Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Funerais em tempos de coronavírus https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/20/funerais-em-tempos-de-coronavirus/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/03/20/funerais-em-tempos-de-coronavirus/#respond Fri, 20 Mar 2020 12:19:55 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/cópia-de-_DSC1512-1.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1869 Com a rápida contaminação do novo coronavirus, não são mais aconselháveis aglomerações de pessoas, incluindo encontros para rituais fúnebres. Não se sabe se o corpo contaminado ainda transmite a doença, mas as pessoas em volta correm alto risco de contaminação entre si. O Ministério da Saúde ainda não se pronunciou sobre orientações nesse sentido. Estamos aguardando.

A  Acembra (Associação dos Cemitérios e Crematórios do Brasil) e o Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios do Brasil) produziram uma cartilha com recomendações, enquanto uma oficial do governo não chega.

“Sim, os velórios são autorizados, mas recomendamos orientarem para que durem o menor tempo possível e sejam frequentados apenas pelos familiares mais próximos. Embora alguns municípios já estejam se pronunciando no sentido de proibir as aglomerações e, em alguns casos ainda raros, limitar a frequência nos velórios, ainda não há regras específicas do governo brasileiro em relação a isso. De toda forma, os exemplos mundiais nos guiam no sentido de evitar a concentração de pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, estão proibidas as reuniões de mais de 10 pessoas nos próximos 15 dias ou de mais de 50 pessoas nas próximas oito semanas. Na França, na Espanha e em um número crescente de países, as pessoas estão proibidas de sair de casa, inclusive para fazer reuniões familiares. Outro ponto de atenção diz respeito ao chamado “grupo de risco”. Idosos e portadores de diabetes, doenças do coração, do pulmão, câncer e pressão alta devem ser desencorajados de comparecer. É também fundamental garantir um reforço nas normas de higiene e prevenção da contaminação nas instalações designadas para o velório. Para isso, recomendamos manter um controle rigoroso de limpeza e desinfecção do ambiente, de maneira frequente, disponibilizar álcool gel no máximo de cômodos possíveis e sabonete líquido em todos os banheiros”.

Com o crescente isolamento das pessoas em suas casas, há uma tendência de proibir funerais em casa.  Qual será a repercussão disso para um processo emocional que já é por si só complexo e dolorido? O processo do luto.

A psicóloga Gabriela Casellato, do 4 Estações Instituto de Psicologia, especializado em luto, diz que o velório e o enterro/cremação são rituais fundamentais para o processo de enlutamento.

“É importante do ponto de vista religioso para quem tem crenças e também cumpre a função do compartilhamento social, do reconhecimento pela comunidade como alguém que está enlutado. No ritual, concretizamos a morte diante de um corpo concreto. Expressamos emoções e somos acolhidos”.

Gabriela menciona a importância da validação das emoções. O ritual fúnebre oferece um lugar social para essas emoções que normalmente não têm espaço. “Existe o dividir a dor, rir, compartilhar memórias, histórias, resgatar vínculos com pessoas queridas que no dia a dia que não conseguimos ver”.

Ela vê com preocupação a privação de momentos como esses. “A imposição dessa privação, e não sua escolha como opção, pode gerar muitas reações no enlutado, como a inibição do pesar, ou adiamento do pesar, dificuldade em conseguir concretizar e compartilhar a dor”.

O luto de quem perdeu um ente querido para o vírus é ainda mais difícil. Gabriela teme o estigma da morte pelo vírus. “A pessoa que está em luto por alguém que morreu em decorrência da contaminação, representa algo que a gente não quer para nós. É alguém que ta vivendo algo que eu não quero viver. A minha tendência instintiva é me defender dessa dor, porque eu não quero me ver na posição dessa pessoa. E tem o risco do contágio real, não quero conviver com essa pessoa porque ela conviveu com alguém que se contaminou”.

Essas reações contribuem para o isolamento social do enlutado. O sentimento de luto acaba sendo abafado e não compartilhado. Podendo ser um fator de risco para o luto complicado.

Soluções

É importante pensar em soluções criativas.

Gabriela tem levantando essas questões junto ao setor funerário. “É possível realizar ritual ao ar livre? É possível fazer velório online?  Estamos pensando em uma flexibilidade para não tirar o ritual totalmente das pessoas. Pensar em quais recursos são possíveis, usando a internet, para vivenciar essa experiência de alguma forma”.

A psicóloga Maria Helena Franco, coordenadora do LELU, Laboratório de estudos e intervenções sobre o luto, da PUC-SP diz que ter o ritual e unir as pessoas numa cerimônia fúnebre é fundamental para o luto. “O ritual organiza uma situação desorganizadora que é a morte de alguém. A previsibilidade das etapas desses rituais ajuda a organizar o sentimento”.

Exemplos dessas etapas são os sentimentos de condolescências seguindo uma hierarquia das pessoas mais próximas ao morto, a despedida, a hora de fechar o caixão, o sepultamento ou a cremação.

Maria Helena sugere que as famílias façam encontros online, para não perderem a oportunidade desse ritual. “Ali, você pode ritualizar usando o recurso a distância. Os brasileiros são muito de contato físico, gostamos de abraçar, beijar, queremos ficar perto, mas a alternativa que temos é essa….”, lamenta.

