Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A última escolha de Bruno Covas https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/a-ultima-escolha-de-bruno-covas/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2021/05/21/a-ultima-escolha-de-bruno-covas/#respond Fri, 21 May 2021 20:45:03 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/8aeae3676dc9d396bf437a918ccf5dbb1dcaa888f91a09d337133472b6c1c7f4_60985b688961f-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2388 Uma das últimas escolhas de Bruno Covas foi a de não se submeter a tratamentos que levassem ao prolongamento artificial  de sua vida. Para isso, ele fez uma manifestação de vontade, formalmente chamada de testamento vital, e muitas vezes registradas como tal, (conheça aqui) e recebeu tratamento paliativo.  Teve conforto na espera de uma morte natural, também chamada de ortotanásia.

Orto significa correto e  thanatos, morte.  Ela se opõe à distanásia, que é o prolongamento da vida com a ajuda de aparelhos respiratórios ou procedimentos invasivos como a entubação. Apesar de serem protocolo em diversas UTIs pelo país,  são uma opção, uma escolha que o paciente e seus familiares têm o direito de tomar.  Muitas pessoas não sabem disso e são levadas à uma distanásia sem compreenderem que se trata de uma escolha.

Do tormento à paz: a morte do meu sogro

Conheça o testamento vital

Recebemos o texto abaixo abaixo do médico paliativista André Filipe Junqueira dos Santos, ex-presidente de Academia Nacional de Cuidados Paliativos.

André é um antigo colaborador do blog. Nos conhecemos desde o início dessa jornada. Com quem aprendi muito e pude tirar dúvidas sobre essa área da medicina tão importante e cheia de informações propagadas de forma confusa, justamente por abordar um tema delicado e rodeado de tabus.

Agradecemos  o envio do texto. 

Autonomia e a abordagem dos cuidados paliativos 

Por André Junqueira dos Santos

A morte de um ente querido é um evento que todos iremos vivenciar e é parte integrante da formação da nossa personalidade. Porém, um fenômeno da sociedade é a morte de uma pessoa que não temos um relacionamento próximo, mas por ser pública, a sua finitude também pode causar grande comoção, similar a perda de um ente querido. Os relatos diários dos boletins médicos, depoimentos de amigos e as homenagens póstumas geram grande impacto e também questionamentos sobre as condições que o famoso morreu.

Um perfil de morte que tem impacto especial é a morte por câncer, ainda mais em pessoas jovens, como recentemente do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. O tratamento oncológico muitas vezes é descrito com termos militares (arsenal terapêutico, batalha) quando a morte ocorre, mesmo em uma condição que a doença não permitiria uma recuperação,  frequentemente se diz que “perdeu a luta contra o câncer”. Essa abordagem militar no tratamento oncológico, já abordado em coluna neste blog, tem um impacto negativo nos pacientes e pode expô-los a tratamentos excessivos, com prejuízo na sua qualidade de vida e a um sofrimento evitável na fase final da vida.  

Assim, a morte passa a ser entendida como falha da medicina e não como parte integrante da vida. A visão da morte como um erro da medicina, um insucesso de um tratamento, gera uma expectativa inalcançável, e assim, ansiedade, frustração e cobranças por parte da população e dos próprios médicos. Esses conceitos reduzem a medicina ao objetivo único de  curar a doença. Reduz-se ou mesmo ignoram-se outros objetivos não menos nobres e, sem dúvida, mais importantes, como o de cuidar do sofrimento do ser humano doente. Qualquer médico, por menor tempo de exercício da profissão, consegue depreender que na realidade é a menor parte dos doentes que são curados.

Diante desse impacto, é fundamental a abordagem dos cuidados paliativos. Porém, precisamos entender como ele deve ser oferecido e a autonomia do paciente nessa decisão. Os cuidados paliativos modernos surgiram na Inglaterra na década de 1960, na figura da médica Cicely Saunder, que trouxe a visão de um cuidado de saúde integral para pacientes em situação de fim de vida. No Brasil, os primeiros profissionais de saúde que trouxeram essa visão começaram seu trabalho na década de 1980. No final do século 20, existia uma discussão sobre quando oferecer Cuidados Paliativos, diante de grandes avanços da medicina. Em 1989, a OMS (Organização Mundial da Saúde) definiu pela primeira vez para 90 países e em 15 idiomas o conceito e os princípios de cuidados paliativos, reconhecendo-os e recomendando-os. Tal definição foi inicialmente voltada para os portadores de câncer, preconizando os cuidados paliativos após esgotados todos os recursos para tratamento curativo da doença. O problema é que diante de novos tratamentos e melhoria das condições de saúde, esse momento de suspensão do tratamento não pode ser considerado um ponto claro, podendo ser mantido até o momento da morte em si, o que associou erroneamente a visão de Cuidados Paliativos como “quando há mais nada o que se fazer”. Diante de críticas pela visão limitante, em 2002, o conceito foi revisto e ampliado, incluindo a assistência a outras doenças como AIDS, doenças cardíacas, pulmonares, renais, doenças degenerativas e doenças neurológicas. O conceito atual da OMS amplia o horizonte de ação dos cuidados paliativos, podendo ser adaptado às realidades locais, aos recursos disponíveis e ao perfil epidemiológico dos grupos a serem atendidos:

“Cuidado paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”. (OMS 2002, atualizado em 2017)

Dessa forma, os cuidados paliativos devem ser oferecidos em conjunto com o tratamento modificado da doença. Cuidados paliativos não competem com tratamentos de doença. Tampouco estão reservados para o final da vida. Podem e devem ser oferecidos de forma integrada aos tratamentos, conferindo uma camada a mais de suporte e proteção à jornada de pacientes e familiares por meio do curso de doenças graves.  No caso do câncer, a Sociedade de Oncologia Clínica dos Estados Unidos recomenda desde de 2017 que pacientes hospitalizados e ambulatoriais com câncer avançado devem receber cuidados paliativos especializados, precocemente no curso da doença, paralelo ao tratamento ativo. Cabe à equipe médica que atende o paciente oferecer essa proposta e alinhar então com a autonomia do paciente, expressada através de seus valores e desejos, buscando-se uma decisão compartilhada. A tomada de decisão conjunta é um componente-chave dos cuidados de saúde centrados no paciente. É um processo no qual médicos e pacientes trabalham juntos para tomar decisões e selecionar testes, tratamentos e planos de cuidados com base em evidências clínicas que equilibram os riscos e os resultados esperados com as preferências e valores do paciente.

Em muitas situações, não existe uma única decisão “certa” sobre cuidados de saúde, porque as opções sobre tratamento, exames médicos e problemas de saúde têm prós e contras. A tomada de decisão compartilhada é especialmente importante nesses tipos de situações:

  • quando houver mais de uma opção razoável, como para triagem ou uma decisão de tratamento
  • quando nenhuma opção tem uma vantagem clara
  • quando os possíveis benefícios e malefícios de cada opção afeta os pacientes de maneira diferente

Nessa visão, cabe à equipe médica oferecer as melhores opções terapêuticas e apoiar o paciente na sua tomada de decisão, não devendo fazer questionamentos de âmbito pessoal. O paciente tem direito de priorizar medidas para tentar prolongar ao máximo sua condição de vida, como também limitar o tratamento, buscando priorizar a qualidade do tempo que tem pela frente.

