Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O “Uber” da morte (um aplicativo para serviços funerários) https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/o-uber-da-morte-um-aplicativo-para-servicos-funerarios/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/11/29/o-uber-da-morte-um-aplicativo-para-servicos-funerarios/#respond Wed, 29 Nov 2017 13:17:09 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1442 Até que demorou.

Será lançado, oficialmente hoje, o aplicativo Ipax que reúne informações sobre o serviço funerário. O aplicativo oferece um passo-a-passo com providências a serem tomadas, uma lista de fornecedores de serviços funerários e cemiteriais, com direito à reputação de acordo com avaliação dos usuários e espaços para negociação.

Na introdução, há uma comparação com o efeito “uber”, justificando a criação do Ipax com uma tendência. “Foi o que a Amazon fez com as livrarias, a Netflix fez com a televisão, o que o Airbnb fez com a hotelaria, o que o WhatsApp fez com a telefonia e o que o Uber fez com o transporte de táxi nas metrópoles.”

Como falar de morte ainda é muito delicado, imagino que essa seja uma tentativa de diminuir as chances de rejeição do aplicativo, já que muitos criticam uma possível “mercantilização da morte”.

O jornalista e consultor de negócios Edvaldo Silva, idealizador do Ipax, diz ver uma forma de informar a sociedade sobre suas opções e, assim, diminuir a vulnerabilidade para agentes informais, chamados em São Paulo de “papa-defuntos”.

O Ipax (i de informação e pax de paz em grego) é fruto de uma demanda identificada por Edvaldo como uma oportunidade. “Eu ouvi muitos relatos de quem encontra complicações quando um parente morre. As pessoas acabam não sabendo o que fazer e terminam pagando mais caro do que o necessário. Alguns nem conseguem velar o corpo porque precisam ficar atrás de documentação”, diz.

Essa dificuldade de acesso à informação, apontada por Edvaldo, é muito prejudicial. Ele cita a dificuldade em saber o que fazer com os restos mortais também, como exemplo.

Como pode haver um estranhamento em ter um aplicativo sobre morte no celular, o Ipax também vai funcionar pelo site, como uma plataforma de fonte de informação.

Inicialmente, terá foco na cidade do Rio de Janeiro, com parceiras de estabelecimentos públicos e privados que pagam uma mensalidade para o cadastro no aplicativo. Seu lançamento oficial será hoje, às 14h, na Coordenadoria Geral de Cemitério e Serviços Funerários do Rio de Janeiro. Edvaldo diz desejar uma expansão nacional.

Me chamou atenção a seção “monte um funeral”, indicando o acesso à loja virtual. Há não muito tempo atrás, isso seria impensável. A elaboração do funeral era de responsabilidade de líderes religiosos, que definiam a ordem dos acontecimentos, os códigos de conduta e os textos a serem lidos.

Acho bem-vinda a possibilidade de idealizarmos um funeral que tenha um significado pessoal. Chego a imaginar vídeos e textos desenvolvidos especialmente para aquela família, com músicas, comidas e essências que remetam a um histórico cultural específico e ajudem na composição de uma despedida, e como consequência, na elaboração do luto que está prestes a se iniciar. O Ipax ainda não chega a esse patamar, mas pode ser visto como a indicação de uma mudança cultural forte. O empoderamento de cada um de nós para elaborar rituais que façam sentido em nosso núcleo familiar. Seria a concepção de um ritual personalizado, que pode englobar características de uma determinada religião, mas que não se limite a ela, possibilitando liberdade de escolha.

Leia mais na tag “Tecnologia”. 

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Vivemos em um mundo simulado? https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/21/vivemos-em-um-mundo-simulado/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/21/vivemos-em-um-mundo-simulado/#respond Fri, 21 Oct 2016 18:39:26 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/tumblr_mlu8qijgO31s9816mo1_r1_500-180x100.gif http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1148 O criador do PayPal, Elon Musk, fez uma afirmação polêmica em certa entrevista:“A chance de não vivermos em um mundo simulado por computador é uma em bilhões”. Para minha surpresa, Elon Musk não só pensou e pensa nisso constantemente, como considera a simulação uma probabilidade real.

O Bank of America foi mais longe e afirmou, em comunicado oficial, acreditar haver de 20 a 50% de chance de estarmos vivendo em uma simulação do tipo Matrix. O relatório, enviado a clientes, também diz que, se o mundo for mesmo uma simulação, nós nunca saberemos disso. E aborda a possibilidade dessa simulação ser feita por nossos descendentes.

Esse é o tipo de conversa que temos em um bar com metade da mesa torcendo o nariz para o esquisito que levantou o assunto. Só que Elon Musk vai bem além da figura do adolescente apaixonado pela trilogia Matrix. Ele é um empreendedor visionário, fundador da Tesla Motors – de automóveis elétricos, da XSpace – seu projeto de construção de foguetes reutilizáveis, e da SolarCity – empresa voltada para energia solar. Em 2015 lançou a OpenAI – empresa sem fins lucrativos que se propõe a democratizar o acesso à inteligência artificial.

O homem que inspirou Robert Downey Jr para seu “Homem de Ferro” , construiu um império de 44 bilhões de dólares apostando em uma economia de energia totalmente sustentável, renovável e interplanetária. Recentemente, Musk apresentou seu plano para colonizar Marte a partir de 2024, com o envio de missões tripuladas a bordo de naves da SpaceX e a criação de uma cidade autossustentável no planeta.

Sobre a questão do mundo simulado, Musk justifica seu raciocínio: “Há 40 anos, tínhamos o Pong – dois retângulos e um ponto (o videogame que inaugurou a indústria de games), hoje temos simulações em 3D com milhares de pessoas jogando simultaneamente, e em breve teremos realidade virtual, realidade aumentada… é uma tecnologia que se aprimora a cada ano. Se assumirmos um mínimo de taxa de melhoria no futuro, os games se tornarão indistinguíveis da realidade”.

Seu conceito é estatístico. Se o homem for capaz de criar uma inteligência idêntica a ele mesmo (hipótese da singularidade tecnológica), essa inteligência fará o mesmo reproduzindo milhões de realidade simuladas, uma dentro da outra. A chance de estarmos na realidade original seria muito baixa.

Musk considera provável já estarmos vivendo nessa tipo de imersão, mas obrigatório que ele faça parte do nosso futuro. Ele chegou a dizer: “Há duas opções: ou criaremos um mundo virtual indistinguível da realidade ou a civilização deixará de existir” – se não chegarmos a esse avanço é porque algum evento calamitoso brecou nosso desenvolvimento e nos extinguiu.

