo óptico. No neurologista, entendeu que o sintoma era um alerta para outra doença. Após diversos exames, o diagnóstico foi finalmente encontrado: Esclerose Múltipla (EM).

“Quando recebi o informe de que se tratava de algo neurológico que precisaria ser investigado, eu literalmente ‘gelei’. Foi um momento ali congelado, a vivência de uma pausa, de um fim. Lembro de sair da sala de exames e caminhar meio que fora do ar até chegar ao encontro do meu marido. Ele segurou minha mão e me acolheu. Era o que eu precisava. Era o sentimento de que uma nova jornada iria se iniciar”, conta.

De lá para cá, a psicóloga precisou se reinventar. Entendeu o processo de conviver com uma doença crônica também como um tipo de luto, que exige tempo para entender as mudanças.

“O luto, na perspectiva psicanalítica, é uma reação à perda de um ente querido ou de algum objeto de afeto que, neste caso, pode ser a própria saúde”, explica Ester. “Quando se recebe o diagnóstico de uma doença crônica – definida como uma doença de evolução lenta, com duração longa que, no geral, acompanha um paciente durante toda a vida – vivencia-se o luto pois perdeu-se aquele objeto amado, no caso a saúde física.”

Ela explica que o diagnóstico, apresentado de forma abrupta, gera insegurança e ansiedade frente ao futuro, surgindo assim o medo da morte e do incerto. “E isso é justamente o processo do luto, inicia-se um período de transição entre o ‘viver’ o adoecimento para para o ‘conviver’ com o adoecimento. É um processo doloroso justamente porque é preciso que o sujeito precise retirar seus investimentos de afeto do objeto perdido, no caso sua saúde. É um processo que demanda tempo para que o ego consiga transpor o afeto antes direcionado ao objeto perdido, no caso a saúde, o corpo e a vida antes do diagnóstico”.

Para quem não sabe, a Esclerose Múltipla (EM) é uma doença que atinge, geralmente, pessoas jovens, entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres. Aproximadamente 2,5 milhões de pessoas no mundo têm EM.

Segundo dados da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), estima-se que, no Brasil, a cada 100 mil habitantes 15 indivíduos vivem com EM, sendo uma média de 35 mil brasileiros com a doença. Uma antiga noção aponta que a doença acomete mais mulheres jovens e brancas, dificultando o diagnóstico e o tratamento de pessoas negras.

“Estudos sugerem que o risco de desenvolver esclerose múltipla é até 47% maior em mulheres negras em comparação com homens ou mulheres brancos, e a incidência de esclerose múltipla é pelo menos tão alta em homens negros quanto entre seus homólogos brancos, conforme afirma Mitzi Joi Williams, fundador da Life Wellness Group Multiple Sclerosis Center em Atlanta”, diz a psicóloga.

Por ser considerada uma doença heterogênea, os sintomas são variados, a depender da área do sistema nervoso acometida, dificultando um diagnóstico mais rápido. Ester enxerga isso com preocupação, já que falta informação, e o acesso aos exames ainda não é uma realidade para todos os pacientes, principalmente entre negros e pobres. Por isso ela está construindo, em parceria com a também neuropsicóloga Marcela Silva, um projeto de democratização do acesso aos conhecimentos e serviço especializado de neuropsicológica às famílias periféricas.

“Num país desigual como o nosso, milhares de pessoas seguem sem acesso a um diagnóstico e tratamentos especializados. Portanto, é preciso lutar por políticas públicas e de Estado, pela defesa e manutenção do SUS e pela divulgação da informação Esclerose Múltipla e outras condições neurológicas pouco conhecidas entre as pessoas. Guardar estas experiências comigo seria contribuir para a manutenção de um estigma.  Que mais pessoas se somem nessa caminhada”.

Nesta entrevista para o Morte Sem Tabu, Ester explica o que é a esclerose múltipla e conta sua experiência pessoal de como aprendeu a lidar com a doença e com o luto após descobri-la.

Ester é especialista em Neuropsicologia pela Divisão de Psicologia do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) há 10 anos. Neuropsicóloga na Baobá Neuropsicologia. Membro do conselho da Associação Aliança Pró Saúde da População Negra, membro da coordenação do Núcleo de São Paulo da ANPSINEP (Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadores), membro e co-fundadora do Movimento Afro vegano (MAV), Cofundadora da Adelinas  – Coletivo Autônomo de Mulheres Negras.

Confira abaixo!

 

ester maria horta fala sobre esclerose múltipla
‘Sem roamantizar, experienciar o adoecimento crônico me trouxe um novo olhar para a vida’/Arquivo Pessoal


Morte Sem Tabu: Ester, confesso que sei muito pouco sobre esclerose múltipla. E muita gente que nos lê também. Pode explicar o que é?  

Ester Maria Horta: O termo “esclerose múltipla” se refere a múltiplas áreas de cicatrização (escleroses) resultantes da destruição dos tecidos que envolvem os  neurônios (bainha da mielina) no cérebro e na medula espinhal. Essa destruição denomina-se desmielinização. Desta forma, a Esclerose Múltipla (EM) é uma doença crônica, autoimune, desmielinizante, inflamatória, que afeta o sistema nervoso central.  Ela é autoimune pois é o  próprio sistema imunológico, responsável por combater agentes externos como vírus e bactérias, que ataca células saudáveis. No caso da EM, ataca a bainha de mielina dos neurônios. Imagine um cabo elétrico, ele tem um fio elétrico interno, mas para que a condução da energia aconteça ele precisa estar recoberto por um isolamento externo certo? A bainha de mielina funciona como a capa de um fio elétrico (um condutor, mas também age na manutenção do neurônio) que, quando perdida, acaba gerando dano na função do neurônio, tal qual um fio desencapado não conduz seu potencial elétrico adequadamente. Ou seja, dependendo da região do cérebro na qual tenha ocorrido a lesão, as manifestações serão diferentes. Atinge geralmente pessoas jovens, entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres. Aproximadamente 2,5 milhões de pessoas no mundo tem EM, sendo que no Brasil estima-se que existam 15 indivíduos com EM a cada 100 mil pessoas no Brasil, uma média de 35 mil brasileiros com a doença, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM).

Morte Sem Tabu: E quais os sintomas iniciais da EM e como ocorre o diagnóstico?

Ester: A Esclerose Múltipla é uma doença heterogênea, podendo ocasionar diversos sintomas neurológicos a depender da área do sistema nervoso acometida. Não existe uma manifestação neurológica típica, porém alterações visuais, fraqueza nos membros, desequilíbrio, descoordenação, alterações de sensibilidade e distúrbios urinários são as queixas mais frequentes. Fisioterapia e tratamentos medicamentosos que atuam na supressão ou modulação do sistema imunológico ajudam a combater os sintomas e a progressão da doença. A EM é uma doença que costuma ter um início insidioso, com sintomas iniciais  difusos que se confundem com outras doenças e, geralmente, há um longo caminho de idas a médicos e especialistas até que se ocorra o primeiro surto da doença.

Como  bem define a  Associação AME- Amigos Múltiplos pela Esclerose, de forma geral, os sintomas mais comuns podem ser: sintomas sensitivos –  como perda da sensibilidade em determinada região do corpo, formigamentos, dor inexplicável; neurite óptica –  é o segundo sintoma mais comum, ocasionando embaçamento visual, perda do brilho das cores, até perda visual; e Sintomas motores e cerebelares –   podem  causar perda de força em algum ou múltiplos membros, descoordenação motora e tonturas.

É importante observar que os sintomas devem durar mais de 24h para serem considerados de origem neurológica. Tais sintomas podem também variar, ir e vir, o que torna o diagnóstico mais desafiante. É possível que a pessoa  tenha  um sintoma e, em seguida, meses ou anos depois tenha um completamente diferente, e não notar a relação entre os dois eventos. Quanto ao diagnóstico, este necessita ser realizado por neurologista, de preferência com especialidade no diagnóstico de EM. A  ressonância magnética (RM) é o melhor exame de imagem para detectar a esclerose múltipla. De forma geral, o exame é capaz de detectar as áreas de desmielinização no cérebro e na medula espinhal. O acesso a tratamentos que atuam na supressão ou modulação do sistema imunológico e fisioterapia aliado a um cuidado na saúde como um todo, incluindo os cuidados de saúde mental,  ajudam a combater os sintomas e a progressão da doença.

