Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cemitério tem cachorrinho que auxilia em velórios https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/11/01/cemiterio-tem-cachorrinho-que-auxilia-em-velorios/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/11/01/cemiterio-tem-cachorrinho-que-auxilia-em-velorios/#respond Tue, 01 Nov 2016 12:46:41 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/DSC_5157-180x120.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1177 Jung é filho de Freud e tem a missão de continuar o trabalho do pai: colocar um sorriso no rosto dos que passam pelos velórios do Memorial Necrópole Ecumênica de Santos – um prédio de 14 andares que lhe dá o título do mais alto cemitério do mundo (leia mais sobre ele nesse post aqui).

Freud morreu em outubro, aos 11 anos, e ganhou esse nome por causa da barbicha de sua raça, schnauzer. Além do cemitério, Jung e seu irmão Teddy, também frequentam hospitais – adulto e infantil, casas de repouso, eventos para crianças autistas e com paralisia cerebral, creches, escolas e casas de reabilitação.

Freud foi o pioneiro da Dr.Auau, que coloca em prática, há 11 anos, a chamada zooterapia – “uma terapia focada em como usar animais para uma interação positiva com os homens”, comenta sua fundadora Victoria Girardelli, jornalista.

Victoria teve essa ideia a partir de um momento pessoal – o acolhimento de Freud durante o processo de cura de um câncer. A presença do animal foi tão importante que a fez pensar em como compartilhar essa experiência. “Ele foi fundamental, me fez companhia, me deu forças, e eu pensei: não quero que ele seja só meu”. Passou a levar Freud para uma república de idosos e a hospitais infantis. Victoria diz que a presença do cachorrinho nesse tipo de ambiente é positivo porque motiva a criança a sair do leito, a andar pelo corredor, a pegar o animal no colo, o que ajuda no intestino, contribuindo para a alta.

Há cerca de um ano, Freud passou a frequentar o Memorial Necrópole Ecumênica de Santos e, segundo sua dona, foi o primeiro cão do mundo a fazer esse tipo de trabalho no ambiente de luto. Com um colete azul de bolsos para levar mensagens de conforto, Freud (e agora Jung) passou a visitar velórios e agradar aqueles com quem interage. “Nesse momento de afago e carinho, você já consegue mexer com os hormônios ocitocina e endorfina, que trazem prazer”, comenta Victoria.

Ela diz que a aceitação é 100% e não há reclamações. O serviço é gratuito e normalmente o cachorro fica na parte externa do velório. Mas se for requisitado, entra na sala. Às vezes, o parente leva o cachorro para ‘apresentá-lo’ ao morto. “Tem gente que pega no colo, leva para o falecido, conversa, tira um cartão e lê em voz alta. E dizem ‘nossa, era isso que eu precisava ouvir agora’. ”

Alguns exemplos de frases levadas aos velórios:

“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós” – Chico Xavier.

“O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades” – Vinicius de Moraes.

“Há coisas que nunca poderão se explicar com palavras” – Saramago.

“A vida não passa de uma oportunidade de encontro. Só depois da morte se dá a junção. Os corpos tem apenas o abraço, as almas, o enlace” – Victor Hugo.

Para Victoria, a morte é única certeza que a gente tem, mas é uma dor sem medidas e muito pessoal – “cada um passa de uma forma, cada um tem a sua leitura, o seu tempo”. Por isso, esse tipo de carinho num momento de fragilidade é sutil e bastante positivo. “Encontrei minha missão e não largo o osso”, comenta.

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O cemitério mais alto do mundo é brasileiro https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/28/o-cemiterio-mais-alto-do-mundo-e-brasileiro/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/28/o-cemiterio-mais-alto-do-mundo-e-brasileiro/#respond Fri, 28 Oct 2016 18:20:20 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/ITS_6022-180x120.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1162 O cemitério mais alto do mundo é brasileiro e fica em Santos, São Paulo. Quem afirma isso é o próprio cemitério, o Memorial Necrópole Ecumênica de Santos fundado em 1983 por Pepe Altstut e o “Guinness Book of Records” – com registro desde 1991. O cemitério de Pepe tem fonte, lagoa com carpas, tartarugas, um viveiro com pavões e faisões e um criadouro de araras regulamentado pelo Ibama. O prédio de 14 andares tem ares mais de hotel do que de cemitério. É um espaço para abrigar lembranças empilhadas em forma de ossos, para receber o luto e a saudades. Um novo prédio, em construção, terá 32 andares e 108 metros de altura.

