Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cápsula de eutanásia tem design exposto em Veneza e promete facilitar o suicídio https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/06/capsula-de-eutanasia-tem-design-exposto-em-veneza-e-promete-facilitar-o-suicidio/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2019/08/06/capsula-de-eutanasia-tem-design-exposto-em-veneza-e-promete-facilitar-o-suicidio/#respond Tue, 06 Aug 2019 20:04:43 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/e5a93afe-0ccc-4144-a287-1942ed3ec345-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1742 A advogada especializada em testamento vital, Luciana Dadalto, me fez saltar da cama com uma foto surpreendente. Ela estava em Roma dando uma palestra sobre o direito à interrupção voluntária do envelhecimento quando ficou sabendo de uma exposição de design em Veneza que apresentava uma tal de “Sarco”. O nome é uma referência à palavra sarcófago. Na descrição: “Sarco é a primeira cápsula de eutanásia impressa em 3D do mundo. Inspirada no automóvel, ela é uma alternativa legal, autônoma, e não-médica, de fim de vida para pessoas que estão muito velhas ou gravemente doentes”.

Seu criador, Philip Nitschke, é presidente da Exit International, uma das principais agências de suicídio assistido do mundo. A instituição não realiza eutanásia ou suicídio assistido, mas agencia estrangeiros a irem para as organizações suíças que realizam esses procedimentos, como a Dignitas e a Life Circle. Philip é um médico australiano que se envolveu em um processo de eutanásia na Austrália e perdeu seu CRM. Ele argumenta que não entregou a substância letal ao requerente – um serial killer que não queria ir para prisão perpétua- , mas foi julgado mesmo assim, por não ter levado o homem a um psiquiatra ou ter dado as orientações conforme os princípios médicos. Em 2015, ele recebeu seu CRM de volta,  mas considerou as condições humilhantes e queimou seu registro médico.

Mudou-se para a Holanda e fundou a Exit International. Hoje com 71 anos, não se intimida com as críticas ao defender o suicídio. Para ele, as pessoas têm o direito de querer morrer. Normalmente, essa discussão envolve um diagnóstico de uma doença terminal, mas Philip entende que qualquer pessoa que deseja morrer deve ter acesso à uma morte confortável. Ele dá palestras com o título: “Why suicide should be a human right?” (Por que o suicídio deveria ser um direito humano?).

Sua máquina, Sarco, poderá ser impressa por qualquer pessoa que tenha acesso a um código específico. E dinheiro, claro. Philip argumenta que não vai cobrar pelo uso da invenção, mas o valor de impressão está entre 10 e 30 mil dólares, com expectativa de diminuir conforme os avanços tecnológicos. O acesso será garantido por Philip, após o preenchimento de um formulário online que supostamente confirma a sanidade mental do requerente. Há dois botões dentro da máquina, um verde e um vermelho (veja foto abaixo). O verde aciona o mecanismo letal e começa a ser injetado nitrogênio líquido dentro da máquina. Ele ajuda a rebaixar o oxigênio mais rápido. A pessoa desmaia, perde os sentidos, até morrer. Ao lado, tem um botão vermelho que funciona como um botão de pânico, caso desista no meio do meio caminho.

A parte de cima da cápsula é removível, fazendo da cama, um caixão. A pessoa morre e já é enterrada nela. Tempos práticos.

A máquina não está em uso. Existe uma expectativa de ser testada entre o final de Novembro e Dezembro, na Suíça, por uma americana que tem 40 anos e esclerose múltipla. “A última notícia que eu tive é que estavam procurando um campo na Suíça para colocar a máquina”, diz Luciana.

A advogada vê alertas importantes. “O que é mais grave é ela acabar com toda lógica legislativa referente a esse tema no mundo ocidental. No Brasil, é previsto crime para auxílio ou instigação de suicídio.  Um médico que prescrever uma dose letal ao paciente se enquadra nesse crime. A promessa de Philip é dar acesso universal a essa máquina até 2030. Isso inverte a lógica porque não há quem punir. O nitrogênio liquido é universalmente lícito. Se essa máquina realmente pega, a gente vai ter um problema no mundo de como regulamentar essa questão, porque vira terra de ninguém”.

Até a nomenclatura não se encaixa nos entendimentos existentes. Falamos em eutanásia quando um profissional da área da saúde injeta uma substância letal no paciente. Usamos a terminologia “suicídio assistido” quando a própria pessoa aciona um mecanismo oferecido por um profissional de saúde. Nesse caso, não é nem um nem outro. Philip tem chamado de “suicídio racional”.

Luciana chama atenção para o fato de, nesse caso, o direito à morte estar centralizado em uma única pessoa, que vai decidir se o requerente tem ou não direito de morrer. “É um novo patamar de discussão sobre o direito de morrer. Me parece que estamos banalizando demais a vida. O desejo de morrer pode ser apenas uma fase, por isso as instituições normalmente têm um processo rigoroso, com normas muito explícitas, como ter uma doença terminal ou uma condição incurável”.

O cientista David Goodall abriu uma nova brecha ao fazer suicídio assistido na “Life Circle” da Suíça, aos 104 anos, enquadrando o envelhecimento como uma condição incurável, já que ele não tinha uma doença propriamente dita. Escrevi um post em 2016 sobre o envelhecimento ser, um dia, considerado uma doença. Veja aqui.

A revista Newsweek se referiu à Philip como o “Elon Musk do suícidio assistido”. Em 2015, ele também iniciou uma nova carreira que tem se mostrado promissora… stand up comedy.

Como dizem por aí: rir para não chorar.

Sarco
Sarco. Crédito: Luciana Dadalto

 

Código de acesso da Sarco. Crédito: Luciana Dadalto
Botões que acionam o mecanismo. Verde para liberar o nitrogênio. Vermelho para parar caso mude de ideia.

 

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Médica desiste de suicídio assistido após reencontro com ex-namorado https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/07/13/medica-desiste-de-suicidio-assistido-apos-reencontro-com-ex-namorado/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2018/07/13/medica-desiste-de-suicidio-assistido-apos-reencontro-com-ex-namorado/#respond Fri, 13 Jul 2018 19:21:44 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/19c958c9-6a54-42a1-8579-4b7f56d770f1-320x213.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1565 A oftalmologista Letícia de Ávila Franco Viñe está, há 8 anos, sofrendo as consequências de uma doença sem cura que tem uma média de sobrevida de 9 anos. Ela estaria, teoricamente, em seu último ano de vida.

A Síndrome Asia é uma doença autoimune causada por fatores externos ao corpo, como o silicone. Seu implante nos seios se rompeu acionando uma pré-disposição genética para a doença. A falta de conhecimento sobre essa síndrome levou Letícia a ser desacreditada por muitos médicos e não ter acesso a tratamentos adequados.

Sua vida virou um inferno. Em crises, o corpo todo dói. Ela não pode ser tocada. A dor não acha alívio na morfina, em opiódes mais potentes ou mesmo na cannabis. Seus músculos paralisam, ela entra em parada cardíaca, vai para o hospital, passa a respirar artificialmente, até a crise passar. No ano passado, chegou a ficar 6 meses em coma, contando todas as internações.

O desespero ao ver a dor dos pais e a pouca perspectiva por qualidade de vida, levou Letícia a buscar o suicídio assistido. Ela se tornou membro da Dignitas, uma organização de suicídio assistido da Suíça que exige uma longa burocracia para aceitar pedidos, como diferentes laudos médicos e a adesão como membro da instituição, segundo a advogada especializada em testamento vital, Luciana Dadalto.

A Suíça não permite a eutanásia, e a distinção em relação ao suicídio assistido não é trivial. Na eutanásia, uma pessoa administra o remédio letal no paciente. No suicídio assistido, ele precisa tomar o remédio sozinho. Essa ação torna o suicídio assistido complicado para portadores de doenças como a ELA.

Em março, Letícia anunciou, em seu Facebook, que iria embora. Estava decidida a encaminhar um suicídio assistido na Suíça, então com o apoio dos pais. Esse apoio logo mais estremeceu. A mãe se via estraçalhada com a ideia de levar sua única filha para morrer.

O post trouxe um ex-namorado à sua porta, o empreendedor Guilherme Viñe. Há dez anos, ela operou o olho de Guilherme, salvando-o de uma possível cegueira. Ele passou a enxergar como ninguém e se apaixonou pela primeira pessoa que viu: Letícia. A vida os levou a destino diferentes, se separaram.  Esse reencontro ocorreu da forma mais inesperada possível: diante uma possibilidade real de morte, a perda mais irremediável de todas.

Letícia e Guilherme contaram os detalhes de sua história, e do reencontro, no programa da TV Globo “Conversa com Bial”, que irá ao ar nessa próxima terça-feira.

Com o mote para falar sobre “A Boa Morte”, esse programa inicia com o foco em cuidados paliativos, uma área da medicina tão pouco conhecida e mal interpretada. Com o depoimento da médica geriatra paliativista Ana Claudia Arantes, questionando as bases da prática atual da medicina e a velejadora Elfriede Galera, que convive com um câncer de mama com metástase no fígado, ossos e pulmão há oito anos. Ela grita, para todo mundo ouvir, que o preconceito contra “metástase” deve ser ultrapassado. Assunto para o próximo post.