Morte Sem Tabu: Ester, como foi quando você descobriu a doença?

Ester: Na manhã do dia 12 de outubro de 2016, algumas semanas antes do meu aniversário de 30 anos,  subitamente, ao despertar, notei que minha vista direita estava estranha, havia uma espécie de “borrão” bem no centro do meu campo de visão à esquerda. Assustada, primeiramente cheguei a pensar se tratar de algo nos olhos, olhando no espelho tudo estava normal. E como já tenho diagnóstico de epilepsia (controlada há mais de 13 anos) fiquei ainda alarmada quando já imaginando poder se tratar de algo neurológico. Como não tive outros sintomas fui primeiro num pronto socorro de olhos onde no dia seguinte realizei exames de campo visual (que se mostrou alterado) e o de retinografia que acusou que não era nada na retina e sim um “edema de papila” (ou seja, no nervo ótico), e sendo assim que era necessário que eu procurasse um neurologista.

Naquele mesmo dia, orientada por uma neurologista colega de trabalho, acompanhada de meu marido, fui a um hospital,  cujo pronto socorro havia  a especialidade de  neurologia na emergência. Já no pronto socorro foi detectada a neurite óptica (a desmielinização/inflamação do nervo óptico), via Ressonância Magnética, mas era preciso investigar a causa. Lá, fiquei internada por uma semana, tratei com pulsoterapia (corticoide intravenoso) e foram realizados diversos exames  como tomografia, ressonância magnética, líquor, fan e outros exames laboratoriais que descartaram causas virais, infecciosas ou cancerígenas.

O resultado do  exame de líquor, que seria decisivo, só saiu alguns dias depois que tive alta do hospital e indicou a esclerose múltipla. Eu estava aguardando este resultado para decidir o que faria em seguida. Mas anos antes, em meados de 2013, experienciei sintomas que eram até então inespecíficos: fadiga, eventos súbitos de dificuldade de manter o equilíbrio e  de caminhar. Eram sintomas que iam e vinham, e afetaram minha rotina, minha vida acadêmica e profissional, porém sem respostas médicas para o que era.  De 2015 a 2016 voltei a ter os mesmos eventos, até que em outubro ocorreu o primeiro “surto” de EM, tal como descrevi acima. Com esse histórico, tive diagnóstico fechado por um neurologista especialista na área. Hoje, quase 5 anos depois, sigo sem novos surtos da doença, graças a um diagnóstico e tratamento adequados. Mas esta  não é uma realidade para todos os pacientes de EM. Ainda mais neste ano de pandemia, que encaramos escassez de medicamentos devido ao sucessivos atos que visam desmonte do SUS, inclusive para EM, aumento abusivo dos planos de saúde e direitos sendo retirados para pessoas com deficiência.

Morte Sem Tabu: Você é psicóloga, faz diversas reflexões sobre luto, e costuma dizer sobre seu próprio luto em relação à doença. Como é isso pra você? Por que você traz esse processo também como um luto? 

Ester: O luto, na perspectiva psicanalítica, é uma reação à perda de um ente querido ou de algum objeto de afeto que, neste caso, pode ser a própria saúde. Quando se recebe o diagnóstico de uma doença crônica – definida como uma doença de evolução lenta, com duração longa que, no geral, acompanha um paciente durante toda a vida – vivencia-se o luto pois perdeu-se aquele objeto amado, no caso a saúde física. Além de amigos e familiares poderem também viver um luto antecipatório, antecipando a possibilidade de perda daquele ente querido, frente a um diagnóstico, o que acaba muitas vezes gerando distanciamento, as pessoas se distanciam daquela pessoa que ainda em vida carrega em si o estigma de uma morte em potencial, por ser a doença uma ameaça à vida.

Desta forma, o luto antecipatório envolve a família, amigos e entes queridos próximos ao paciente. Cada um desenvolve mecanismos a fim de interpretar e lidar com a possibilidade da morte e para o enfrentamento do que estará por vir. No meu caso, quando ainda nos exames iniciais recebi o informe de que se tratava de algo neurológico e  que precisaria ser investigado, eu literalmente ‘gelei’. Foi um momento ali congelado, a vivência de uma pausa, de um fim. Pois era justamente o que mais temia, até então ainda imaginava que poderia ter sido algo apenas na retina.

Nesse momento, lembro de sair da sala de exames e caminhar meio que fora do ar até chegar ao encontro do meu marido que me aguardava na sala de espera e só conseguir dizer  “A causa é neurológica…” com um misto de sentimentos, relembrando a jornada que eu já havia passado com o diagnóstico de epilepsia que, naquele momento, era algo já distante e superado. Era algo como “lá vamos nós outra vez..,”. Naquele momento, meu marido segurou minha mão e me acolheu. Era o que eu precisava, pois era o sentimento de que uma nova jornada iria se iniciar.

O diagnóstico, apresentado em nossa vida de forma abrupta, gera insegurança e ansiedade frente ao futuro, surge o medo da morte, o medo do incerto. E isso é justamente o processo do luto, inicia-se um período de transição entre o ‘viver’ o adoecimento para para o ‘conviver’ com o adoecimento. É um processo doloroso justamente porque é preciso que o sujeito precise retirar seus investimentos de afeto do objeto perdido, no caso sua saúde. É um processo que  demanda tempo para que o ego consiga transpor o afeto antes direcionado ao  objeto perdido, no caso a saúde, o corpo e a vida antes do diagnóstico.

E esta dor que tanto se refere  apesar de parecer abstrata, não está perdida em nosso corpo, ela tem uma razão e uma explicação fisiológica de ser, ou melhor, neurofisiológica. Do ponto de vista neuropsicológico, o luto, a percepção da perda desencadeia respostas psicológicas que se intercomunicam pelas vias neurológicas. Neste sentido há a participação do  sistema límbico  –  conjunto das estruturas neurais que são associadas com os comportamentos e a memória emocionais –  em especial da amígdala, uma destas estruturas,  que por meio da ínsula que está altamente envolvida no sentido do estado interno do corpo e atua no estado de consciência.  São circuitarias que se encontram em atividade diferenciada num processo de luto e estão relacionadas aos sintomas de alteração de percepção do próprio corpo no processo de luto, aquela “sensação de corpo pesado, cansado”. A amígdala também é ativada nos episódios de memórias recorrentes e ruminantes que surgem num processo de luto bem como  na fase de resolução e compreensão deste, na qual são produzidos sentimentos diversos, agradáveis, desagradáveis ou mesmo neutros. Pessoalmente, experienciar o adoecimento crônico, longe de romantizar essa vivência, me trouxe um novo olhar para a vida, mais aprofundamentos de leituras e estudos nesta temática e  em especial um olhar ainda mais cuidadoso no que diz respeito às pessoas que me deparo na minha prática profissional enquanto psicóloga-neuropsicóloga.

Morte Sem Tabu: No dia 30 de agosto comemorou-se o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla. Muito pouco se fala como a doença acomete mulheres negras. Pode falar um pouco sobre isso?

Ester: Celebrada pela primeira vez em 2006, a data foi criada pela  ABEM com o objetivo de buscar uma representatividade nacional que aumentasse a visibilidade da Esclerose Múltipla, seus pacientes e os desafios por eles enfrentados no dia a dia. Desde 2014, o mês de agosto ganhou cor em prol da conscientização desta  doença autoimune que mais acomete jovens adultos em todo o mundo. O Agosto Laranja foi criado pela AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose com o objetivo de ser um movimento coletivo para desmistificar essa condição crônica de doença e fomentar o diagnóstico precoce, mais qualidade de vida, acolhimento, respeito e dignidade para quem convive com a doença, seus amigos e familiares. A condição atinge geralmente pessoas jovens entre 20 e 40 anos de idade, sendo mais predominante em mulheres,  então quando falamos da mulher negra sabemos que essa condição vai se somar com os desafios que o ser mulher negra, num país marcado por uma cultura sexista, patriarcal e racista.