Esse conceito é chamado de “cemitério vertical”, são prédios que abrigam cadáveres em lóculos (gavetas) conectados por tubos para a saída de gases provenientes do processo de decomposição, evitando o mau cheiro. No Estado de São Paulo há outros do tipo, como o Phoenix Memorial do ABC em Santo André, projetado pelo arquiteto Carlos Bratke, o memorial do Alto Tietê em Suzano e o Memorial Guarulhos.

Pepe diz que nossa relação com a morte tem se modificado ao longo dos anos. “Estamos desmitificando esse momento tão difícil, porque é um processo muito agressivo e as necrópoles normalmente são muito frias, não acolhem. Mas o processo pode ser menos traumático em lugares como esse” .

Ele considera o cemitério vertical uma tendência mundial do setor funerário, por não poluir o meio ambiente como o enterro, independer do tempo, como chuva e possibilitar maior segurança para as pessoas. Seu prédio é todo monitorado por câmeras.

A cremação também seria uma tendência forte. “Temos o primeiro crematório privado do país”, diz Pepe. E ressalta ser interessante termos um local para guardar as cinzas, para podermos ir “visitar” o morto e não termos que levar as cinzas para casa. Esse espaço é chamado de Columbário, ele é cobrado e acaba sendo uma fonte de receita importante para os cemitérios.

O interesse pelo negócio de Pepe surgiu da vontade de retribuir a receptividade que recebeu dos brasileiros quando imigrou da Argentina aos 25 anos (hoje ele tem 78). Pepe é ligado em esportes, patrocina 150 atletas – por exemplo, na equipe do campeonato brasileiro de ciclismo e nas paraolimpíadas.

Seu ambiente, além de acolhedor, deve ser igualitário. “No meu cemitério, não existe pobre nem rico, é tudo padrão”.

A padronização dos túmulos é uma marca da modernização, já que no passado, esses espaços eram usados justamente para mostrar a relação de poder entre as famílias. Quanto maior o poder, maior o mausoléu de um nome.

Outra tendência do setor funerário são os cemitérios jardins, como o Cemitério Cerejeiras, no Jardim Ângela, que também padronizam os túmulos tirando esse aspecto de poder social.

Pepe diz ver a morte como uma etapa da vida e não o fim em si. Católico, acredita na vida após a morte e espera um dia reencontrar sua mãe, que dá nome à gruta do local.

E o luto? “O luto é a perda do nosso público. Nossos familiares são nosso público, são o público da nossa vida. Quando perdemos uma pessoa querida, perdemos parte do público e perdemos um pouco da motivação da vida”. Nesse sentido, seu cemitério é um prédio de audiências perdidas, que ganharam de presente, uma linda vista.

Veja um vídeo produzido pela revista eletrônica inglesa, AEON, sobre esse cemitério, clicando aqui.

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É possível ser enterrado vivo? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/14/e-possivel-ser-enterrado-vivo/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/14/e-possivel-ser-enterrado-vivo/#respond Fri, 14 Oct 2016 13:35:15 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/interreview1-180x119.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1141 Vira e mexe aparece uma notícia de alguém enterrado vivo. Em 2014, repercutiu a história de uma grega que foi declarada morta pelos médicos que a tratavam de um câncer e colocada debaixo da terra. Após a cerimônia do enterro, um grupo de crianças que brincavam no cemitério ouviram seus gritos e chamaram ajuda. Ela morreu sufocada antes de ser resgatada.

O maior problema de ser enterrado vivo é o oxigênio dentro do caixão, que deve durar apenas de uma a duas horas. Por isso, é importante tentar manter a calma, para não acelerar a respiração e gastar essa importante molécula.

O pavor de ser enterrado vivo tem nome: tafofobia. Vem de taphosphobia, taphos dignifica “ caixão” em grego e phobia é fobia. George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, teria tanto pânico dessa situação, que deixou instruções para ser enterrado apenas dois dias depois de declarado morto.