Contato: leticia.vine29@gmail.com

Sabia mais:

Esse blog tem uma categoria que reúne posts sobre cuidados paliativos. Clique aqui.

Também disponibiliza uma categoria sobre eutanásia e suicídio assistido. Clique aqui.

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Visita à Dignitas https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/visita-a-dignitas/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/visita-a-dignitas/#respond Tue, 12 Dec 2017 01:33:50 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1452 A Suíça permite, por lei, o suicídio assistido. Algumas instituições se especializaram no procedimento, como a “Dignitas” e a “Exit” , o que trouxe a má fama de “turismo da morte” ao país, por atrair pessoas do mundo todo em busca de uma morte assistida. Alguns países autorizam o suicídio assistido, mas não a eutanásia. Na eutanásia, um profissional de saúde ministra a substância letal no paciente, enquanto o suicídio assistido prevê que a pessoa tome a substância de forma independente. Em estágios avançados de algumas doenças, essa autonomia não é possível, o que inspira discussões comuns ao tema.

Esse debate não chegou ao Brasil e arrisco dizer que ainda não temos condições de fazê-lo sem discutir, antes, uma política nacional de cuidados paliativos. Talvez, um levante o outro e isso pode ser positivo. Mas em outros países ele caminha rápido, como nos Estados Unidos, que já contempla cinco estados com leis nesse sentido, a França e o Canadá. Holanda e Bélgica foram os pioneiros e são ainda mais polêmicos por permitirem suicídio assistido em função de distúrbios mentais, como depressão. É importante ressaltar que essa opção é defendida como uma ferramenta de prevenção e combate ao suicídio, já que muitos desistem de morrer depois de passarem pelo longo processo exigido por lei (leia mais aqui).

A revista “The Economist” já se posicionou a favor do suicídio assistido e considera sua legislação uma questão de tempo. Os documentários a respeito são desconcertantes como o “Choosing to Die”, que é filmado, em parte, na “Dignitas”.

A advogada Luciana Dadalto, fundadora do portal “Testamento Vital”, visitou à Dignitas e escreveu sobre sua experiência. Segue seu relato, abaixo:

Leia mais sobre esse tema na seção: Eutanásia e Suicídio Assistido.

Recomendo: Conheça a filosofia Hospice e os Cuidados Paliativos clicando aqui.

Minha visita à Dignitas

Por Luciana Dadalto

Em 14 de setembro de 2017, vivi uma das maiores experiências acadêmicas da minha vida. Fui a “DIGNITAS – Viver com dignidade – Morrer com dignidade” (ao longo do texto vou chamá-la apenas de Dignitas), a organização mais conhecida no mundo em prol do direito à escolha acerca dos desejos no fim de vida.

Você deve estar pensando “como você teve a coragem de seguir Dignitas”? “Que coisa mórbida”. Além de ser tentado a fazer piadas como “você se atreveu a beber água lá?” Sim! Eu tive a coragem de ir para Dignitas e eu voltaria lá mil vezes se me acolherem e eu vou te dizer por que:

Em 15 de setembro de 2017, lancei o livro “Tratado Brasileiro sobre o Direito Fundamental à Morte Digna” na Universidade de Lisboa, em Portugal. Sabendo de minha viagem à Europa, decidi visitar Dignitas, mas fiz uma resolução unilateral e não contei a eles.

Sim, foi uma loucura. Eu tive a ideia, contei para minha sócia (e grande amiga) e ela me presenteou com as passagens aéreas de Lisboa a Zurique, pensando que eu já tinha contatado Dignitas, acontece que eu, ingenuamente, pensei que seria possível entrar em contato poucos dias antes… As passagens foram compradas em 29 de agosto e em 30 de agosto enviei meu primeiro e-mail para a Dignitas. Mas, recebi uma resposta dizendo que a visita não era possível. E eu comecei minha saga. Eu insisti, enviei vários e-mails, enviei meu currículo em inglês, liguei para lá mais de 7 vezes em um único dia, e no dia 07 de setembro recebi sua aceitação.

Antes de tudo, tenho que lhes dizer que tive muita sorte. A Dignitas não é um lugar aberto aos visitantes e ao contrário do que eu imaginei (e ao contrário do que a mídia nos diz), não é uma clínica. A Dignitas é uma sociedade sem fins lucrativos que defende, educa e apoia a melhoria dos cuidados e as tomadas de decisões autônomas no fim da vida, uma organização cujo principal objetivo é implementar a liberdade de escolha e autodeterminação em questões de vida digna e morte em todo o mundo. Não é um hospital, um hospice, uma clínica, um consultório médico ou algo assim. Não há médicos empregados na Dignitas.

A configuração que eu encontrei foi: mesas, cadeiras, telefones, arquivos e pessoas trabalhando – assim como qualquer escritório em qualquer lugar do mundo. Não havia nada mórbido, nem mau tempo …

Passei cerca de duas horas conversando com um dos membros do conselho, um advogado, responsável pela Dignitas hoje e, embora muitas das minhas duvidas tenham sido respondidas em seu site (www.dignitas.ch), na verdade, teve uma emoção extra.

Eu podia ver como a informação recebida está mal representada. O suicídio assistido é apenas uma das obras da Dignitas. Mas a maior – e o mais importante deles – é a informação e a educação sobre a qualidade de vida, a escolha e a morte digna, incluindo a importância das pessoas que ganhavam a vida (sim, meus pequenos olhos brilhavam). Eu ouvi algumas vezes que eles acham que a discussão sobre liberdade de escolha e autodeterminação em questões de vida e morte digna socialmente mais relevante do que a discussão sobre suicídio assistido.

Percebi o valor da autonomia do paciente. E vi, na prática, quão burocrático é para um estrangeiro ter acesso ao suicídio assistido na Dignitas. O chamado “turismo da morte” está longe de ser um oásis. Dignitas tem um rigor imenso que precede a realização do suicídio assistido e, para ter uma ideia, o período mínimo entre a candidatura, a adesão a Dignitas e a realização do suicídio assistido é é de no mínimo, três a quatro meses. Então, não apenas diga “Eu quero morrer em Dignitas”, eles têm um lema: pensar, ler e depois agir. Ou seja, se você se interessar pela matéria, leia a grande quantidade de material no site da Dignitas. Somente após a pessoa ter certeza de que compartilha os mesmos valores da Dignitas, ela pode se tornar um membro e, eventualmente, realizar suicídio assistido se cumprir os critérios legais.

Em outras palavras, é necessário passar por um longo processo de envio e análise de documentos (todos oficialmente traduzidos para inglês, alemão, francês ou italiano) e, em uma etapa posterior ao procedimento de avaliação, duas consultas com um médico suíço ( que não tem ligação com Dignitas), que deve certificar a gravidade da doença, bem como o discernimento do paciente.

Ao contrário do que ouvi falar de muitas pessoas, Dignitas não é uma “máquina da morte”, mas uma instituição que defende o direito à autodeterminação e escolha na vida e uma morte digna, dentro da lei do país em que se baseia (Suíça) e todo o procedimento é feito de acordo com critérios legais.

E, não, não vi ninguém morrer. Mas eu vi pessoas que lutam dentro dos limites legais para garantir a autonomia de fim de vida dos pacientes até o último momento. E fiquei muito grata pela oportunidade. Então compartilho essas linhas com você com a permissão da Dignitas.
Abraço,
Luciana.

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É possível salvar Charlie Gard? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/07/04/e-possivel-salvar-charlie-gard/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/07/04/e-possivel-salvar-charlie-gard/#respond Tue, 04 Jul 2017 17:37:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1327 “Pode-se imaginar o enorme sofrimento dos pais de Charlie. Sofrimento que possivelmente tem bases em um dos assuntos mais complexos para todas as culturas do mundo: a morte e o morrer. O medo do desconhecido, a sensação de impotência e a esperança de um milagre sustentam a religiosidade e a ciência nesse assunto. A religiosidade, porque ela nutre a esperança de que há uma força maior que pode mudar o curso natural da doença. A ciência, porque os rápidos avanços tecnológicos em diversas áreas da medicina trazem a esperança de que surgirá o tratamento para a doença que acomete um ente querido. Quando falamos de morte, a ciência e a religião têm um mesmo objetivo: enfrentá-la”.

A médica pediatra Carolina Affonseca e a  advogada da área da saúde Luciana Dadalto,  escreveram um artigo para o blog “Morte sem Tabu” sobre o caso de Charlie Gard – um bebê britânico de 11 meses que apresenta uma doença incurável e sobrevive com aparelhos respiratórios. A Justiça Britânica emitiu uma autorização para que os aparelhos respiratórios do bebê fossem desligados, contra a vontade de seus pais.  Leia o artigo abaixo, na íntegra:

“E a morte bate às portas do judiciário….

O caso do bebê inglês Charlie Gard, de apenas 11 meses, tem suscitado debates acalorados nas últimas semanas, que se intensificaram no último dia 27, após a Corte Européia de Direitos Humanos determinar, contra a vontade dos pais, o desligamento dos aparelhos que o mantém vivo, com base no princípio jurídico do melhor interesse da criança.

Charlie é portador de uma doença mitocondrial, alteração adquirida geneticamente que determina disfunções expressivas do funcionamento de seus órgãos e tecidos e impacta de forma contundente na sua sobrevida.