Com minha experiência tive contato com pesquisas que demonstram que, diferentemente do que se pensa, a EM é tão comum na população negra quanto na população branca. Ao integrar a comunidade da organização ‘We are illmatic’ – uma organização americana, sem fins lucrativos, de mulheres negras pacientes de Esclerose Múltipla, tive acesso a  estudos que demonstram ainda que ela é, na verdade, mais comum na população negra.

Acontece que há menos pesquisas investigando a EM na população negra.  Estudos sugerem que o risco de desenvolver esclerose múltipla é até 47% maior em mulheres negras em comparação com homens ou mulheres brancos, e a incidência de esclerose múltipla é pelo menos tão alta em homens negros quanto entre seus homólogos brancos, conforme   afirma Mitzi Joi Williams fundador da Life Wellness Group Multiple Sclerosis Center em Atlanta.

Desta forma, a velha noção de que a esclerose múltipla é a doença de uma jovem mulher branca continua a afetar a rapidez com que os negros são diagnosticados e como são tratados. Outra pesquisa, mencionada pela National Multiple Sclerosis Society (Sociedade Americana de Esclerose Múltipla) constatou que de 60.000 artigos publicados sobre a EM, apenas 113, ou cerca de 0,2%, se concentram nos afro-americanos. E pessoas negras têm 47% mais chances de desenvolver EM do que pessoas brancas.

Já se sabe inclusive que ela apresenta curso e sintomatologia com especificidades na população negra, como por exemplo: ter recaídas mais frequentes e pior recuperação dessas recaídas, quadro mais incapacidade e maior risco de envolvimento dos nervos ópticos e medula espinhal (EM óptico-espinhal) e inflamação da medula espinhal (mielite transversa). Essa pesquisa, que inclui uma revisão de 2019 na Current Neurology and Neuroscience Reports e um estudo de 2018 no Brain, também mostra que pessoas negras com EM têm sinais anteriores de deficiência e mais problemas com locomoção e coordenação do que pessoas brancas. Além de estudos já apontam a relação de baixos níveis de vitamina D em pessoas negras com esclerose múltipla.

Aqui estamos falando de pesquisas estadunidenses, cuja população negra não é majoritária no país. E no Brasil, no qual a população negra compõe mais da metade da população (cerca de 56%), ainda não há estudos e levantamentos amplos que incluam o quesito raça/cor. Recentemente, em uma live referente ao Agosto Laranja promovida pela ativista Alyne Sousa , a convidada a escritora Jéssica Teixeira trouxe a problematização sobre pesquisas e  plataformas de monitoramento da EM no Brasil, apesar de trazerem dados importantes sobre acompanhamento de aplicação de políticas públicas não trazerem informação do quesito raça/cor.

Ainda que quando se fala em saúde, além das pesquisas se pautarem nos corpos brancos, mesmo quando se faz levantamento dos corpos negros, em regra, são corpos cisgêneros. É preciso pensar também em como as mulheres trans e travestis negras são afetadas, em vista de que lhes é negado o direito ao acesso ao acompanhamento básico de saúde, lhes é negada a humanidade.

Por meio dos dados do relatório da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) apontam as violências a que mulheres trans e travestis negras são alvo, bem como os levantamentos da FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, nos leva a inferir que é preciso pensar no subdiagnóstico ainda maior  da EM na população trans negra. Organizações como a ‘Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam – VNDI’  e o ‘Quilombo PCD’, apesar de não serem coletivos que abordam exclusivamente sobre EM, mas trazem a discussão e a voz de pessoas negras com deficiência, também nos aponta como falar da realidade da mulher negra nos leva a pensar na multiplicidade de vivências negras e como o diagnóstico de EM irá impactar de maneira diferente em cada uma destas vivências, ao se somar a outras opressões a que àquela mulher já está exposta. São também espaços que precisamos nos aproximar e fortalecer a fim de que possamos realizar um trabalho de base que chegue à mulher preta periférica e transformemos as políticas públicas e políticas de estado para que possam de fato proteger essa população.

Morte Sem Tabu: O que fazer para ampliar o acesso à informação sobre EM? 

Ester: Para você que está lendo mas não é uma pessoa com EM, porém convive com alguém que tem (ou mesmo que seja outro quadro autoimune), em primeiro lugar: 

  • Escute: entenda como a pessoa com EM está se sentindo e procure não comparar o estado de saúde dela com o de outras pessoas. Cada pessoa experiencia a EM de uma forma diferente.
  • Pesquise: é cansativo para uma pessoa com EM ter que, a todo momento, explicar o que ela tem. Uma das coisas legais que você pode fazer é pesquisar sobre, para compreender um pouco mais a realidade dela e para que você também possa ter mais informações para levar adiante e contribuir para combater tabus e preconceitos.
  • Acolha: Há dias bons e dias ruins, dependendo do curso da doença e de tantos outros fatores, muitas vezes o acolhimento que você oferecer vai contribuir muito para a qualidade de vida daquela pessoa.

Morte Sem Tabu: Pode deixar uma mensagem para pessoas que passaram ou estão passando por situações semelhantes à sua?

Ester: Gostaria de (re)afirmar que, ao mencionar, em específico, a minha vivência com EM, falo do meu lugar, do lugar de uma mulher negra cis e profisisonal da saúde, mas as histórias são múltiplas e minha experiência não pode ser tomada como um “exemplo” ou a simples ideia de que é “possível superar a doença” como um “caso de superação”. A “superação”, se é que se pode usar este termo, não depende única e exclusivamente da(o) paciente. Tive a possibilidade de ter direito de acesso ao diagnóstico e tratamento;  ter um plano de saúde, contar com o apoio de meu marido e minha mãe, além de já ter familiaridade com o assunto, dada a minha profissão.  Ainda assim, como qualquer outro paciente, enfrento desafios diários principalmente em lidar com o preconceito e perda de oportunidades que tais diagnósticos geram, fruto da desinformação e preconceito ainda existentes. Nesse percurso, depois que falamos abertamente sobre o diagnóstico, não temos como controlar as reações alheias, como abordei anteriormente, familiares, amigos e conhecidos também vivenciam um luto antecipatório e lidam com suas próprias ideias e tabus internalizados acerca da morte e do adoecimento.  Algumas pessoas podem se afastar, outras se silenciam, outras ignoram. Mas, ao mesmo tempo, novas amizades chegam e com elas novos aprendizados. Estar num grupo de apoio contribui para encontrarmos novas soluções e perspectivas. Dê tempo ao tempo. Há e haverão desafios e sintomas benignos, incômodos que vez ou outra ocorrem. Há e haverão dias bons e dias ruins. Espero que ao ler esta entrevista, este possa ter sido um dia bom e espero que assim continue. Num país desigual como o nosso, milhares de pessoas seguem sem acesso a um diagnóstico e tratamentos especializados. Portanto, é preciso lutar por políticas públicas e de estado, pela defesa e manutenção do SUS e pela divulgação da informação Esclerose Múltipla e outras condições neurológicas pouco conhecidas entre as pessoas. Guardar estas experiências comigo seria contribuir para a manutenção de um estigma.  Que mais pessoas se somem nessa caminhada. Juntos, de fato,  vamos mais longe. Estou à disposição para dar as mãos para mais colegas de caminhada.

Organizações para acompanhar:

AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose) 

Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla

Blogs de mulheres negras que falam sobre sua experiência com EM:

Ester Maria Horta: @ester_psi (colabore com o projeto de neuropscologia comunitária doando pelo PIX: neuropsicologiacomumitaria@gmail.com)

Alyne Souza: @aesclerosadarara

Jéssica Teixeira: @jazzeflow


Atualizado em 30 de setembro de 2021 às 10:08

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21 livros sobre luto: uma lista para ter por perto https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/31/21-livros-sobre-luto-uma-lista-para-ter-por-perto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/31/21-livros-sobre-luto-uma-lista-para-ter-por-perto/#respond Tue, 31 Aug 2021 23:32:52 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/744a9e2b-c1e5-4dd1-8bb4-47fae05525a3-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2463 Por Camila Appel e Jessica Moreira

O escritor e filósofo italiano Umberto Eco (1932-2016) já disse que listas fazem parte da cultura de uma nação, da história da arte e da literatura. Elas seriam uma forma de tornarmos o infinito compreensível. Nosso medo da morte seria aplacado cada vez que fazemos uma lista, que traçamos limites para o desconhecido. Há, ali, uma sensação de segurança. Afinal, listas são uma seleção, uma curadoria.

