Morte Sem Tabu https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 Dec 2021 22:32:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Seríamos mais gentis uns com os outros se aceitássemos o medo da morte’ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/11/02/seriamos-mais-gentis-uns-com-os-outros-se-aceitassemos-o-medo-da-morte/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2020/11/02/seriamos-mais-gentis-uns-com-os-outros-se-aceitassemos-o-medo-da-morte/#respond Mon, 02 Nov 2020 14:39:16 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/98040940_1031999907195557_1772374123628986368_o-320x213.jpg https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=2148 Finados é um momento importante para esse blog. Afinal, é um dia em que todos querem falar sobre morte, nosso assunto diário. É também próximo à nossa data de aniversário. Morte sem Tabu nasceu há seis anos. Não por uma coincidência, é a idade do meu filho.

Esse é um espaço para compartilhar a dor e a complexidade dos mais variados lutos, acolher relatos, falar sobre suicídio abertamente e sem pisar em ovos (mas com respeito e responsabilidade), entrevistar profissionais do setor funerário, abordar livros, arte, autonomia no final da vida. Vida.

Hoje é um Finados atípico, bem descrito por Fininho na Folha de S.Paulo (leia aqui). Os cemitérios abrem suas portas para receberem as famílias dos que morreram de COVID-19. Muitas, visitarão seus túmulos pela primeira vez. Sem a pressa e a dureza do enterro sem velório a que foram submetidas.  

Um dia propício para falarmos sobre narrativas de conforto para lidar com nosso medo da morte. Esse tema é explorado pelo filme “Into the Night: Portraits of Life and Death” (Noite adentro: retratos da vida e da morte), da premiada documentarista americana Helen Whitney.

Recentemente, a entrevistei por intermédio de Tom Almeida, idealizador do Movimento Infinito. 

O filme é uma exploração das narrativas de conforto oferecidas por pessoas como a diretora funerária e comunicadora Caitlin Doughty, o astrofísico Adam Frank, o ator Gabriel Byrne e o ambientalista Max More.

Para o ator, a arte conforta como uma possibilidade de legado e a transmutação de um sentimento complexo. Para o ambientalista, é a  ideia de imaginar o corpo retornando à terra e de lá crescer uma árvore, em sua beleza majestosa. Para o astrofísico, é contemplar nossa pequenez na vastidão do universo. 

“E o que me traz mais conforto, depois de ter feito esse filme, é entender que todos nós estamos todos juntos nessa. Isso me traz mais conforto do que qualquer outra coisa. As pessoas estão se perguntando as mesmas coisas, têm esperanças e receios que não são tão diferentes dos meus. Isso nos torna menos solitários. Sim, estamos nessa juntos”, diz Helen.

            A diretora entende que o medo da morte, apesar de nos unir, também pode nos separar, ao negarmos que temos isso em comum. Seríamos mais gentis uns com os outros se aceitássemos o medo da morte. É o que  está por trás de algumas das nossas maiores crueldades e das maiores conquistas. É  que está por trás da construção de catedrais, da escrita de poemas, da atividade de colocar tinta nas paredes, da arte”. 

Como reação ao filme, ela se surpreendeu com a adesão de um público mais jovem, enxergando a possibilidade de falar sobre morte para viver a vida de forma mais plena.  

Para o filme, Helen também trouxe as narrativas dos que buscam a imortalidade, como os transhumanistas. Mas ela  não gostaria de viver para sempre. “Eu sinto que, conforme envelheci,  fiquei mais inteligente e mais gentil com os outros e comigo mesma. Mas demorou um pouco para eu chegar aqui, então eu gostaria de aproveitar a recompensa disso tudo só um pouquinho mais…”. 

Infinito.etc

O lançamento desse filme foi um dos atrativos da edição desse ano do Festival Infinito, criado por Tom Almeida.

Ao abraçar seu pai nos últimos minutos da sua vida na cama do hospital, Tom acessou um amor tão intenso que sentiu o infinito dentro da finitude, o permanente na impermanência. Dessa percepção surgiu o nome do festival, que teve sua terceira edição neste ano.