Profissionais de saúde

Gabriela alerta para o sofrimento dos profissionais que atuam com saúde mental. “Eles estão com medo de contágio, sofrendo o estigma do isolamento – porque são vistos como vetores do vírus – e estão lidando direto com as pessoas que estão em pânico. Isso gera uma sobrecarga emocional muito grande. E sem perspectiva de quando isso vai passar”.

Os profissionais liberais, como psicólogos e psiquiatras, estão sofrendo com a suspensão dos atendimentos e começam a ter também ameaça da própria sobrevivência. Um grau de stress e ansiedade que podem colaborar com um burn-out. Pensando nisso, Gabriela criou fóruns gratuitos, online, de apoio aos profissionais de saúde. Veja informações atualizadas no Facebook do blog.

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O Direito do Corpo Morto https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/06/19/o-direito-do-corpo-morto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/06/19/o-direito-do-corpo-morto/#respond Mon, 19 Jun 2017 16:18:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1324 Hoje, partimos do pressuposto de que o corpo morto não tem direitos. Ele pertence à família, que pode fazer o que bem entender com o corpo. Ou ao Estado, no caso de não haver uma família requisitando aquele corpo. A família pode, por exemplo, decidir não doar órgãos, independente de ser uma vontade explícita do morto. Pode, também, enterrar a moça como moço, já que foi assim que ela nasceu, ou chamar um padre ao invés de um pai de santo.

O advogado e professor Fábio Mariano da Silva, Secretário Geral da Reitoria da PUC-SP, dedica sua tese de doutorado em Ciências Sociais a esse tema. Uma das frases mais marcantes que trago de nossa conversa é: “a forma como nos tratam na morte é um reflexo de como somos tratados em vida. As pessoas não percebem essa sutileza”.

A falta de direito do corpo morto, ou mesmo a falta de dignidade no seu tratamento, seria uma consequência da indignidade com que essa pessoa foi tratada em vida.

Fabio foi despertado para o tema quando teve que lidar com a morte da sua mãe. Ela morreu logo após o irmão, que vivia em uma região menos favorecida de São Paulo. O tratamento que Fabio e seu primo tiveram foi completamente diferente. A burocracia e os preços, que deveriam ser tabelados, variavam. Fabio não se conformou, ao contrário do que a maioria de nós faz, sugados pelo luto arrebatador. E hoje, o incômodo com essa discrepância se transformou em pesquisa.

A primeira ação de Fabio foi buscar no Código Civil normas a esse respeito, descobrindo que, de fato, o corpo morto não tem direitos. A lei se refere apenas ao direito a ser sepultado e a permanecer sepultado.

Fabio defende que deveríamos levar em consideração direitos constitucionais, como a identidade de gênero, a manutenção do nome e o direito a livre manifestação religiosa, independente da crença familiar.

Enquanto dava aulas no programa “Transcidadania”, da Prefeitura, Fabio escutou relatos sobre transgêneros enterrados como homens, porque a identidade de gênero não era respeitada pela família e nem precisaria ser, por direito. Ele conta já ter sido foi chamado, por um grupo do Candomblé, para defender o caso de um praticante que iria ter um ritual cristão em seu funeral por imposição da família.

Em sua tese, Fabio critica e discorre sobre como a lei construiu o conceito de “pessoa” e, consequentemente, “sujeito de direito”. E como esse conceito foi deixando certos grupos, não considerados pessoas, fora da lei. Basta observar que, por muito tempo, se considerou escravos como mercadorias e não pessoas. “Algumas doutrinas dizem que o corpo morto não é uma pessoa, mas para mim é”, diz o pesquisador.

A segunda frase que mais me marcou nessa conversa foi um ditado da avó de Fabio: “a morte suspende todos os atos”. Ela parece cada vez menos verdadeira. Chegamos a estranhar, hoje, quando alguém suspende seu cotidiano para ir a um ritual fúnebre. É quase visto como uma desculpa para tirar um dia de folga. Antigamente, era um dever, uma demonstração de respeito, uma oportunidade para compartilhar histórias, refletir sobre a finitude e oferecer apoio aos familiares.

Nesse aspecto, Fabio afirma: “As pessoas estão se tornando cada vez mais práticas em relação à morte. Temos a urgência de sermos felizes nessa sociedade do consumo. Não há tempo para viver o luto”.

Ele indica um curta metragem muito premiado, “Os Sapatos de Aristeu”, sobre o corpo de uma travesti que é preparado por outras travestis como mulher. Mas quando chega na casa da família, sua mãe corta seu cabelo, retira a maquiagem, os cílios postiços, veste-a com roupas masculinas, e a vela como homem. Uma das travestis consegue, no final, colocar sapatos de salto alto em Aristeu. Uma única peça de roupa lembrando quem realmente foi aquela pessoa e com quais passos ela decidiu caminhar pela vida.

 

Um artigo da revista eletrônica AEON, escrito por um professor de filosofia de Nova Iorque, afirma haver uma indústria gigantesca dedicada a executar os desejos dos seres humanos após sua morte e que respeitar esses desejos poderia levar a “sérias injustiças econômicas intergeracionais”. O professor diz que honrar os desejos dos mortos é um senso de dever moral equivocado. É um outro ponto de vista e menciona direitos que nem raspam na nossa realidade, mas também vale a pena conferir. 