Temos visto uma explosão de livros que trazem o tema específico do luto. Esse movimento não é tão recente. Ele antecede a pandemia, mas se intensifica com ela.  

Falar de modo cuidadoso, e sem generalizações, sobre luto é um grande desafio.

Como diz Roland Barthes em “Diário de um Luto”:

“Todos calculam –eu o sinto– o grau da intensidade do luto. Mas é impossível (sinais irrisórios, contraditórios) medir quanto alguém está atingido”.

 O desafio de nomear a dor traz uma contradição em suas entranhas. Por um lado, queremos descrever o sentimento, transformar em palavras, nos comunicarmos. Por outro, nos deparamos com a impossibilidade de oferecer forma ao silêncio.

Em “A Ridícula ideia de nunca mais te ver”, Rosa Montero diz:

“Quanto mais você se aproxima do essencial, menos pode nomeá-lo. O tutano dos livros está na esquina das palavras. O mais importante dos bons romances reside nas elipses, no ar que circula entre os personagens, nas frases menores. Por isso, acho que não posso dizer mais nada sobre Pablo: seu lugar está no centro do silêncio”.

Selecionamos algumas leituras que fizemos sobre o tema, tanto mais antigas quanto  recentes e dividimos com vocês nesta lista.

Boa leitura!

Um abraço,

Camila e Jessica

PARA CRIANÇAS

A COISA BRUTAMONTES
Autora: Renata Penzani
Editora: CEPE, 2018. Ficção.
Sinopse: Em uma relação de intimidade com as palavras, Renata costura o olhar do menino Cícero, de 11 anos, a partir da morte de Dona Maria, sua amiga, uma senhora de mais de 80 anos. A morte é, então, representada por um rinoceronte enorme que sempre está presente, embora seja ignorado pelos outros adultos. “A primeira vez que me disseram “Maria Morreu”, meu coração reclamou, quis pular fora do peito. Precisaram repetir: morta. Mas morta como se para mim ela continuava?”.

 

 

AGORA PODE CHOVER

Autor: Celso Sisto. Ilustração de Anna Cunha.

Editora: Melhoramentos, 2018. Ficção.

Sinopse: Agora pode chover é a história da menina Tatiana lidando com a memória de seu avô, que morreu. Ela não sente tristeza, mas saudade. Busca essa figura amada por toda parte. É um questionamento comum, entre crianças e adultos, quando as pessoas morrem: para onde vão os que simplesmente se vão?

As respostas estão na simbologia. Há teorias prontas oferecidas por crenças religiosas, e outras mais sutis, que pinçam significados nos elementos da natureza — algo tão presente nos indígenas e em outros povos nativos, que se relacionam com os bichos e com as plantas de uma forma já perdida por nós. 

Leia também: resenha do livro na Revista 451.

 

O BALÃO DO VOVÔ  

Autor: Marcela Lin

Editora: Frida Editora, 2021. Não-ficção.

Sinopse: Marcela perdeu o pai e a avó no mesmo mês. O pai foi vítima da covid-19. “Escrevi essa história para que meus filhos lembrem do avô incrível que tiveram e agora meu pai segue vivo em cada  exemplar”. O livro se tornou um projeto familiar. A mãe de Marcela ilustrou, o irmão diagramou e o filho mais velho escreveu o título da capa com  “Encontrei nas palavras uma forma de respirar”. Marcela fundou a rede social @vivendomeuluto.

A JANELA DE ISABELA 

Autor: André Castilho

Editora:Alma Books, 2019. Ficção, inspirado em uma história real.

Sinopse: O quarto novo de Isabela não tinha nada de legal. Não havia brinquedos, nem paredes coloridas. Era tudo cinza e chato. Tinha uma janela que ninguém dava bola, já que nada acontecia do lado de fora. Mas isso pra quem não sabia usar a imaginação. Porque pra Isabela, aquela janela era mágica e transportava para um mundo onde tudo era possível: até mesmo esquecer que ela estava em um quarto de hospital.

Leia + : A importância de falar sobre morte com as crianças

A ARTE DE FALAR DA MORTE PARA CRIANÇAS 

Autora: Lucélia Elizabeth Paiva

Editora: Ideias e Letras, 2014. Não-ficção

Sinopse: Como falar da morte com as crianças? Trata-se de um assunto delicado, mas que pode ser trabalhado de maneira didática por meio da literatura infantil. A autora propõe a utilização desse recurso como instrumento auxiliar para uma abordagem mais branda da vida e da morte, buscando o acalanto necessário no acolhimento às dores e aos sofrimentos humanos. Fruto de sua tese de doutorado em Psicologia, na USP, o livro é um ótimo material de apoio para profissionais das áreas da saúde e da educação, assim como para os demais interessados no tema.

MIGUEL FOI PRO CÉU

Autora: Ana Rebello
Editora: Bem Cultural, 2021. Não-ficção
Sinopse: Este livro faz parte da coleção “Fale a verdade, apesar da idade”, de Ana Rebello. A ideia da autora é fornecer material lúdico de apoio para os pais e adultos que precisem tratar com as crianças de um assunto que gera tabu muito grande, que é a morte. Apesar de todos terem receio desse acontecimento, ele é tão natural como o nascimento, e é inegável que em algum momento da nossa vida de crianças ou adultos, vamos ter que falar sobre ele, seja na perda de um ente querido na família, um animalzinho de estimação ou uma notícia que aparece na TV. A autora, com a coleção, busca tratar do tema, respeitando as condições dos acontecimentos individuais, ressaltando a necessidade de acompanhamentos psicológicos, quando necessário, e não generalizando as formas de expressar as emoções, tão pessoais em cada indivíduo. Como contar quando alguém se fará ausente para sempre? Qual a hora certa de falar verdade? É simples. A verdade deve ser exposta em todo o momento, levando em conta a idade da criança na hora e forma de falar sobre o assunto. Em todos os livros da coleção os pequenos terão um espaço para expressar seu entendimento sobre a história. Não se pode reparar a falta de um alguém querido, mas uma história pode facilitar a forma de lidar e falar sobre a perda. Essa é a intenção da autora Ana Rebello.
Aqui vamos contar os ciclos da vida e seus “ressignificados”, com boa leitura e aprendizado em família! (sinopse enviada pela assessoria)

 

NÃO-FICÇÃO

 

 

A LUA E O GIRASSOL

Autor: Marina Miranda Fiuza

Editora: Primavera editoral, 2021.

Sinopse: Marina reuniu relatos de mães que perderam seus filhos em diferentes circunstâncias. O prefácio é de Valter Hugo Mãe: “As mães e pais dos mortos são muito sem sentido. Nem sempre sabemos onde têm a cabeça ou os pés porque tanto daquilo que os ordena é agora de outra natureza. Ficamos diante dessas pessoas pasmando, porque elas contêm uma ciência que nenhuma biblioteca vai conter, simplesmente porque não há como explicar o absurdo, ele é uma experiência indizível que os livros imitarão sem sucesso algum”” 

 

LUTO É OUTRA PALAVRA PARA FALAR AMOR

Cinco formas de honras a vida de quem vai e de quem fica após uma perda 
Autor: Rodrigo Luz

Prefácio de Gabriela Casellato

Editora: Ágora, 2021.

Sinopse: O psicólogo Rodrigo Luz apresenta as muitas faces e os diversos sentimentos que constituem o luto por meio de casos repletos de particularidades que mostram como a experiência pode deixar de ser encarada como fraqueza ou exagero. O livro traz uma abordagem mais afetiva ao tratar de uma das experiências mais devastadoras enfrentadas pelo ser humano. Diante do atual episódio pandêmico, fica ainda mais urgente amparar os milhões de enlutados somente no Brasil.De forma empática e acolhedora, o autor detalha como honrar aqueles que se foram, oferecendo aos enlutados possibilidades de acolher a dor e mostrando que ela é uma das faces do amor, “O amor é uma experiência biológica, psicológica, espiritual e social. E, o luto é uma extensão do amor. Ele só existe porque há amor. Se você ama, você vai viver o luto. É um processo complexo, para o qual não existe um guia infalível. A dor às vezes não diminui, mas a pessoa enlutada pode desenvolver a musculatura para carregá-la e suportá-la, tornando-se mais forte”.