            Ele começou em 2018 como “Inspiração sobre Vida e morte”, a primeira série de eventos organizados para abordar o tema da morte, trazendo aos brasileiros o conhecimento de iniciativas pioneiras ao redor do mundo. “Não podemos perder o protagonismo da nossa própria doença”, diz Tom. “A melhor forma de oferecer esse protagonismo é informar”. 

Tom agregou e potencializou nossa voz em uma série de eventos e estratégias de comunicação que têm alcançado muitas pessoas e ressoando em espaços importantes.

Pensando nas dificuldades impostas pela pandemia aos rituais fúnebres, ele organizou guias para cerimônias fúnebres virtuais (disponíveis nesse link) e a terceira edição, online, do Festival  Infinito, com 3 mil inscritos (2 mil foram gratuitos). Nas suas palavras “para passar um final de semana inteiro falando e ouvindo sobre a morte e se sentir completamente vivo”.

Algumas pessoas são presença registradas nas edições desse evento, como a médica paliativista Ana Claudia Arantes, a musicista Yoko Sen, que redesenha o som dos hospitais, os bipes dos aparelhos, para tornar a experiência mais acolhedora, o diretor do Zen Hospice Project Roy Remmer, o fundador da plataforma “Death Over Dinner”, Michael Hebb e a Ana Michelle Soares.

Por ter sido um evento completamente online e contar  com figuras internacionais, como Andrew Solomon, o famoso autor de “Demônio do Meio-Dia”, a organização recebeu inscrições dos Estados Unidos, Portugal, Suíça. Existe toda uma estrutura de eventos e iniciativas para discutir a morte ao redor do mundo. Podemos dizer que o Brasil, finalmente,  está incluído nessa discussão.

 

Festival inFINITO 2020 01: Solenta Sonada e Tom Almeida
Festival inFINITO 2020: Tom Almeida (divulgação)
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México: Alegria substitui melancolia no “Día del Muertos” https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/11/02/mexico-alegria-substitui-melancolia-no-dia-del-muertos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/11/02/mexico-alegria-substitui-melancolia-no-dia-del-muertos/#respond Thu, 02 Nov 2017 09:30:19 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1422
Créditos: Clayton Khan e Duda MuésDia de Finados, também conhecido como Dia dos Fiéis Defuntos, é um feriado católico, celebrado no dia 2 de novembro, para lembrar e homenagear os que já se foram. É um dia visto como triste e melancólico no Brasil.

Desde o século I, cristãos rezam celebrando a vida eterna dos entes falecidos, mas só no século XIII, estabeleceu-se um dia específico no ano para isso. Dizem que o ritual iniciou-se quando um abade do mosteiro de Cluny, na França, ordenou que os monges orassem pelos mortos. A oração virou uma tradição, até que se escolheu uma data para fixá-la, que foi um dia após do Dia de Todos os Santos, 1° de novembro, onde celebra-se os que morreram em estado de graça e não foram canonizados.

No México, o Dia dos Mortos é comemorado em 2 de novembro, numa festividade que se inicia em 31 de outubro. A tradição diz que os mortos vêm para visitar seus parentes e recebê-los é motivo de festa nesse país. Há bolos, caveiras de açúcar – que normalmente têm o nome dos defuntos, música e flores coloridas. As almas das crianças viriam visitar no dia 1 de novembro e as dos adultos, no dia 2.

Antes da colonização espanhola, os mexicanos acreditavam que o futuro dos mortos eram definido pelo tipo de morte que tiveram e não pelo comportamento em vida, como acredita a Igreja Católica, com a noção de céu e inferno. Assim, para esse povo, a alma iria a um mundo específico de acordo com o tipo morte. Por exemplo, quem morreu de algo relacionado á água, como afogamento, iria para o paraíso Tialoc, Deus da Chuva. E quem morria em combate, iria para o paraíso do sol, governado pelo Deus da Guerra, Huitzilopochtli. A celebração da festa dos mortos era feita por volta de 5 de agosto. Mas quando os espanhóis chegaram, fizeram com

que coincidisse com os rituais católicos do Dia de Todos os Santos e Dia dos Fieis Defuntos, 2 de novembro.