No caso de Bruno Covas, houve uma grande comoção sobre sua condição de saúde nos últimos dias e a descrição dos tratamentos realizados. O mesmo demonstrou até poucos dias antes de sua morte plena consciência e teve a oportunidade de manifestar para sua equipe que, diante de situação irreversível, não gostaria de receber tratamentos para prolongar o seu tempo de vida com o uso do suporte artificial.. Essa mesma visão foi manifestada pelo seu avô, Mario Covas. Em 1999, o então governador em exercício sancionou no Estado de São Paulo a Lei estadual 10.241 , conhecida como Lei Mário Covas, que garante ao paciente o direito de “recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida”. O avó de Bruno Covas, em 2001, diante do quadro do câncer de bexiga em fase avançada recusou tratamentos de suporte artificial de vida para prolongar o seu tempo de vida.

A discussão desses valores não cabe somente a profissionais de saúde, mesmo especialistas em cuidados paliativos. Promover a autonomia do paciente, oferecer os melhores tratamentos baseados no conhecimento científico alinhado com conceitos éticos deve ser base fundamental de uma sociedade justa e mais humana.

André Filipe Junqueira dos Santos, médico geriatria e paliativista

Ex-presidente de Academia Nacional de Cuidados Paliativos (2019-2020)

André Junqueira – arquivo pessoal

 

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Depoimento: professor da USP, portador de ELA, fala sobre ortotanásia: um direito de personalidade https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/02/19/depoimento-professor-da-usp-portador-de-ela-fala-sobre-ortotanasia-um-direito-de-personalidade/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/02/19/depoimento-professor-da-usp-portador-de-ela-fala-sobre-ortotanasia-um-direito-de-personalidade/#respond Mon, 19 Feb 2018 11:22:40 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2018/02/pp-150x150.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1485 Tenho a honra de compartilhar o depoimento de Milton de Abreu Campanário, professor de economia da USP, portador de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). Ele escreve sobre ortotanásia e o direito sobre o corpo. Um assunto delicado, tratado de forma esclarecedora. Leitura fundamental.

Outros posts sobre esse tema podem ser lidos nas categorias: eutanásia, testamento vital, cuidados paliativos, morte digna e envelhecimento, nas abas superiores do blog.

ORTOTANÁSIA: direito de personalidade

“Não é uma questão de morrer cedo ou tarde, mas de morrer bem ou mal” (Sêneca).

Com 68 anos, a vida pode levar menos tempo do que desejo. Confio na medicina para ter boa qualidade de vida por alguns anos. Sou portador de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica – o caso mais conhecido é do físico Stephen Hawking, que carrega esta síndrome por mais de 50 anos, todo entubado). ELA tem origem numa mutação neurológica degenerativa, progressiva e sem cura. Afeta brutalmente os neurônios motores. Paralisa o corpo, mas não afeta o funcionamento cerebral. No Brasil, sem ferir a legislação, que proíbe a eutanásia, a área médica permite, no caso de doenças incuráveis, a elaboração de um Testamento Vital ou “diretivas antecipadas de vontade” que dispõe acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que o indivíduo deseja ou não ser submetido quando a morte se aproxima. Esta atitude é conhecida como Ortotanásia. Ela impede procedimentos médicos que possam ser considerados invasivos ou artificiais, no sentido de prolongar a vida inutilmente e com sofrimento físico ou psíquico.

Lutar pela vida é um ato instintivo e de dignidade ética. Entrei no experimento ELA-Brasil/USP, apostando nas células tronco como terapia e não cura. Mas, enfrentar a morte encurtando a vida para evitar o sofrimento não é permitido, pois tangencia a eutanásia. Em nosso país podemos encontrar a motivação para valores muito conservadores, de esquerda à direita. A primeira submete a vontade do indivíduo ao interesse social. A segunda coloca a vida como resultado de um interesse metafísico. Estas ideologias combatem a visão que o corpo de uma pessoa pertence a ele ou ela, direcionando o tratamento para do paciente e não para a doença, mas dentro de um protocolo médico. Existe, em vários países, o caminho para um comportamento onde o conforto ao paciente e seus direitos são aceitos pelos cidadãos e garantidos pela legislação: Inglaterra, Holanda, EUA, Canada, Alemanha e nossos vizinhos Uruguai e Colômbia. A falta de uma visão mais ampla, que propicie maior conforto na evolução das doenças incuráveis, contribui para o Brasil estar na penúltima posição no ranking “Quality of Death” criado pela revista The Economist. Estamos somente à frente da Índia. Numa escala de zero a oito ficamos um pouco acima de dois.

No Brasil, não existe legislação específica sobre o tema, mas sim códigos de ética médica e jurisprudência. O Código de Ética Médica (Resolução CFM 1.931/2009) diz: “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente” (artigo 41). Pretendo preservar a minha liberdade e dignidade humanas quando ocorrer de não poder mais ser tratado com terapias não invasivas.

Discutir esta postura ética e a sua eventual ampliação é reconhecer os Direitos de Personalidade. O corpo é meu, a vida é minha e não há ninguém para confrontar a personalidade da pessoa que represento. O médico deve tratar o doente, não a doença. O influente Professor de Direito da USP e Procurador Dr. Rubens Limongi França, já falecido, propõe uma interessante classificação do direito. Diz ele que há três pilares por onde passam as relações jurídicas: i) a própria pessoa – direito de personalidade; ii) a pessoa ampliada na família –direito de família; iii) o mundo exterior – direito de patrimônio e outros. Por muito tempo, o Direito de Personalidade foi tratado sob a luz do Direito Público, que supostamente defende o individuo das arbitrariedades do estado e do mundo exterior, tal qual aparece em declarações constitucionais. A tutela pública é ineficiente e insuficiente. Exemplos não faltam. Um exemplo é o conhecido FGTS, um fundo de poupança compulsório que não protege o trabalhador, pois sua remuneração corre atrás da inflação. Há pouco desenvolvimento jurídico sobre os aspectos privados do Direito de Personalidade, mas há uma tipologia proposta pelo autor que abre um leque sobre a integridade das pessoas: física – direito à vida e ao corpo vivo ou morto; intelectual – liberdade de pensamento e invenção; e moral – liberdade civil, política e religiosa. Nos casos de doença terminal, o Estado nem precisa intervir. Basta a vontade da pessoa se confrontar com os códigos médicos. Assim deveria ser na democracia. A sanção é privada e não tutela do Estado.

O Estado é o modo de cooperar das pessoas na democracia. É constrangedor falar somente de doenças terminais, que representam um infinitésimo da integridade física e moral das pessoas.  As grandes causas são a integridade física e moral das mulheres e minorias (onde os doentes idosos se enquadram). Aqui não avançamos no mundo inteiro, particularmente no Brasil. Qual a origem dos repugnantes muros que construímos entre classes sociais no Brasil? O Estado, ao se infiltrar de forma populista na vida das pessoas, criminaliza o aborto e as drogas e faz uma opção de colocar mais repressão nas ruas. Tolerância Zero é o nome desta teoria, que tem resultados vergonhosos no país e mundo afora. Ademais, não há nenhuma relação entre crescimento da renda e baixa da criminalidade. Portanto, não há que esperar o PIB crescer.  Steven Levitt foi o primeiro economista de peso a tratar esta questão empiricamente, seguindo Gary Becker (Prêmio Nobel) em seu teorema Rotten Kids (Crianças Descamisadas), que estabelece o altruísmo familiar como elemento básico do equilíbrio social. No Brasil, o colega Gabriel Hartung mostra a relação de segunda ordem entre demografia e criminalidade. Ao tutelar o corpo das mulheres, proibindo o aborto, sem dar prioridade à educação primária, o país está produzindo uma juventude que vive sem altruísmo, presa no submundo das drogas, da prostituição de menores e das “comunidades” que acolhem os menores para servir o crime organizado, sem direito a ter personalidade. Morre antes disso.