 

O ENCANTADOR DE PESSOAS

Autor: Liv Soban

Editora:Editora Labrador, 2021.

Sinopse: Esta obra é como uma moeda da sorte: na coroa, um livro sobre a vida de Eduardo Heitor Soban; na cara, uma autobiografia escrita por sua filha Liv Soban. Ao prantear a morte do pai, Liv criou uma obra cativante que fala como poucas sobre viver em plenitude, com gana e leveza mesmo nos momentos mais duros. Este livro é um ato de amor e de vida.

 

MÃE

Autor: Hugo Gonçalves

Editora: Companhia das Letras , 2021.

Sinopse: Perto de fazer quarenta anos, Hugo Gonçalves recebeu o testamento do avô materno dentro de um saco plástico. Iniciava-se ali uma viagem, geográfica e pela memória, há décadas adiada. O primeiro destino: a tarde em que recebeu a notícia da morte da mãe, em 1985, quando regressava da escola primária. Durante mais de um ano, o escritor procurou pessoas e lugares, resgatando aquilo que o tempo e a fuga o tinham feito esquecer ou o que nunca soube antes sobre a mãe. Das férias da infância aos desgovernados anos em Nova York, ele foi recolhendo os estilhaços do luto: os corredores do hospital, o colégio de padres, uma cicatriz na perna, o escape do amor romântico, do sexo e das drogas ou uma road trip com o pai e o irmão. Gonçalves faz um relato biográfico sobre o afeto, as origens, a família e as dores de crescimento, quando já cruzamos o arco da existência em que deixamos de fantasiar apenas com o futuro e precisamos enfrentar o passado. E o livro é também, inevitavelmente, uma homenagem à figura da mãe, ineludível presença ou ausência nas nossas vidas. (sinopse da editora)


O LUTO NO SÉCULOS 21

UMA COMPREENSÃO ABRANGENTE DO FENÔMENO

Autora: Maria Helena Pereira Franco. Prefácio de Colin Murray Parkes.

Editora: Summus, 2021.

Sinopse: Maria Helena é uma das grandes especialistas em luto no Brasil. Sem dúvida, pioneira no tema. Ela explora seus anos de pesquisa e experiência com luto. Os aspectos médicos, sociais, espirituais, sociológicos e psicológicos da perda. “Oferece um amplo panorama a respeito das teorias e pesquisas sobre luto, sempre se valendo do rigor científico e de uma visão peculiar nesse processo, que integra aspectos psíquicos, sociais, cognitivos, espirituais e físicos. Tomando por base a teoria do apego, de Bowlby, a autora aborda, entre outros temas, os diversos tipos de luto, seus fatores predisponentes, recursos para o diagnósticos e modos de intervenção terapêutica”. 

PSICANÁLISE E PANDEMIA

Autores: Diversos autores reunidos no Fórum do Campo Lacaniano-MS, em maio de 2020.

Editora: Aller Editora, 2020.

Sinopse: São mais de 4 milhões de mortes, o sentimento de perda se instala. Sigmund Freud, que perdeu sua filha para a epidemia de gripe espanhola em 1920, pôde elaborar seu luto? O que os psicanalistas têm a dizer em tempos de pandemia? Psicanalistas refletem e buscam escutar as diversas respostas possíveis que cada sujeito é capaz de criar para o mal-estar que assola nossa civilização. As mortes pela Covid-19, por conta do perigo de novas contaminações, trouxeram restrições às cerimônias de despedida, culminando em mais uma consequência para os que ficam: como poder se despedir sem contar com o apoio dos que também amaram, conviveram e se relacionaram com aquele que morreu? Essas cerimônias são importantes para que a dor possa ser expressa e compartilhada, já que o processo de luto é essencialmente caracterizado por uma tristeza que leva a pessoa a se ensimesmar.

 


VIDA, MORTE E OUTROS DETALHES

Autor: Boris Fausto 

Editora: Companhia das letras (lançamento em  27/09)

Sinopse: “Da minha parte, a pandemia fez reviver o passado, que se tornou uma presença cotidiana, e me aproximou, ainda mais, de meu irmão Ruy pela via do divertimento. Sua morte inesperada e essa aproximação me impulsionaram a escrever este livro, passo a passo, sem um esquema prévio”, diz Boris Fausto no início de Vida, morte e outros detalhes.

Resultado do luto íntimo e pelo Brasil durante a epidemia mundial de covid-19, este livro divide-se em três partes: “A tribo”, “Vida” e “Morte e imortalidade”. Na primeira, Boris compartilha recordações do crescer e envelhecer ao lado dos irmãos Ruy Fausto e Nelson Fausto, desde as fraturas em sua relação durante a infância até a comunhão singular dos três, mesmo quando em países diferentes. Na segunda e na terceira partes, uma série de vinhetas compõe um mosaico em que a fugacidade da vida e a fragilidade dos afetos se revelam através de episódios notáveis e tragicômicos do cotidiano.

Com Vida, morte e outros detalhes, Boris Fausto abre ao leitor um valioso baú, repleto de memórias, pensamentos e provocações acerca da (in)finitude humana.(sinopse da editora)

DIÁRIO DO LUTO
Autor: Roland Barthes
Editora: Martins Fontes (WMF), 2011.
Sinopse: Existe uma regra para os sentimentos no processo de luto? Roland Barthes mostra nestas páginas que não. Barthes começou a escrever fichas sobre seu estado a partir de 26 de outubro de 1977, um dia depois da morte de sua mãe. As notas foram escritas até o dia 15 de setembro de 1979. Nos dois anos, ele somou 330 fichas que trazem os mais diversos sentimentos e como todos eles estão conectados com a perda de sua mãe. Uma das fichas, de 27 de outubro, diz exatamente sobre isso: “Todos calculam –eu o sinto– o grau da intensidade do luto. Mas é impossível (sinais irrisórios, contraditórios) medir quanto alguém está atingido. O livro de Barthes conversa muito também com filhos que perderam suas mães e que, de alguma maneira, vivenciaram trocas de papéis no cuidado com elas. Um dos trechos, fala sobre a confusão que o cerca, ao sentir como se tivesse perdido também uma filha. “19 de novembro: [confusão de estatutos]. Durante meses, eu fui sua mãe. É como se eu tivesse perdido minha filha (dor maior do que esta?)”.

Leia + :: histórias sobre luto de mães no Morte Sem Tabu

ADEUS, GANA
Autora: Tayie Selase
Editora: Tusquets, 2019
Sinopse: Dividido em três partes —”Partido”, “Partida” e “Partir”— a narrativa começa pelo fim. “Em um domingo, antes de amanhecer, Kweku morre descalço”, convidando o leitor a calçar as pantufas do patriarca da família, acompanhando o personagem de Gana aos Estados Unidos. De pano de fundo, somos apresentados aos diferentes períodos de Gana e Nigéria, mostrando as diversas mortes que atravessaram as guerras e desafios desses países. O título original “Ghana Must Go” faz referência à expulsão de milhares de ganenses de território nigeriano em 1983, quando reuniam seus pertences em bolsas de náilon adornadas de xadrez, até hoje chamadas de “Ghana Must Go”, uma bagagem carregada de preconceito, mesmo após 40 anos.Para quem busca uma leitura leve e rápida, esse não é o livro mais indicado, já que exige atenção e fôlego em suas 352 páginas. Selasi não adjetiva as dores das personagens. Escolhe as palavras de forma minuciosa, nos fazendo sentir todas as dores, tanto as do estômago quanto as das partidas, inclusive a do título.