As mitocondriopatias estão presentes em cerca de 1 a cada 5000 nascidos vivos. São um grupo heterogêneo de disfunções que ocorrem em múltiplos órgãos e que são causadas pelo mal funcionamento da mitocôndria. A mitocôndria é uma organela intracelular cuja principal função é a produção e fornecimento de energia para que a célula execute suas funções. Do ponto de vista molecular, o mal funcionamento da mitocôndria pode ser secundário a uma alteração no DNA da célula ou, ainda, a uma alteração de seu próprio DNA (mt-DNA). Clinicamente, pode afetar um órgão específico ou acometer vários órgãos de forma grave e progressiva. Os principais órgãos acometidos são o cérebro, fígado, músculo e rins.

Charlie Gard é acometido por um dos subtipos mais graves da doença relacionado à mutação do gene denominado RRM2B. Há, no mundo, cerca de 16 pessoas identificadas com essa mutação e, os indivíduos afetados desenvolvem, durante os primeiros 6 meses de vida, uma fraqueza muscular intensa associada com insuficiência respiratória, microcefalia, atraso no desenvolvimento neurológico, crises convulsivas de difícil controle, surdez e mal funcionamento renal. A doença progride rapidamente provocando a morte após poucos meses.

A grande diversidade de sintomas, o envolvimento de diferentes órgãos e os diversos modos de progressão da doença representam um desafio para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas efetivas. Apesar de estudos apontarem a terapia de alteração genética e o tratamento com células tronco como opções promissoras para o tratamento das mitocondriopatias, até o momento, não existe qualquer intervenção que proporcione a cura da doença. A abordagem do paciente deve ser voltada para o cuidado paliativo com adequado controle dos sintomas e medidas de suporte fornecidos por uma equipe multiprofissional, uma vez que o paciente apresenta lesões cerebrais irreversíveis e grande probabilidade de estar sofrendo procedimentos que provoquem intensa dor e sofrimento.

O tratamento experimental a que os pais de Charlie Gard tentaram submeter o filho trata-se da suplementação de desoxiribonucleosídeos, até o momento, realizado apenas em modelos animais (ratos) em que foi observada uma melhora bioquímica e/ou clínica no animal. Entretanto, a alteração genética apresentada pelo rato no estudo era diferente daquela apresentada por Charlie. O próprio chefe da pesquisa admitiu que nenhuma das pessoas que receberam o tratamento experimental apresentavam uma condição clínica tão grave quanto a de Charlie e, portanto, administrar o tratamento a ele “seria como entrar em um território completamente inexplorado”.

Pode-se imaginar o enorme sofrimento dos pais de Charlie. Sofrimento que possivelmente tem bases em um dos assuntos mais complexos para todas as culturas do mundo: a morte e o morrer. O medo do desconhecido, a sensação de impotência e a esperança de um milagre sustentam a religiosidade e a ciência nesse assunto. A religiosidade, porque ela nutre a esperança de que há uma força maior que pode mudar o curso natural da doença. A ciência, porque os rápidos avanços tecnológicos em diversas áreas da medicina trazem a esperança de que surgirá o tratamento para a doença que acomete um ente querido. Quando falamos de morte, a  ciência e a religião têm um mesmo objetivo: enfrentá-la.

A atitude desesperada dos pais em buscar uma autorização do Poder Judiciário para, com os próprios recursos financeiros, transferir o filho para os EUA e submetê-lo a um tratamento experimental nos aproxima de um fenômeno contemporâneo: a aparente supremacia do Poder Judiciário. Quando os cidadãos se sentem desamparados pelo sistema jurídico vigente, buscam no Poder Judiciário a solução para suas questões. Judicializam afeto, amor, raiva, desespero. Depositam no Poder Judiciário a esperança do milagre, esquecendo que um juiz nunca terá o poder de decidir o que é melhor para as partes porque apenas os atores do conflito entendem todos os sentimentos por detrás da questão jurídica.

Melhor seria que a equipe de saúde que cuida de Charlie tivesse utilizado, com êxito, técnicas de comunicação, de diálogo e, até mesmo, de mediação para explicar o caso aos pais e ajudar-los a passar pelo luto antecipatório diante do trágico diagnóstico.

Muito se argumenta acerca do absurdo da intervenção estatal nesse caso. Mas é preciso entender que quem procurou a proteção do Estado foram os pais, ao buscarem, no Poder Judiciário, chancela para a tentativa de submeter o filho a um tratamento experimental, sem qualquer evidência científica de cura.

Fala-se ainda em um desrespeito à autonomia privada, partindo da falácia de que cabe aos pais decidirem sobre os cuidados médicos a serem administrados aos filhos. A vida, a saúde e o corpo são direitos fundamentais e personalíssimos. Portanto, a decisão sobre eles não deve ser transferida a terceiros, nem mesmo aos pais. Cabe aos detentores do conhecimento técnico, no caso, a equipe de saúde, fazendo jus aos princípios bioéticos da beneficência e não maleficência, indicar os melhores cuidados para a criança, não abandonando-a, nem a seus pais. Amparando-os para que Charlie tenha um fim de vida digno, uma vez que, infelizmente, não há chances de cura. E, repita-se, o tratamento a que os pais queriam submeter Charlie nunca foi testado em pessoas com condição clínica semelhante. É justo com Charlie submetê-lo a esse tratamento? Será que os pais estão pensando no filho, ou estão tão desamparados e desesperados diante da impotência desse terrível diagnóstico que querem ter, ao menos, a sensação de que fizeram todo o possível?

Não concordamos com a posição da equipe médica em proibir que os pais levassem o filho para casa. A possibilidade de ser transferido para casa e ficar sob os cuidados dos pais provavelmente contribuiria para intensificar o vinculo afetivo entre os pais e a criança e a percepção real da intensidade do sofrimento associada a busca incessante pela sobrevivência que, nesse caso, distancia-se nitidamente do nosso conceito de vida. Poderia contribuir para o entendimento de todo o processo e com a decisão em busca do melhor interesse da criança. Por fim, a nosso ver, faltou alguém dizer a esses pais: vocês fizeram tudo o que estava ao alcance de vocês, mas, infelizmente, é impossível salvar Charlie”.

As autoras desse artigo são:

Carolina Affonseca

Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Médica pediatra responsável pelo programa Cuidar (cuidado paliativo e atenção domiciliar) do Hospital Infantil João Paulo II.

Luciana Dadalto

Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Direito Privado pela PUCMinas. Sócia da Dadalto & Carvalho Advocacia em Consultoria em Saúde.

Contato: luciana@dadaltoecarvalho.com.br

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O Último Abraço https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/05/12/o-ultimo-abraco/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/05/12/o-ultimo-abraco/#respond Fri, 12 May 2017 15:22:42 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2017/05/IMG_4113-135x180.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1313 Nelson Golla já não aguentava mais assistir, impotente, a situação de sua mulher quando decidiu explodir uma bomba caseira abraçado a ela em uma clínica de idosos na zona leste de São Paulo. “Não foi um ato de loucura” ele escreveu em uma carta. Para ele, era um ato de amor.

“O Último Abraço” (Ed. Record, 2017) é um livro reportagem de Vitor Hugo Brandalise, que narra a história do casal que ficou conhecido como o “Romeu e Julieta da terceira idade”. Apesar da manchete, o caso de 2014 foi muito pouco noticiado.

Vitor considera que a somatória de tabus representada nesse caso pode ter sido um fator importante. “Vivemos em uma cultura que trata a morte como uma inimiga e evita pensar nela, falar dela. O caso toca em temas como suicídio na terceira idade e decadência do corpo na velhice, por exemplo”, ele conta ao blog “Morte sem Tabu”. Somado a isso, está o momento em que ocorreu, perto das eleições presidenciais de 2014.

Uma história aparentemente negativa, que relata um idoso que explodiu uma bomba em um asilo da Zona Leste de São Paulo, recebeu uma possibilidade de compreensão e de escuta, na voz de um repórter que buscou fazer um retrato humano de uma atitude drástica. “Ela pediu para morrer mais de uma vez, não há duvidas de que ele fez isso por não aguentar mais ver esse sofrimento”, diz Vitor.

Nelson Golla, então com 74 anos e Neuza, 72, estavam juntos há 54 anos. Neusa sofria as consequências de dois AVCs. Ela não podia mais mastigar ou deglutir e recebia alimentação por uma sonda grudada na narina esquerda, que se comunicava direto com o estômago. “Suas reações restrigiam-se a grunhidos e olhares marcados por uma depressão profunda”, descreve o autor no livro.

A gota d’água para Nelson teria sido o momento em que tentou dar água na boca da sua mulher e foi impedido. Ali, ele tomou consciência de sua inutilidade e lembrou da sua mãe dizendo que, para matar a sede das crianças, era necessário dar água na boca. “O fato dele se sentir inútil foi uma das razões para ele tomar essa decisão”, diz Vitor.

A contracapa do livro traz uma passagem marcante: “Nelson visitaria Neusa novamente. Levava dois volumes nos bolsos da calça. Um deles era uma bisnaga de 100 militros que enchera com água de coco de caixinha, como a esposa gostava. Às escondidas, daria de beber a ela. Nelson sabia que era proibido alimentar pacientes que usam sonda, mas, ainda assim, sempre o fazia – uma bebida direto no estômago não mata a sede de uma boca seca – dizia”.