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Um hotel para os mortos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/#respond Thu, 06 Oct 2016 19:14:35 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/lastel-corpse-hotel-32-180x117.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1122 Aparentemente, não há razão de existir para um hotel onde os hóspedes são defuntos e não casais em lua de mel. Mas no Japão há sim e o motivo é simples: a fila de espera do crematório chega a quatro dias, levando famílias em busca de alternativas a deixar o corpo em casa, aguardando.

O hotel Lastel, na província de Yokohama, sul de Tóquio, tem 18 quartos com caixão refrigerado e espaço para os familiares mais próximos velarem pessoas queridas enquanto o dia da cremação não chega.

A indústria da morte no Japão tem mostrado crescimento. A população de 127 milhões de habitantes já atingiu seu auge e deve cair para 100 milhões em 2050. É o que a revista “The Economist” chamou de “Peak Death” (auge da morte). A taxa de mortalidade é de 0,94% enquanto a global é de 0, 84%.

Japoneses tendem a gastar bastante com rituais funerários – o dobro do que a população americana gasta anualmente. A indústria chega a mobilizar US$20 bilhões de dólares por ano.

Nesse contexto, empresas começaram a ver oportunidades e lançaram ideias como: papelarias que vendem “ending notes” – cadernos específicos para providências a serem tomadas após a morte – e um barco que oferece levar familiares até a baía de Tóquio para jogar cinzas.

Duas empresas americanas que vendem serviços de lançar cinzas no espaço, a Celestial e a Elysium, abriram franquias no Japão. Também há o serviço de colocar cinzas em balões gigantes que serão soltos no céu (nessa área nós também empreendemos, com o Crematório Vaticano, por exemplo, misturando cinzas a fogos de artifícios).

Há conferências destinadas àqueles que desejam preparar seu próprio funeral. São três dias de imersão para os participantes escolherem seus caixões, urnas de cremação, fazerem lista de convidados, escutarem exemplos de música e aprenderem a estimar os custos de seus funerais. Também podem praticar a escrita do texto de anúncio de suas mortes e pensar no legado deixado.

Empresas de tecnologia andam se envolvendo. Há dois anos, a Yahoo Japão lançou o “Yahoo Ending”, um serviço que cobra uma taxa mensal até a sua morte e avisa seus amigos que você morreu, fecha suas contas na internet e abre uma página memorial on-line. O serviço também oferece a organização do velório. A Amazon Japão disponibiliza um serviço on-line de contratação de monges, que ainda não pegou muito bem.

Há uma migração de profissionais da indústria de casamento para a de morte, estimulados pela fácil inserção no mercado, por não ser necessário qualificações ou licenças obrigatórias.

Segundo Hiraku Suzuki, no livro “The Price of Death – The funeral Industry in Contemporary Japan” (o preço da morte – a indústria funerária no Japão contemporâneo), há um movimento progressivo de comercializar aquilo que antes era parte de um ritual religioso no Japão. As empresas funerárias teriam um papel importante em definir novas práticas culturais e, assim, transformar a sociedade. O autor analisa como a mudança de rituais comunitários tradicionais para os serviços funerários comerciais impacta a sociedade japonesa e seus valores.

No Brasil, uma mentalidade mais comercial me parece existir, mas sem o outro lado da moeda, que seria esse olhar empreendedor pensando nas famílias enlutadas como clientes, com direito a informação, transparência, escolha entre alternativas, serviços personalizados, confiança e qualidade. Por isso, temos poucos serviços disponíveis, um monopólio público na maior cidade do país e baixo acesso à informação. Só usufruímos dos malefícios da morte ser vista como uma commodity. Tá faltando o outro lado da equação.

O filme “When I die, Inside Japan’s Death Industry”, mostra imagens interessantes sobre a indústria da morte japonesa:

 

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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-149518
Fachada do Lastel Hotel (para cadáveres), no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao
Quarto do Lastel Hotel para cadáveres, no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao

Leia mais no blog: Duas empreendedoras da morte no Brasil:  A preparadora de corpos Nina Maluf e a Mylena Cooper – do Crematório Vaticano.

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Conheça o velório drive-thru https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/12/10/conheca-o-velorio-drive-thru/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/12/10/conheca-o-velorio-drive-thru/#respond Thu, 10 Dec 2015 10:44:31 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=778 Existem pelo menos duas funerárias no mundo que optaram pelo drive-thru para seus velórios. O caixão fica exposto enquanto os visitantes desfilam em seus carros, dão uma espiadinha, quem sabe comentam sobre como a pessoa parece pacífica, do que morreu, se sofreu, assinam o livro de visitas e seguem para o próximo compromisso.

Hoje em dia fala-se em velórios com opção via Skype (principalmente para pets), para propiciar esse momento aos que moram longe, mas o drive-thru ainda não despontou no Brasil. A iniciativa da primeira funerária a adotar essa prática não é recente nem tem a ver com a correria que associamos à modernidade.

A funerária Robert L. Adams existe desde 1947 e o êxito de sua empreitada pode ter vindo da extrema violência do bairro onde está localizada, em Los Angeles – em uma região dominada por gangues na década de 80. Os enterros tradicionais eram perigosos devido aos tiroteios que seguiam a morte de um membro de uma gangue. Era mais seguro não sair do carro. O vidro que protege os caixões é à prova de balas até hoje.