Dois fotógrafos brasileiros estão no México registrando essa festividade. Clayton Khan e Duda Maués se dedicam ao projeto “Escaping from Life”, desde 2015, fotografando cemitérios ao redor do mundo para retratar o lado cultural da morte,

Clayton e Duda dizem que esse projeto surgiu com a finalidade de “transmitir por meio das artes visuais a naturalidade da morte e os ensinamentos que a diversidade cultural nos ambientes de sepultamentos podem ensinar a partir de suas manifestações artísticas, preservação do patrimônio histórico, cultural e familiar de cada local.  Em qualquer canto do mundo, a cultura de cada lugar dita a forma como vamos ser sepultados e também diz muito sobre como a família viverá o luto”.

A dupla escreveu o blog para contar um pouco o “Día Del Muertos”. Clayton Khan, 34 anos, é formado em jornalismo, pós-graduado em comunicação empresarial, fotógrafo e professor universitário. Duda Maués, 22 anos, é fotógrafo e graduando em publicidade e propaganda.

México: Alegria substitui melancolia no “Dia Del Muertos”

Por Clayton Khan e Duda Maués

Bem diferente dos cemitérios brasileiros, tomados pela melancolia e enxurradas de flores e velas no Dia de Finados – 2 de novembro, no México, diversas festas e alegrias invadem todos os lugares, principalmente as ruas. A tradicional comemoração do Día del Muertos celebra a visita das almas à Terra.

A festa, que acontece entre os dias 31 de outubro a 2 de novembro, é uma das maiores celebrações do país e é considerada pela Unesco como patrimônio da humanidade. O festival reúne famílias, amigos e os já falecidos, é claro. Os mexicanos recebem as almas dos entes queridos com muita animação, comidas e bebidas típicas, fantasias e altares repletos de muitas cores.

Com o projeto “Escaping from Life”, em seus quase dois anos de vida, já passamos por vários países retratando a morte em suas diversas culturas, mas nenhuma se compara com a intensidade, emoção e espontaneidade dos mexicanos em viver este assunto, que para a maior parte das pessoas, é um verdadeiro tabu.

Diversos carros alegóricos e milhares de pessoas saem às ruas fantasiadas e com os rostos pintados para celebrarem a vida na morte. Um dos símbolos mais famosos da celebração é a caveira mexicana La Catrina, que inspira pessoas de muitos países com suas cores, graça e beleza. O evento é quase o nosso carnaval brasileiro, mas com apenas um enredo, a alegria na morte.

Durante o desfile de celebração deste ano, um grupo emocionou a todos ao lembrar dos heróis do recente terremoto que ocorreu no dia 19 de setembro na Cidade do México, com magnitude 7,1, que matou 338 pessoas e deixou dezenas de edifícios totalmente destruídos. Em nosso trajeto pela capital, ainda é possível observarmos grandes marcas deixadas pelo forte tremor.

Não podemos esquecer da gastronomia mexicana que encanta pelos sabores e cores, e neste período, tudo ganha mais brilho e vida, mesmo quando se festeja a morte. O café da manhã se inicia com uma iguaria, o famoso pan de muerto, que leva erva doce, raspas de açúcar e pode ter o formato de caveira. Adoçar o chá ou café tem um toque totalmente especial, com pequenas caveiras de açúcar.

Claro que nossa passagem pela capital do México resultou em uma bela visita ao famoso Panteón Francés de la Piedad, onde descansa Roberto Bolãnos, mais conhecido no Brasil pelos personagens Chaves e Chapolin Colorado. Já eram quase 18h do horário de inverno local, quando uma sagrada e forte chuva encerrou nossa passagem pelo barril eterno do grande artista.

Nossa experiência por aqui ainda não terminou. Apenas um ano é muito pouco para descobrir e desvendar todos os encantos e mistérios dessa grandiosa festa que celebra o Dia dos Mortos. Talvez necessite uma vida inteira, ou mais.

Instagram e Facebook: @escapingfromlife

Túmulo de Roberto Bolaños. Créditos: Clayton Khan e Duda Maués
Duda e Clayton abraçados à La Catrina
Créditos: Clayton Khan e Duda Mués
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O Direito do Corpo Morto https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/06/19/o-direito-do-corpo-morto/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2017/06/19/o-direito-do-corpo-morto/#respond Mon, 19 Jun 2017 16:18:25 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1324 Hoje, partimos do pressuposto de que o corpo morto não tem direitos. Ele pertence à família, que pode fazer o que bem entender com o corpo. Ou ao Estado, no caso de não haver uma família requisitando aquele corpo. A família pode, por exemplo, decidir não doar órgãos, independente de ser uma vontade explícita do morto. Pode, também, enterrar a moça como moço, já que foi assim que ela nasceu, ou chamar um padre ao invés de um pai de santo.