O compositor Chopin também sofria desse mal e pediu para retirarem seu coração quando morresse. Ele teria sussurrado, em seu leito de morte na França, para que seu coração voltasse à sua terra natal, na Polônia. O órgão viajou dentro de um jarro com conhaque (isso em 1849) e até hoje é um totem venerado no país.

No início do século 19, esse medo não era completamente irracional, já que sem o avanço da medicina, diversos casos foram relatados e lendas urbanas eram criadas em cima disso.

A rara doença Catalepsia patológica é tida como ter sintomas que podem ser confundidos com um defunto, pois há baixa drástica de sinais vitais e a pessoa aparenta morta. Mas com as técnicas atuais da medicina, seria muito difícil cometer esse erro.

Edgar Allan Poe explora esse tema no conto “O Enterro Prematuro”, narrado em primeira pessoa por um homem que sofre de catalepsia e teme ser enterrado vivo. Sendo Poe, imaginem o que acontece com o homem. “Em A Queda da Casa do Uscher”, a irmã do protagonista tem crises de catalepsia e acaba sendo enterrada viva pelo próprio irmão. Já no conto “ O Barril de Amontillado”, Poe explora uma espécie de “enterrada” como uma forma de vingança contra uma ofensa.

Se você tiver a infelicidade de estar numa situação dessas, há algumas dicas úteis: tente manter a calma para não consumir o oxigênio rápido demais. Medite, ore, entoe mantras, tudo isso. Tente quebrar a tampa do caixão com um anel, como aliança, ou fivela do cinto e use os pés – chutando a tampa. Use sua camiseta para proteger seu nariz e a boca da terra que cairá com tudo e poderá te sufocar. Quando a tampa se romper, não pare de se mexer – sente-se no caixão e use os pés para impulso contra a terra.

Se você tiver sorte, poderá ser “salvo pelo gongo”. A expressão deriva daí. Amarrava-se uma espécie de barbante no braço do defunto, interligado a um sino na superfície. Se os coveiros escutassem um badalo, salvariam o “morto”. O celular parece ser uma versão contemporânea disso. A tanatopraxista Nina Maluf me disse já ter tido uns 12 clientes que, por vias das dúvidas, foram enterrados com seus telefones. A bateria cheia. “O último foi um super celular irado, dá a maior dó”, lamenta.

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Um hotel para os mortos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/#respond Thu, 06 Oct 2016 19:14:35 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/lastel-corpse-hotel-32-180x117.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1122 Aparentemente, não há razão de existir para um hotel onde os hóspedes são defuntos e não casais em lua de mel. Mas no Japão há sim e o motivo é simples: a fila de espera do crematório chega a quatro dias, levando famílias em busca de alternativas a deixar o corpo em casa, aguardando.

O hotel Lastel, na província de Yokohama, sul de Tóquio, tem 18 quartos com caixão refrigerado e espaço para os familiares mais próximos velarem pessoas queridas enquanto o dia da cremação não chega.

A indústria da morte no Japão tem mostrado crescimento. A população de 127 milhões de habitantes já atingiu seu auge e deve cair para 100 milhões em 2050. É o que a revista “The Economist” chamou de “Peak Death” (auge da morte). A taxa de mortalidade é de 0,94% enquanto a global é de 0, 84%.

Japoneses tendem a gastar bastante com rituais funerários – o dobro do que a população americana gasta anualmente. A indústria chega a mobilizar US$20 bilhões de dólares por ano.

Nesse contexto, empresas começaram a ver oportunidades e lançaram ideias como: papelarias que vendem “ending notes” – cadernos específicos para providências a serem tomadas após a morte – e um barco que oferece levar familiares até a baía de Tóquio para jogar cinzas.

Duas empresas americanas que vendem serviços de lançar cinzas no espaço, a Celestial e a Elysium, abriram franquias no Japão. Também há o serviço de colocar cinzas em balões gigantes que serão soltos no céu (nessa área nós também empreendemos, com o Crematório Vaticano, por exemplo, misturando cinzas a fogos de artifícios).

Há conferências destinadas àqueles que desejam preparar seu próprio funeral. São três dias de imersão para os participantes escolherem seus caixões, urnas de cremação, fazerem lista de convidados, escutarem exemplos de música e aprenderem a estimar os custos de seus funerais. Também podem praticar a escrita do texto de anúncio de suas mortes e pensar no legado deixado.