Essa discussão encontra aparato acadêmico no campo do transumanismo. O filósofo Nick Bostrom (leiam esse artigo aqui), da Universidade de Oxfort, Inglaterra é um dos grandes nomes da área. Autor do best-seller “Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies” (2014), ele defende existir 20% de chance de já estarmos imersos em uma simulação criada por nossos descendentes.

O vídeo abaixo aborda o modelo das três possibilidades para o futuro da humanidade.

Há diversos vídeos no Youtube buscando explicar a teoria do mundo simulado. Separei esse daqui para vocês.

Musk já disse, também, que a ausência de notícias de vida fora da Terra é um argumento a favor da simulação. “É como quando você está jogando um game de aventura, você consegue ver as estrelas no fundo mas não consegue alcançá-las”. O Paradoxo Fermi tenta traduzir o conflito entre a alta probabilidade de vida extraterrestre com a falta de evidências.

Outro que trouxe leve credibilidade aos “doidos” da ficção cientifica foi Stephen Hawking. O famoso cientista disse que nosso planeta deve se preparar para uma invasão alienígena.

Um ponto que me chama atenção é imaginarmos alienígenas como uma referência de nós mesmos, como uma projeção humana. Consideramos alienígenas como “um reflexo em um espelho distorcido”, como argumenta esse vídeo aqui. Buscamos sinais de seres que se comportariam como nós, se comunicariam como nós e precisariam dos mesmos nutrientes para sobreviver. Mas “é possível encontrarmos ideias mais criativas de imaginar como alienígenas inteligentes possam existir, ainda que não sejam detectáveis por nós”.

Estranho, não?

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2030: a fusão entre homem e máquina https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/09/22/2030-a-fusao-entre-homem-e-maquina/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/09/22/2030-a-fusao-entre-homem-e-maquina/#respond Thu, 22 Sep 2016 12:51:41 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/09/TranshumanMichelangelo1-180x100.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1109 Por volta de 2030, poderemos ter o que o engenheiro do Google, autor e futurista Raymond Kurzweil chama de “pensamento híbrido”. Significa pensarmos em parte de forma orgânica, de acordo com a biologia de nosso cérebro, e em parte de forma artificial – uma possibilidade do avanço exponencial da tecnologia. Um nanorobô se instalaria em nosso neocortex (no cérebro) possibilitando acesso direto á “nuvem”, ao conjunto de informações acessíveis via internet. Essa tecnologia também permitira transmissões ao vivo da visão de alguém, entre outras possibilidades.

Seríamos fundidos à máquina, ou melhor, a traríamos para dentro do corpo humano. Parece ser o desenho de um futuro mais provável para a inteligência artificial do que essa dicotomia pintada na maioria dos filmes de ficção cientifica, de homem versus máquina, de robôs dominando a humanidade ou os usando para benefício próprio. Acho que não será uma questão de um ou outro, mas um e outro formando um outro ser, um novo conceito de humanidade. Apesar dessa imagem me dar arrepios.

A nanorobótica ainda é uma tecnologia emergente, mas promete revolucionar a medicina num futuro próximo. Nanorobôs são robôs do tamanho de uma célula sanguínea que poderão circular em nosso corpo fazendo diagnósticos, levando nutrientes e realizando micro cirurgias.

É estranho pensar que em poucos anos um novo tipo de ser humano possa surgir. Mas refletindo sobre o avanço que tivemos nos últimos 30 anos, não é de forma alguma impossível. Em palestra no TED, Kurzweil explica o desenvolvimento de seu raciocínio. Clique aqui para assistir.

Matéria de capa da revista “Time” “2045: The Year Man Becomes Immortal” explora a possibilidade de fazermos downloads de nossas mentes em outros recipientes, como robôs, e questiona quais implicações isso traria. 2045 seria o ano da singularidade, ainda impossível de ser compreendida, por não conseguirmos pensar fora de nosso linear e químico cérebro animal.

O termo singularidade é usado para representar uma corrente de pensamento, muitas vezes tida como um movimento. Indica que a humanidade passará por enorme avanço tecnológico em um curto espaço de tempo, no qual a inteligência artificial predominará sobre a humana. O termo é creditado ao cientista Vernor Vinge. Kurzweil, que profetizou o surgimento da internet, é um dos fundadores da Singularity University, que tem a missão de “educar, inspirar e empoderar líderes para aplicarem tecnologias exponenciais no tratamento dos grandes desafios da humanidade”.

Outro relevante membro dessa filosofia é o gerontologista Aubrey De Grey. Ele afirma que o primeiro ser humano a viver 1000 anos já nasceu. De Grey vê o envelhecimento como uma doença a ser curada e explica como isso poderia ocorrer nessa palestra aqui. Ele é autor do livro: “Ending Aging” (importado sob encomenda pelas livrarias).

O ano de 2045 para a singularidade foi definido com base na lei de Moore -ela diz que a capacidade de processamento dos computadores dobra a cada 18 anos, com custos permanecendo constantes. Essa lei analisou dados do passado e tem sido usada há 30 anos.

Kurzweil acredita que vamos parar o envelhecimento e tornar a imortalidade possível. É apenas uma questão de vivermos o suficiente para vivermos para sempre, como diz no seu livro: “Transcend: Nine Steps to Live Forever” (Transcender: nove passos para viver para sempre). Ele também é adepto da teoria da restrição de calorias para aumentar a expectativa de vida. Ponto que defende em diversos livros, assim como o uso da genética para manipularmos genes para barrar o envelhecimento e prevenir doenças. Veja o site do livro “Fantastic Voyage”.

Leia mais: Por quantos anos devemos viver

Albert Einstein teria dito: “A humanidade precisará de uma substancial nova forma de pensar se quiser sobreviver”. Essa frase normalmente é atribuída ao homem ter que mudar seu comportamento em relação a recursos naturais, ao meio ambiente e a questões sociais e éticas. Pensar em prol de um bem comum e não mais em benefício próprio. Transformar uma mentalidade imediatista para uma visão a longo prazo. Quem sabe, Einstein também estaria profetizando sobre o pensamento híbrido de Kurzweil.