O advogado e professor Fábio Mariano da Silva, Secretário Geral da Reitoria da PUC-SP, dedica sua tese de doutorado em Ciências Sociais a esse tema. Uma das frases mais marcantes que trago de nossa conversa é: “a forma como nos tratam na morte é um reflexo de como somos tratados em vida. As pessoas não percebem essa sutileza”.

A falta de direito do corpo morto, ou mesmo a falta de dignidade no seu tratamento, seria uma consequência da indignidade com que essa pessoa foi tratada em vida.

Fabio foi despertado para o tema quando teve que lidar com a morte da sua mãe. Ela morreu logo após o irmão, que vivia em uma região menos favorecida de São Paulo. O tratamento que Fabio e seu primo tiveram foi completamente diferente. A burocracia e os preços, que deveriam ser tabelados, variavam. Fabio não se conformou, ao contrário do que a maioria de nós faz, sugados pelo luto arrebatador. E hoje, o incômodo com essa discrepância se transformou em pesquisa.

A primeira ação de Fabio foi buscar no Código Civil normas a esse respeito, descobrindo que, de fato, o corpo morto não tem direitos. A lei se refere apenas ao direito a ser sepultado e a permanecer sepultado.

Fabio defende que deveríamos levar em consideração direitos constitucionais, como a identidade de gênero, a manutenção do nome e o direito a livre manifestação religiosa, independente da crença familiar.

Enquanto dava aulas no programa “Transcidadania”, da Prefeitura, Fabio escutou relatos sobre transgêneros enterrados como homens, porque a identidade de gênero não era respeitada pela família e nem precisaria ser, por direito. Ele conta já ter sido foi chamado, por um grupo do Candomblé, para defender o caso de um praticante que iria ter um ritual cristão em seu funeral por imposição da família.

Em sua tese, Fabio critica e discorre sobre como a lei construiu o conceito de “pessoa” e, consequentemente, “sujeito de direito”. E como esse conceito foi deixando certos grupos, não considerados pessoas, fora da lei. Basta observar que, por muito tempo, se considerou escravos como mercadorias e não pessoas. “Algumas doutrinas dizem que o corpo morto não é uma pessoa, mas para mim é”, diz o pesquisador.

A segunda frase que mais me marcou nessa conversa foi um ditado da avó de Fabio: “a morte suspende todos os atos”. Ela parece cada vez menos verdadeira. Chegamos a estranhar, hoje, quando alguém suspende seu cotidiano para ir a um ritual fúnebre. É quase visto como uma desculpa para tirar um dia de folga. Antigamente, era um dever, uma demonstração de respeito, uma oportunidade para compartilhar histórias, refletir sobre a finitude e oferecer apoio aos familiares.

Nesse aspecto, Fabio afirma: “As pessoas estão se tornando cada vez mais práticas em relação à morte. Temos a urgência de sermos felizes nessa sociedade do consumo. Não há tempo para viver o luto”.

Ele indica um curta metragem muito premiado, “Os Sapatos de Aristeu”, sobre o corpo de uma travesti que é preparado por outras travestis como mulher. Mas quando chega na casa da família, sua mãe corta seu cabelo, retira a maquiagem, os cílios postiços, veste-a com roupas masculinas, e a vela como homem. Uma das travestis consegue, no final, colocar sapatos de salto alto em Aristeu. Uma única peça de roupa lembrando quem realmente foi aquela pessoa e com quais passos ela decidiu caminhar pela vida.

 

Um artigo da revista eletrônica AEON, escrito por um professor de filosofia de Nova Iorque, afirma haver uma indústria gigantesca dedicada a executar os desejos dos seres humanos após sua morte e que respeitar esses desejos poderia levar a “sérias injustiças econômicas intergeracionais”. O professor diz que honrar os desejos dos mortos é um senso de dever moral equivocado. É um outro ponto de vista e menciona direitos que nem raspam na nossa realidade, mas também vale a pena conferir. 