Milton de Abreu Campanario

BA USP – MS Harvard – PhD Cornell / Pos-Doc Oxford e Tokyo / Pesquisador e Ex-Presidente do IPT / Professor Economia FEA/USP. milton.campanario@gmail.com

 

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Itália aprova lei sobre testamento vital e cuidados no final da vida https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/italia-aprova-lei-sobre-testamento-vital-e-cuidados-no-final-da-vida/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/italia-aprova-lei-sobre-testamento-vital-e-cuidados-no-final-da-vida/#respond Fri, 15 Dec 2017 12:40:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1463 Após mais de dez anos de discussão, a lei n 2801 que legaliza o testamento vital, foi aprovada na Itália, nessa quinta-feira (14). A lei também aborda cuidados paliativos, o alívio da dor e reconhece que nutrição artificial e hidratação artificial são considerados tratamentos de saúde, podendo ser rejeitados. Também deixa claro que a vontade do paciente deve prevalecer sobre a do médico e a da família, protegendo os médicos de processos judiciais que poderiam ocorrer caso deixem de realizar um procedimento a pedido do paciente.

Os italianos, hoje, podem recusar ou renunciar um tratamento médico que seja necessário para sua sobrevivência, incluindo nutrição artificial, algo que é tido, no Brasil, praticamente como uma obrigação. É comum vermos pacientes com tubos de alimentação artificial presos no nariz, descendo ao estômago. Como esse procedimento é bem incômodo, alguns pacientes tentam arrancar o tubo do nariz, o que os leva a serem amarrados na cama e serem chamados de “senis”. Essa imagem sempre me aterrorizou e, sejam sinceros, não tem nada de incomum. Pois na Itália elas devem deixar de ocorrer.

A advogada especializada em testamento vital, Luciana Dadalto, já anunciou que está apaixonada por essa lei e comentou artigo por artigo:

(quem quiser ter acesso a lei, na íntegra, favor mandar e-mail ao blog).

Artigo 1o (Consentimento informado):

  • esse artigo deixa claro que nenhum  tratamento de saúde pode ser iniciado ou continuado sem o consentimento livre e esclarecido do paciente, exceto nos casos expressamente previstos em lei;
  • dispõe que na relação médico-paciente funda-se na confiança e que, se o paciente assim desejar, os membros da família  estarão envolvidos.
  • estabelece de forma ímpar nas legislações europeias que a nutrição artificial e hidratação artificial são considerados tratamentos de saúde, pois são administrados, por prescrição, de nutrientes por dispositivos médicos e, portanto, podem ser recusados
  •  reconhece a possibilidade do paciente renunciar ou recusar tratamento médico necessário para sua sobrevivência;
  • deixa claro que o médico  é obrigado a respeitar o desejo expresso pelo paciente e está isento de responsabilidade civil ou criminal.
  • ressalva que o paciente não pode exigir tratamentos de saúde contrários à lei, à ética profissional ou a boas práticas de cuidados clínicos e que, em face desses pedidos, o médico não possui obrigações profissionais.
  • por fim, afirma a importância de treinamento incial e contínuo de todos os profissionais de saúde, treinamento esse que deve incluir comunicação com o paciente, terapia da dor e cuidados paliativos.

Artigo 2o (Terapia de dor, proibição de obstinação irracional no cuidado e na dignidade na fase final da vida):

  • o segundo artigo da lei tem por objetivo reconhecer a importância dos cuidados paliativos no alívio do sofrimento do paciente em fim de vida. Para tanto admite o uso de sedação paliativa profunda, desde que tenha o consentimento do paciente para tanto; reconhecendo ainda o direito do paciente de recusar esse procedimento.
  • proíbe a obstinação terapêutica em pacientes com fraco prognóstico a curto prazo ou iminência de morte.

Artigo 3o (Menor e Incapaz):

  • esse artigo reconhece o direito do menor e do incapaz ao aprimoramento de suas habilidades de compreensão e tomada de decisão, respeitando os direitos referidos no parágrafo 1 do artigo 1º.
  • afirma que o menor e o incapaz devem receber informações sobre suas escolhas de saúde de acordo com sua capacidade de se colocar em posição de expressar sua vontade.
  • explicita que cabe aos pais ou responsáveis pelos menores prestar o consentimento informado, levando sempre em conta  a vontade do menor, em relação à idade e grau de maturidade e tendo como objetivo a proteção da saúde a psicofísica e a vida da criança no pleno respeito da sua dignidade.
  • estabelece, por fim, que caso a vontade do representante do menor e do incapaz seja contrária à indicação dos médicos, a decisão caberá ao juiz.

Artigo 4o (Disposições Antecipadas de Tratamento):

  • a lei italiana abandona o termo diretivas antecipadas e opta pelo uso do termo disposições antecipadas de tratamento (DAT), evidenciando que qualquer pessoa adulta capaz, depois de ter recebido informações médicas adequadas sobre as consequências de suas escolhas, pode, através da DAT, expressar seus desejos em matéria de tratamentos saúde, bem como consentimento ou recusa em relação a testes de diagnóstico ou escolhas terapêuticas e a tratamentos de saúde individuais.
  • estabelece ainda a figura do fiduciário, pessoa de confiança do paciente, que o representará  frente ao médico e à instituição de saúde. O fiduciário deve ser capaz e ter aceitado a nomeação, podendo ainda renunciá-la a qualquer tempo. Trata-se, assim, do reconhecimento do procurador para cuidados de saúde. em relação ao médico e às instalações de saúde.
  • prevê que a nomeação do fiduciário é faculdade do paciente, ou seja, ao contrário da lei uruguaia, não existe obrigatoriedade na nomeação.
  • dispõe a forma das DAT: (i) escritura pública; (ii) instrumento particular certificado ou (iii) escrito privado, entregue pessoalmente pelo outorgante no  cartório de registro civil  do município de residência do próprio outorgante, ou  instituições de saúde. De forma inédita no mundo, a lei italiana reconhece a possibilidade de DAT formalizada em gravação de vídeo ou outros dispositivos que permitam a comunicação de pessoas com deficiência, deixando claro que essas formas só são válidas quando as condições físicas do paciente não permitam a realização da escritura pública ou do instrumento particular.
  • reconhece que as DAT são renováveis, modificáveis e revogáveis a qualquer tempo, inclusive podem ser revogadas por declaração verbal recolhida ou filmada por um médico, com a assistência de duas testemunhas.
  • esclarece que o médico poderá desconsiderar a vontade do paciente se elas parecerem claramente incongruentes ou não correspondem à condição clínica atual do paciente ou existem terapias não previsíveis no momento da subscrição, capazes de oferecer possibilidades concretas de melhoria das condições de vida.
  • normatiza que  em caso de conflito entre o fiduciário e o médico deve a questão ser levada à juízo.
  • concede um prazo de 60 dias após a entrada em vigor da lei para que o Ministério da Saúde e as Instituições de Saúde forneçam informações sobre as DAT, inclusive em seus sites.