A narrativa desse momento tem desdobramentos profundos. Podemos discutir, por exemplo, a falta de treinamento dos profissionais envolvidos. Não é uma questão de apontar dedos, como o próprio autor comenta, apesar de vermos, aí, uma falta de sensibilidade grande. Mas sim, de compreendermos que a falta de capacitação pode levar a consequências radicais. Cuidados paliativos é uma área da medicina que se propõe a esse olhar. Buscar entender as necessidades não só do paciente, mas da família também.

Vitor mencionou que Nelson poderia ter tido algum espaço para se sentir útil no tratamento da esposa, como molhar seus lábios com algodão. Ele a visitava todos os dias, imagino que seu sentimento de impotência só tenha crescido, até se tornar insuportável.

Neusa morreu imediatamente. Nelson não. Vive até hoje respondendo em liberdade por homicídio doloso qualificado, por ter colocado em risco a vida de outras duas senhoras que se hospedavam no quarto. Elas não se machucaram.

Os três filhos do casal, hoje, não julgam o pai. Compreendem ter sido um ato de amor. Vitor comenta que, no início, houve incompreensão. “Eles não imaginaram que o sofrimento dos pais fosse tão grande a ponto de levar a uma medida extrema como essa. A reação foi se questionar como puderam não conversar mais às claras sobre o que viviam? Mas a maior parte das famílias brasileiras não tem mesmo o hábito de falar sobre o fim da vida”, conta Vitor.

Outro desdobramento desse caso, é a falta de discussão sobre a eutanásia e o suicídio assistido no Brasil. Nelson deixou uma carta em que diz: “Isso que eu fiz é simplesmente uma eutanásia”.

Vitor enxerga um gancho importante para essa discussão. “Esse é um dos casos que pode mostrar a necessidade de falarmos sobre isso”. Ele cita uma pesquisa recente da revista “The Economist”, que analisou quatro países e listou o Brasil como o único que colocou a extensão da vida a frente do sofrimento. Os brasileiros optariam por uma vida mais longa em detrimento de sua qualidade. Um dos motivos para isso seria nossa religiosidade intensa.

Vitor aponta para um fato comum de se escutar nos bastidores de UTIs, o de que a eutanásia já é uma prática, mas ela ocorre de forma velada e sem comunicação clara entre médico e paciente. “Como não é regulamentada, e por ser um tabu muito grande, não se fala sobre isso, mas já acontece. O que vai continuar acontecendo é esse acordo silencioso, individual entre as partes e, eventualmente, casos como esse”, diz Vitor.

O autor também comenta que cuidados paliativos e eutanásia não são excludentes, “você pode ter cuidados paliativos para diminuir o sofrimento e mesmo assim optar pela eutanásia”. Teríamos muito a ganhar se os médicos deixassem de encarar a morte como inimiga, e não “verem mais seu trabalho como uma luta contra a morte”, complementa.

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A liberdade de morrer https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/03/17/a-liberdade-de-morrer/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/03/17/a-liberdade-de-morrer/#respond Fri, 17 Mar 2017 16:45:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1277 O advogado José Luiz Toro Da Silva, sócio fundador do Toro Advogados, enviou ao blog um artigo seu sobre o tema “a liberdade de morrer”.

Segue seu texto, abaixo.

Aproveito para sugerir a leitura de artigos na categoria “Ajuda Médica para Morrer” do blog, sobre eutanásia e suicídio assistido. Eu recomendo a leitura desses: “Sobre o Direito de Morrer” e “24 anos e Pronta para Morrer”.

A Liberdade de Morrer

Por José Luiz Toro da Silva

“No Brasil existem poucos trabalhos acadêmicos sobre o tema da liberdade de morrer. Julgados, então, praticamente, inexistem. Tal fato se justifica porque até outro dia o Brasil era um país de jovens, onde as pessoas morriam antes dos 60 anos, vítimas das mais diversas mazelas que afligem países subdesenvolvidos. Porém, percebe-se que a situação começa a mudar e em pouco tempo o país será um país de idosos. Projeções do IBGE indicam que até 2050 o número de idosos no país deve ultrapassar 64 milhões de pessoas.

Hoje, as pessoas vivem mais e a medicina tem condições, em algumas situações, de prolongar a vida das pessoas. Existem recursos médico-tecnológicos que possibilitam a continuidade da vida, mesmo que seja em estado vegetativo.

Portanto, a discussão sobre a liberdade de morrer, diante dessas novas conjunturas, passa a ser plausível, não podendo ser tratado como tabu ou heresia. É claro que questões religiosas devem ser trazidas para o debate, porém, racionalmente, é possível imaginarmos situações onde a continuidade da vida é realizada sem qualquer qualidade ou até mesmo de forma atentatória à dignidade da pessoa.

Afinal, a pessoa tem liberdade para decidir que tipo de tratamento médico deseja que lhe seja aplicado? Pode o Estado obrigar alguém a viver preso a aparelhos?

Na obra Autonomia Privada e Direito de Morrer, Rachel Sztajn, a eminente professora associada da USP, questiona se devemos permitir que a natureza siga seu curso normal até a morte ou o processo de morrer pode ser antecipado. É dever do profissional da saúde alterar o curso da natureza quando voltado para prolongar a vida ou pode, ao contrário, não o fazer, deixar de interferir no curso da moléstia e permitir a morte?

Nos hospitais, há esforço hercúleo, com alta tecnologia para manutenção da vida. Isso tem, em muitos casos, onerado excessivamente o custo da saúde. E, muitas vezes, representam uma vida sem qualidade, presa a aparelhos e com tratamentos dolorosos ou debilitantes. Diante deste quadro, a questão da eutanásia, e variantes, devem ser devidamente analisadas pelos profissionais do direito e precisam ser debatidas pela sociedade brasileira.

Reitera-se que esta não é uma questão de fácil resolução, devendo todos os aspectos serem considerados, principalmente para que a liberdade de morrer seja exercida com total autonomia. Na maioria dos países, a eutanásia é considerada crime, não obstante juristas, médicos e, até mesmo, teólogos, reconhecerem que a matéria é extremamente complexa. No Brasil, o tema da eutanásia passa ganhar nova dimensão em face do aumento da expectativa de vida dos brasileiros e do avanço tecnológico da medicina, que possui recursos para prolongar a vida dos pacientes, mesmo que seja para mantê-los em estado vegetativo.

Alude-se que o Enunciado 533 da VI Jornada de Direito Civil evidencia que “o paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos”.  Esta redação entende que tal exegese está em conformidade com o disposto no art. 15 do Código Civil, justificando que o crescente reconhecimento da autonomia da vontade e da autodeterminação dos pacientes nos processos de tomada de decisão sobre tratamento de saúde é uma das marcas da contemporaneidade.

Urge, portanto, analisar o que se deve entender por respeitar o princípio da dignidade da pessoa. Será que o prolongamento da vida de um paciente em estado terminal, que não possui chances de cura, impingindo-lhe tratamentos inúteis ou obstinados, que somente lhe resultem em mais sofrimentos e custos é, de fato, uma atitude humana, simplesmente em respeito à sacralidade da vida?

É preciso pensar se cabe ao Estado a função de obrigar uma pessoa a continuar a sua vida presa a aparelhos. Ou seja, ao prolongamento artificial da vida. Necessário refletir se os médicos são obrigados a manter uma pessoa em estado artificial ou se deveriam deixar que a vida siga o curso normal.

Constata-se que as iniciativas do Conselho Federal de Medicina, no Código de Ética Médica e na Resolução CFM 1995/2012, já representa avanços expressivos, porém tais assuntos não podem ficar restritos à uma visão corporativa, devendo ser amplamente debatidos por toda a sociedade. Deve o parlamento brasileiro, após discussão pública, estabelecer uma legislação própria para a realidade brasileira. As leis precisam assegurar que os cidadãos possam exercer de forma consciente, livre e soberana, suas vontades. Deve o estado oferecer todo o amparo necessário e evitar que o testamento vital seja utilizado para interesses ilícitos e não éticos, seja pelas famílias dos pacientes, seguradoras, planos de saúde e o próprio estado.

As legislações da Bélgica, Holanda e Portugal representam importante norte para o debate. Porém, é preciso buscar uma solução nacional com respeito às características próprias do povo brasileiro. Válido lembrar que muitos brasileiros ainda não têm acesso à educação, que dirá à saúde, para avaliar determinadas situações e exprimir, de forma livre e consciente, sua opinião.

Existem, ainda, os aspectos familiares, econômicos e sociais que certamente precisam ser sopesados nesta seara. Ademais, é inegável que a sociedade caminha para o reconhecimento da autonomia da vontade, no sentido amplo, assegurando o consentimento informado e, sobretudo, a liberdade de escolha”.

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Portugal debate eutanásia no início de 2017 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/12/13/portugal-debate-eutanasia-no-inicio-de-2017/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/12/13/portugal-debate-eutanasia-no-inicio-de-2017/#respond Tue, 13 Dec 2016 11:21:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1218 A discussão sobre eutanásia e suicídio assistido tem crescido no mundo, menos no Brasil. Os deputados portugueses, por exemplo, acabaram de aprovar, por unanimidade, uma petição para a despenalização da morte assistida, que segue para o plenário da Assembleia da República no início do ano.