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Um hotel para os mortos https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/10/06/um-hotel-para-os-mortos/#respond Thu, 06 Oct 2016 19:14:35 +0000 https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/files/2016/10/lastel-corpse-hotel-32-180x117.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=1122 Aparentemente, não há razão de existir para um hotel onde os hóspedes são defuntos e não casais em lua de mel. Mas no Japão há sim e o motivo é simples: a fila de espera do crematório chega a quatro dias, levando famílias em busca de alternativas a deixar o corpo em casa, aguardando.

O hotel Lastel, na província de Yokohama, sul de Tóquio, tem 18 quartos com caixão refrigerado e espaço para os familiares mais próximos velarem pessoas queridas enquanto o dia da cremação não chega.

A indústria da morte no Japão tem mostrado crescimento. A população de 127 milhões de habitantes já atingiu seu auge e deve cair para 100 milhões em 2050. É o que a revista “The Economist” chamou de “Peak Death” (auge da morte). A taxa de mortalidade é de 0,94% enquanto a global é de 0, 84%.

Japoneses tendem a gastar bastante com rituais funerários – o dobro do que a população americana gasta anualmente. A indústria chega a mobilizar US$20 bilhões de dólares por ano.

Nesse contexto, empresas começaram a ver oportunidades e lançaram ideias como: papelarias que vendem “ending notes” – cadernos específicos para providências a serem tomadas após a morte – e um barco que oferece levar familiares até a baía de Tóquio para jogar cinzas.

Duas empresas americanas que vendem serviços de lançar cinzas no espaço, a Celestial e a Elysium, abriram franquias no Japão. Também há o serviço de colocar cinzas em balões gigantes que serão soltos no céu (nessa área nós também empreendemos, com o Crematório Vaticano, por exemplo, misturando cinzas a fogos de artifícios).

Há conferências destinadas àqueles que desejam preparar seu próprio funeral. São três dias de imersão para os participantes escolherem seus caixões, urnas de cremação, fazerem lista de convidados, escutarem exemplos de música e aprenderem a estimar os custos de seus funerais. Também podem praticar a escrita do texto de anúncio de suas mortes e pensar no legado deixado.

Empresas de tecnologia andam se envolvendo. Há dois anos, a Yahoo Japão lançou o “Yahoo Ending”, um serviço que cobra uma taxa mensal até a sua morte e avisa seus amigos que você morreu, fecha suas contas na internet e abre uma página memorial on-line. O serviço também oferece a organização do velório. A Amazon Japão disponibiliza um serviço on-line de contratação de monges, que ainda não pegou muito bem.

Há uma migração de profissionais da indústria de casamento para a de morte, estimulados pela fácil inserção no mercado, por não ser necessário qualificações ou licenças obrigatórias.

Segundo Hiraku Suzuki, no livro “The Price of Death – The funeral Industry in Contemporary Japan” (o preço da morte – a indústria funerária no Japão contemporâneo), há um movimento progressivo de comercializar aquilo que antes era parte de um ritual religioso no Japão. As empresas funerárias teriam um papel importante em definir novas práticas culturais e, assim, transformar a sociedade. O autor analisa como a mudança de rituais comunitários tradicionais para os serviços funerários comerciais impacta a sociedade japonesa e seus valores.

No Brasil, uma mentalidade mais comercial me parece existir, mas sem o outro lado da moeda, que seria esse olhar empreendedor pensando nas famílias enlutadas como clientes, com direito a informação, transparência, escolha entre alternativas, serviços personalizados, confiança e qualidade. Por isso, temos poucos serviços disponíveis, um monopólio público na maior cidade do país e baixo acesso à informação. Só usufruímos dos malefícios da morte ser vista como uma commodity. Tá faltando o outro lado da equação.

O filme “When I die, Inside Japan’s Death Industry”, mostra imagens interessantes sobre a indústria da morte japonesa:

 

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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-1495182
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Columbário no Japão: gavetas que guardam cinzas são representadas por Budd has de cristais iluminados por LED colorido. Foto de Chris MacGrath. http://www.ibtimes.co.uk/japans-ruriden-columbarium-crystal-buddhas-led-lights-spectacular-afterlife-photos-149518
Fachada do Lastel Hotel (para cadáveres), no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao
Quarto do Lastel Hotel para cadáveres, no Japão. REUTERS/Yuriko Nakao

Leia mais no blog: Duas empreendedoras da morte no Brasil:  A preparadora de corpos Nina Maluf e a Mylena Cooper – do Crematório Vaticano.