Empresas de tecnologia andam se envolvendo. Há dois anos, a Yahoo Japão lançou o “Yahoo Ending”, um serviço que cobra uma taxa mensal até a sua morte e avisa seus amigos que você morreu, fecha suas contas na internet e abre uma página memorial on-line. O serviço também oferece a organização do velório. A Amazon Japão disponibiliza um serviço on-line de contratação de monges, que ainda não pegou muito bem.

Há uma migração de profissionais da indústria de casamento para a de morte, estimulados pela fácil inserção no mercado, por não ser necessário qualificações ou licenças obrigatórias.

Segundo Hiraku Suzuki, no livro “The Price of Death – The funeral Industry in Contemporary Japan” (o preço da morte – a indústria funerária no Japão contemporâneo), há um movimento progressivo de comercializar aquilo que antes era parte de um ritual religioso no Japão. As empresas funerárias teriam um papel importante em definir novas práticas culturais e, assim, transformar a sociedade. O autor analisa como a mudança de rituais comunitários tradicionais para os serviços funerários comerciais impacta a sociedade japonesa e seus valores.

No Brasil, uma mentalidade mais comercial me parece existir, mas sem o outro lado da moeda, que seria esse olhar empreendedor pensando nas famílias enlutadas como clientes, com direito a informação, transparência, escolha entre alternativas, serviços personalizados, confiança e qualidade. Por isso, temos poucos serviços disponíveis, um monopólio público na maior cidade do país e baixo acesso à informação. Só usufruímos dos malefícios da morte ser vista como uma commodity. Tá faltando o outro lado da equação.

O filme “When I die, Inside Japan’s Death Industry”, mostra imagens interessantes sobre a indústria da morte japonesa:

 

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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-149518
Fachada do Lastel Hotel (para cadáveres), no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao
Quarto do Lastel Hotel para cadáveres, no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao

Leia mais no blog: Duas empreendedoras da morte no Brasil:  A preparadora de corpos Nina Maluf e a Mylena Cooper – do Crematório Vaticano.

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A autópsia é obrigatória? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/05/20/a-autopsia-e-obrigatoria/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/05/20/a-autopsia-e-obrigatoria/#respond Wed, 20 May 2015 11:10:29 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=518 É incômodo pensar no corpo de alguém que amamos todo recortado por uma autópsia. Não queremos que nos esfaqueiem nem em vida nem na morte, não importa se digam que o cérebro está desligado depois que morremos e não existe sistema nervoso central sem ele, ou seja, não existe dor. Mas a primeira indagação científica sobre haver consciência após a morte ou não já estremece as bases e aquele bisturi indagador pode ficar quietinho lá na caixinha dele.

Em algumas situações não haverá escolha, porque a autópsia pode ser obrigatória.

Há duas maneiras de morrer. Ou você morre do que é chamado de causa natural, que são doenças como câncer, infarto, derrames, doenças infecciosas como Aids e dengue, enfim, todas essas palavras arrepiantes. Ou você morre de causa externa, que são acidentes e violência, como acidentes de carro, homicídios com arma de fogo, acidentes de trabalho e até quedas acidentais, como o vovô tropeçando na calçada. Ou seja, esse lado também não é nada atrativo e como as opções terminaram, não existe mesmo maneira fácil de morrer. Bom, também não tem jeito fácil de nascer, então a trajetória da raça humana está super coerente consigo mesma.

Nas causas naturais, o corpo é considerado da família, então ela pode escolher sobre a autópsia ou não. Mas há a necessidade de uma declaração de óbito preenchida por um médico que estivesse acompanhando o paciente, ou que seja um médico conhecido da família. Essa declaração é necessária tanto para mortes ocorridas no hospital quanto em casa. Se o diagnóstico estiver esclarecido, não precisa fazer autópsia. Se a causa não estiver esclarecida, o médico provavelmente não assinará a declaração de óbito e pedirá uma autópsia. Ele pode assinar como causa indeterminada e assim não haver a autópsia, mas isso só ocorre em cidades onde não existe o Serviço de Verificação de Óbito (SVO), como ocorre na maior parte das cidades do Brasil. Há o IML (Instituto Médico Legal – para causas externas) mas não o SVO, que faz autópsia nas causas naturais.