A petição define morte assistida como: “o ato de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado – antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura”. Se o paciente auto-administrar a substância letal (tomar o líquido sozinho), o ato é chamado de suicídio assistido. Se um profissional da saúde administrar o remédio no paciente (injetar, por exemplo), é denominado eutanásia.

A maioria dos médicos paliativistas  que conheci se colocam contra o levantamento desse assunto porque consideram que apenas alguém mal amparado optaria pela morte. Mal amparado seria, por exemplo, não ter o tipo de suporte ofertado por cuidados paliativos– já que esse tratamento foca na dor física, psicológica e existencial do paciente.

Eu sou fã dos cuidados paliativos e das iniciativas e profissionais que entrevistei aqui no blog, mas preciso discordar desse ponto, porque um dos papeis desse espaço é levantar assuntos que normalmente são evitados, como esse.

O país poderia estar mais maduro para essa discussão, com uma política nacional consistente de cuidados paliativos e formação de profissionais da área. Mas considero que o debate diz muito sobre nossa relação com o Estado.

Nosso Estado costuma agir de forma paternalista, partindo do pressuposto de que ele é dono do nosso corpo e não nós mesmos. Como um pai, entende que não somos capazes de tomar decisões sobre esse espaço que habitamos e se apodera dele.

Não podemos abortar, não podemos abreviar a vida com ajuda médica, não podemos mudar de sexo e até para transar já teve muita lei aí que não fazia sentido.

Já cheguei a desenhar alguns argumentos contra e a favor do suicídio assistido e questões na elaboração de leis. Gostaria de retomá-los aqui para tentar reaquecer a discussão e, quem sabe, estimular o leitor a dar sua opinião na seção de comentários do post. Para quem não vive uma situação de terminalidade no momento (seja pessoalmente ou via parentes e amigos), fica difícil criar alguma empatia, mas é importante buscar se inteirar do assunto. Não vai demorar muito para nos alcançar, acredito eu.

Argumentos contra o suicídio assistido e a eutanásia:

  • Terminar uma vida deliberadamente é errado. A vida é sagrada e o sofrimento ao final dela só confere sua dignidade (aqui entram argumentos religiosos de que a vida é Deus quem dá e só ele tira);
  • Essas leis abrem espaço para que a morte prematura se torne um caminho mais fácil e mais barato do que os cuidados paliativos. Além de indicar uma possível exploração dos mais vulneráveis por parentes e médicos mal intencionados, que desejem a morte prematura daquela pessoa, por exemplo;
  • Pode ser um passo para a aplicação indiscriminada da eutanásia;
  • Suicídio assistido pode prejudicar os cuidados paliativos (como menores investimentos na área);
  • Os pacientes podem se sentir pressionados para decidirem morrer e não serem um fardo a seus parentes;
  • Só desejará morrer quem está mal amparado, com dor física ou psíquica: Com um bom atendimento de cuidados paliativos (e multidisciplinar), 100% dos pacientes mudam de opinião em relação ao desejo de morrer;
  • A lei será usada pelos mais pobres, que não têm plano de saúde e sofrem com maus tratos do serviço público;
  • Desvaloriza aqueles que possuem uma doença terminal e decidem não morrer antecipadamente.

Argumentos a favor do suicídio assistido e da eutanásia:

  • Liberdade e autonomia são fontes de dignidade humana;
  • Numa sociedade moderna e secular, é estranho falar em santidade da vida para aceitar-se o sofrimento, a dor insuportável e a miséria a que alguns pacientes são submetidos;
  • Evidências de países em que o suicídio assistido é legalizado, apontam não haver aumento de práticas de eutanásia. Em alguns países, como na Suíça, a eutanásia é ilegal apesar do suicídio assistido ser liberado.
  • As pessoas que optam pelo suicídio assistido normalmente não são motivadas pela dor,  mas sim pelo desejo de preservar sua própria dignidade, autonomia e prazer na vida;
  • Na Holanda, país que permite o suicídio assistido, considera-se haver um dos melhores cuidados paliativos da Europa.
  • A “The Economist” diz: “um estudo em 2008 concluiu que o movimento a favor da morte assistida na Bélgica trouxe melhorias nos cuidados de fim de vida de forma geral e que a presença de uma boa estrutura de cuidados paliativos tornou possível ética e politicamente para que tais práticas tornarem-se legais.”;
  • Algumas formas de suicídio assistido e eutanásia voluntária (ou mesmo involuntária) já ocorrem de forma ilegal;
  • Não há evidências de que o uso dessas práticas servirão os menos favorecidos financeiramente. Os números indicam que a camada da sociedade que opta pelo suicídio assistido é elitizada – tem acesso a plano de saúde, bons serviços de cuidados paliativos a disposição, assim como home-care, e alto nível de formação escolar.

Questões a ponderar na elaboração de uma lei nesse sentido:

  • Ela será permitida com base na dor do paciente (critério subjetivo) ou na fatalidade da doença? No Estado de Oregon (EUA), por exemplo, só são aceitos pacientes com um prognóstico de até seis meses de vida, atestado por dois médicos diferentes (nos EUA, cada estado regulamenta de forma independente a respeito);
  • Argumentos contra o suicídio assistido mencionam o problema do erro em diagnósticos médicos, tanto em afirmar que uma doença é terminal quando não o é, quanto em tempo de vida;
  • Na Suíça, a doença não precisa ser fatal. Nesse vídeo, uma mulher que sofre de uma doença óssea não letal opta pelo suicídio assistido. Ela segue bem humorada nos momentos finais de sua vida;
  • O paciente deve tomar o remédio letal de forma autônoma ou pode receber o medicamento caso esteja incapacitado? Em Oregon, por exemplo, ele deve tomá-lo sozinho, sem ajuda. O que traz manifestações nesse sentido, como um paciente com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) que teme não poder se automedicar quando chegar a hora de querer morrer. Na Suíça, a lei exige que o paciente seja assistido no suicídio, ele precisa tomar o medicamento também, caso contrário, o caso será considerado eutanásia, que é ilegal no país;
  • A questão mais complicada refere-se a se essas práticas deveriam ser disponíveis para quem está sofrendo de angústias mentais ou não – como depressão crônica. Nesse vídeo produzido pela “The Economist Films” é levantada a possibilidade de a morte assistida servir como ferramenta de prevenção do suicídio. Ele usa como exemplo uma menina na Bélgica, país que permite o uso da lei para distúrbios mentais;
  • Se os menores de 18 anos poderiam usar a lei, mesmo com autorização dos pais, e como ela se aplicaria a crianças.
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Primeiro-ministro canadense busca legalizar o suicídio assistido https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/04/15/primeiro-ministro-canadense-busca-legalizar-o-suicidio-assistido/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/04/15/primeiro-ministro-canadense-busca-legalizar-o-suicidio-assistido/#respond Fri, 15 Apr 2016 14:21:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=900 O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, é a favor do suicídio assistido e se empenha para torná-lo uma realidade. Na última quinta-feira (14), introduziu uma lei para legalizar o procedimento a canadenses portadores de doenças crônicas.

A lei criminal é uma questão federal no Canadá, mas a permissão para o suicídio assistido já é aprovada por juízes em casos específicos ao redor do país.

A Suprema Corte declarou em decisão unânime, no ano passado, que é inconstitucional negar a opção de suicídio assistido a adultos portadores de uma condição médica grave e irremediável.

A posição do primeiro-ministro foi influenciada pela morte de seu pai, o ex-primeiro-ministro Pierre Elliott Trudeau, após rejeitar tratamentos agressivos para um câncer de próstata e doença de Parkinson.

É provável que a nova legislação seja aprovada, dada a maioria do Partido Liberal (do primeiro-ministro) na Câmara, apesar de alguns membros terem dito que a lei entra em conflito com suas crenças religiosas.

Essa notícia é uma repercurção do New York Times. Para ver o artigo original, em inglês, clique aqui. No vídeo divulgado na matéria, o primeiro-ministro diz que seu governo foca muito em respeitar os direitos dos canadenses, defender e permitir suas escolhas e, ao mesmo tempo, defender os mais vulneráveis da sociedade. Também afirma haver muito a se fazer para fortalecer a qualidade de cuidados no final da vida (e os cuidados paliativos) e não apenas as questões que relacionadas a esse momento.

Aprovação na Califórnia – EUA

Nos Estados Unidos, a legislação a respeito varia de estado para estado. Há quatro estados, atualmente, que permitem o suicídio assistido: Oregon, Washington, Montana e Vermont. A Califórnia será o quinto. O governador da Califórnia, Jerry Brown, assinou em outubro do ano passado, uma legislação permitindo o suicídio assistido. Ela deverá passar a ter efeito apenas em 9 de junho desse ano, devido a forma como foi aprovada – em uma seção extraordinária chamada pelo governador.

A lei exige a assinatura de dois médicos que atestem um prognóstico de seis meses de vida ou menos. O paciente precisa ser capaz de tomar a medicação sozinho e afirmar, por escrito, 48 horas antes, o desejo de fazê-lo. Leia mais sobre a lei na Califórnia nesse link (em inglês).

O que é o suicídio assistido?