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A morte segundo os sentidos dos maoris https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/31/a-morte-segundo-os-sentidos-dos-maoris/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/05/31/a-morte-segundo-os-sentidos-dos-maoris/#respond Tue, 31 May 2016 15:13:37 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=951 “Os maoris creem que temos uma alma e uma essência de vida. Essa essência nos é dada a cada vida, estará em nós enquanto vivermos e deixará de existir com a morte do nosso corpo, do nosso “recipiente”. A alma estará conosco pela eternidade”.

A advogada especialista em direitos do autor, Luciana Freire Rangel, escreveu um artigo para o blog relatando sua experiência ao acompanhar curadores maoris em sua passagem por São Paulo. Os maori são um povo nativo da Nova Zelândia . Recebem de seus ancestrais, desde pequenos, ensinamentos para tornarem-se curadores (Luciana prefere o uso da palavra curador ao invés de curandeiro porque esse último remeteria à algo mais ritualístico). No texto, ela fala sobre essa cultura tão curiosa, sua filosofia de vida e concepções sobre a morte. Um abs, Camila

ObservaçãoDurante minha licença-maternidade, abri o blog para depoimentos de leitores. Os interessados em ler os artigos já publicados, por favor pesquisem nas abas laterais. Há cem posts disponíveis, separados por temas. Ou entrem na página do Facebook do blog. Para enviar seu depoimento, escreva para mortesemtabu@gmail.com.  Um abraço, Camila

“A morte segundo os sentidos dos maoris

Como você vê a morte? – Tão claro como eu vejo você. Foi com esta simplicidade e objetividade com as palavras que Manu Korewha começou a falar sobre este tema que é tão lôbrego para nós.

Manu Korewa é da cultura Maori, povo nativo da Nova Zelândia. Ele é da comunidade costeira de Ahipara, ao Norte de Auckland e recebeu de seus ancestrais, desde pequeno, ensinamentos para ser um curador. Manu, Atarangi Muru e Terence Muru estiveram durante alguns dias em São Paulo, fazendo workshops e trabalhos de cura. Manu, em sua jornada, realizou trabalhos com o Papa Joe Delamere, que durante muito tempo foi o curador maori de maior repercussão internacional.

Os maoris, hoje minoria em sua terra natal, são muito conectados com a natureza: “se conecte com a natureza, ela te dará as respostas. Ela tem todas as respostas. E é de graça!”.

Eles são conectados com todos e através de todos os sentidos. Neste trabalho de cura, nos auxiliam a reconectar nossas mentes e corpos, nos trazendo equilíbrio. Ajudam na limpeza de emoções estagnadas, que criam placas no nosso organismo. Limpam as memórias ruins que estão contidas nas nossas células. Para isso, usam todos os sentidos. Atarangi, conhecida por Ata, que é uma curadora muito importante, nos contou que nossos corpos contam para eles sobre nossos traumas. Eles podem receber a informação através de um aroma, de um paladar, de um toque, de uma visão. Por exemplo, uma pessoa que sofreu abuso sexual possui um cheiro muito específico. Assim, de imediato, é possível reconhecer o que se deve trabalhar. Eu participei de um workshop e fiz uma terapia com Terence e o resultado foi impressionante. Para quem quiser saber mais, inseri abaixo alguns links sobre a cultura maori, a Nova Zelândia e estes curadores.

A morte, para eles, é algo muito natural, faz parte da vida. É um assunto que precisa ser lembrado e sobre o qual devemos conversar frequentemente.

Morte, para os maoris, é Mate. “Ma” significa “esclarecer” e “Te”, “múltiplo”. Manu conta que existem muitas perguntas sobre a morte e que ela nos traz muitas respostas. Por isso “múltiplos esclarecimentos”. Perguntas, questionamentos são muito incentivados entre eles, pois nos fazem refletir e aprofundar.