O fundador da funerária foi exposto numa janela do seu drive-thru quando morreu, em 2005. Sua esposa, Peggy Scott Adams, cantora gospel já indicada ao Grammy, é quem passou a tocar os negócios. Ela canta nos velórios, quando solicitada.

Atualmente, essa opção encontra sua razão de ser na correria do dia a dia, ou mesmo no desconforto de ir a um velório e encarar a tristeza da finitude.

A notícia da Reuters – fonte das fotos abaixo – indica que a cultura do sul da Califórnia é dominada por carros e não ter que procurar por um estacionamento seria visto como uma vantagem.

Uma funerária de Michigan, Paradise Funeral Chapel, que adotou a prática em 2014, coloca como seu motivo principal propiciar maior conforto àqueles com limitações físicas, como a dificuldade de locomoção dos mais velhos. E aposta nessa tendência para o futuro, por ser mais confortável para as famílias e conveniente aos visitantes – eles assinam um livro constatando sua presença e condolências. Em reportagem para o “Global News”, seu diretor atira: “experimente antes de julgar”.

Eu vou ser um pouco mal-educada e partir direto para a segunda parte. Essa versão fast food da morte é de arrepiar e poderia ser mesmo uma tendência se pensarmos na história da morte no Ocidente e a transferência do morrer da casa das pessoas para o ambiente hospitalar. O que já indica um afastamento do morrer e o isolamento gritante daqueles em fase final da vida. Torço para que o futuro delineie outro cenário. Ao invés de fast food, tenhamos um velório mais para gourmet, personalizado e desenhado especificamente para ajudar aquela família e seus amigos e elaborarem o luto e a finitude com a mesma grandeza que procuram elaborar um nascimento.

Saiba mais em:

Categoria: A morte como ela é 

Categoria: bastidores da morte

People view the body of the late Robert Sanders, 58, lies at the Robert L. Adams drive-through funeral parlor in Compton, Los Angeles, February 8, 2012. The funeral parlor has been in business since 1974, and is thought to be the only drive-through funeral home in southern California, according to office manager Denise Knowles-Bragg. Knowles-Bragg said the parlor offers a convenient alternative to older people who find it hard to walk, those who want to make a quick stop during the lunch hour, and the families of well-known deceased people who expect many visitors.  REUTERS/Lucy Nicholson (UNITED STATES - Tags: SOCIETY OBITUARY)
Fonte: Reuters. Robert L Adams Funeral Home

 

 

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Fonte: Reuters. Robert L.Adams Funeral Home

 

 

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Fonte: USA Today. Paradise Chapel Funeral Home
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Fonte: USA Today. Paradise Chapel Funeral Home
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Conheça Fininho, o surpreendente coveiro formado em filosofia https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/10/15/conheca-fininho-o-surpreendente-coveiro-formado-em-filosofia/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/10/15/conheca-fininho-o-surpreendente-coveiro-formado-em-filosofia/#respond Thu, 15 Oct 2015 11:22:40 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=689 Conversei com Fininho, um homem que me tocou com sua visão de mundo e a forma de habitar um lugar incomum – o cemitério. Invisível para a sociedade, Fininho  passou 20 anos fechando caixões, cavando espaços na terra.

Osmair Camargo Cândido ganhou o apelido Fininho por ser esguio. Ele foi faxineiro na Universidade Presbiteriana Mackenzie e sonhava em estudar lá. Conseguiu cursar graduação de filosofia com bolsa de estudos. Formou-se filósofo. Entrou para a profissão de coveiro por um concurso do Serviço Funerário do Munícipio de São Paulo. “Sou coveiro por escolha própria”, diz. Hoje, trabalha no Cemitério da Penha.

Gosta de ler teatro. Ao falar sobre a importância do teatro grego por tratar da essência do teatro como catarse, ganhou de presente um livro de peças que eu levava na bolsa. Fininho atentou para o autógrafo na segunda página, e eu dei uma titubeada, mas quando perguntou se eu já tinha lido Antígona, ganhou o livro de vez. “Se a pessoa não compreender o teatro grego, não compreendeu o teatro. Vai passar vergonha numa discussão. Se ele não leu Antígona, não vai entender a catarse, a interpretação que se pode ter da vida sem o uso da razão, apenas com o teatro. Não sou eu que digo isso. Quem falou foi um prussiano. E o nome dele é Nietzsche”.

Ele alimenta uma ambição na vida: publicar um livro que escreveu sobre o dia a dia de um coveiro.

Casado com uma costureira e com filhos (não me contou quantos), diz que a morte nada mais é do que um ponto no tempo e a lembrança da existência do instinto.

O que é a morte para você?

Um ponto no tempo. Qualquer coisa é um ponto no tempo. A morte é a lembrança do instinto. O homem cria a civilização, a sociedade, a amizade, mas existe seu instinto. É por isso que ele quer copular o tempo todo. Para que sua vida continue. A morte não é outra coisa senão um ponto no tempo. Fora isso você vai ficar fantasiando, inventando…

O absurdo é a vida. Quem falou isso foi Albert Camus e eu concordo com ele. Você não sabe como nem por que começou, como nem por que acaba. A vida é o intervalo entre o nascimento e o desaparecimento. Agora a morte cada qual dá o sentido que quiser. Tem gente que diz que é renascer, tem quem diga que é o fim de tudo. Camus tinha essa impressão, do absurdo da vida. Já o conterrâneo dele, Diderot, dizia que era o vazio. Não é interessante?