Nas causas externas, há a necessidade de uma apuração jurídica, com a abertura de um inquérito. Obrigatoriamente, em todo óbito de causa externa, a autópsia é obrigatória, então a família não decide sobre ela. O corpo é considerado do Estado e será encaminhado ao IML. A autópsia é feita pelo legista, que é um perito oficial, concursado e funcionário do Estado.

No SVO, a autópsia é feita pelos médicos contratados do SVO, não há a necessidade de peritos, como no IML. A maioria dos SVOs são uma autarquia, pertencem metade à prefeitura e metade ao setor privado, por isso ele acaba só existindo em cidades grandes que têm mais recursos para mobilizar a estrutura de um SVO, como São Paulo e Campinas.

O preenchimento da declaração de óbito é tema de discussão nos Conselhos de Medicina para evitar erros que possam prejudicar as famílias e as estatísticas baseadas neles. Desde 1976, ele é padronizado em todo território nacional. Na publicação do Ministério da Saúde: “A Declaração de Óbito: documento necessário e importante”, afirma-se na apresentação: “Nós médicos somos educados para valorizar e defender a vida. Sempre nos ensinaram que a morte é a nossa principal inimiga, contra a qual devemos envidar todos os nossos esforços. Esse raciocínio reducionista, porém real; equivocado, porém difundido, é fonte de incontáveis prejuízos para as pessoas. A morte não é a falência da medicina ou dos médicos. Ela é apenas uma parte do ciclo da vida”.

Fonte: entrevista com Dr. Paulo Newton Danzi Salvia, médico legista do IML de Campinas e professor da Unicamp.

Atualização em 20/05, 14h : Dr. Paulo informou que o termo autópsia também pode ser usado como necrópsia. Eles são sinônimos.

Atualização em 21/05: Recebi um email do médico geriatra Dr. André Filipi Junqueira dos Santos com considerações importantes sobre esse post. Achei interessante compartilha-lo. Segue, abaixo.

   ” Olá Camila, Tudo bem? Gostaria de acrescentar algumas considerações ao post “A autópsia é obrigatória?”. Uma curiosidade semântica: alguns autores consideram usar a palavra autópsia quando a pessoa fala sobre o procedimento em si mesmo (fizeram um autópsia em meu fígado, por exemplo. Nesse caso,  a palavra autópsia é usada no sentido de biópsia).  Necrópsia seria utilizada quando o procedimento é feito por uma pessoa em outra pessoa (fizeram uma necrópsia no fígado dele, por exemplo). Mas na prática pode-se usar os dois termos. Outro ponto que gostaria de acrescentar é que a Declaração de Óbito deve ser preenchida por um médico assistente, ou seja, alguém que estava dando assistência à pessoa que faleceu e conhece seu caso. Porém, esta figura médica tem desaparecido com o crescimento de serviços de saúde, tanto no âmbito público quanto no particular. Hoje, muitas pessoas não falam que são acompanhadas por um médico específico, mas sim por uma área de um hospital, como o Serviço de Oncologia do Hospital Sírio Libanês, por exemplo. Geralmente, estas pessoas são atendidas por médicos residentes ou médico contratados, em um sistema de rotação. E pode acontecer da pessoa falecer em casa ou em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sem estar no serviço de referência. É aí que a complicação começa para o preenchimento da declaração do óbito, pois muitas vezes os familiares não tem contato com o médico do serviço de referência (especialmente se for durante a semana a noite ou no final de semana) e os médicos que constatam o óbito (seja do SAMU ou da UPA) se recusam a preencher o documento alegando que não estavam acompanhando o caso daquela pessoa. Então, surge o pior desfecho possível: o corpo da pessoa é encaminhado ao SVO para uma necrópsia e confirmar o fato óbvio (por exemplo: morte por câncer em fase avançada). Já vi estas situações muitas vezes – de famílias angustiadas pelo fato do ente querido estar morto e passarem pela angústia de um procedimento inútil (uma necrópsia para identificar uma causa já documentada), pois nenhum médico quis assinar o documento. Atualmente, aqui no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, estamos discutindo uma maneira de preencher a declaração de óbito de pacientes que são acompanhados pelo Hospital, mas morrem fora do mesmo, numa situação relacionada à doença, porém sem acompanhamento da equipe. É uma particularidade do sistema, mas muito perversa.
Abraços, André”.