Os avanços tecnológicos podem trazer benefícios mas costumam ser atrelados a efeitos colaterais que nos prejudicam e precisam ser discutidos. Como o vício da internet, a alienação do celular e a solidão das redes sociais. Esse homem-máquina teria um novo desafio a sua frente: como lidar com a liberdade de escolha em um cenário de acesso instantâneo e ilimitado a informações? Teorias filosóficas seriam reformuladas e outras apareceriam. Existencialistas se debruçariam sobre a nova responsabilidade do homem diante um livre arbítrio tecnológico e a angústia existencial gerada pelo processo de tomada de decisões com tantas opções e informações disponíveis. Sartre não ia querer perder a oportunidade de refletir sobre um outro tipo de ser humano e iria implorar para nascer de novo.

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Hatsune Miku: uma cantora nem viva, nem morta https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/07/06/hatsune-miku-uma-cantora-nem-viva-nem-morta/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/07/06/hatsune-miku-uma-cantora-nem-viva-nem-morta/#respond Wed, 06 Jul 2016 11:39:07 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1002 Ela tem 16 anos, faz aniversário em 31 de agosto, cabelos azul turquesa, voz estridente, e com suas 170 mil músicas no repertório, anunciou sua primeira turnê pelos Estados Unidos. Os fãs gritam seu nome, Hatsune Miku, esperando a garota aparecer no palco.

Só que Hatsune não existe. Pelo menos não de carne e osso. Ela não está viva, nem morta. Ela é uma ideia transformada em pixels, um holograma, a materialização do que seus organizadores chamam de “um guia turístico para o futuro”. Ela é, basicamente, uma cantora virtual de movimentos e voz reproduzidos por um programa de computador.

Até aí não há tanta novidade em Hatsune. A banda virtual Gorilazz fazia sucesso lá em 1998 e, vira e mexe, vemos shows com hologramas de ídolos mortos, como Elvis Presley e Michael Jackson. Tá aí uma área da tecnologia que me parece pouco explorada. Eu iria em um show de Elvis hoje mesmo. Para relembrar seus movimentos, sua voz, chegar em casa e publicar no Facebook: Elvis não morreu! Com uma foto minha sorridente e uma cara meio ridícula na frente do ídolo de pixels.

Mas a novidade de Hatsune, e onde me parece estar seu enorme sucesso, é ir além de ser apenas um holograma. A inovação é se apresentar como uma espécie de projeto coletivo. Seu repertório é composto por músicas escritas por fãs que as cantam utilizando um software chamado vocaloid. Esse programa modifica a voz de qualquer um para imitar a de Hatsune, ou a de outro cantor virtual do programa. Imagino que esse fã vá a um show esperando que, em algum momento, ouvirá sua música cantada por mil pessoas. Ele vê um pedaço de si sendo aplaudido, idolatrado.

Hatsune é mais um espaço para a inclusão, para que possamos nos sentir parte de um grupo, ganhar curtidas, joinhas. Essa é a sacada das novas tecnologias que conseguem grande aderência, como o Facebook e o Instagram. Elas apostam no nosso desejo de sermos valorizados pelo que pensamos, pelo que criamos.

Nesse sentido, é paradoxal dizermos que as redes sociais isolam os seres humanos. Cada vez mais temos a oportunidade de nos colocarmos, comentando artigos, xingando ou elogiando. E também de criarmos, produzindo conteúdo de forma independente. Podemos ser fotógrafos – e divulgar fotos lindas no Instagram, escritores – compondo textos opinativos, os famosos textões, ou poemas, crônicas da vida… E, agora com Hatsune, podemos ser músicos.

Hatsune Miku (e toda sua “espécie”) redesenha nosso conceito do que é estar vivo. É idolatrada como uma pessoa real, ou talvez algo próximo disso. Mas impacta seu público como se de fato existisse. Ela vive de aplausos, sem eles ela morre, desaparece. Seu nome significa “som do futuro”, e ele parece estar certo. É um dos muitos sons do futuro.

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A Morte Midiatizada: como as redes sociais atualizam a experiência do fim da vida https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/25/a-morte-midiatizada-como-as-redes-sociais-atualizam-a-experiencia-do-fim-da-vida/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/25/a-morte-midiatizada-como-as-redes-sociais-atualizam-a-experiencia-do-fim-da-vida/#respond Wed, 25 May 2016 13:02:46 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=947 Renata Rezende é especialista em estudos sobre comunicação social e mídia. Professora de   Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, doutorada em comunicação, mestre em comunicação e imagem, pesquisadora e ainda pós-doutorada na área, ela publicou o livro “A Morte Midiatizada: como as redes sociais atualizam a experiência do fim da vida”, pela editora Eduff. A obra inicia com uma frase de Montaigne “quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver”, e é dedicado às pessoas que ama e “aos encontros: de ontem, de hoje e de amanhã”.

Segue o depoimento de Renata ao blog, relatando o que a inspirou a escrever esse livro, sua observação sobre os “cemitérios digitais” e a pesquisa de  “como a experiência sobre o fim da vida se modifica com as apropriações das ferramentas digitais”.

Leia mais: Entre memes e marketing: cemitério em Teresina brinca com o medo da morte 

A morte midiatizada: como as redes sociais atualizam o fim da vida

Renata Rezende

 “A obra examina como a morte se transformou na ambiência da vida midiatizada, particularmente a partir do advento das redes sociais digitais. Nesse contexto, o texto realiza um percurso da história da morte, em uma proposta síntese, da Idade Média à Idade Mídia, analisando como a experiência sobre o fim da vida se modifica com as apropriações das ferramentas digitais, problematizando questões sobre o “atual regime de existir”, no qual os meios de comunicação e informação são praticamente onipresentes e não basta ter corpo de carne e osso, é preciso ocorrer como ‘persona midiática’. Nesse cenário, no qual a materialidade se esvai, o vulto midiático se mantém, graças aos vestígios digitais, projetos de memória construídos nas atuais redes de sociabilidade.

A pesquisa é resultado da minha tese de doutorado e começou em 2006 na construção do projeto, que teve como recorte o já extinto Orkut. A ideia inicial se deu na própria observação das relações construídas na rede, primeiramente em postagens (relatos) individuais de amigos sobre a morte de algum familiar ou conhecido, com desabafos, lamentos sobre a perda e informações sobre velórios e enterros e, posteriormente, aos relatos deixados para os mortos (preces, orações, mensagens nos perfis dessas pessoas). Comecei a verificar que se tornava comum deixar recados nos perfis de pessoas que haviam morrido e, a partir daí, realizando uma espécie de netnografia, cheguei às comunidades dos mortos, que se configuram, ao meu ver, como “ cemitérios digitais”, catalogando perfis e realizando homenagens aos mortos “na vida real”, os quais continuam a circular nessas redes.