Você prefere ser chamado de coveiro ou de sepultador?

Ah, sepultador é fantasy. Eu sou coveiro mesmo. Quem faz cova é o quê?

 O que diz na sua carteira de trabalho?

Diz que eu sou sepultador. Mas é fantasy.

Você gosta do que faz?

Apaixonado.

O que te cativa na profissão?

Acho que você poderia formular assim: o que há nas outras profissões que não há na minha atividade.

Se você pudesse ser qualquer coisa no mundo, o que seria?

A mesma coisa que sou hoje. Se eu pudesse renascer, eu pediria o favor de ter a mesma vida. É muito bom.

O que não é bom então?

O desconhecimento. O descaminho. Quem pelo dinheiro vive, é por ele mesmo que dedicará sua vida e perderá sua virtude, perderá sua coragem, perderá sua própria vida. Tem gente que vive a vida inteira, perde a juventude, correndo atrás do dinheiro, para quando estiver velho, gastar tudo tentando restabelecer a saúde.

Você acha que seu ofício interferiu na visão que você tem do dinheiro?

Evidente. Evidente que sim. Óbvio.

Você lembra de algum momento que isso te marcou?

Vários… Eu refleti bastante no sepultamento de Plínio de Arruda Sampaio. Eu via nele uma dedicação incomum. Ele tinha posses mas se dedicava de um modo à política que me pareceu muito tocante. Um dia eu o vi na avenida paulista, muito debilitado, já doente, distribuindo santinho do partido dele lá. Eu comentei que ele precisava descansar. Ele respondeu: “um homem deve chegar até a morte cumprindo aquilo que ele pensou, aquilo que o coração ordenou”. Eu fiquei muito emocionado. Aquilo que se acredita tem mais valor do que aquilo que se tem. Porque, na verdade, há a impressão de se ter as coisas. Mas é só uma impressão, porque ninguém tem nada. Não poderá transportar nada porque não se sabe para onde vai. Vamos a lugar nenhum. Viemos do nada, seguimos para lugar nenhum. Seguimos para hipóteses. Uns dizem que vão para o céu, outros para o inferno…

Como as pessoas reagem quando você conta que trabalha como coveiro?

Ah, todo mundo vê o coveiro como um fracassado. Um fracassado social. Porque o sucesso, o sucesso na América do Sul, está no dinheiro. Às vezes eu apelo um pouco né, falo ‘olha, fulano de tal foi coveiro’, como o Rod Steward – que foi coveiro também.

Quem é você?

Eu sou neto de Silvestre Camargo e da dona Albertina Camargo. Filho de Dirce Camargo, irmão do Odair, da Vera e da Iasmin. Esse cara sou eu. Eu sou bisneto de pessoas que foram escravizadas e, portanto, dado ao gosto popular. Gosto e leio toda a obra de Machado de Assis, com toda aquela pompa dele, mas sou dado também à literatura de Lima Barreto.

Sua profissão também faz parte de quem é você?

Sim.

Você gosta de trabalhar dentro de um cemitério?

Claro. Quem tem o privilégio de ouvir tanto passarinho cantando no serviço? A parede me tira a visão do horizonte. Eu não preciso da parede. Tem gente que precisa. Eu não preciso de parede, eu não preciso de gravata, preciso só do mínimo para viver. Porque assim eu não incomodo o outro. Eu não tiro o pão da boca de ninguém. E morro com a minha consciência tranquila, mesmo com a barriga vazia. O cemitério é um lugar dado à calma, à tranquilidade, ao sossego. É um lugar de vida (Fininho arranca uma pitanga da árvore e come).

Você já se emocionou em enterros ou costuma procurar se distanciar?

Ih, já chorei um bocado. Outro dia foi triste. Eu estava fazendo o sepultamento de um militar lá no Araçá (Cemitério do Araçá). Estava aquele clima, todo o comando da Polícia Militar lá. O cara tinha sido morto pelas costas. Estava muito calor e chovendo. Eu estava sentindo um negócio gelado e quente nas minhas costas enquanto eu fazia o sepultamento… achei que era a chuva. Aí eu escuto uma menina falar: moço, fala para meu pai levantar. Aí eu vi que aquilo nas minhas costas era o choro da menina.

Para você trabalhar com cemitério você tem que saber do trato humano, saber se comunicar, ou como não se comunicar, perceber os sinais da pessoa, procurar tratar da melhor maneira possível, senão você pode ser mal interpretado. Para lidar com a morte, você não pode ter mecanicismo, você não pode ser frio, indiferente.

As pessoas normalmente falam com você, ou você passa invisível?

Um coveiro tem que ser quase invisível. Porque a pessoa está em profundo desagrado com o mundo. Mesmo quando você vê aquele tom de resignação, a pessoa também está em profundo desagrado. Qualquer coisa que for feita que não for de seu agrado, pode causar imensa confusão. Tem que se tomar cuidado com qualquer gesto fora do ritual.