…………..

Quer saber como é feita uma autópsia? Veja no post “Visita ao Necrotério”.

Outros posts relacionados:

 Oração ao cadáver desconhecido

Como ocorre a cremação

O que você quer ser quando morrer

O que você quer ser quando morrer – parte 2

Por quantos anos devemos viver

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Quadro “Raízes” (1943) de Frida Kahlo
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Ministério da Cultura da China reprime strippers em funerais https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/04/25/ministerio-da-cultura-da-china-anuncia-repressao-a-pratica-da-contratacao-de-strippers-em-funerais/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/04/25/ministerio-da-cultura-da-china-anuncia-repressao-a-pratica-da-contratacao-de-strippers-em-funerais/#respond Sat, 25 Apr 2015 13:26:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=487 Na última quinta feira (23), o Ministério da Cultura da China anunciou esforços para reprimir uma atividade pouco conhecida, mas habitual em áreas rurais chinesas: a contratação de strippers para funerais. O objetivo desse costume heterodoxo seria atrair mais público ao evento. O anúncio da autoridade chinesa detalhou dois casos como exemplo, indicando ser uma prática que distorce o valor cultural da indústria de entretenimento. Também afirma ser um ato bárbaro. Os organizadores e as strippers dos dois casos citados foram punidos com uma detenção de quinze dias e multa de $11.300 dólares.

Uma reportagem da “Xinhua News Agency” comenta que o striptease é ilegal na China e que as performances exóticas nos funerais salientam as tendências da vida moderna na China, como um exemplo de vaidade e esnobismo prevalecendo sobre as tradições.

Veículos internacionais repercutiram o anúncio, como o jornal britânico “Independent”, afirmando que ter um público grande no funeral é um sinal de honra para o morto na China. A “CNN” traz outro motivo para essa prática, que seria “aumentar a diversão”, e divulga fotos de um evento desses.

O portal de notícias “Huffington Post” também menciona que o respeito pelo morto é medido pela quantidade de pessoas que vão ao seu funeral. Por isso, a contratação de performers é comum e acontece há décadas. No vídeo da “National Geographic” divulgado na página da reportagem, um falecido, antes de morrer, em Taiwan teria avisado seu amigo de que gostaria de assistir à dança e por isso pediu um buraco em seu caixão, para que pudesse espiá-las. Me lembrou Nelson Rodrigues com a sua famosa frase: “sou uma menino que vê o amor pelo buraco da fechadura”. Mas numa versão do além. O vídeo mostra seu funeral e tem realmente um buraco no caixão. Em Taiwan, o costume de contratar strippers em funerais teria iniciado na década de 80, conforme afirma a reportagem.

Marc L. Moskowitz, um antropologista e diretor do documentário “Dancing for the Dead: Funeral Strippers in Taiwan” (“Dançando para os mortos: strippers funerais em Taiwan”), diz que a nudez total deixou de ser comum a partir de meados da década de 80, quando foi declarado sua ilegalidade.

Na reportagem de um blog do “Wall Street Journal”, é citado que fotos de uma dançarina num funeral na cidade de Handan, retirando seu sutiã, circularam muito na internet criando um “vexame” para o governo. Foram encontrados uma dúzia de grupos que oferecem esse tipo de performance para funerais em cada vila do país, com uma média de 20 shows por mês, num custo de $322 dólares cada.

 

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Visita ao necrotério https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/12/10/visita-ao-necroterio/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/12/10/visita-ao-necroterio/#respond Wed, 10 Dec 2014 11:26:05 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=193 São 5h35 da manhã. Dr. Paulo Salvia me espera na porta da casa da minha prima, em Campinas. Ela me olhou com um misto de admiração e estranhamento quando falei do porquê do pedido repentino de pernoite na sua casa. “Vou visitar o necrotério de Campinas”, eu disse sorrindo, sem perceber o peso da palavra.