Com o fechamento do doutorado, em 2009, comecei a pesquisa no Facebook com objetivo de atualizar os dados e verificar se tais narrativas continuavam nessa rede social.

De uma maneira geral, como tento demonstrar no livro, há permanências das representações da morte, construídas ao longo da História que se estendem nas redes sociais, entre elas, a cruz e a fotografia do morto, por exemplo, mas há também novas operacionalidades que tais plataformas digitais inauguram e ressignificam”.

Renata é professora do curso de Comunicação Social e da Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense. Formada em Comunicação Social/Jornalismo, com mestrado em Comunicação e Imagem e Doutorado e Pós-doutorado em Comunicação.

Contato da autora: renatarezender@yahoo.com.br

Onde comprar: o livro pode ser comprado nesse link e enviado para todo país. Está à venda na Livraria da Travessa e na Livraria da Editora EDUFF – no Rio de Janeiro.

ObservaçãoDurante minha licença-maternidade, abri o blog para depoimentos de leitores. Os interessados em ler os artigos já publicados, por favor pesquisem nas abas laterais. Há cem posts disponíveis, separados por temas. Ou entrem na página do Facebook do blog. Para enviar seu depoimento, escreva para mortesemtabu@gmail.com.  Um abraço, Camila

 

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Entre memes e marketing, cemitério em Teresina brinca com o medo da morte https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/04/25/entre-memes-e-marketing-cemiterio-em-teresina-brinca-com-o-medo-da-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/04/25/entre-memes-e-marketing-cemiterio-em-teresina-brinca-com-o-medo-da-morte/#respond Mon, 25 Apr 2016 14:43:57 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=908 A leitora Lidia Zuin escreveu um artigo para ser publicado no blog. Lidia inspirou-se na iniciativa de um cemitério em Teresina que usa a o Facebook como uma ferramenta de marketing poderosa ao brincar com o medo da morte e ganhar gargalhadas de seu público virtual – há 21,9 mil seguidores na rede social. Ela discorre sobre artigos de Freud para abordar as origens do medo da medo da morte e encontra na cultura e nas artes formas de uma “compensação do que na vida minguou”. Veja, abaixo, o excelente texto de Lidia. 

Durante minha licença-maternidade, abri o blog para depoimentos de leitores. Os interessados em ler os artigos já publicados, por favor pesquisem nas abas laterais. Há cem posts disponíveis, separados por temas. Ou entrem na página do Facebook do blog. Para enviar seu depoimento, escreva para mortesemtabu@gmail.com.  Um abraço, Camila

Entre memes e marketing, cemitério em Teresina brinca com o medo da morte

Lidia Zuin

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Com quase 21,5 mil seguidores no Facebook, a página Cemitério Jardim da Ressurreição, em Teresina, tem chamado a atenção por conta do novo estilo de comunicação adotado pelo estabelecimento. Seguindo a tendência do trabalho de social media da Prefeitura de Curitiba, a equipe responsável pela divulgação do Jardim optou pelo uso de memes e de uma abordagem bem humorada para apresentar serviços que, à primeira vista, parecem ser caracterizados por um tom oposto — isto é, a morte e as cerimônias que a envolvem nem sempre foram encaradas de maneira lúdica e leve ao longo da história ocidental.

Hoje a página é administrada pela empresa CJFlash, sendo Onildo Filho o responsável pela criação das peças publicadas no Facebook. Redator publicitário e social media, Onildo comentou que a agência havia adotado uma linguagem comum no início de seu trabalho com o Jardim, mas como o retorno não estava sendo tão vantajoso, eles resolveram arriscar. A equipe mudou das mensagens de cunho motivacional para o uso de memes e outros recursos cômicos que acabaram cativando principalmente os mais jovens. “Desde o início o cliente topou e assumiu o risco juntamente conosco, nos dando total liberdade para criar. Nós nos inspiramos no próprio ambiente das redes sociais”, revela Onildo.

Ao adotar os jovens como seu público-alvo, a equipe de marketing viu neles não apenas um grupo que compreenderia e apreciaria aquela linguagem, como também pessoas que poderão se tornar clientes do Jardim. Mas, acima de tudo, Onildo indica que a intenção é também mudar algo que é cultural, isto é, o medo da morte: “Nada melhor que começar por eles. Geralmente, os jovens têm uma cabeça mais aberta a mudanças.”

As origens do medo da morte

Em 1915, Sigmund Freud abordou em “Escritos sobre a guerra e a morte” o momento em que o homem primitivo teria descoberto a morte do outro e, por consequência, a sua própria finitude. Isso o fez refletir não apenas sobre sua existência, como também lhe serviu para nortear suas decisões de sobrevivência. De nômade a sedentário, o homem primitivo sempre esteve em busca de uma adaptação ao ambiente: criando ferramentas, mantendo um gado e uma plantação, construindo moradas fixas e erguendo cidades nas quais sistemas políticos, econômicos, religiosos e sociais foram estabelecidos.

Em “A nossa atitude diante da morte”, Freud trata da perturbação causada pela morte, ainda que em outras instâncias ela possa ser tida com naturalidade, vista como o “desenlace necessário de toda a vida, que cada um de nós estava em dívida de morte para com a Natureza e [que] deveria estar preparado para pagar tal dívida”. Em outras palavras, o psicanalista conclui que a morte poderia ser vista como algo “natural, indiscutível e inevitável”, mas que, na realidade, temos uma natureza que prescinde da morte e que faz o possível para eliminá-la de nossas vidas.

Freud também argumenta que, na escola psicanalítica, foi possível afirmar que “no fundo, ninguém acredita na sua própria morte ou, o que é a mesma coisa, no inconsciente, cada qual está convencido de sua imortalidade”. Com relação à morte dos outros, o homem civilizado, então, tentará evitar falar de tal possibilidade, especialmente “quando o destinado a morrer possa ouvir”. No entanto, o austríaco ainda aponta que, por outro lado, “só as crianças infringem esta restrição”:

Ameaçam-se sem pejo umas às outras com as probabilidades de morrer e chegam, inclusive, a dizer na cara de uma pessoa amada coisas como esta: “Querida mamãe, quando morreres, farei isto ou aquilo.” O adulto civilizado não admitirá de bom grado nos seus pensamentos a morte de outra pessoa, sem aparecer aos seus próprios olhos como insensível ou mau; a não ser que como médico, advogado etc., tenha a ver com a morte. E muito menos se permitirá pensar na morte do outro quando a tal acontecimento está ligado um ganho de liberdade, de fortuna ou de posição social.