Artigo 5o (Planejamento compartilhado de cuidados):

  • seguindo uma tendências nas discussões norte-americanas e européias em tomada de decisão em saúde, esse artigo reconhece a importância da realização de , um planejamento de cuidados compartilhados o paciente e o médico;
  • diferentemente das DAT o planejamento compartilhado é feito no bojo da relação médico paciente e o paciente consentirá em relação ao proposto pelo médico, diante da situação concreta. , a quem o médico e a equipe de saúde são obrigados a cumprir se o paciente está em posição de incapaz de expressar seu consentimento ou em estado de incapacidade.

Artigo 6o (Regra transitória):

  • esse artigo reconhece a validade das manifestações de vontade documentadas antes da data de entrada em vigor dessa lei, aplicando essa norma aos antigos documentos.

Artigo 7o (Cláusula de invariabilidade financeira):

  • As administrações públicas afetas por essa lei devem assegurar a aplicação dessas disposições  no âmbito dos recursos humanos, instrumentais e financeiros disponíveis nos termos da legislação vigente e, em qualquer caso, sem encargos novos ou maiores para as finanças públicas.

Artigo 8o (Relatório às Câmaras):

  • Com a clara finalidade de gerar dados sobre a aplicabilidade da lei, o último artigo dispõe que o Ministro da Saúde transmitirá às Câmaras, até 30 de abril de cada ano, a partir do ano seguinte àquele em curso na data de entrada em vigor da presente lei, um relatório sobre a aplicação da lei.
  • Estabelece ainda a obrigatoriedade das regiões em fornecer as informações necessárias até o mês de fevereiro de cada ano, com base em questionários elaborados pelo Ministério da Saúde.

 

 

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A vontade do paciente deve prevalecer sobre a do médico e a da família? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/12/a-vontade-do-paciente-deve-prevalecer-sobre-a-do-medico-e-a-da-familia/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/12/a-vontade-do-paciente-deve-prevalecer-sobre-a-do-medico-e-a-da-familia/#respond Wed, 13 Dec 2017 00:09:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1454 A Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP) divulgou nesta terça-feira (12) os resultados de uma pesquisa inédita. A Federação queria saber a opinião da sociedade sobre o testamento vital e descobriu algo que pode parecer óbvio, mas é bem complexo.

Para 96,4% dos 716 participantes, a vontade do paciente deve prevalecer sobre a do médico e a da família. Ou seja, as vontades expressas em um documento como o testamento vital devem prevalecer sobre os desejos de todos e entendidas como válidas. Hoje, ele é aceito informalmente, mas não tem proteção legal.

Um testamento vital tem o objetivo de registrar vontades relativas a tratamentos médicos em caso de doenças fora de perspectivas de cura.Ele não é apenas destinado a garantir a suspensão de procedimentos, como a não reanimação ou não ser submetido a certas cirurgias. Também pode ser usado justamente para garantir essas intervenções, contanto que seja a vontade expressa do paciente. A nomenclatura é emprestada do “living will” da língua inglesa, que se refere mais a um “desejo em vida” do que a um testamento em si. O “will” foi traduzido como testamento gerando uma leve confusão.

Ele faz parte das Diretivas Antecipadas de Vontade, assim como o mandato duradouro – a nomeação pelo paciente de um procurador para tomar decisões em seu nome, e pode ser feito por qualquer pessoa acima de 18 anos que não tenha sido interditada, apesar de só ter efeitos na eventualidade de uma doença terminal.

Amparada pela pesquisa, a FEHOESP irá propor um anteprojeto de lei ao Congresso Nacional que garanta segurança jurídica a documentos como o testamento vital.

O presidente da FEHOESP, o médico Yussif Ali Mere Jr, diz que falta respaldo legal para os médicos cumprirem os desejos do paciente sem que corram riscos de processos judiciais. Isso tornaria a fase final da vida ainda mais complicada, com conflitos que podem ser “minimizados” com documentos como esse.

À primeira vista, pode parecer óbvio que a vontade do paciente deva ser a mais importante de todas. Mas os exemplos demonstram a complexidade do tema, como o caso do José Humberto. O menino de 23 anos não quer mais fazer hemodiálise, o tratamento indicado para a doença renal crônica que tem desde 2015. Ele alega sofrer muito durante o procedimento e busca uma morte que ele chama de “digna”, sem sofrimento.

Sua mãe, inconformada, apelou à Justiça para obrigar o filho a manter o tratamento. Ela ganhou a causa, mas não pode usar força ou sedativos, o que, na prática, significa que ele provavelmente não o fará. A Folha organizou uma enquete, perguntando aos leitores se José Humberto tinha direito a essa recusa. Dos 3905 votos, 86% foram favoráveis a ele.

O Conselho Federal de Medicina prevê essa autonomia e diz que nenhum paciente pode ser obrigado a se tratar. Eu também sou mãe e não consigo imaginar a dor de ver um filho definhar. Mas preciso admitir que eu já enfiei remédio goela abaixo do meu filho de 3 anos, totalmente contra a vontade dele. Mesmo se ele tivesse 18 anos, seria muito difícil eu aceitar o seu “não”, ainda que em algum momento eu imagino que entenderia que aceitar é, acima de tudo, respeitar. (me desculpem a dramatização pela rima, não resisti).

Mas esse caso específico parece remeter a um outro ponto, o da judicialização das relações. Quem comentou essa questão foi a advogada Luciana Dadalto, especializada em testamento vital, que participou comigo de um evento na penúltima quinta-feira, no Sesc Ipiranga, parte do ciclo “Finitudes” e apresentou os resultados da pesquisa da FEHOESP na coletiva de imprensa desta terça-feira (12).

A mãe de José Humberto buscou o apoio do Justiça porque não conseguiu se comunicar com o filho. O exercício da escuta e da empatia falhou.

Isso se reflete em diversas esferas. Segue também uma judicialização do amor. Duas pessoas que se amam ou que já se amaram buscam um árbitro para chegar a um lugar comum. Ninguém quer ceder e nos sentimos impotentes para levarmos adiante negociações.

O testamento vital aponta para um caminho diferente porque ele não existe para intermediar relações, mas para que o paciente possa deixar explícito os tratamentos que ele quer, e os que ele não quer, no final da vida, caso não esteja consciente para tomar decisões.

Eu defendo que cada um possa definir sobre sua morte nessa etapa final e também sou a favor da ortotanásia, o chamado processo da morte natural, sem interferências da tecnologia. A morte com entubação, na UTI, com respiração e alimentação artificial é uma morte com o amparo da tecnologia. Da mesma forma que podemos nascer de parto natural ou cesariana, podemos morrer naturalmente ou com acesso a todos esses apetrechos. O lado negativo dessa realidade é que a UTI é um ambiente solitário, desconfortável e frio. A própria necessidade de esterilização não permite visitas prolongadas. É, também, uma morte inconsciente, em sua grande maioria. Os pacientes morrem sedados, sem poder fazer escolhas em seus últimos dias de vida.

Aqui, lembro de uma frase da geriatra Ana Claudia Arantes, que virou título de seu livro: a morte é um dia que vale a pena viver. Lembro, também, da paliativista Maria Goretti, indicando que no hospital, somos pacientes, enquanto que, fora dele, permanecemos como pessoas. Essa é a luta dos cuidados paliativos, olhar cada um como um ser inserido em uma realidade psicossocial. Por isso é tão importante o debate sobre políticas públicas voltadas para cuidados paliativos e o acesso a opiódies (remédios para a dor) mais modernos, inexistentes no Brasil.