Você conta com o dia de amanhã?

Eu não. Hoje para mim está ótimo. Eu posso semear algumas coisas no dia de hoje. Mas pode ser para outra pessoa colher. Eu me alimento com o hoje. E curto o hoje. Se tiver amanhã, agradeço.

Como é esse “curtir o hoje”?

Sabe o que é mais importante na vida? A própria. Lógico que eu não sou nenhum hedonista. Não vou ter aquela vida de mil prazeres. Cada qual que encontre seu melhor jeito de viver. O dinheólotra vive que nem um louco atrás de bolsa de valores, queda do dólar, política e não sei o que… eu não conseguiria viver assim.

Quais dicas você poderia dar para quem quer viver o hoje?

Acorde bem humorado. Humor é fundamental. Aproveite as delícias da vida, aquilo que você acha bom. Faça o que você gosta de fazer. Você tem que estar próximo daquilo que você deseja. Nem precisa ter aquilo que você deseja. Estar próximo é uma situação muito interessante. Você tem a expectativa. Na vida se pode ter expectativas, nunca certezas. Eu não tenho certeza do dia de amanhã, mas eu tenho a expectativa. A manutenção da própria vida… você já viu como é interessante um copo de água?

“Viver não é acumular dias”, como disse Antônio Penteado de Mendonça.

Como você sabe a hora certa de fechar o caixão?

É o timing. Não pode ser zé mané. Eu tenho que fazer com que você acorde para a hora. Você está embebida pela morte. Então eu tenho que dar um toque. Eu pego e seguro a tampa do caixão, sem pressa. Cada um tem uma técnica, a melhor é essa, porque você dá um sinal. Chegar e tampar o caixão é uma grosseria, uma estupidez. Pedir também é desagradável. Agora, quando eu pego a tampa, eu mostro. Quando você sepulta uma pessoa, não é só uma pessoa que você está sepultando. Você vai sepultar um sonho, você vai sepultar o amor, a ilusão, aquele apego. Não é só um corpo. Você tem que se colocar na posição do cara. O processo de morte, na minha profissão, é embrutecedor. A percepção da morte não é para todos.

Quais são as reações mais comuns?

Agressividade, riso, resignação, alguns assobiam. Já levei um soco que me tirou do chão. Era um político. Eu falei: já quase não tenho dente, você vem me tirar os que restam, mas que xarope! A filha me pediu para eu não brigar com seu pai. Fiz o sepultamento todo com gelo na boca. A esposa dele comentou depois que ele tinha bebido.

Você acredita em espíritos?

Nunca dei trela para isso não. Não tenho tempo para isso. Essa é uma falsa questão. Sabe o nome disso? Sofismo. É uma falsa questão. Leia um livro que se chama “De Anima” de Aristóteles, o pai da lógica formal. O primeiro livro que eu me apaixonei foi o do Newton (Isaac Newton), Aristóteles foi o segundo.

As coisas andam, se movem, você concorda comigo que a terra gira? Mas o que quer dizer que a terra gira? Oras, se uma coisa gira, logo tem que ter o primeiro giro, o motor. É aquela pergunta que seu filho vai te fazer: mamãe, por que a terra gira? Se ninguém ta empurrando, por que ela gira? De onde vem as forças? De onde vem a matéria? É daí que vem “De Anima” – a matéria é inanimada. Teve um que morreu pensando nisso, o Einstein. Fez “A Teoria do Tudo” e morreu.

Sobre os espíritos: pensar sobre eles não é uma questão, não é um problema. René Descartes vai falar: penso, logo existo. Agora o outro, um alemão o qual dediquei mais da metade da minha vida, vai falar assim (Fininho refere-se à Immanuel Kant): muito bem, quem é esse eu? Então, ele escreve uma nova metafísica. Ele vai dizer os seguinte: são acidentes. Ele não fala sobre Deus ou sobre a alma, porque de que adiantaria? Ele é racionalista, ele é um iluminista, ele é o pai da razão, um divisor da filosofia na Alemanha.

Então, eu digo que é um sofismo porque falar sobre a existência ou não de espíritos é a criação de um falso problema.

Vamos falar de causalidade. Essa árvore está aí porque um dia tinha uma sementinha aí – você vai buscar a causa da existência da árvore com a razão e por aí vai. Mas se a sua razão buscar as causas, logo você vai chegar numa causa não causal. Logo, a razão não encontra explicação. Aí entra a fantasia. Eu vou deixar isso aí como um postulado. Na visão de Kant, Deus é um postulado – porque a razão não alcança.

Você já pensou no que querem que seja feito com seu corpo quando você morrer?

Eu não. Eu vim de graça, vou embora de graça. Já ouviu aquela música? (cantarola) A bruta flor do querer… Então, é isso. (a música é “Querer” de Caetano Veloso).

Qual é a relação com essa música?

O querer! Mas minha música predileta é uma de Aldir Blanc: caía a tarde feito um viaduto, e um bêbedo trajando luto, me lembrou Carlitos… Ele fez músicas para a Elis Regina.

Você já pensou em compor?

Quê? Com tanto compositor bom por aí eu vou me meter com isso? Vou compor onde tem João Bosco? Não…

Você já fez amizade com alguém que conheceu num velório?