Cumprimento Dr. Paulo, recebo um livro de presente que se torna uma ótima distração para o caminho. Ele é médico legista e professor de medicina legal na Unicamp. Leitor do blog, me procurou para compartilhar seus pensamentos em relação à morte e desde então alimentamos uma conversa muito rica. Me convidou para visitar o necrotério da cidade, onde trabalhou por muito tempo. Aceitei a oferta como uma Alice deslumbrada, feliz por ter um desafio pela frente. Nem perguntei se assistiríamos a uma autópsia. O que para ele era óbvio e justamente o motivo da visita. Quando chegamos ao necrotério, ele me levou para vestir “trajes adequados”, como um avental branco, luvas e protetor para os cabelos. Percebi que não tinha mais volta e me convenci de que era aquilo mesmo o que eu esperava ver. O que ele definiu como “morte concreta” pareceu perfeito para a ocasião. O campo de estudo desse blog é tanto a morte concreta quanto a simbólica, por isso era totalmente justificável eu estar ali e agradeço ao Dr. Paulo pela oportunidade.

Assisti a três autopsias, disfarçando um sorriso no rosto, do tipo mulher-moderna-nada-me-afeta e dei graças a Deus que não abriram o bebê na minha frente. Só vi o mini-caixão branco e na saída, o pequeno deitado ainda com seu cordão umbilical. Permaneci com a imagem daquele mini corpinho intocável.

Mas não foi o que aconteceu com os outros três defuntos que estavam lá. Uma senhora, um senhor e uma mulher com as unhas pintadas de rosa, as pontas descascadas, e o pé todo em ferida. Ela era diabética. Quando Dr. Paulo tirou a lona azul que cobria o corpo do senhor, minha reação foi acariciar as sobrancelhas brancas e grossas dele… pensando agora, parece o que a pediatra do meu filho, e amiga, fez comigo na mesa de cirurgia (tive que fazer cesaria), quando ela alisou minhas sobrancelhas segundos antes do parto. Esse gesto foi fundamental para me ajudar a encarar o desconhecido naquela mesa fria. Talvez, inconscientemente, eu quisesse passar o mesmo àquele senhor.

Ele, claro, não reagiu. Poli, o técnico, chegou logo em seguida. É ele quem faz a autópsia, retira os órgãos e os deixa expostos numa tábua para o médico responsável fazer o relatório formal do motivo da morte, que Poli mesmo já sacou muito antes da entrada do médico. Poli tem movimentos rápidos e certeiros. Concentrado, passa de uma etapa à outra como alguém cumprindo tarefas automáticas de um trabalho massificado. O primeiro movimento é colocar a cabeça dos defuntos apoiada numa espécie de cavalete, chamado “apoiador de crânio” e cortar suas roupas.

O senhor vinha do hospital, ainda tinha um fraldão e marcas de agulha, algodão e esparadrapo. Na mesa ao lado, a senhora vestia pijamas. Pensei sobre as tantas vezes que ela usou esse traje, onde o comprou ou se ganhou em alguma data especial, como o Natal. Mas naquele momento, é apenas um obstáculo a mais para uma operação necessária e cotidiana, a autópsia.

Poli pega uma espécie de tábua de plástico branca e a apoia na mesa, sob as pernas deles. A tábua serve para colocar os órgãos extraídos. Com uma faca, em segundos rasga o couro cabeludo de orelha a orelha, para expor o que se chama tábua óssea. A pele que solta é virada e cobre os olhos do morto. Com uma serra elétrica, ele abre o crânio e retira o cérebro. Minha reação estúpida foi comparar a imagem da cavidade cerebral a um romã. Ninguém deu bola. Logo depois, sua faca faz um corte longitudinal, de cima do peito até embaixo do umbigo. Salta uma massa amarela, a gordura, e costelas, que é o tórax. De lá, ele retira o coração, rim, fígado, baço, e eu vejo um brilho no olhar de Poli ao constatar a causa mortis com rapidez. Um coração infartado que causou um tal de tamponamento do pericárdio, um fígado todo enrugado, áspero, sinais de pressão alta, de tabagismo, de alcoolismo, dos ismos mortais da nossa era. Tá tudo ai. A morte não mente.

Pensei em como o corpo humano, algo que considero sagrado, é frágil. Com apenas um movimento é inteiro dissecado, o que estremeceu de certa forma, o lugar intocável em que eu concebia a raça humana.

Dr. Paulo me convidou para sentir o ar dentro do pulmão, amassando o órgão, que no momento me parece melhor definido como uma massinha lisa, aerada, mistura de areia com papel-bolha. Toquei o último suspiro de alguém, e pensei no que Clarice Lispector acharia disso.