Mesmo ressaltando essa tendência da judicialização das relações, acredito que uma lei que proteja o testamento vital é necessária, por intermediar um conflito muitas vezes impossível, que nasce da relação médico-paciente-família. Se não, vamos acabar como o homem dessa reportagem aqui, desesperados, com uma tatuagem enorme no peito: “Do Not Resuscitate”.

Entenda o que é o testamento vital na seção “testamento vital” do blog.

Recomendo: É melhor morrer em casa ou no hospital?

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Após regulamentação, cresce 771% o número de testamentos vitais lavrados no Brasil https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/08/31/apos-regulamentacao-cresce-771-o-numero-de-testamentos-vitais-lavrados-no-brasil/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/08/31/apos-regulamentacao-cresce-771-o-numero-de-testamentos-vitais-lavrados-no-brasil/#respond Wed, 31 Aug 2016 17:03:21 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/08/image-180x65.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1087 Testamento vital é uma nomenclatura emprestada do “living will” da língua inglesa, que se refere mais a um “desejo em vida” do que a um testamento em si. O “will” foi traduzido como testamento gerando uma leve confusão. Ele é uma ferramenta para manifestar vontades sobre tratos médicos no final da vida, no caso de estarmos inaptos a tomarmos decisões ou a nos comunicarmos perante uma doença fora de perspectivas de cura. Portanto, não tem a ver com sucessão patrimonial como os testamentos. Mas o nome pegou.

Além do registro de procedimentos médicos, é possível inserir informações relativas a enterro, velório, destino para as cinzas, etc – que também podem ser registradas em um outro documento, chamado codicilo. A menção da vontade pela doação de órgãos ainda é polêmica, já que, no Brasil, a lei de doação reconhece ser uma decisão da família e não do paciente.

O testamento vital faz parte das Diretivas Antecipadas de Vontade, assim como o mandato duradouro – a nomeação pelo paciente de um procurador para tomar decisões em seu nome, e pode ser feito por qualquer pessoa acima de 18 anos que não tenha sido interditada, apesar de só ter efeitos na eventualidade de uma doença terminal.

O documento pode expressar a opção por não ser reanimado, não ser submetido a certas cirurgias ou a tratamentos para prolongamento da vida de modo artificial, evitando certos procedimentos. Também pode servir justamente para garanti-los. A questão central é seguir a vontade expressada pelo paciente enquanto ele ainda estava em plena capacidade de juízo crítico e de comunicação.

Segundo o Colégio Notarial do Brasil, o número de testamentos vitais lavrados no país cresceu em 771% após a Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM) – que constata a obrigação dos médicos em aceitar o documento como legítimo e levar em consideração a vontade do paciente incapacitado de comunicar-se. É necessário respeitar as disposições do Código de Ética Médica, por isso o documento não pode prever eutanásia (considerada crime no Brasil).

Um ano antes da regulamentação, os cartórios de notas brasileiros haviam lavrado apenas 79 documentos. Em 2015, foram 668. Destaque para São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, os estados que mais realizaram esse tipo de documento.

“Qualquer pessoa plenamente capaz pode fazer seu testamento vital perante um tabelião de notas. Basta apresentar seus documentos pessoais e declarar que tipo de cláusulas deseja incluir. A escritura será apresentada posteriormente aos médicos pelos familiares ou por quem o declarante indicar caso futuramente ele seja acometido por uma doença grave ou fique impossibilitado de manifestar sua vontade em decorrência de algum acidente”, explica o presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, Andrey Guimarães Duarte.

O preço desse documento em São Paulo é de R$ 361,59 e pode variar de estado para estado.

O Colégio Notarial lista 10 motivos para se fazer um testamento vital e registrá-lo em cartório:

Dignidade

Permite que o paciente escolha previamente a que tipo de tratamento médico deseja ou não ser submetido, preservando o direito à vida e morte dignas.

Tranquilidade

Não antecipa a morte do paciente (eutanásia), apenas garante que ela ocorra de modo natural ou permite o seu retardamento, conforme a vontade do paciente.

Respeito

Feita por escritura pública gera tranquilidade ao paciente de que a sua vontade será respeitada quando ele não puder mais se manifestar.

Paz

Proporciona maior conforto e menos sofrimento para a família do paciente no momento de dor.

Segurança

A escritura pública oferece maior segurança para o médico cumprir integralmente os desejos do paciente, resguardando-o contra eventuais pressões de seus familiares.

Autonomia

Pode ser feita por qualquer pessoa, a qualquer tempo, desde que ela esteja lúcida e consiga expressar a sua vontade quanto ao destino de seu próprio corpo.

Lealdade

É possível nomear um procurador para ficar responsável por apresentar aos médicos e à família do paciente, os desejos e escolhas antecipadamente feitas por ele.

Revogabilidade

Pode ser alterada ou revogada a qualquer tempo, desde que o paciente esteja lúcido.

Perpetuidade

Fica eternamente arquivada em cartório, possibilitando a obtenção de segunda via (certidão) do ato a qualquer tempo.

Liberdade

É livre a escolha do tabelião de notas qualquer que seja o domicílio da parte.

Eu preciso ressaltar que a escritura pública não garante o cumprimento do documento, apesar de com certeza aumentar as chances dele ser seguido.

Luciana Dadalto, uma porta-voz do tema, já me disse que a resolução do Conselho de Medicina é insufiente, por apenas se referir às responsabilidades dos médicos e não levar em consideração outros profissionais de saúde como os enfermeiros. Também não garantiria uma validade legal ao documento. “Sempre vai cair no arbítrio do poder judiciário, por não haver uma legislação específica. Um juiz poderá falar que é válido e outro que não é”, ela diz.

É primordial a escolha de um médico que, desde já, se coloque como alguém que alimenta um canal de comunicação sobre a morte, seu posicionamento acerca da morte natural, da sedacão terminal, da internação na UTI, sem tabus, e seja reconhecido por respeitar as vontades expressas em um testamento vital.

Leia mais sobre esse tema em:

Testamento vital no blog Morte sem Tabu.

 

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Brasileiros aderem a documento que guia tratamentos no final da vida https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/12/22/brasileiros-aderem-a-documento-que-guia-tratamentos-no-final-da-vida/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/12/22/brasileiros-aderem-a-documento-que-guia-tratamentos-no-final-da-vida/#respond Tue, 22 Dec 2015 11:39:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=798 O testamento vital tem atraído mais atenção daqueles preocupados com autonomia no final da vida. O documento tem o objetivo de registrar vontades relativas a tratamentos médicos em caso de doenças fora de perspectivas de cura.

Ele não é apenas destinado a garantir a suspensão de procedimentos, como a não reanimação ou não ser submetido a certas cirurgias. Também pode ser usado justamente para garantir essas intervenções, contanto que seja a vontade expressa do paciente.

Faz parte das Diretivas Antecipadas de Vontade, assim como o mandato duradouro – a nomeação pelo paciente de um procurador para tomar decisões em seu nome, e pode ser feito por qualquer pessoa acima de 18 anos que não tenha sido interditada, apesar de só ter efeitos na eventualidade de uma doença terminal.

O portal testamentovital.com.br oferece um banco de dados para cadastro desse tipo de documento. Ele é on-line, gratuito e gera um código de acesso que pode ser compartilhado com uma pessoa de confiança do solicitante.