É a permissão de prescrição de drogas letais para que o paciente se auto-medique. Difere da eutanásia por ser um procedimento que não permite a injeção da droga por terceiros. Na eutanásia, um profissional de saúde pode aplicar o remédio no paciente, caso ele não tenha capacidade física de se auto-medicar, por exemplo. A maioria das leis a respeito no mundo apenas permitem o suicídio assistido e a eutanásia para doenças físicas, incuráveis. No artigo “24 e pronta para morrer” – documentário sobre direito à morte assistida traz nova abordagem, exploro a visão da Bélgica e Holanda, que permitem o suicídio assistido por distúrbios mentais, como depressão crônica. Entenda mais sobre esse assunto em Sobre o direito de morrer.

Leia mais sobre suicídio assistido no blog:

Categoria – suicídio assistido e eutanásia

Artigo com uma entrevista com a editora da seção internacional da revista “The Economist”:

“24 e pronta para morrer” – documentário sobre direito à morte assistida traz nova abordagem

Sobre o direito de morrer

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“24 e pronta para morrer” – documentário sobre direito à morte assistida traz nova abordagem https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/11/25/24-e-pronta-para-morrer-documentario-sobre-direito-a-morte-assistida-traz-nova-abordagem/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/11/25/24-e-pronta-para-morrer-documentario-sobre-direito-a-morte-assistida-traz-nova-abordagem/#respond Wed, 25 Nov 2015 10:29:07 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=756  “Olá, eu sou a Emily, eu tenho 24 anos e eu sou da Bélgica. Esse documentário é sobre meu pedido para eutanásia devido a sofrimento mental. E quando você assistir esse documentário, eu não estarei mais aqui”.

Essa é a introdução do filme “24 and ready to die” (24 anos e pronta para morrer) feito pela “Economist Films”, lançado nesse mês.

Bélgica e Holanda são os únicos países a permitir morte assistida (eutanásia ou suicídio assistido) em função de distúrbios mentais. Os outros países que legislaram a respeito só oferecem autorização para doenças físicas. O estado de Oregon (EUA), por exemplo, coloca como um pré-requisito um prognóstico de seis meses de vida e a auto-medicação. Nos Estados Unidos, cada estado tem uma legislação própria sobre o assunto. A Califórnia deve permitir a morte assistida a partir do ano que vem.

A lei belga abre espaço para casos como os de Emily ao dizer: “a permissão só pode ser dada no caso do paciente estar numa condição médica de inutilidade terapêutica, em constante e incurável dor física ou mental, que não pode ser aliviada”.

A revista “The Economist” tem sua posição bem clara. Em edição de junho dedicada ao assunto, afirmam no editorial: “os médicos deveriam poder ajudar os pacientes que estão sofrendo e com doenças terminais a morrerem quando escolherem”.

Leia mais em: Sobre o direito de morrer

O documentário sobre Emily também se posiciona. O narrador do filme diz que o direto à morte é um principio moral complexo, mas também um direito humano básico. “Como terminamos nossas vidas tornou-se uma das mais desafiadoras e controversas questões dos nossos tempos”, comenta.

Em atendimento psiquiátrico desde os 12 anos, Emily tentou o suicídio diversas vezes e é constantemente internada em clínicas psiquiátricas. Ela diz que sua depressão começou quando tinha três anos. Lembra de estar de mãos dadas com o avô, a caminho da escola e pensar “não quero estar aqui”.

Ela mostra os braços cortados e a gaveta cheia de remédios. Em crises agudas, se machuca para sentir alívio da dor de ter um “monstro preso dentro de si”. A menina argumenta que está morta por dentro e incapaz de sentir a vida. Suas crises tornaram-se insuportáveis.

A solicitação para sua morte assistida foi analisada por dois anos e teve que ser assinada por três médicos para a permissão final. No filme, uma psiquiatra que faz parte desse grupo diz que seu trabalho é distinguir a depressão comum das consideradas sem solução. “Na psiquiatria, há diversos caminhos para se trabalhar, assim como combinações de tratamentos, mas deve haver alguma confiança de que aquela pessoa vai se recuperar e para algumas, não há essa perspectiva. Assim como nos casos de câncer terminal, nos de sofrimento mental também pode não haver mais alternativas para se oferecer”, diz a psiquiatra – seu nome não é mencionado. Ela fala que é difícil entender a morte assistida para casos mentais, porque o câncer avançado pode ser constatado numa radiografia, ao passo que os distúrbios mentais não podem ser diagnosticados de uma forma tão aparente.

Em 2013, tiveram 1800 mortes assistidas na Bélgica. 97% dos casos envolvendo doenças terminais e 3% de distúrbios psiquiátricos. Dos 100 primeiros solicitantes em função de doença mental, 48 tiveram permissão, sendo que 11 deles adiaram ou desistiram no meio do processo.

No dia marcado para sua eutanásia, Emily desistiu de morrer. Ela afirma que suas últimas semanas, desde o agendamento do procedimento, foram “toleráveis”, sem crises. Talvez por saber que a morte estava perto e acessível. O narrador diz: “As leis controversas da Bélgica, que dão o direito de morrer para pessoas como Emily, deram para algumas delas, uma chance para viver”.

“Brasileiros são rápidos em adotar novas ideias”, diz editora da seção internacional da “The Economist”

“Morte sem Tabu” conversou com Helen Joyce, editora da seção internacional da “The Economist”.

Helen diz que a morte assistida está sendo cada vez mais discutida porque estaríamos mais dispostos a abordar questões que envolvem autonomia e direitos individuais, como o casamento gay e leis sobre o aborto, por exemplo.

Um ponto fundamental seria os países estarem menos homogêneos, o que abriria espaço para debate. Com o forte movimento imigratório e o afastamento de líderes religiosos tradicionais, não haveria mais consensos tão claros.

“Especificamente sobre a morte assistida, meu ponto é que estamos menos religiosos do que costumávamos ser. Outra razão é que estamos envelhecendo como sociedade e sendo obrigados a lidar com a morte. Na era vitoriana, a morte era muito próxima. As pessoas morriam em casa, era testemunhada por todos. Depois, afastamos a morte para o ambiente hospitalar, onde não a vemos e podemos fingir que ela não existe, que não acontecerá conosco. Só temos contato, e vemos o quão horrível ela pode ser, quando acontece com alguém que amamos. Vivemos por 30 ou 40 anos em negação e agora as pessoas estão começando a entender e a ficar com muita raiva. Os médicos, por muito tempo, viam-se engajados numa batalha contra a morte. E agora, cada vez mais, percebem que eles não estão desistindo da vida, mas entendendo que todos os seres humanos morrem. Você tenta até um certo um ponto e depois passa a se preparar para uma boa morte”.

Sobre o assunto ser discutido no Brasil, Helen comenta que sua abordagem será inevitável, porque o país passa por uma transição demográfica muito rápida. Com o envelhecimento veloz da sociedade e o processo de urbanização, o governo será obrigado a olhar para os mais velhos em breve.

Leia também: Seja bem-vindo à era da geriatria

“O Brasil é um país que se move muito rápido quando decide mudar em relação a questões sociais. Brasileiros são rápidos em adotar novas ideias, tem uma forma de pensar bem flexível. Vocês tiveram aprovação de casamento gay antes da Europa. O debate sobre a morte assistida pode ainda não estar na agenda atual de discussões, mas tem capacidade para entrar rapidamente nela”, diz Helen.

 Ela não vê a implementação de uma política nacional cuidados paliativos como um pré-requisito para começarmos esse tipo de debate no Brasil. “Idealmente, deveríamos desenvolvê-la antes de implementar leis como eutanásia e suicídio assistido, mas as pessoas vão envelhecer independente disso e as duas coisas são conectadas mas não interdependentes”, comenta.

Um dos argumentos contra a permissão de morte assistida para portadores de distúrbios mentais é de que uma pessoa em depressão não tem capacidade de juízo crítico para decidir sobre sua vida. Helen não concorda com esse argumento pois seria uma questão abordada em outras esferas, como decidir se a pessoa pode ser internada em uma clínica psiquiátrica ou mesmo quando permitimos ou proibimos alguém de cuidar de suas próprias finanças, ou quando tiramos a guarda de uma criança. “Na morte assistida, deve-se analisar se a pessoa tem capacidade de tomar uma decisão, independente da doença que ela tem”.

Helen considera que o maior desafio para essa aplicação específica da lei seria distinguir entre as depressões passageiras das sem solução. O tabu em torno do suicídio também prejudicaria a autonomia de alguém decidir por dar fim à própria vida devido a um sofrimento crônico insuportável e sem perspectivas.

Por outro lado, a lei sobre morte assistida poderia contribuir para prevenir o suicídio, argumento muito usado pela EXIT, maior organização de morte assistida na Suíça, que se define como uma organização que objetiva a prevenção do suicídio. A EXIT considera que as pessoas chegam lá querendo morrer e ao passar pelo procedimento e os atendimentos médicos, acaba sentindo-se melhor e desistindo, como ocorreu com Emily.

Saiba mais em:

Categoria – suicídio assistido e eutanásia

Categoria – Cuidados paliativos

Sobre o direito de morrer

Seja bem-vindo à era da geriatria

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Sobre o direito de morrer https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/22/sobre-o-direito-de-morrer/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/07/22/sobre-o-direito-de-morrer/#respond Wed, 22 Jul 2015 11:10:24 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=586 Poucos temas são tão difíceis de se tomar uma posição quanto esse. Há o risco latente de se perceber incompleto ou pouco empático perto da complexidade que envolve o direito de morrer – a legalização de opções como o suicídio assistido e a eutanásia.