Leia + :: Adeus, Gana revela como traumas podem rachar famílias e nações

NOTAS SOBRE O LUTO
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras, 2021
Sinopse: “Eu preciso de tempo”, escreve Chimamanda Ngozi Adichie no relato autobiográfico “Notas sobre o Luto”, em que aborda a morte de seu pai. Lançado pela Companhia das Letras, o livro conta a história do pai da escritora, James Nwoye Adichie, que nasceu em 1932, foi professor de matemática e morreu em 10 de junho de 2020, em decorrência de falência renal. Chimamanda mostra a dificuldade de enlutados assumirem assuntos burocráticos em meio à dor. “Como as pessoas andam pelo mundo, funcionando, depois de perder um amado pai?”. O olhar para o dia a dia é a grande sacada da autora ao falar sobre luto, lembrando que as saudades não estão só nos grandes acontecimentos, mas na emoção ao encontrar a caligrafia curvilínea que anuncia a educação africana colonial ou na imagem do pai caminhando de um lado para o outro em seu exercício matinal.

Leia + ::  Livro de Chimamanda Adichie sobre morte do pai fala ao luto da Covid



A RIDÍCULA IDEIA DE NUNCA MAIS TE VER
Autora: Rosa Montero
Editora: Todavia Editora, 2019.
Sinopse: “Como não tive filhos, a coisa mais importante que me aconteceu na vida foram meus mortos. Talvez, você ache isso lúgubre, mórbido. Para mim é uma coisa tão lógica, tão natural, tão certa. Apenas nos nascimentos e nas mortes é que saímos do tempo. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente se parte ao meio e nos permite espiar por um instante pela fresta da verdade”. Esta é a frase que apresenta o livro “A ridícula ideia de nunca mais te ver”, no qual Rosa Montero nos fala sobre o luto da cientista Marie Curie pela perda de seu companheiro, Pierry, e, em paralelo, nos conta a sua própria relação com o luto, pela morte do marido Pablo. Mesmo em períodos tão distintos, os escritos de dor e de amor de ambas as mulheres se cruzam nessa narrativa que vem nos falar sobre a morte de uma maneira cuidadosa e generosa, já que Rosa traz nas palavras um pouco de aconchego a quem está passando por uma perda semelhante. “Quanto mais você se aproxima do essencial, menos pode nomeá-lo. O tutano dos livros está na esquina das palavras. O mais importante dos bons romances reside nas elipses, no ar que circula entre os personagens, nas frases menores. Por isso, acho que não posso dizer mais nada sobre pablo [seu marido]: seu lugar está no centro do silêncio”.

Leia também: Joan Didion: o luto de uma escritora sem crença

LILI NOVELA DE LUTO
Autora: Noemi Jaffe

Editora: Companhia das Letras, 2021.

Sinopse: Aceitar a morte passa por diferentes lugares. A palavra pode ser um desses, materializando a partida por meio do verbo. É de forma muito poética, sensível e com a honestidade de uma conversa com o leitor que Noemi Jaffe irá falar sobre a morte de sua mãe. Noemi vai mostrar que, independente da mãe ter morrido aos 93 anos e ela de alguma forma saber da proximidade da morte, a sua partida não foi sem dor. Leitura rápida, mas muito profunda.

FICÇÃO

PEQUENA COREOGRAFIA DO ADEUS

Autora: Aline Bei

Editora: Companhia das Letras, 2021.

Sinopse: Julia é filha de pais separados: sua mãe não suporta a ideia de ter sido abandonada pelo marido, enquanto seu pai não suporta a ideia de ter sido casado. Sufocada por uma atmosfera de brigas constantes e falta de afeto, a jovem escritora tenta reconhecer sua individualidade e dar sentido à sua história, tentando se desvencilhar dos traumas familiares.

Entre lembranças da infância e da adolescência, e sonhos para o futuro, Julia encontra personagens essenciais para enfrentar a solidão ao mesmo tempo que ensaia sua própria coreografia, numa sequência de movimentos de aproximação e afastamento de seus pais que lhe traz marcas indeléveis.

Escrito com a prosa original que fez de Aline Bei uma das grandes revelações da literatura brasileira contemporânea, Pequena coreografia do adeus é um romance emocionante que mostra como nossas relações moldam quem somos. (sinopse da editora)

A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS
Autora: Valter Hugo Mãe
Editora: Biblioteca Azul, 2016.
Sinopse: Em uma narrativa carregada de poesia, Valter Hugo Mãe nos convida a olhar do lado de dentro do Senhor Silva, que perde sua companheira de uma vida inteira e vai viver em um asilo. As reflexões passam sobre a dor, a angústia, mas também pelo trabalho de memória que ele empreende na busca de encontrar dentro de si um pouco do amor que nutre por ela. No meio do livro, ainda é possível rir com o jeito irônico e muitas vezes extrovertido de senhor Silva. Ao longo do romance, é possível conhecer um pouco da identidade lusitana –tanto as potências quanto os desafios e dores–, fazendo de A Máquina de Fazer Espanhóis um retrato não só do luto, mas também dos estados de ânimo de uma nação.

Leia também: Como se ama na ausência? Uma homenagem de filho para pai

O PAI DA MENINA MORTA

Autor: Tiago Ferro

Editora: Todavia, 2018.

Sinopse: Empatia está longe de ser pena, não há condolescência nem lamentação. O autor, que escreveu em um artigo na revista Piauí “não quero ser o pai da menina falecida”, agora assume, no título, o rótulo completo, talvez por perceber ser impossível fugir dele. A troca de “falecida” por “morta” não é mera semântica. Sugere a incorporação viva do tabu da morte.

O autor está pouco se lixando para aceitações e oferece uma intimidade visceral. Escritores muitas vezes tentam ser verdadeiros, autênticos e sinceros, sem pudores nem medo de como os outros vão julgar este ou aquele pensamento, ainda mais quando escrevem em forma de diário, sobre um caso conhecido, que foi midiatizado e comentado.

Tiago é pai de Manu, menina de oito anos que morreu em consequência de uma gripe. A febre alta pode ter levado a uma miocardite aguda. O coração parou. Não é à toa que Tiago abre o livro com uma frase de Karl Ove Knausgard: “Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para”. Classe média alta, branca. Virou a temida estatística. Link da resenha 

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Essa menina ainda não superou a morte do pai? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/19/essa-menina-ainda-nao-superou-a-morte-do-pai/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/19/essa-menina-ainda-nao-superou-a-morte-do-pai/#respond Thu, 19 Aug 2021 20:38:24 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/3763d6ba-a302-47b5-96ee-4f94434bcd75-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2456 Nesses sete anos de blog, nunca imaginei que isso pudesse acontecer: uma onda enorme de livros publicados com o tema ‘luto’. A pandemia acelerou um processo já andamento, de abertura para esse tipo de relato. É bonito ler as diversas homenagens e os depoimentos. Impossível não nos identificarmos com os registros dessas histórias de vida. Afinal, o que é falar sobre a morte senão valorizar essa vida?

Quando abri o “O Encantador de Pessoas”, da jornalista Liv Soban, me deparei com esse parágrafo:

“Você não me ligou. Nem hoje. Nem nos últimos dois aniversários. Parece bobo, né? ‘Santo Universo’, essa menina não superou ainda a morte do pai?’. Não, não superei. Quer dizer, estou aqui trabalhando, buscando ser uma pessoa melhor todos os dias. Tropeçando, errando e acertando algumas vezes. Me esforçando pra sorrir pra valer. Ser feliz. Na verdade, acho que superei, sim. A vida nos obriga a seguir adiante. Ainda bem. Há, porém, aqueles minutos, ou melhor, aqueles segundos em que você vem na minha mente e tudo desaba. Sinto falta do seu abraço de urso, do seu sorriso, do seu tapão nas minhas costas que, muitas vezes, me derrubava no chão. Sinto falta de sua gargalhada. Do quanto as pessoas te amavam. Sinto falta de ver você rodeado de pessoas. Sinto falta das festas, das brigas, dos choros, mas, acima de tudo, sinto falta de você me ligando às 00:20 no meu aniversário, hora em que nasci”.

Essa frase me acertou: essa menina não superou  a morte do pai?

Refleti sobre a cobrança da superação do luto. E o quanto ela é, em última instância, cruel. Uma cobrança que o enlutado aceita e se permite sofrer ainda mais, justamente por estar sofrendo.

Existe uma falsa noção de que, ao final de um processo, encontraremos um desfecho. Liv encontrou ressignificado e conforto na escrita desse livro.

Convidei-a  para escrever um depoimento ao blog, reproduzido abaixo.