Criado em 2013, teve seus registros triplicados em um ano, de 20 para 60. Sua administradora, a advogada e doutora em ciências da saúde, Luciana Dadalto, estuda o tema desde 2008, com quatro livros publicados. Ela comenta que, no Brasil, estamos muito atrasados no que diz respeito a liberdades individuais. “A principal importância do testamento vital é transferir para o paciente um direito que é dele, que é a decisão sobre como viver seus últimos dias de vida”, diz.

Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, até novembro desse ano, o cadastro de testamentos vitais em cartório no país cresceu 21% em relação ao ano passado. Em 2010, apenas 50 documentos foram registrados. Em 2015, esse número passou de 600 no ano. Um fator determinante para esse aumento foi a regulamentação 1.995 do Conselho Federal de Medicina, de 2012, que constata a obrigação dos médicos em aceitar o documento como legítimo.

Para Dadalto, ela é insuficiente, por se referir apenas às responsabilidades dos médicos, excluindo qualquer outro profissional de saúde, e não garantir uma validade legal ao documento. “Sempre vai cair no arbítrio do poder judiciário, por não haver uma legislação específica. Um juiz poderá falar que é válido e outro que não é”, diz.

Algumas dificuldades para sua popularização seria a dificuldade de se falar a respeito. Para a advogada de família Renata Guimarães, alguns brasileiros demonstram um entrave cultural para lidar com questões terminais que podem anteceder o falecimento, ao sentir que pensar sobre a morte representa um mau agouro. Ela também cita a real dificuldade de cogitar e lidar objetivamente com doenças agudas e irreversíveis. Algo menos latente em seus clientes estrangeiros, inclusive porque há países que possuem lei específica sobre o testamento vital.

A advogada diz perceber um aumento significativo nos últimos três anos de documentos nesse sentido – escrituras públicas ou escritos particulares.

“Tais documentos têm por foco a situação de incapacidade civil de uma pessoa, e costumam abordar a gestão do patrimônio, cuidados pessoais e de saúde e diretrizes de não manutenção artificial de vida em casos terminais e irreversíveis. Já a forma de enterro, velório ou cremação costumam ser descritas em outro documento, denominado codicilo”, define Guimarães.

Dadalto considera a inserção de doação de órgãos no testamento vital uma questão polêmica, porque a lei de doação no Brasil o reconhece como uma decisão da família e não do paciente.

Alerta no RG

Neuza Guerreiro de Carvalho anda com seu testamento vital na bolsa. No RG há um recado: “na pasta cor-de-rosa da bolsa está meu testamento vital”. Aos 85 anos, ela prefere definir o que seja feito com seu corpo, caso esteja inconsciente. Quer seguir de acordo com suas próprias escolhas, tanto na vida quanto na morte. Professora de biologia por 30 anos, ateia, evolucionista, diz que já está na reta de chegada. “Bonita ou não, é a reta de chegada. Não tenho mais do que 10 anos de vida útil”, diz.

Decidiu pela doação do corpo para estudos acadêmicos e já tem os papéis preenchidos no Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Doou o cérebro de sua mãe para a faculdade de medicina da USP e diz ver nessas ações uma forma de cidadania. Não quer em ser enterrada, nem velada. “Tudo o que fica está assimilado na gente”, comenta.

Vovó Neuza, como gosta de ser chamada, tem seu testamento vital assinado pelos dois filhos, com firma reconhecida. Além de sempre o carregar na bolsa, o documento foi incluído em seu prontuário no Hospital das Clínicas, porque ela considera que será atendida lá em alguma emergência.

Não abre mão de sua decisão. “Eu sou muito fria nisso e minha própria formação ajuda nesse sentido. Eu sei, por exemplo, que num acidente qualquer, numa emergência, vão perguntar para quem estiver comigo: entuba ou não entuba? Eu estou dizendo nesse documento: não entuba. Porque depois de dois anos, seja lá quantos anos for, ninguém vai ter coragem de desentubar (o termo médico utilizado é extubar) e aí fica aquela confusão”.

Vovó Neuza trabalha com oficinas de resgate de memória no projeto “Amigo do Idoso” do Hospital Universitário (HU-USP). A ação foca em objetos que marcaram a vida da pessoa. Para ela, o sofá de sua casa, todo florido, é um objeto de memória precioso, com seus mais de 60 anos de história ao lado (ou embaixo) de Neusa . “É um objeto biográfico meu. Eu posso ir morar em outro lugar, mas se não couber o sofá, não tem conversa. Esse vai me acompanhar para o resto da vida”.

A professora se aposentou aos 50 anos, porque quis sair do trabalho ainda quando estava no auge. Ela diz querer o mesmo da vida: “Eu quero sair bem da vida”.

Atualização em 23 de dezembro

O Colégio Notarial do Brasil enviou o complemento abaixo sobre o assunto abordado na matéria, salientando diferenças entre o registro do documento em cartório do registro em um banco de dados virtual.

“Entendemos importante ressaltar que qualquer documento pode ser contestado na Justiça, tanto a escritura pública quanto o instrumento particular.

É relevante salientar também que os juízes vêm acatando frequentemente a vontade expressa nas escrituras públicas. Além disso, gostaríamos de expor outros pontos do porquê as escrituras possuem mais segurança jurídica comparadas ao banco de dados privados citado na reportagem e ao instrumento particular.

  • A perpetuidade alcançada pela forma pública, na medida em que fica para sempre no livro de notas.
  • A comunicação à central notarial, que pode facilitar o encontro de eventual testamento vital lavrado.
  • A força da central notarial como forma de gerar estatísticas públicas.
  • A capilaridade dos cartórios, podendo atender o cidadão em qualquer cidade do país.
  • A segurança do médico em saber numa questão duvidosa qual caminho pode ser adotado.

É importante ressaltar ainda a fé pública do tabelião, que além de segurança jurídica, tem como parte inerente ao seu trabalho a imparcialidade, por exemplo, podendo relatar as condições de saúde do solicitante ao testamento vital. Note que uma pessoa pode se cadastrar nesse banco virtual sem o gozo de suas capacidades mentais adequadas. No cartório isso não aconteceria”.

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Vovó Neuza. Marcus Leoni/Folhapress
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E se eu morrer? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/13/e-se-eu-morrer/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/13/e-se-eu-morrer/#respond Thu, 13 Nov 2014 10:24:42 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=125 Se eu morrer, tudo o que eu tenho passa para alguém. O testamento é um instrumento para dizer o que vai para quem, para que essa divisão não seja apenas feita de acordo com o definido por lei. Culturalmente, já foi evitado por ser visto como um presságio de morte, como se falar sobre testamento atraísse ou acelerasse a partida. Hoje em dia, é uma importante ferramenta a disposição do planejamento da sua morte, e principalmente, da vida dos que ficam. Ele nem sempre é necessário, mas entender suas funcionalidades pode ser útil e trazer benefícios para as pessoas que ama e um dia receberão tudo aquilo que construiu em vida.

A advogada Renata Guimarães, do escritório Guimarães Bastos Advogados concedeu a entrevista abaixo ao blog “Morte sem Tabu”.

O que é um testamento?

Testamento é um instrumento de organização patrimonial na hipótese de um falecimento. No passado, há quinze, vinte anos, eu fazia muitos testamentos de estrangeiros que vinham residir no Brasil. Eram normalmente europeus e americanos, jovens, sem filhos, preocupados com a disposição dos seus bens. Nessa época, o brasileiro não tinha o costume de fazer testamento, porque culturalmente era visto como um presságio da morte. Tive muitos clientes que se recusaram a fazê-lo por ser algo mórbido, que pudesse atrair a morte. Mas isso mudou e hoje ele é um importante instrumento de organização patrimonial. Nos últimos dez anos, o número de testamentos quadruplicou.