Os paliativistas (médicos especializados em cuidados paliativos) normalmente são contra essas medidas – pelo menos todos que eu já entrevistei até hoje no blog. A razão é baseada em experiência: eles cuidam de pacientes no final da vida e acham que somente quem estiver mal amparado desejará a morte. Cuidar de um paciente não seria apenas aliviar sua dor, mas sim enxergá-lo como um ser biopsicossocial, com necessidades psicológicas, sociais (e espirituais) além das físicas.

A revista inglesa “The Economist” já decidiu que é favor, totalmente a favor do suicídio assistido e considera sua legalização uma questão de tempo. A capa da edição da última semana de junho estampa: “The right to die – why assisted suicide should be legal” (O direito de morrer, porque o suicídio assistido deveria ser legal), em cima da foto de uma vela apagada e sua fumaça poética formando um desenho abstrato sobre o fundo preto. Eu vi ali um ser humano torcido.

Lendo a edição, dá vontade de levantar a bandeirinha do a favor desse movimento. Mas assistindo documentários sobre o ato em si, como ocorrem na vida real, a cabeça fica meio drogada e impedida de raciocínio. Pelo menos de raciocínio prático e a praticidade é uma das questões em voga.  No meu caso, o barato que me embestou foi o documentário “Choosing to die” (escolhendo morrer), do popular escritor inglês Terry Pratchett, autor da série de livros “Discworld”.

Ele me impactou num local indizível. O suicídio assistido é uma tristeza profunda. Ele mostra uma contradição gigantesca sobre a essência humana – aquilo que chamamos de instinto de sobrevivência. Ele representa uma contradição. E não é uma contradição como falar que se é contra a desigualdade social e ir para Miami fazer enxoval. Ela representa uma contradição na alma.

Contradiz nossa vocação de nos adaptarmos às situações mais absurdas e buscarmos ver beleza ao invés de tristeza. Contradiz o motivo por termos milhões de explosões químicas para fazer neném, desenvolver neném e cuidar de neném sem jogá-lo pela janela no primeiro desespero. Contradiz o porquê de aceitarmos conceitos bizarros, como o de ter um cotidiano dividido em horas trabalhadas, descansadas, poupança, especializações, 365 dias, férias, tudo esquematizado desde que nascemos em torno de números chamados dinheiro. E nem questionamos a eficácia de um sistema de vida desses. Eficácia em quê? Em nos fazer feliz? Em gerar riqueza para uma nação? Não. Eficácia em não nos deixarmos cometer o ato bárbaro de nos exterminarmos e conseguirmos seguir com a nossa missão de sobrevivência. Uma espécie que racionaliza tem esse fardo. Ela precisa de mais do que o instinto para não acabar consigo mesma. Ela necessita de um esquema preciso e inquestionável. Nisso, somos bem sucedidos.

Só que o ser humano tem a capacidade de se reinventar, de criar novas formas de viver e também de morrer. A tendência que se coloca em pauta gira em torno de conceitos como autonomia e dignidade. E o direito que cada um deva ter em escolher como deseja dar seu último suspiro.

Voltemos ao filme. Estamos na Suíça, país que permite o suicídio assistido. Um homem, em seus 70 anos, sofredor de uma doença do neurônio motor, e um ser de uma dignidade aparente impactante, olha para um copo com um líquido semitransparente. Não dá para saber o que sua esposa, ao seu lado está sentindo. Talvez impotência ao ver seu marido tão consciente de uma decisão que não terá mais volta.

Uma funcionária da Dignitas (organização suíça especializada em suicídio assistido) diz: Peter Smedley, você tem certeza de que quer beber esse medicamento que o fará dormir e morrer? Ele responde calmamente: sim, estou bem certo de que é o que quero fazer. Ela passa o copo para ele e antes de soltá-lo pergunta novamente: você tem certeza? Ele diz: eu tenho certeza. O remédio é passado para suas mãos, ele educadamente agradece. Ele olha alguns segundos para o copo e pronto. Não diz nada. Toma seu conteúdo num gole só, como um bom menino, já que a moça tinha o avisado numa consulta no dia anterior, que era necessário tomar o copo inteiro justamente dessa maneira, glupt, para não correr o risco de ele não funcionar. Ele agradece a mulher da Dignitas por cuidar dele e agradece a todos presentes (equipe de filmagem do documentário). Sua esposa acaricia sua mão: Seja forte minha querida. Ela responde emocionada: eu sei… Ele tosse, pede água com uma voz sumida. Ele apoia a cabeça e começa a roncar. Ele morre. E o coração de quem o assiste dá uma estraçalhada junto a um nó cerebral. Milhões de vezes mais fácil ver “Faces da Morte 4” do que essa pequena cena, que nem sangue tem.

Essa cena especificamente está nesse link, mas sugiro assistir o documentário inteiro, até para entender melhor os motivos de Peter e poder ver o depoimento dos que não optaram pelo suicídio assistido. Também é possível visualizar o funcionamento da Dignitas – o processo da entrevista e seleção.

Peter era um hoteleiro milionário e tido pelos amigos como alguém extremamente reservado. Ficaram surpresos ao saber de sua opção e dizem entender sua ação (a de ser filmado morrendo) como uma forma de apoiar a causa da legalização do suicídio assistido em seu país natal – Inglaterra.

O escritor Terry Prattchet, articulador do filme, conduziu as reportagens em busca de uma resposta. Diagnosticado com um tipo raro de Alzheimer em 2007, ele tem dúvidas se deve morrer ou não. Terry acabou morrendo de causas naturais em decorrência da doença e aparentemente não optou pelo suicídio (assistido), em março de 2015. Mas se tornou uma voz pela causa, ao defender a sua legalização na Inglaterra. Para ele, saber que se pode escolher o dia que vai morrer, torna cada dia vivido mais valioso. A questão fundamental não seria a escolha em si, mas sim a possibilidade de fazê-la como essência libertadora de quem sofre de uma doença incurável e a chave para a viver a vida de forma mais plena.

Esse filme me deixou com choro entalado, só resolvido com um curta metragem de animação (vencedor do Oscar de 2015) “O Banquete”, nada a ver com o tema, mas me fez chorar e fiquei melhor. Fica a dica para os que se sentirem assim.

A “The Economist” fala nesse editorial sobre o suicídio assistido: “Os médicos deveriam poder ajudar os pacientes que estão sofrendo e terminalmente doentes a morrerem quando escolherem”. Um paralelo interessante é afirmar que os governos ocidentais seguem a tendência de não mais opinar sobre como seus cidadãos adultos devam fazer sexo (adultério não é mais crime e o casamento gay está cada vez mais aceito), mas continuam retrógados em relação a liberdades na morte. “Um número crescente de pessoas, incluindo esse jornal, acredita que isso seja errado”.

Canadá, Inglaterra e Alemanha trazem projetos de leis em andamento sobre o direito de morrer, com boas perspectivas de aprovação. Pesquisa feita pela “The Economist” com 15 países, sugere que quase todos, com exceção da Polônia e Rússia, são a favor da legalização.

Seguem, abaixo, argumentos contra essas medidas e a favor delas, baseado na leitura da revista e em entrevistas já feitas no blog.

Argumentos contra o suicídio assistido:

  • Terminar uma vida deliberadamente é errado. A vida é sagrada e o sofrimento ao final dela só confere sua dignidade (aqui entra argumentos religiosos de que a vida é Deus quem dá e só ele tira);
  • Essas leis abrem espaço para que a morte prematura se torne um caminho mais fácil e mais barato do que os cuidados paliativos. Além de indicar uma possível exploração dos mais vulneráveis por parentes e médicos mal intencionados, que desejem a morte prematura daquela pessoa, por exemplo;
  • Pode ser um passo para a aplicação indiscriminada da eutanásia;
  • Suicídio assistido pode prejudicar os cuidados paliativos (como menores investimentos na área);
  • Os pacientes podem se sentir pressionados para morrer e não serem um fardo a seus parentes;
  • Só desejará morrer quem está mal amparado, com dor física ou psíquica. Com um bom atendimento de cuidados paliativos (e multidisciplinar), 100% dos pacientes mudam de opinião em relação ao desejo de morrer;
  • A lei será usada pelos mais pobres, que não têm plano de saúde e sofrem com maus tratos do serviço público.
  • Desvaloriza aqueles com uma doença terminal que decidem não morrer.