Talvez, o formato de uma carta, endereçado a mim, fez com que essas palavras me emocionasse ainda mais. Eu adoro cartas… Essa escrita pensada em um interlocutor específico.

Um viva ao seu Babbo, Liv. E a todos os segundos vividos com essa intensidade que você transmite tão bem.

Vamos falar sim da morte, Camila.

Quando você me chamou para escrever para seu blog, fiquei por alguns segundos atônita. Ao receber meu livro, trocamos mensagens para ver como poderíamos falar sobre o tema. Talvez o mais dolorido de todos eles e o único que temos que conversar sobre.

A partida de algum ente querido dói fisicamente. Não é abstrato. É uma dor latente, de uma ferida aberta que não cicatriza. De uma cólica que não termina. De um enjôo que não passa. De um buraco que não se preenche.

Quando me deparei com esta dor. Quando vi meu pai, meu Babbo, morrer nos meus braços, mesmo que fosse uma morte anunciada, senti um atropelamento que adrenalina nenhuma do meu corpo conseguiu anestesiar. Queria chorar e não tinha mais água para derramar, queria gritar, mas minha voz emudeceu, queria… queria… até o corpo cansar de querer entender aquele sentimento e eu finalmente desabar.

E na queda, percebi que meu chão não existia mais, Camila. Ele, num piscar de olhos, desapareceu. E comecei a cair para um buraco que nunca havia vivenciado. Porque ele te suga. E te consome.

E foi nas palavras que encontrei minha salvação. Ao escrever o meu livro, encarei a morte de frente, mais uma vez. Foi desta prosa que construí minha asa e voei como meu Babbo havia me ensinado. Ao relatar a sua última semana de vida, nossas memórias e tudo que vivemos, consegui ressignificar o seu findar. “Tudo precisa ser leve, figliola”, ele sempre dizia para mim, Camila, mesmo que muitas vezes nem ele conseguia alcançar tão leveza. Nós temos que repetir muito algo até virar conhecimento, não é isto que os sábios dizem?

Entendi, durante o escrever, que a morte é a primeira verdade que aprendemos a tapar com a peneira. O ser humano tem esta tendência de tampar a iluminação, o sol, com uma colher de sobremesa. Será que esta atitude que temos em relação à morte é o começo da nossa jornada pela hipocrisia? Também não sei responder.

Só sei que ao nos recusarmos a olhar para a verdade, que nos ilumina, escolhemos inconscientemente as sombras da ignorância e, assim, perdemos a oportunidade de talvez compreender como lidar com a única certeza de nossas vidas: que nós e todos os nossos um dia não estaremos mais aqui.

Você já reparou que passamos infindáveis aniversários para aguentar uma só morte? Olha a força que esta senhora tem. Nem todas as primaveras juntas juntam forças para combatê-la. Me pergunto também se o motivo de ela ser tão forte, além do fato de não conseguirmos encará-la de frente, é porque focamos no passado, temos medo do futuro e não conseguimos estar presentes realmente. Somos escassos em colecionar memórias.

E meu Babbo foi exceção. O embaixador do Carpe Diem. Ele não só colecionava bons momentos como ensinava a todos a sua volta a fazer o mesmo. A gozar da vida. A vivê-la com gana, amar com verdade, até o fim. É por isto talvez que há uma tentativa de mostrar neste livro que a morte pode ser leve. Ao olharmos para ela, ganhamos motivação para fazer o nosso melhor, aproveitar os nossos, não ter medo de nos jogarmos numa aventura, de viver um amor verdadeiro, independente dos obstáculos, de construir um novo caminho a qualquer momento da vida, de repartir risadas com os amigos, abraçar mais os seus e dizer eu te amo sem razão ou motivo especial.

Foi de toda esta trajetória que meu Babbo me ensinou a construir que, ao encarar a morte, ao lado dele, mesmo que tenha vivido a dor física e sentido a queda livre dentro deum buraco amendrotador, tive ferrramentas para construir as minhas asas e aprender a voar. É a vida que nos faz vencer a morte. E são todas as recordações, Camila, que nos faz transformar a tristeza em eterna saudades.

 

(Liv Soban é autora do livro O Encantador de Pessoas, que relata a morte do seu pai, mas sobretudo, descreve a importância do viver).

 

 

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Luto: uma montanha russa de sentimentos inéditos. É necessário respeito https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/05/luto-uma-montanha-russa-de-sentimentos-ineditos-e-necessario-respeito/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/05/luto-uma-montanha-russa-de-sentimentos-ineditos-e-necessario-respeito/#respond Thu, 05 Aug 2021 12:46:41 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/Foto03-OPDLuto-320x213.png https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2451 Fernanda Sigilião se formou em publicidade e propaganda, mas tem alma de jornalista. Curiosa e investigativa.

Aos 29 anos, virou diretora de uma multinacional da área. Casou com um francês e partiu para Paris. Hoje, aos 32, deu uma guinada na carreira. O luto pelos pais teve forte influência nisso, como já verão.

Nos falamos enquanto ela estava em Moçambique, trabalhando com uma ONG de empoderamento econômico feminino que cria projetos para formar empreendedoras.

Em março do ano passado, com o início da pandemia e o isolamento total em uma área rural, percebeu que “quando o mundo vira de cabeça para baixo, precisamos ouvir nossa bússola interior”. Fernanda iniciou uma investigação sobre intuição. Conversou com diferentes pessoas para entender o que significa intuição para elas, como a escutam e suas formas de manifestações. A pesquisa se transformou em podcast. O “Olhando para Dentro” traz, por exemplo, um bate papo com Luisa Matsushita da banda “Cansei de ser sexy” e a artista Letícia Letrux. Deu tão certo que os assuntos foram se estendendo em outras temporadas.

“A descoberta da primeira temporada é que intuição é prática. Isso me levou a uma segunda temporada sobre formas de escutar a intuição”. Fernanda entendeu que a intuição pode ser provocada por meio de práticas.

“Essas práticas são atividades feitas com atenção. Tem gente que provocava essa escuta pela yoga, meditação ativa, exercícios de respiração, atividades artísticas como canto e pintura. Uma apresentadora do GNT, a Carol Costa, pratica jardinagem, por exemplo. Para ela, cuidar das plantas é uma forma de olhar para dentro e escutar sua intuição”.

Com a segunda temporada, Fernanda diz ter aprendido a importância da ação.  “Não adianta nada a gente se escutar se não colocarmos em prática”. Isso levou a uma terceira temporada sobre transição, pessoas que escutaram sua intuição e fizeram mudanças nas suas vidas.

Ao refletir sobre as grandes mudanças na sua própria vida, emergiu a mais dura de todas: a morte de seus pais.

“O podcast virou um processo de auto investigação documentado. Depois de tanto olhar para dentro, eu percebi que olhar para nossas dores, perdas, é muito importante. Acabamos nos deparando com a parte mais dura e difícil que temos. E essa parte em mim tem a ver com o luto. Também me pareceu uma ocasião pertinente falar sobre luto, e luto coletivo, por conta da pandemia. Colocar mais luz no luto que tantas outras pessoas estavam vivendo”.

Ela separou os episódios em temas: o tabu do luto, luto como fins de ciclos, mitos, rituais de despedidas e luto na favela. Essas conversas se tornaram uma forma de aprofundar a elaboração de seus lutos.

“Me ajudaram a sentir menos sozinha, a dar nome às coisas, aos sentimentos que eu tinha. Em especial, a conversa com a psicóloga Gabriela Casellato, onde eu pude explorar alguns medos que eu tinha. Como o medo de olhar no fundo do poço. Gabriela trouxe a importância da rede de apoio nesse momento para entendermos que podemos olhar o fundo do poço e voltar”.

A mãe da Fernanda morreu em 2016 e o pai, em 2018. Sua mãe teve um câncer de pulmão, tratado por dois anos. A morte do pai foi repentina. Ela tinha acabado de se mudar para Paris para assumir um cargo importante em uma agência de publicidade multinacional. Um mês depois, seu pai teve um AVC e ficou em coma. Fernanda voltou para o Brasil para ficar ao lado do pai. Após a morte encefálica, organizou o processo de doação de órgãos e o funeral. Tudo isso entre uma reunião e outra. No dia seguinte do enterro, foi trabalhar.