Quais são os tipos de testamentos?

São três tipos usuais:

– Público: redigido pelo tabelião, registrado e guardado em cartório.

– Particular: escrito pelo testador, precisa ser lido na presença de testemunhas e é um escrito particular, guardado pelo testador.

– Cerrado: escrito pelo testador e sua existência é registrada em cartório. O tabelião sela e costura o testamento e o devolve ao testador. Só fica registrado em cartório que ele foi feito.

A maior parte dos testamentos é publica, é uma escritura. Porque ele tem a segurança jurídica de ficar lavrado no livro, ou seja, você tem fisicamente a preservação do testamento (nos outros casos, ele pode ser perdido pelo testador).

O particular muitas vezes é um testamento transitório, provisório, onde se ajusta determinadas situações até que o planejamento sucessório possa ser concluído e ai sim, lavrado como um testamento público. O testamento é lido na frente de testemunhas e guardado pelo testador e pelo seu advogado se assim desejar.  Isso torna o testamento particular frágil, porque pode ser perdido. O único testamento que não corre esse risco é o público, por ficar registrado em cartório (é uma escritura) e num banco de dados, chamado Colégio Notarial – que é um grande arquivo dos testamentos feitos (públicos). Ele não é de consulta totalmente aberta. É de consulta dos juízes, dos inventários, dos cartórios que lavram o testamento e dos herdeiros –  que precisam da certidão de óbito para solicitar uma pesquisa.

Normalmente, o testamento cerrado contém um segredo, por exemplo: reconhecer um filho fora do casamento ou a deserdação de um herdeiro obrigatório. Ou seja, ele tem uma informação que o testador quer que fique oculta até a data do falecimento. O testamento cerrado é frágil fisicamente, porque um lacre pode se romper, ou a costura abrir. Eu tive um caso onde um testamento cerrado foi escondido atrás de um quadro, e ele desapareceu, ficou só a marca do envelope atrás do quadro. Nesse caso, você tem o registro que o testamento foi feito, mas não se tem fisicamente o testamento.

É mais comum recomendar-se o testamento público, por ter uma segurança física – fica registrado oficialmente nos livros do cartório. E é um testamento que se cumpre com maior agilidade.

Qual é a diferença entre a divisão dos bens com ou sem um testamento?

Existem duas maneiras de transmitir herança: ou segue-se um testamento ou a lei rege (quando não há um testamento). Vamos usar como exemplo um casal com dois filhos e casamento com separação total de bens. Se não houver um testamento, a lei diz que o patrimônio deverá ser divido por igual entre o cônjuge e os filhos. Assim, cada filho e o cônjuge ficam com 33% do patrimônio, porque ele foi dividido em três. Se os filhos forem menores de 18 anos, o cônjuge é usufrutuário da herança dos filhos até atingirem a maioridade.

Se houver um testamento, essa divisão pode ser feita de maneira diferente. Metade do que uma pessoa tem é chamada de “legítima” e precisa ir para os herdeiros obrigatórios, mas a outra metade, chamada de “disponível”, pode ser disponibilizada como o testador preferir. Os herdeiros obrigatórios são, em primeiro lugar, descendentes e cônjuges (em determinados regimes de bens, inclusive separação total voluntária). Quem não tem filhos, os herdeiros são os ascendentes (pais e avós) e o cônjuge. Quem não tem filhos, ascendentes ou cônjuge, tem a livre disposição da herança.

Nessa hipótese de testamento e de dois filhos e cônjuge, eles dividem por igual (uma terça parte para cada um) a metade do patrimônio (legítima) e não o patrimônio inteiro, ficando com 16,67% cada. A outra metade (disponível) pode ser distribuída pelo testador de acordo com a sua vontade explicita no testamento. O testador pode optar por deixar uma parte para um afilhado ou sobrinho, por exemplo. Ou disponibilizar toda essa fatia dos 50% para os filhos, aumentando a porcentagem do patrimônio recebido em relação ao que receberiam caso não houvesse testamento.

Assim, com um testamento, você pode direcionar o valor “disponível” para quem desejar. Outra coisa que esse instrumento permite é dividir participações societárias em empresas familiares.

Num testamento, também é possível deixar legados (atribuir bens específicos a alguém), por exemplo: no caso de um empresário que sustenta os pais, ele pode fazer uma instituição de renda vitalícia para eles. Ou organizar um legado em dinheiro para que um sobrinho faça um tratamento de saúde que precisa ser coberto.

Pode-se inserir clausulas de proteção, como a “clausula de incomunicabilidade”. Com ela, estabelece-se que a herança deixada para sua filha, por exemplo, não seja usufruída pelo marido dela, mesmo que ela case em comunhão parcial de bens ou comunhão universal. A filha pode decidir doar um valor ao marido, mas ele não terá direito pelo regime de bens. Se ela aplicar esse dinheiro herdado, seu marido teria direito à rentabilidade dele pelo casamento com comunhão parcial de bens, mas com essa clausula de incomunicabilidade, ele não terá.

Uma segunda clausula é a “impenhorabilidade”. Isso quer dizer que credores do herdeiro não poderão acessar a herança.

Uma terceira clausula é “inalienabilidade”. A herança, nesse caso, não pode ser vendida. O testador pode deixar uma fazenda a seus filhos, mas deixar estabelecido, com essa clausula, que ela não poderá ser vendida. Muitas vezes se vê prédios abandonados no centro São Paulo, alguns deles são inalienáveis, não podem ser vendidos.

Com um testamento, também é possível nomear tutores para os filhos menores de idade, caso ocorra a morte do pai e da mãe. Pode-se indicar como deve ser a educação dos filhos, com quem eles devam morar, etc.

Quando não se recomenda fazer um testamento?

Há a recomendação de não fazer um testamento se houver uma possibilidade ágil de fazer a divisão dos bens administrativamente (partilha administrativa). Para isso, não se pode ter filhos menores de idade. Esse processo costuma ser muito mais rápido e mais barato. Em um, dois meses, os herdeiros podem concluir uma partilha. Faz-se uma escritura pública, divide-se por igual entre os herdeiros e encerra-se o inventário. Mas nesse caso, não é possível ter outra disposição da herança além dessa divisão por igual, estabelecida em lei, e nem clausulas de proteção ou legados. Muitas vezes, o testamento é necessário num período de vida e depois deixa de ter utilidade. Por isso, é possível fazer um testamento numa fase da vida e depois cancelá-lo.

Qual é a diferença entre testamento e doação?

A doação é a transmissão de bens em vida. Doação para filhos é tida como uma antecipação de herança. A consequência disso é que se um valor for doado a um filho, o outro filho terá direito de acertar essa conta no falecimento do pai. Uma das vantagens da doação é garantir a alíquota de imposto vigente à época do ato, pois há expectativa de majoração do imposto para transmissão da herança.

O que acontece numa incapacidade?

Na incapacidade da pessoa, como no caso de um coma, seu patrimônio fica bloqueado. Nomeia-se um curador, um gestor patrimonial, que vai fazer a gestão dos bens. Há um documento, o testamento vital, onde é possível indicar quem será esse gestor, além de colocar vontades perante tratamentos médicos, podendo conter disposições sobre a não manutenção artificial da vida, por exemplo. (Nota: falei sobre o testamento vital nesse post do blog).