A favor

  • Liberdade e autonomia são fontes de dignidade humana;
  • Numa sociedade moderna e secular, é estranho falar em santidade da vida humana para aceitar-se o sofrimento, a dor insuportável e a miséria que alguns pacientes são submetidos;
  • Evidências de países em que o suicídio assistido é legalizado, sugere não haver aumento de práticas de eutanásia. Em alguns países, como na Suíça, a eutanásia é ilegal apesar do suicídio assistido ser liberado.
  • As pessoas que optam pelo suicídio assistido normalmente não são motivadas pela dor,  mas sim pelo desejo de preservar sua própria dignidade, autonomia e prazer na vida;
  • Na Holanda, país que permite o suicídio assistido, considera-se haver um dos melhores cuidados paliativos da Europa. A “The Economist” diz: “um estudo em 2008 concluiu que o movimento a favor da morte assistida na Bélgica trouxe melhorias nos cuidados de fim de vida de forma geral e que a presença de uma boa estrutura de cuidados paliativos tornou possível ética e politicamente para que tais práticas tornarem-se legais.”;
  • Algumas formas de suicídio assistido e eutanásia voluntária (ou mesmo involuntária) já ocorrem de forma ilegal;
  • Não há evidências de que o uso dessas práticas servirão os menos favorecidos financeiramente. Os números indicam que a camada da sociedade que opta pelo suicídio assistido é elitizada – tem acesso a plano de saúde, bons serviços de cuidados paliativos a disposição, assim como home care, e alto nível de formação escolar.

Questões na elaboração de uma lei nesse sentido:

  • Ela será permitida tendo em vista a dor do paciente (critério subjetivo) ou com base na fatalidade da doença? No Estado de Oregon (EUA) só é aceito pacientes com um prognóstico de até seis meses de vida, atestado por dois médicos diferentes. Argumentos contra o suicídio assistido mencionam o problema do erro em diagnósticos médicos, tanto em afirmar que uma doença é terminal quando não o é, quanto em tempo de vida – e o paciente poder ter vivido muito mais do que os seis meses. Na Suíça, a doença não precisa ser fatal. Nesse vídeo, uma mulher que sofre de uma doença óssea não letal opta pelo suicídio assistido. Ela segue bem humorada nos momentos finais de sua vida.
  • O paciente deve tomar o remédio letal de forma autônoma ou pode receber o medicamento caso esteja incapacitado? Em Oregon, por exemplo, ele deve tomá-lo sozinho, sem ajuda. O que traz manifestações nesse sentido, como um paciente com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) que teme não poder se automedicar quando chegar a hora de querer morrer. Na Suíça, a lei exige que o paciente seja assistido no suicídio, ele precisa tomar o medicamento também, caso contrário, o caso será considerado eutanásia, o que é ilegal no país.
  • A questão mais complicada refere-se a se essas práticas deveriam ser disponíveis para quem está sofrendo de angústias mentais ou não. Ninguém quer tornar o suicídio mais fácil aos deprimidos. Mas a revista afirma que a dor mental pode ser tão forte quanto à física e que a ajuda médica para a morte deveria ser considerada aos que sofrem de questões mentais também, levando-se em consideração uma série de pré-requisitos – como consultas com psiquiatras, tratamentos e períodos de espera.
  • Se os menores de 18 anos poderiam usar a lei, mesmo com autorização dos pais, e como ela se aplicaria a crianças.

Turismo da morte

A Suíça luta contra o estigma de “turismo suicida” por atrair tantos estrangeiros que chegam lá para morrer. Há duas grandes clínicas que oferecessem serviços de suicídio assistido: A Dignitas e a EXIT (que nome). Essa última só atende suíços.

O site Swissinfo publicou uma entrevista com o presidente da EXIT, Dr. Jerôme Sobel, abordando mitos e verdades sobre o suicídio assistido no país. Ele comenta, por exemplo, que sua organização atende pessoas que sofrem de uma doença incurável e tenham a morte previsível (na Dignitas não precisa ser incurável. O critério é mais subjetivo por mencionarem uma “dor insuportável”). Quadros depressivos também não são aceitos por afetarem o juízo crítico. Sobre a relação com conceitos religiosos, ele diz: “Pessoalmente, sou crente e penso que Deus me deu a vida, porém também me deu algo mais importante: o sentido de responsabilidade e a liberdade de escolher”.

A Dignitas já tornou possível 1.700 mortes, de pessoas de mais de 40 países. A organização defende que seu maior trabalho não é o de ajudar alguém a morrer, mas sim o de prevenção ao suicídio. Poucos chegam até o final. Na Suíça, 1% das mortes são por suicídio assistido.

Os custos da Dignitas variam de aproximadamente € 4.000 a € 7.000 euros (aprox. de R$ 14.000 a R$ 24.400 reais). Depende de haver a necessidade de ter um médico presente ou de atestado de óbito e dos serviços solicitados- cuidar dos arranjos fúnebres, como velório, transporte do corpo, cremação ou enterro, etc. Veja mais informações sobre os custos (é necessário tornar-se um membro da entidade) e pré-requisitos nesse documento de apresentação da Dignitas.

Psicologia hospitalar

O maior motivo que leva ao suicídio assistido, segundo a “The Economist”, é o medo da perda de autonomia, da dignidade e a impossibilidade de fazer as coisas que tornam a vida prazerosa. E não à dor física.

A psicóloga hospitalar, especializada em morte e luto, Nazaré Jacobucci está fazendo um curso de Introdução à Bioética na Universidade de Oxford. Quando surgiu a discussão sobre o direito de morrer em sala de aula, ela deixou claro sua posição: sempre há outra solução que não seja a morte e considera a ortotanásia como um procedimento mais adequado do que a eutanásia ou o suicídio assistido.

A ortotanásia envolve deixar a pessoa morrer no tempo certo utilizando os instrumentos dos cuidados paliativos. Orto significaria certo e tanasia derivaria de thanatos – morte. Nela, pensa-se na humanização da morte e a alternativa é não prolongar tratamentos abusivos que causem danos adicionais, mas sim tratar a dor do paciente numa dimensão psicossocial. É aí que entra o conceito de cuidados paliativos.

“Fico pesarosa ao saber que no Brasil existem pouquíssimos lugares com uma equipe de cuidados paliativos completa. Nossa, como eu gostaria que isso fosse uma prática em todos os hospitais… Também há poucos Hospices no Brasil. Só na cidade em que estou morando, Reading de 308.000 habitantes (a 30 min de trem de Londres), há dois. Se houvessem mais Hospices, com certeza melhoria muito a qualidade de morte no Brasil”, considera Nazaré.

O Hospice é um lugar onde há a prática de cuidados paliativos com uma equipe multifuncional que vai cuidar do paciente em estado de finitude. É um local destinado a cuidar e amparar o paciente nos últimos momentos da sua vida. Quando perguntei a Nazaré se era um lugar que uma pessoa ia para morrer, ela me respondeu que não, é um local onde se vai para viver. Viver bem seus últimos dias de vida.

Sua experiência na Inglaterra traz um aprendizado que muitos especialistas em luto invejariam. Ela assiste palestras do psiquiatra Colin Murray Parkes, uma das maiores autoridades no que diz respeito a luto e processo de morte.

Nazaré diz que a morte é tratada de forma mais natural na Inglaterra e há um cuidado com o processo de morte, por isso lá há mais Hospices e uma maior rede de atendimento para enlutados, incluindo um  específico para crianças, que mal existe no Brasil. Ela menciona haver  apenas dois importantes institutos destinados a estes atendimentos: o Quatro Estações (SP) e Entrelaços (RJ). “Essas pessoas fazem um trabalho excepcional”, comenta.

Ela já acompanhou muitos pacientes na passagem para o lado de lá e afirma não ter medo da morte. “Quando você atende alguém que tem muito medo da morte e uma doença grave, e você não tem medo da morte, você consegue passar um conforto a esse paciente. Por isso eu digo que psicologia hospitalar não é para qualquer um. Trabalhar com pacientes em estado final não é para qualquer profissional. Você tem que estar preparado para esse trabalho. Ter uma relação boa com a vida e com o que você faz, se apoderar das coisas que você faz… Além da capacitação em si, porque é na capacitação que você se dá conta se tem condições para fazer aquilo ou não.”

Sobre a polêmica do direito de morrer, finaliza: como psicóloga, respeito o paciente, mas sempre vou tentar mostrar que existem outras possibilidades”. A afirmação é coerente com o frase abaixo do seu perfil no Skype: impossível é uma questão de opinião.

Por outro lado, lembro do depoimento de Nathalie, sobre ser chamada para acompanhar a eutanásia da mãe na Bélgica. Para sua mãe, viver dependendo de outra pessoa para todas as atividades diárias era indigno e um sofrimento que ela não estava disposta a enfrentar. Como alguém muito preocupada com qualidade de vida (ela era defensora do meio ambiente, vivia sem carro por motivos ambientais e fazia compostagem), aquele tipo de vida não parecia coerente com seus pensamentos. Nathalie é a favor da discussão no Brasil porque as pessoas têm o direito de decidir sobre suas próprias vidas e não se pode impor a não-opção.

Nazaré já considera que estamos caminhando para uma certa intolerância à dor e ao sofrimento. “Nossa sociedade pós moderna não suporta sofrer, ou melhor, não tem o menor preparo e amparo para momentos de dor”.

Em um podcast repercutindo o tema, a editora da “The Economist” afirma que o direito de morrer é um dos grandes questionamentos morais do nosso tempo e será cada vez mais presente conforme a população envelhece.

Seu debate faz parte da nossa formação como sociedade e está aqui para marcar a história.

“A história humana pode ser contada pela maneira como cada sociedade, em diferentes períodos, lidou com a morte”

Eliane Brum no artigo “Vida até o Fim” publicado no livro “O Olho da Rua” (ed. Globo, 2008 ) .

Dali, gavetas
Salvador Dali, “O Contador Antropomórfico” (1936)

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