Assim, ainda que tomemos cuidado ao abordar assuntos que tocam a morte, essa “delicadeza” não faz com que evitemos a morte em si. Na realidade, quando justificamos e acentuamos a regularidade da morte como consequência de acidentes, doenças ou idade avançada, não fazemos nada senão trair nosso empenho em torná-la algo casual. Muito comumente nos comportamos de maneira peculiar diante do morto, como descrito por Freud: “quase como se admiração por alguém que levou cabo algo de muito difícil”. Fazemos isso como consequência do colapso enfrentado quando um ente querido nos deixa, negando sua morte e nos comportando como a tribo árabe Asra: no poema de Heinrich Heine, “Der Asra”, os membros são descritos como aqueles “que morrem quando morrem os que eles amam”.

Mas se navegar é preciso e viver não, como escreveu Fernando Pessoa, encontramos na ficção, na literatura, nas artes e na cultura uma “compensação do que na vida minguou”. Freud argumenta que é nesse âmbito que encontramos “homens que sabem morrer, mais ainda, que conseguem também matar os outros”.

No campo da ficção, deparamos com a pluralidade de vidas de que necessitamos. Morremos na identificação com um herói, mas sobrevivemos-lhe e estamos dispostos a morrer outra vez, igualmente incólumes, com outro herói.

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Em “The Seventh Seal” (“O Sétimo Selo”, 1957), o cineasta Ingmar Bergman incluiu uma cena que se assemelha à alegoria da Dança Macabra

Por isso, a morte é vista de maneiras variadas, a depender da cultura. Apesar de a arte barroca ter trazido um discurso dramático e obscuro no século 17, já no século 15 havia a prática da Dança Macabra (Danse Macabre) ou Dança dos Mortos, gênero artístico que tratava da universalidade da morte, de modo que, independentemente de qual estágio se está na vida, todos estariam ainda assim unidos na dança da morte — isto é, todos são iguais perante a morte. Ao personificar a morte e outras figuras de poder, como o Papa, um imperador ou um rei, mas também incluindo crianças e trabalhadores, a Dança Macabra ocorria ao redor de uma tumba como forma de lembrar as pessoas sobre quão frágil são suas vidas e quão vazias são suas glórias e ambições da vida terrena.

Ilustrada em textos de sermão e em um mural no cemitério dos Santos Inocentes, em Paris, a Dança Macabra foi uma maneira de lidar com os horrores do século XV, quando a fome, as guerras e a peste negra causavam centenas de mortes todos os dias. Com esse assombro tão recorrente no dia a dia, as pessoas passaram a ter um sentimento religioso maior, bem como uma necessidade quase histérica de poder se divertir e se livrar, ao menos por um curto momento, de suas condições precárias.

Ao unir as encenações medievais da bíblia e a alegoria da dança com os mortos, a Dança Macabra seguia a mesma tendência das pinturas, do conceito de memento mori (lembre-se de que irá morrer) e do Ars moriendi, que foram textos entre 1415 e 1450 que aconselhavam como ter uma “boa morte” de acordo com os preceitos cristãos do fim da Idade Média.

Por outro lado, na América, desde as civilizações pré-colombianas, há 2.500–3.000 anos, já se praticavam cerimônias de celebração aos mortos. O moderno Dia dos Mortos celebrado no México vem de uma tradicional comemoração feita a partir do nono mês do calendário asteca, dando início em agosto e tomando conta de todo o mês. Dedicadas a uma deusa conhecida como “Senhora da Morte”, as festividades de hoje encontram essa figura feminina representada pela personagem Catrina criada pelo cartunista José Guadalupe Posada.

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Desfile de dia dos mortos em Coyoacán, México. Foto de Carolina Díaz

Originalmente, Catrina era uma figura de crítica e paródia às mulheres da alta classe mexicana, mas a personagem acabou se tornando parte das celebrações de Dia dos Mortos atuais. Em contrapartida à estética obscura e depressiva adotada pelo luto católico, por exemplo, as celebrações mexicanas são coloridas, permeadas de flores, comidas e bebidas que são oferecidas em altares montados para os mortos. O ritual serve como um convite às almas dos que partiram, para que elas visitem o mundo dos vivos e atendam aos seus pedidos. Apesar de profundamente religiosa, a festa ainda assim traz um tom bem humorado, que inclusive permite com que os vivos compartilhem anedotas e casos engraçados sobre os mortos.

Ainda, na década de 1980, subculturas como a gótica passaram a ter uma nova visão sobre a morte também, trivializando-a e tornando-a parte de sua estética e temática, adicionando acessórios como caveiras humanas e cruzes à indumentária predominantemente negra. Apesar de nem todos se identificarem com o discurso que gira em torno da morte, a subcultura gótica trouxe à tona uma nova forma de vislumbrar a morte e o fúnebre, da moda à música, poesia, cinema e vários outros desdobramentos artísticos.

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Além de apostar na comunicação a partir de memes, a equipe de marketing do Cemitério também investe no design e na identidade visual da página

 

Aproveitando esse novo olhar entre grupos jovens, a página do Cemitério, também apelidada como “Cemi”, chegou a utilizar, por exemplo, um meme criado a partir de uma entrevista concedida pela cantora americana Lana Del Rey, na qual ela teria dito que “queria estar morta”. Mas essa mudança de linguagem não aconteceu de forma tão gradual. Na realidade, a primeira publicação que traz uma imagem com referência a um meme é do dia 25 de março de 2015, sendo que no dia 24 a estratégia ainda era a motivacional. Enquanto as últimas proporcionavam no máximo uma dezena de compartilhamentos, a primeira imagem cômica publicada pelo Jardim gerou 121 curtidas, 12 compartilhamentos e 21 comentários.

Por uma morte sem tabu

Onildo Filho diz que o objetivo da página nunca foram as vendas. “Jazigos são um produto difícil de vender”, ele explica. Na verdade, o redator diz que a  enterrados lá, disse achar ofensivo. No geral, recebemos muitos elogios ao nosso trabalho via inbox, querem saber quem é o social media por trás.”