O que é planejamento sucessório?

Ele vai além do testamento pois este é apenas uma ferramenta do planejamento sucessório. Com ele se estrutura o patrimônio familiar, possibilitando o funcionamento e a continuidade dos negócios, mesmo na falta de membros do grupo, por exemplo. Pode-se decidir fazer doações de bens ainda em vida, além do uso de estruturas financeiras como holdings, fundos de investimentos, fundos imobiliários ou previdência, para a transmissão e divisão dos bens da família.

Uma explicação sobre holdings familiares pode ser encontrada nesse artigo.

Há um instrumento que pode dispor sobre vontades relacionadas a enterro?

Sim, ele se chama “Codicilo”. É uma modalidade de disposição de última vontade que tem um propósito específico: estabelecer preferências relacionadas a enterro. Como por exemplo, dizer que se quer ser cremado e as  cinzas jogadas no mar. Os codicilos também podem dispor sobre entregas de menor valor, como gratificações a funcionários, ou dar seu livro de cabeceira a um amigo, por exemplo.

Nos Estados Unidos e na Europa é muito comum se falar em “trust”. O que é isso e qual seria sua aplicabilidade no Brasil?

O nome trust vem da época das cruzadas religiosas. Quando o nobre saía, ele deixava o patrimônio “in trust” (confiado a alguém) para que se não retornasse, garantisse que seus bens teriam uma determinada entrega.

Assim, o trust é um conjunto de contratos que viabiliza o recebimento de um determinado patrimônio e a entrega sob determinadas condições. Ele é um veículo de entrega patrimonial. Mas não é só isso, porque no trust existe a figura do trustee. O trustee é uma pessoa que pode fazer a governança profissional do patrimônio, como entregar na data do falecimento ou em determinadas idades, quando o herdeiro fizer vinte anos, por exemplo, já com uma gestão patrimonial em andamento.

O trustee pode entregar só rendas também e não o patrimônio. Se uma pessoa tem um filho com síndrome de down, seu trustee pode fazer a gestão dos recursos para esse herdeiro e entregar só rendas do patrimônio em determinadas datas e não precisa entregar o patrimônio em si. Por isso, o trust é muito usado por patriarcas que não querem uma liquidez muito intensa para um filho, temendo que ele gaste tudo ou não saiba como fazer a gestão do mesmo. O trust e o trustee seriam muito bem vindos no Brasil pois pontuariam uma série de problemas, de governança profissional, de excesso de liquidez para herdeiros e de cuidados em determinados quadros, como de incapacidade.

A advogada Renata Guimarães em seu escritório em São Paulo

]]> 0 “Não é uma questão de morrer cedo ou tarde, mas de morrer bem ou mal” https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/04/nao-e-uma-questao-de-morrer-cedo-ou-tarde-mas-de-morrer-bem-ou-mal/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/04/nao-e-uma-questao-de-morrer-cedo-ou-tarde-mas-de-morrer-bem-ou-mal/#respond Tue, 04 Nov 2014 17:18:46 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=100 A frase do título desse post é do filósofo Sêneca. Encontrei-a no portal on-line Testamento Vital. Criado por Luciana Dadalto, ele é o mais completo do tema no Brasil. O site oferece informações sobre esse instrumento, além de um banco de dados para cadastro de testamentos vitais, o Rentev – Registro Nacional de Testamento Vital, onde o solicitante pode arquivar o testamento vital, gratuitamente e gerar um código de acesso para que uma pessoa de confiança (amigo, familiar ou profissional de saúde) possa acessá-lo quando for necessário.

Apesar do nome remeter a testamento, eles não se relacionam. Testamento vital é uma tradução, não muito bem feita, do termo referente em inglês “living will”. Esse “will” está relacionado à vontade, mas a palavra também pode ser traduzida como testamento, por isso a leve confusão. “Living will” seria “vontade em vida” pois essa é uma ferramenta para manifestar vontades sobre tratos médicos no final da vida. Já o testamento, dispõe sobre sucessão patrimonial. Mas a tradução foi feita dessa forma e aqui no Brasil, o famoso “living will” americano é conhecido como testamento vital.

Uma possível semelhança entre testamento e testamento vital é a de poderem evitar brigas entre descendentes, já que sem um testamento vital, filhos, sobrinhos e netos podem discordar sobre quais procedimentos tomar. Essa ferramenta evitaria, assim, desgastes familiares, tanto emocional quanto financeiro.

 No Brasil, eutanásia e suicídio assistido são considerados crimes. Falei mais sobre esses conceitos no meu post: Um dia para Morrer. Mas o testamento vital é aceito e deve ser seguido pelo médico, desde que não vá contra a lei e contra o Código de Ética.

 A definição oferecida pelo portal segue abaixo:

 “O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade”. Ele terá validade quando a pessoa estiver em situação de fim de vida, estado vegetativo persistente ou uma doença terminal, por exemplo.

 Um exemplo prático é pedir para não fazer quimioterapia no caso de câncer terminal ou ser colocado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

 Uma dificuldade está em se definir o que é “pleno gozo de suas faculdades mentais”, pois não englobaria pacientes com demência ou em depressão. Uma pessoa com tendência a Alzheimer, por exemplo, deveria escrever o testamento vital antes dos sintomas se apresentarem, mas alguns autores defendem que pode ser feito mesmo no início da doença. É uma linha difícil de ser definida. Sobre a depressão, fiz uma entrevista com o médico e psico-terapeuta João Figueiró, disponível nesse link.

A articuladora deste instrumento, Luciana Dadalto é advogada, fez mestrado em direito privado e doutorado em medicina. Ela sempre se interessou pela relação entre direito e medicina. Um dia, se deparou com um texto originalmente espanhol, sobre testamento vital, e ficou intrigada com a falta de conhecimento sobre essa ferramenta no Brasil. Luciana motivou-se a explorar o tema e trazer seu conhecimento a público, assim como trabalhar na conscientização de sua importância. Interesse pelo público há, porque seu livro “Testamento Vital” já está com a segunda edição esgotada.

 Manifestação de vontade em outros países

 Nos Estados Unidos, há outros documentos de manifestação de vontade, além do living will, que tratam de outras situações além das de fim de vida, como um câncer não terminal e aneurisma cerebral. São chamados de POST, e consistem em documentos de aceitação e recusa de tratamento.

 Nos países onde a eutanásia é permitida, como Bélgica e Holanda, o testamento vital pode abordar essa questão, explicitando-se a vontade de optar pela eutanásia em algumas situações.

 

Patinando no Brasil

 Apesar de seus esforços, Luciana acredita que ainda patinamos no Brasil. Numa linha evolutiva de zero a dez, ela diz que estamos no patamar um. Um dos fatores para isso é uma perspectiva religiosa e moralista que impede uma discussão objetiva sobre os diretos do ser humano.

Outro motivo é a de falta de informação. Muitas pessoas acreditam que o testamento vital vai contra a lei, por associa-lo à eutanásia, mas essa é uma percepção errada. Ele parte do principio que o paciente já vai morrer e a única coisa que ele quer é morrer de uma forma digna, com autonomia para escolher como quer chegar até o final de sua vida. “A ideia é permitir que as pessoas que queiram se utilizar disso, se utilizem. Não é uma obrigatoriedade”, ela diz.

Como fazer um testamento vital?

O passo-a-passo de como fazer um testamento vital está descrito no link: testamentovital.com.br/informações, segundo infográfico abaixo.

infografico_Testamento_Vital

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