“Um dos episódios do podcast fala, inclusive, da importância da cultura do cuidado no ambiente das empresas. Duas semanas depois, eu tive uma reunião de performance onde falaram ‘a gente já foi compreensivo, agora é hora de mostrar resultado’”.

Fernanda pediu demissão. O sonho do trabalho perfeito, o cargo tão cobiçado, se descontruiu. Hoje, trabalha como consultora para projetos e marcas que buscam impacto positivo, principalmente na vida das mulheres.

“Agora eu to fazendo uma missão na África onde eu passei o dia entrevistando mulheres empreendedoras, com uma ONG muito legal, financiada pelo governo francês”.

Já com nove episódios gravados para essa temporada sobre luto, ela reflete: “uma das coisas que ficou clara para mim é a questão da atemporalidade, do tempo individual do luto. É normal a gente sofrer dois anos depois, ou seis anos depois. Mês sim, mês não. Cada um tem seu tempo. Não existe uma planilha de Excel com as etapas do luto para você seguir. Outra coisa que se destacou foi a importância de escutar o enlutado. Muitas vezes, a gente não tem o que dizer para uma pessoa que está em sofrimento. Mas só de escutar e propor espaços onde a pessoa possa falar, é muito útil. O enlutado quer falar, quer ser ouvido”.

A identidade visual dessa temporada é rosa e roxa, iluminada. “Luto não é só depressão e tristeza. Ele está mais associado a amor e autoconhecimento. Não é um fundo do poço, é um portal em que a gente pode entrar”.

Do fundo do poço ao portal, essa é uma mudança forte de imagem mental sobre o tema. Fernanda também traz o respeito pelos diferentes sentimentos que possam ocorrer.

“No mesmo dia que em que a pessoa está muito triste, ela pode sair para jantar e rir de uma outra coisa. E ela também pode sofrer naquela mesma noite. E ela pode trabalhar, ser produtiva, ou não. É uma montanha russa de sentimentos inéditos. Temos que parar de estereotipar o que é uma pessoa em sofrimento”.

Link para o podcast:

https://open.spotify.com/show/5IlFspUedT5Gvbp8oZAhUe

Fernanda na época da criação do Olhando pra Dentro em Dommartin – França, início da pandemia.
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Joan Didion: o luto de uma escritora sem crença https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/02/joan-didion-o-luto-de-uma-escritora-sem-crenca/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/08/02/joan-didion-o-luto-de-uma-escritora-sem-crenca/#respond Mon, 02 Aug 2021 11:53:03 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/joandidion_-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2443 Julia Ferry

“O ano do pensamento mágico” e “Blue Nights” são dois livros da escritora Joan Didion dedicados ao seu marido John, e à filha, Quintana. Em um relato pungente, a autora escreve sobre a dor de perdê-los. O que vemos nesses livros, é a escrita do luto que não nos oferece um consolo, nem a promessa de um ensinamento ou reparação, mas o compromisso com uma transmissão honesta sobre a dor de viver a perda. “Este é o primeiro livro sobre o luto escrito por alguém sem crença. Joan Didion, só Deus sabe, acredita na realização humana”, diz David Hare no documentário “Joan Didion: The Center Will Not Hold“, dedicado à escritora. 

O corpo fino e frágil que vemos no documentário que acompanha quase 80 anos de vida da autora, é narrado nos dois livros, como depositários do medo e da dúvida. Didion conta que viver as suas perdas é viver um imenso medo. Medo de não ser mais capaz de se levantar de uma cadeira, que se estende para o temor de não conseguir pensar e até mesmo falar. “Quando digo que sinto medo de me levantar de uma cadeira dobrável em uma sala de ensaio na West 52nd Street, do que realmente sinto medo?”, ela interroga.

O medo como um afeto que antecede a experiência da perda é um sentimento  comum entre as pessoas. A ideia de perder alguém é, por si só, geradora de profundas angústias. Há vidas inteiras que são vividas atravessadas por esse  medo, que parece nos revelar não só a fragilidade que é própria da vida, mas a indeterminação que nos constitui: O que é o “eu” sem o “você”? 

Como apresentou a filósofa Judith Butler, a experiência da perda demonstra a nossa dependência em relação aos outros que amamos, não apenas para viver nossas vidas, mas para nos definirmos como pessoas. Somos sujeitos despossuídos, nos diz Butler. Não temos propriedade e posse do nosso predicado. Somos despossuídos pelos outros, desfeitos pela sua presença em nossas vidas. Nos transformamos e nos descobrimos com os nossos encontros. Como somos também, inevitavelmente, despossuídos na ausência daqueles que amamos. Perder alguém é abalar as próprias noções de si.  Em “Luto e Melancolia”, Freud afirma que não sabemos exatamente o que perdemos quando perdemos alguém. E aí está a perplexidade de uma pessoa, que não é apenas uma presença e uma ausência, mas uma alteridade inapreensível.

Didion não para de sentir medo, mesmo depois de ter perdido. Há um medo que é tão impreciso quanto a experiência que o originou. A perda é uma experiência imprecisa: o que eu perdi com essa pessoa? O eu é forçado a se encontrar com a sua inconsistência. Não só a morte, mas separações dolorosas também impõe essa experiência. Há quem a ideia de perder seja tão devastadora, que procura com todas as forças barrar inícios, relações e proximidade. Assim, quem sabe não amando tanto, evita-se o sofrimento pela perda. É a tentativa de um controle absoluto e programado do que é da ordem do contingente.

A experiência da perda é tão radicalmente devastadora, não só porque nos leva a transformar aquilo que somos, mas nos mostra, no seu espanto, o quanto nunca fomos donos de nós mesmos. Por isso é possível dizer: “não queria querer o que eu quero”, ou nas palavras de Simone Weil: “a contradição, por si mesma, é a prova de que nós não somos tudo”. Não temos escapatória às coisas que nos atravessam. Algo nos escapa, o outro, a própria vida.

Didion se interroga se não perdeu, junto com o marido e a filha, até mesmo as funções motoras e cognitivas, descrevendo a desconfiança nas suas capacidades mais familiares e primárias. As habilidades do seu corpo e a sua capacidade de comunicar sobre esse estado de desespero lhe parecem instáveis: “E se eu nunca mais conseguir localizar as palavras que contam?”. Não só sua própria fragilidade, mas também o dispositivo de narração que se expressa é colocado em questão.

Como escritora, ela conta que “imaginar o que alguém diria ou faria é tão natural para mim quanto respirar”. Mas imaginar o que John falaria, ou escreveria, era não apenas doloroso como ultrajante. O marido, também escritor, era o primeiro leitor e crítico de tudo que ela escreveu. Ela então se pergunta sobre uma frase que tenta completar: “como ele a teria escrito? O que teria em mente? Como queria que ela ficasse?” e conclui que “a decisão cabia a mim agora. Qualquer escolha que eu fizesse carregaria um potencial abandono, até mesmo uma traição”.

Didion “resolve” seu dilema na seguinte passagem: “Deixei como estava. Por que você sempre tem que estar certa? Por que você sempre tem que ter a última palavra? Pelo menos uma vez na vida, deixe para lá”. Essas últimas três frases foram faladas pelo marido e endereçadas a ela, em uma pequena discussão que tiveram. Ela desloca o contexto das palavras de John para as perguntas que faz para si mesma, na ausência dele. Falar com as palavras já ditas pelo outro, essa ainda é uma possibilidade. E foi a saída encontrada por Didion, que inventa através das suas palavras, e das palavras que lhe foram ditas pelos outros, uma escrita possível sobre o luto. Escrever sobre John, seu marido, e Quintana, sua filha, é um gesto de fazê-los viver em um livro, um gesto que ao mesmo tempo acena para essas vidas, e afirma as suas mortes. Dizer para nós com as palavras deles, dizer para si mesma com as palavras dos outros, o luto de uma escritora sem crença.

*Referência Judith Butler: Vida precária: os poderes do luto e da violência. Autêntica Business, 2019.

Julia Ferry (juliaferry@hotmail.com) – Psicanalista, formada em Psicologia pela PUC-SP, mestranda em Psicologia Social pela USP. 

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