O redator afirma que a equipe já havia calculado os riscos de rejeição, mas é muito mais fácil de notar as reações positivas. Além dos likes e compartilhamentos, a página recebeu dezenas de resenhas que deram cinco estrelas ao estabelecimento não por conta de seus serviços em si, mas sim pela forma como tratam do tema da morte. “É algo muito difícil de abordar. Não adianta, é cultural. As pessoas ainda têm medo da morte. Embora seja o destino de todo mundo, algumas pessoas simplesmente não querem nem pensar que um dia terão que partir. Por isso a necessidade de mudar a abordagem”, conta Onildo.

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Resenhas publicadas por seguidores da página

O trabalho da CJFlash é feito tanto online quanto offline, mas a linguagem cômica é utilizada apenas nas redes sociais. Além de manter uma página no Facebook, o Jardim também tem um perfil no Instagram. “No começo, quando a gente seguia alguém no Instagram, era comum algumas pessoas ficarem apavoradas com isso. Diziam, meu Deus! A morte está me seguindo”, lembra Onildo.

Por fim, ao aproveitar uma tendência no marketing de conteúdo, que se segue após o trabalho de Marcos Giovanella para a Prefeitura de Curitiba, a página do Cemitério Jardim da Ressurreição tem apostado num discurso que busca quebrar um tabu tão forte na nossa cultura e, ao mesmo tempo, também vai formando sua clientela, ainda que ambos os processos sejam de longo prazo.

Sem Título

Lidia Zuin é jornalista e mestre em semiótica. Contato direto da autora: lidiazuin@gmail.com

Leia outro texto de Lidia no blog: Por que não me mato?

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Vida e morte pelo Facebook https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/30/vida-e-morte-pelo-facebook/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/30/vida-e-morte-pelo-facebook/#respond Wed, 30 Mar 2016 13:23:38 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=878 Segue o depoimento de Luzia Scarcelli Moré Borges – “34 anos, funcionária pública municipal, advogada, mãe por duas vezes e espírita”, como ela se define na assinatura do texto.

“Aproveitando o ensejo de nossa abnegada autora Camila Appel, tomei a iniciativa de escrever à coluna. Não que me auto intitule como apta a ter um texto publicado em um veículo como a Folha, mas por mera ousadia mesmo. Vai que dá certo? Então, vamos lá?

Sempre acompanhei a coluna pelo Facebook. É impressionante como as redes sociais lhe dão a possibilidade de estar antenado aos acontecimentos – do mundo e da vida dos outros. E justamente por acessar esse meio de comunicação constantemente, ficamos “sabendo da vida dos outros” mesmo sem quer. Ou da morte. Vi uma nota em um dos feeds de notícias dos jornais que curto estes dias. Era algo como “Em 2028, Facebook terá mais mortos do que vivos”. Não cheguei a ler, mas já imaginei o porquê: os mortos se vão e, como não levam nada consigo, o perfil do Facebook fica em aberto, recebendo mensagens e sendo atualizados por aqueles que o acessam e deixam posts, de saudades, de pesar e até mesmo de felicitações de aniversário! (oi?)

Sim, felicitações. Como recebemos via notificações as informações de nossos “amigos” virtuais, somos lembrados de seus aniversários. Mas gente, perai, a pessoa morreu! Ela não está mais no mundo dos vivos, não posta mais, não curte mais, não compartilha mais e o Facebook não percebeu? Não, ele não percebe. E o “amigo” virtual também não. Porque não é amigo. É conhecido. E isso segue até que alguém perceba e denuncie a conta. Ou nosso amigo falecido continua aniversariando eternamente.

Em quinze dias, perdi dois “amigos” virtuais. Eram dois homens, de idades diferentes. Um com 61 anos, vivido, pai de família, excelente profissional, excelente pessoa, com quem tive contato apenas na fase final de sua vida, mas de quem tenho excelente referências. Faleceu em virtude de complicações oriundas de um câncer, que, embora agressivo, pode ser tratado por cerca de cinco anos. O meu outro “amigo” virtual era um jovem de 35 anos. Lindo. Bonito mesmo, daqueles rapazes que a gente olha e pensa: nossa que moço bonito! Também tive convívio com ele, mas em outra época, na adolescência. Faleceu por conta de complicações decorrentes de um choque séptico, que o havia deixado em estado semivegetativo há dois anos. Pedaço de vida sofrido. Não desejo a ninguém.

Em ambos os casos, acessei os perfis. Havia várias mensagens, de saudades, de tristezas e alegrias. Algumas fotos foram postadas após as passagens e meus “amigos” foram marcados por outros “amigos”. Pensei: será que esta seria uma forma de mantê-los vivos? Afinal, morte é renascimento. Não sei. Como espírita atuante, acredito nisso. Morte é renascimento. Não penso que estamos perdendo, mas mudando de plano. E essa mudança dói, muito. Ainda bem que temos o Facebook para nos lembrar que nossos mortos também aniversariam”.

Saiba mais sobre morte no Facebook no post “A nova vida após a morte – no reino do Face”

 

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Cai o rei https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/07/cai-o-rei/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/01/07/cai-o-rei/#respond Thu, 07 Jan 2016 10:12:16 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=806 Após o efeito da renovação da meia-noite do Reveillon, Cinderela volta à realidade. Acessa seus e-mails e lê jornais. E o que ela vê? Ela vê que vivemos um momento visceral. As entranhas das instituições finalmente dão as caras. As pessoas parecem dizer mais o que pensam, o que sentem. Com a ajuda da fácil divulgação de qualquer pum em rede social, marcam suas posições e movimentos. Deslocam-se em pensamentos. Metamorfoses ambulantes. Mas apontar é mais fácil do que se enxergar. Quem são esses perfis tão decididos? Tão donos da verdade sobre o que a sociedade precisa, o que ela não precisa, o que deve ser feito e por quem, quem fica, quem vai, quem escolhe os escolhidos, quem julga os juízes, quem fiscaliza os fiscais.

Os castelos desmoronam, as estruturas são questionadas, os valores colocados à prova. E o refrão de uma música não me sai da cabeça. “Cartomante”, de Ivan Lins e Victor Martins, na voz de Elis Regina. Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada.

Cai o meu rei também. Tiro minha própria máscara. Despido meu rosto bonitinho e encaro a feiura que tem debaixo da pele. Tenho, quem sabe, o privilégio de conhecer minha própria caveira, que decido expor aqui.

A imagem foi presenteada por Gilberto Formigoni, um otorrinolaringologista (pausa para respirar) que em determinado momento de uma consulta para averiguar o motivo de uma sinusite crônica, transformou despretensiosamente meu exame de seios da face na minha própria caveira em 3D, com a ajuda de certo programa de computador. Fico pensando que daqui a pouco, com a impressora 3D, cada paciente poderá sair do consultório com um molde de sua própria caveira. Devo ser a única a achar isso legal. É um legal de sorriso de canto, com meia boca, oferecido só aos que nos amedrontam.