Admirei o entusiasmo do doutor, falando sobre como o SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) é uma escola formidável, por apresentar tantas peculiaridades em um só corpo, como os rins da senhora, um deles atrofiado, o super-coração da outra mulher, os canais entupidos do outro coração que tinha marcas amarelas (desculpe Dr. Paulo, mas esqueci completamente o que elas significam). O doutor me convidava para tocar em tudo e eu meio que pedia uma espécie de permissão mental e estendia o dedinho cambaleante.

Não vi os corpos serem fechados. Quando fui embora, os três estavam lá, parecendo bonecos de plástico de efeitos especiais de cinema. Todos abertos, com os órgãos expostos ao lado, aguardando a chegada do médico. Não pareciam “reais” e a imagem certamente remeteu a um açougue. Talvez o símbolo mais humano era a etiqueta no tornozelo indicando o nome e sobrenome de cada um, e a lembrança de que pertencem a uma família.

Um quarto corpo era o de um homem jovem, muito machucado, que morreu de traumatismo craniano por cair de uma altura de quatro metros. Mas não vi a autópsia dele porque seria feita pelo IML (Instituto Médico Legal) e era necessário esperar o médico do IML para iniciar os procedimentos. Em Campinas, o SVO e o IML funcionam no mesmo espaço. Os corpos que vêm para o SVO são os de morte natural, como morrer em casa, enquanto que os que vêm para o IML são de causas externas, como traumas e acidentes de carro. Ali, também se recebe corpos de outras sete cidades como Valinhos, Paulínia e Indaiatuba.

Notei um balde de pó de serra na sala. Dr. Paulo me falou que ele é usado para preencher os espaços vazios após a autopsia e ainda disse que muitas vezes utilizam jornal para preencher a cavidade cerebral.

Depois de fechado, o corpo é levado para uma outra sala para ser preparado para o velório. Essa sala é pequena e comprida, com caixas de velas e flores empilhadas. Me refugiei nela em alguns momentos para me afastar do cheiro da autópsia. Para mim, a pior parte de todo processo. Esse cheiro ficou alguns dias impregnado e é indescritível. Dr. Paulo e Poli não o percebem mais, ou pelo menos não se incomodam com ele.

Saí dessa experiência com a sensação de que a morte concreta é menos assustadora do que a simbólica, e lembrei da minha mãe apontando uma passagem de um livro*: “o penoso na morte é o verbo ativo: morrer. Estar morto, tudo bem”.

Na saída, vi pessoas aguardando perto da entrada do Cemitério dos Amarais (onde fica o necrotério) e questionei se eram familiares daquelas que acabei de ver serem autopsiadas. Senti respeito e compaixão, como se eu compartilhasse uma intimidade com elas. E a singela sensação de que sim, o que sobra é somente um corpo, um recipiente para algo maior, talvez. O que estava na mesa era apenas uma representação simbólica do que foram em vida, a ser mantida viva na memória dos que ficam.

Quando fecho os olhos, às vezes vêm imagens de um órgão ou outro, ou um rasgo na pele com se fosse papel, ou o cheiro, mas prefiro me ater ao movimento do carinho na sobrancelha daquele senhor, e o pensamento de que vai ficar tudo bem.

Encontro motivação na ideia, talvez ingênua, de que posso de alguma forma, contribuir para a desmitificação do desconhecido, dessa realidade que nos amedronta e ao mesmo tempo empolga, como um encontro amoroso que uma hora ou outra, há de acontecer. Prefiro manter a poesia e arriscar sofrer mais com a morte simbólica do que me submeter apenas à praticidade de tudo que a cerca. E sigo no caminho desse blog, em ter a honra de fazer uma autópsia da morte em vida. Com a suave sensação de que o morrer é mesmo mais aterrorizante do que o estar morto.

 * “A força da palavra”, de Betty Milan”, ed. Record, 2012, página 195, entrevista com Jean D`Ormesson.

Gostaria de agradecer ao Dr.Paulo Newton Danzi Salvia, ao Erivelto Luís Chacon – Analista Técnico da Divisão Funerária da SETEC e ao Dr. Ivan de Mello Pompeu Piza.

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