Eu já passei o Natal com uma senhora que vinha no Araçá (cemitério do Araçá, onde trabalhava) para conversar comigo. A família me pediu para levar todos meus netos lá no Natal. Levei. Ela me chamou no hospital para vê-la antes de morrer… Eu gostava muito dela. É importante isso no mundo, encontrar afinidades. (cantarola) É impossível ser feliz sozinho. Não é?

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Uma dama na morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/08/uma-dama-na-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/08/uma-dama-na-morte/#respond Wed, 08 Jul 2015 11:58:34 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=575 Sua família começou com uma pequena fábrica de caixões, em 1920. Hoje, na terceira geração, expandiu para virar o Crematório Vaticano, com unidades no Paraná e Santa Catarina. A diretora funerária Mylena Cooper conta como foi crescer brincando de se esconder em caixões e quando começou a perceber que seu cotidiano não era considerado normal pela sociedade.

Entrevista com Mylena Cooper, transformado em depoimento para o formato “Minha História” – matéria publicada no caderno mercado da Folha em 07.07.15.

O negócio da família começou com meu avô, que fazia engradados de madeira para condimentos. Até que um dia, faleceu um de seus vizinhos e pediram para que ele fizesse um caixão com a madeira usada nos engradados. Ele aceitou e passou a investir em caixões. Eram entalhados à mão, com desenhos de flores. Quando meu avô percebeu que o negócio não dava dinheiro porque todo lucro ficava nas mãos das funerárias, ele comprou uma funerária. Inicialmente, tinha o nome Cooper, que é o sobrenome da família, para depois se tornar a funerária Vaticano e, hoje, o Crematório Vaticano. O sobrenome Cooper significa “fabricantes de caixões” em irlandês, por isso há uma tradição na Europa das famílias Cooper fabricarem caixões. É uma coincidência.

Eu lembro de brincar de esconde-esconde com meus primos nos caixões. Tinha uma época que guardávamos caixões em casa. O estoque era grande porque a empresa ainda era muito pequena e não havia outro lugar para colocá-los. Algumas crianças se assustavam. Tenho amigas que até hoje lembram de chegar em casa e ver caixões no jardim. Hoje sei que o caixão assusta as famílias, mas para mim era, e ainda é, algo muito natural.

Foi na adolescência que eu comecei a perceber que minha família era diferente das outras. Um dia, a professora perguntou onde meu pai trabalhava. Eu disse: funerária. Ela me corrigiu: não, ele trabalha numa funelaria, nunca mais diga funerária. Ela achou que eu estava confundindo e não queria entender. Meus pais tiveram que ir lá explicar.

Fiquei muito tempo com vergonha de falar que minha família trabalhava nesse ramo. Mas chegou um dia em que percebi que o assunto na mesa de jantar era só esse: o trabalho na morte. Eu tinha 16 anos quando decidi entrar na empresa também. Meu irmão, com 18, já trabalhava lá, junto com meu pai, meu avô, minha mãe… Comecei vendendo planos funerários, aí fiz curso de preparação de corpo, de maquiagem, e acabei passando por todos os setores da empresa. Uma das coisas que fiz muito foi ser a DJ do crematório – eu selecionava as músicas para o velório e para a cerimônia de cremação.

Lembro de as pessoas ficarem assustadas quando eu falava do meu trabalho e algumas achavam nojento. Brincadeiras sempre tinham (e ainda tem) porque é o modo do brasileiro de lidar com a morte. A educação que meu pai me passou foi que nosso trabalho é o de tornar mais fácil o momento mais difícil da vida das pessoas. É um trabalho digno.

Hoje todo mundo já conhece meu trabalho e valorizam o que eu faço. Meu pai, Edson Cooper, é muito respeitado. Ele é bem empreendedor. Na primeira possibilidade que teve começou a ir em congressos. Hoje ele participa de três congressos internacionais por ano e dois nacionais. Ele não falava inglês e não entendia as feiras funerárias, mas com o tempo foi aprendendo. Sempre se espelhou nos países mais desenvolvidos. Ele trouxe a cremação para o sul do Brasil, há quinze anos, quando a cremação não era comum, com a consciência de que ela é uma alternativa mais econômica, prática e polui menos o meio ambiente.

Ele inovou em outros aspectos, como o de usar poltronas confortáveis ao invés das cadeiras duras e na instalação de ambientes climatizados, além do oferecimento de lanches para as famílias durante a cerimônia.

Um dos maiores legados do meu pai é a tanatopraxia – um conjunto de técnicas de conservação do corpo, que retarda sua decomposição. Foi ele quem trouxe esse estudo ao Brasil e passou a ensiná-lo gratuitamente. Por ser engenheiro químico, ele criou o líquido que é injetado no corpo. Isso se espalhou muito rápido. Hoje se cobra 2000 reais para dar um curso de tanatopraxia, e meu pai ensinou todo mundo de graça. Antigamente, não se podia transportar corpos de uma cidade para outra, ou fazer velórios depois de 24 horas porque não existia essa técnica. É um procedimento fantástico para a família, porque parece que a pessoa está dormindo. Ele tira a rigidez do corpo, tornando possível entrelaçar as mãos do defunto, por exemplo. Além disso, tira o cheiro forte e age como um bactericida, possibilitando o toque. A tanato também tornou possível a reconstituição facial e a reconstituição do corpo.