Tento me reconhecer na figura. Nossa, não sabia que meu rosto era tão comprido, os anos de aparelho dentário surtiram efeito, as cavidades oculares parecem simétricas até, e que desvio de septo é esse, meu Deus? Meu nariz disfarça bem seu interior. Reto por fora, torto por dentro. E penso que a cada contagem de anos, a cada grito de fogos de artifícios, me aproximo mais dela. A pele vai derretendo, cedendo à força da gravidade, a cobertura que afina. Quanto mais eu olho a imagem, menos medo ela passa. Quem sabe consigo amá-la. Mas não hoje.

Olhar a representação da própria caveira é modernizar o monólogo de Hamlet (o famoso monólogo “ser ou não ser” é muitas vezes encenado com Hamlet segurando uma caveira, mas a passagem em que o príncipe medita sobre uma é outra). Usar a tecnologia para enfim perceber não apenas a finitude, mas também aquilo de que Hamlet toma consciência durante seu trajeto de herói. Que a corrupção, o feio, está presente em todos os lugares e não apenas em determinados grupos sociais, e principalmente, está presente nele mesmo.

Somos isso. Somos ossos. Aliás, somos ossos bem tortos. Amáveis também.

caveira
Imagem da caveira de Camila Appel
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Tecnologia e morte: inovação em cemitérios com o QR-code https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/11/12/tecnologia-e-morte-inovacao-em-cemiterios-com-o-qr-code/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/11/12/tecnologia-e-morte-inovacao-em-cemiterios-com-o-qr-code/#respond Thu, 12 Nov 2015 11:05:52 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=735 Observação: no último post do blog (9/11) “Como escrever seu próprio obituário”, falei sobre essa escrita como um exercício e convidei os leitores a me enviarem os seus. Na terça-feira que vem, publicarei os textos encaminhados – com a devida permissão e de forma anônima ou identificada, conforme a vontade de cada um.

Vamos ao tema de hoje:

O QR-code é um código de barras bidimencional, em formato quadricular. Com um aplicativo, baixado gratuitamente no celular ou tablet, é possível escanear esse código e acessar suas informações.

Ele vem ganhando espaço em um lugar que de moderno a primeira vista não tem nada: o cemitério. Impresso em uma tag de aço inox, o QR-code pode ser fixado em túmulos para registrar memórias, histórias e momentos marcantes dos falecidos.

A empresa Memoriall, uma fornecedora desse serviço, fez uma parceria com a Prefeitura de São Paulo para divulgar os cemitérios da Consolação, o São Paulo, o Araçá e o Vila Mariana. A iniciativa conta em gravar informações como biografia, fotos e vídeos de personalidades históricas enterradas nos locais.

Ricardo Marques, fundador da Memoriall (em 2012) já trabalhava com QR-codes e percebeu uma oportunidade: o registro de legados. “Vi que as pessoas estavam fazendo isso com as redes sociais, como o Facebook, mas a internet é muito grande, com o passar do tempo a memória se perde”, diz.

Adquirindo o serviço, um cliente pode registrar a biografia do morto, sua árvore genealógica, depoimentos, vídeos, fotos e mensagens, codificados nesses QR-codes.

Outra ferramenta é o chamado “guardião de segredos”. O cliente grava segredos no sistema que serão enviados após sua morte a pessoas previamente escolhidas. A Memoriall também oferece, em parceria com a editora Biográfa, a impressão de livros biográficos.

Em caso de cremação, os QR-codes podem ser fixados na urna das cinzas. Ainda há a sugestão de colocar o código em qualquer lugar da casa, como em uma parede, porta ou mesmo em um quadro com o retrato do morto, por exemplo.

A Memoriall tem sido chamada para realizar o serviço em pets, registrando informações sobre a história do animal e suas fotos com a família.

Ricardo comenta o crescimento de seu negócio: “É um mercado difícil de pegar porque o brasileiro tem receio de falar sobre a morte, mas nossas vendas tem crescido 50% ao ano. Hoje temos 1500 tags cadastradas e gostaríamos de nos tornar uma consulta online de nomes sepultados”. Como promoção de final de ano, oferecem o serviço de forma gratuita.

Outras iniciativas pipocam pelo estado. Em Itapetininga (SP), alunos da Fatec (Faculdade de Tecnologia) instalaram QR-codes em túmulos de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e da Revolução de 1924, 1930 e 1932, que estão enterrados no cemitério da cidade. O Cemitério da Saudade, em Sorocaba (SP), também adotou a tecnologia.

O projeto “Amigos para Sempre”, uma iniciativa privada que atende todo o Brasil, instalou os QR-codes em cemitérios como o do Cajú e o Cemitério São João Batista, ambos no Rio de Janeiro. O projeto também desenvolve visitas guiadas nos dois locais, com o professor Milton Teixeira, passando por túmulos de personalidades como Carmem Miranda, Santos Dumont, Cazuza e Tom Jobim.

Edvaldo Silva, o idealizador do projeto, menciona a vertente cultural da iniciativa, por levantar os pontos históricos dos cemitérios e também “a oferta de uma homenagem por parte dos que gostariam de eternizar a história da família”, diz.

A produtora cultural Ana Werneck solicitou esse serviço junto à Memoriall para homenagear a memória do pai. “Eu não quero que a vida dele caia no esquecimento. Sempre fui extremamente apegada a ele, e essa foi uma forma de manter essas memórias vivas – especialmente relatos sobre sua personalidade, o que ele realizou em vida, o carinho e amor imensurável com a família, sua generosidade… Quero deixar essas informações como um legado para a minha família. Eu quero que meus filhos e netos saibam quem ele foi, como ele era especial e como ele é um ótimo exemplo de pai, esposo, e amigo. Algo que me motivou também foi o fato dos meus dois sobrinhos já não se lembrarem mais dele, e eu acho importante eles terem esse conhecimento. No fim das contas, os únicos que vão lembrar de você algum dia serão membros da sua família”.

Há sites gratuitos que criam esse tipo de código. Um deles é o Kaywa. Pode ser útil no caso já se tenha uma página online própria a ser direcionada pelo código.