Outra inovação é o uso de resguarda de pombas brancas no sepultamento. Meu avô sempre criou pombos, passarinhos e galos, mas teve que parar de trabalhar por causa da idade. Inicialmente, meu pai implantou a resguarda para dar uma atividade para ele. O que acabou sendo muito benéfico, porque há estudos científicos mostrando que quando as pessoas olham para cima, elas ativam um nervo que relaxa. Esse movimento circulatório de olhar a resguarda de pombas voando (elas dão cinco voltas acima da cabeça) faz com que você movimente o pescoço, relaxando ainda mais. As famílias vão embora mais relaxadas, tranquilas para pegar um carro, ou até mesmo viajar – voltar para sua cidade natal após um velório.

Também fizemos a chuva de pétalas que agora está se espalhando pelo Brasil. No final da cerimônia, tem uma esteira embutida no teto que solta pétalas de rosas em cima do caixão. É uma última homenagem que as famílias têm adorado e possibilita esse olhar para cima. Assim como a chuva de balões – a família escreve textos que são colocados dentro dos balões e soltos.

Temos a árvore das saudades (mensagens colocadas em corações ou flores de papel), e os QR-code na sala de memórias, com informações sobre a pessoa falecida. São nichos de vidro que representam um túmulo, com objetos pessoais como óculos ou celular, estetoscópio… artigos que mostram o trabalho e os hobbies daquela pessoa. São coisas que ajudam no processo do luto.

Algumas inovações são referências que vemos fora do país, como a transformação de cinzas em cristais. Antes usávamos diamantes, mas era muito caro por ser um produto importado. O cristal é bem mais barato e é feito por nós mesmos, na fábrica de vidros do meu outro avô. Uma vez, a esposa de um falecido nos pediu para fazermos um sapo em cristal verde com as cinzas dele, pois ele tinha o apelido de sapo. Também oferecemos cristais com cinzas dos bichos de estimação.

Tentei fazer uma parceria com a NASA para mandar as cinzas para o espaço (um serviço comum lá), mas não deu certo, porque ninguém quer mandar o parente para longe. O pingente é mais popular, por permitir que a pessoa amada fique perto de si.A materialização faz bem no lidar com o luto.

Nossa cerimônia é pensada para ajudar as famílias. Procuramos montá-la da forma mais personalizada possível, pesquisando sobre a vida do falecido e buscando coisas marcantes e positivas na sua trajetória. Pegamos as músicas que ele mais gostava, montamos um vídeo, elaboramos uma carta com as últimas homenagens dos amigos e de pessoas do convívio social, como do trabalho ou do clube.

Os americanos fazem muito isso. Vai todo mundo para o microfone falar sobre o falecido, fazem até santinhos. Só que eles têm uma semana para preparar a cerimônia lá. Aqui temos duas horas para montar tudo.

E procuramos ajudar no que for possível. Por exemplo, se sabemos que há briga na família, colocamos um vídeo falando sobre a importância da união familiar. Tudo tem que ter um sentido.

O trabalho é prejudicado pelo preconceito que o setor enfrenta. Nos Estados Unidos, por exemplo, o diretor funerário é visto como uma figura que ajuda a comunidade. Aqui, no Brasil, as pessoas têm a impressão de que a funerária se aproveita da família no momento do luto.

Eu represento o Brasil, junto com meu pai, nas reuniões do FIAT-IFTA, um conselho internacional em que se vota assuntos relacionados à morte, junto à UNESCO e à ONU. Discute-se, por exemplo, o sepultamento no mar, se deve ser permitido ou não e quais seus impactos no meio ambiente.

Em relação aos outros países, estamos atrasados quanto ao percentual de cremação. Aqui são 3%, nos EUA é acima dos 70%, na China é 99,5%. A Austrália também já passou dos 70%. Em relação a serviços, o Brasil está avançado. Em poucas horas já entregamos o corpo embalsamado, com lanche, ritual, todo evento preparado. Também admiram nossas inovações no serviço. O brasileiro é muito criativo.

A tendência do nosso mercado funerário é aumentarmos as taxas de cremação de pessoas e animais. Eu prefiro a cremação por ser mais prática, limpa, higiênica e mais leve. Também acho que crescerá essa ideia de se elaborar a cerimônia como uma homenagem – com vídeo, fotos, texto biográfico, ou seja, com grande participação dos familiares e amigos.

Infelizmente o sistema funerário de Curitiba é um retrocesso. A federação diz que cada município deve gerar o ramo funerário de sua cidade como quiser. Em Curitiba, há um rodízio de funerárias (são todas particulares, ao contrário de São Paulo, onde há o monopólio da prefeitura). Cada um que morre vai para uma funerária, em formato de rodízio. É um pesadelo você não poder escolher a funerária que preferir. A livre concorrência só agrega para o consumidor, então é ele quem está perdendo.

Então posso dizer que sonho com mudanças como essa. E desejo a melhoria contínua do setor. De poder atender sempre com qualidade e inovação. E quando eu tiver filhos, adoraria que eles continuassem nesse segmento, com o amor em ajudar os outros nesse momento difícil, como o que meu pai me ensinou.

 


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