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leitura do QR-code – foto fornecida pela empresa Memoriall
QrcodeMemoriall3
QR-code fixado em um túmulo – foto fornecida pela empresa Memoriall

 

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A nova vida após a morte – no Reino do Face https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/08/27/a-nova-vida-apos-a-morte-no-reino-do-face/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/08/27/a-nova-vida-apos-a-morte-no-reino-do-face/#respond Thu, 27 Aug 2015 11:37:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=631 Vida após a morte existe num espaço que tem começado timidamente a se consolidar. É o que estou chamando aqui de o Reino do Face – um conjunto de contas que recebem o nome de “conta memorial”. Na prática, não existe um espaço físico para os perfis dos mortos – arrisco dizer, ainda. A conta de alguém que morreu se parece com uma conta viva. Visualmente, a única diferença é a frase “EM MEMÓRIA”, entre parênteses, ao lado do nome da pessoa. Todas as publicações enviadas em vida estão lá, num mosaico de uma biografia escrita em tempo real. A foto do casamento, do nascimento do bebê, de uma viagem importante ou mesmo de um pedido de ajuda, uma nota de luto, um agradecimento qualquer. Tudo registrado na intimidade generalizada do Face. Essa conta é privada e não é possível (nem para familiares) ver as mensagens trocadas ou o histórico do chat sem a senha de acesso – paqueras online permanecem protegidas, se essa era sua preocupação.

Outra característica da conta memorial é que o perfil deixa de ser exibido em espaços públicos, como naquela sugestão que aparece “pessoas que você talvez conheça” ou nos lembretes de aniversários e anúncios.

Por enquanto, a conta memorial permanece com as mesmas configurações de quando o usuário estava vivo. Por exemplo, se era permitido publicações na sua linha do tempo, continuará assim. As fotos de perfil e capa também serão as últimas postadas pelo usuário. E o conteúdo já publicado segue visível para o público em que foi compartilhado.

Nos Estados Unidos, já existe uma opção chamada “CONTATO HERDEIRO” (Legacy contact). É um contato que você deixa permitindo que essa pessoa altere as configurações da sua conta depois que você morrer. Essa opção ainda não está disponível no Brasil. A assessoria de imprensa do Facebook me informou que a ferramenta está, aos poucos, sendo lançada em outros mercados, com o cuidado e a atenção necessária a questões culturais locais de cada um. A partir do momento em que o Facebook é avisado que um usuário morreu, por meio da Central de Ajuda, se essa pessoa escolheu um contato herdeiro, o perfil dela será transformado em um memorial e o contato herdeiro poderá: Escrever um post para ficar marcado no topo da Linha do Tempo, dando avisos, por exemplo, sobre velório e missa de 7º dia; e atualizar as fotos de perfil e de capa. Esse contato não terá acesso a dados confidenciais do usuário (como ler as mensagens privadas). Além de definir esse “herdeiro”, a pessoa poderá decidir também se deseja que sua conta seja deletada após sua morte. Por enquanto, cabe aos amigos e familiares solicitarem essa opção.

Mas a maior parte da comunidade do Facebook ainda é nova. A primeira geração a aderir em massa à rede deve começar a morrer daqui a uns 40 anos. Por enquanto, os “em memória” são vítimas de acidentes, doenças ou suicídio. São poucos os que morrem em consequência da idade por ali, já que os bem velhinhos de hoje não costumam ter um perfil virtual. Mas um dia teremos milhares de perfis sendo transformados em memoriais diariamente, num reino ainda misterioso de vida após a morte na rede social virtual.

Num dos e-mails que enviei à assessoria de imprensa do Facebook, escrevi algo como: gostaria de entender o que acontece com o perfil do usuário após a morte do corpo físico. Aí apaguei as palavras por considerar a frase mística demais. E me ocorreu: será que a internet vai reinventar a religião? A ponto de o perfil virtual de alguém ser uma referência para alma? Afinal, qual é o consenso geral do que de fato sobra quando um coração para de bater? As memórias dos que ficam. Se somos feitos de lembranças, o Face é o reino perfeito para uma vida após a morte. Na página da pessoa ficará os eventos mais marcantes da sua vida. Esse novo reino é internacional, aceita todas as línguas e crenças espirituais. Ele é democrático e confessional. E ainda poderá se desenvolver de formas surpreendentes, trazendo novas discussões éticas pela frente.

Grupos           

Caso o administrador de um grupo morra, poderá ser indicado um novo administrador para ele. As páginas que têm um único administrador – que foi transformado em conta memorial – serão removidas. O grupo poderá ser removido caso seja enviada uma solicitação válida ao Facebook.

Também é possível criar um grupo para compartilhar lembranças do morto com outros usuários do Facebook.

Morte denunciada

Segundo a central de ajuda da rede, “quando você morrer, seus amigos e familiares poderão solicitar que sua conta seja transformada em memorial”. Deve ser preenchido um pequeno formulário indicando um atestado de óbito ou documento que comprove a morte. Tentei contato com um funcionário encarregado de aprovar a transformação de contas para memoriais, mas não foi possível.

Essa solicitação fica no link: “denuncie algo do Facebook”. É uma forma prática de viabilizar o processo, mas imagino que com o tempo, será necessário criar uma ferramenta mais adequada do que uma “denúncia”. Em algum momento, haverá toda uma estrutura para o luto, o memorial e quem sabe até enterros e cremações virtuais.

Minha imaginação pintou um cenário gracioso. Com o Facebook lançando seu próprio cemitério e crematório, com direito a todos os serviços funerários disponíveis. Enterros sendo acompanhados pelo mundo todo, algo digno de uma manchete em letras grafais: morte ao vivo!. Quem sabe, homenagens em vídeos e fotos organizadas por uma equipe específica do Face, usufruindo da facilidade de acesso a todas as imagens importantes da sua vida. Eles já poderão saber suas preferências, onde quer ser enterrado ou espalhado em cinzas, e de repente terão uma seção específica para cadastro de testamento, testamento vital ou cartas misteriosas com segredos de família a serem entregues somente após a morte. Eles saberão suas flores prediletas, seus hobbies, e figurei aqui altares personalizados, como um caixão em cima de um piano de calda caso o morto fosse um apaixonado por Beethoven – tudo dependendo do quanto você desembolsou no seguro funeral que o Face pode ter lançado em parceria com alguma instituição financeira.

A morte do “corpo físico” nem fará mais falta. O corpinho virtual poderá ser manejado com uma inteligência artificial que mimetiza suas ações, compartilhamentos e escritos, com base nos seus quase um século de histórico. A imortalidade, a um passo. Mas isso tudo, por enquanto, só na minha imaginação.

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