Por possuírem tradição oral, todos os nomes e palavras carregam conceitos profundos que explicam as suas crenças. Os livros que falam sobre estas tradições são pouquíssimos. Tudo o que eles aprenderam, aprenderam em casa, com o ensinamento de seus ancestrais, que são muito respeitados. Uma criança de cinco anos conhece até cinco gerações de ancestrais. Com dez anos, conhece dez, quando crescer e chegar ao 25 conhecerá 20 e por aí vai. Um tio da Ata e do Manu sabe de cor, organizados por ordem de parentesco, até 11 mil nomes de ancestrais.

“Ma” significa limpo, branco e “Ori” é o vibrar de cada um. Assim, Maori significa a pura essência da vibração interna.

Eles nos dizem para lermos menos livros e mais o que contam nossos corpos e a natureza – para nos reconectarmos. Não é que não sabemos fazer esta conexão, é que simplesmente esquecemos de como fazer. Manu reforça: “a lua, as estrelas, o sol que me iluminam são os mesmos que iluminam vocês”.

Para os Maoris, não existem palavras para sofrimento, medo, raiva, culpa e erro. Não existem palavras para bonito e feio, para positivo e negativo. Tudo vibra e nos ensina, não havendo necessidade de antagonismos. Como achei em alguns artigos e dicionários on line brasileiros a palavra “wehi” como medo, indaguei sobre o seu significado. Manu esclareceu que “wehi” é o que alguém provoca em você. O palhaço te faz rir, isto é “wehi”.

Antigamente, nas cerimônias Maori, os mortos eram postos de pé e enfeitados como se estivessem vivos. Depois, eram colocados em uma árvore para que a natureza, através do ar, do vento, da chuva, dos insetos, dos pássaros e de outros animais, consumissem sua carne e seus órgãos. Cuidavam deste processo até que o corpo, já consumido, tivesse se reduzido a ossos. Estes, posteriormente, eram pintados com uma espécie de argila vermelha e depositados em uma caverna. Esta cerimônia era realizada na intenção de devolver o corpo para a mãe terra.

Chocados com essa e outras cerimônias “selvagens”, os ingleses, em torno de 1850, proibiram as suas realizações. Atualmente, os mortos são enterrados em cemitérios.

Para eles, as cremações não fazem sentido: uma vez que não nascemos do fogo não devemos partir pelo fogo. Nascemos da grande mãe, da mãe Terra e para ela devemos voltar.

Os maoris creem que temos uma alma e uma essência de vida. Esta essência nos é dada a cada vida. Estará em nós enquanto vivermos e deixará de existir com a morte do nosso corpo, de nosso “recipiente”. A alma estará conosco pela eternidade. Quando morremos, a alma retorna ao criador até que um novo “recipiente” possa recebê-la. No momento de renascer, uma nova essência de vida nos é dada e será única para aquela vida.

A cada nova vida, todas as condições mudam para que possamos aprender cada vez mais e nos tornarmos cada vez mais livres. Sempre renasceremos em lugares distintos, inclusive em outros planetas, convivendo com outras pessoas e situações.

A nossa alma se recorda das nossas vidas, mas o nosso “recipiente” geralmente não. Ao menos neste planeta poderia nos trazer muita confusão. As pessoas que têm acesso a estas informações geralmente possuem uma missão específica neste sentido.

Para os maoris, as crianças precisam saber tudo sobre a morte. É um assunto que deve ser tratado com naturalidade e desde muito cedo. Afinal, a morte é inexorável. A única certeza que temos na vida é que um dia vamos morrer. Se a criança sabe sobre a morte desde cedo, ela não ficará triste quando alguém próximo morrer, não achará que foi abandonada. No futuro, se tornará um adulto que lidará com a morte como algo natural e não como algo misterioso, objeto de traumas, ou seja, um tabu.

Para eles, esse conhecimento nos ajuda a ter mais consciência no momento da morte. Entendem que não temos escolha de como nasceremos, mas temos a possibilidade de escolher como morreremos. Podemos escolher se morreremos felizes, em paz, ou gritando e sozinhos, por exemplo. Esta decisão nos ajudará no nosso renascimento.

Durante o workshop, diversas vezes ressaltaram as diferenças entre a nossa cultura e a deles. Um exemplo básico: não existe a palavra impossível, que em inglês é impossible. Então eles dizem que esta palavra é na verdade I´m possible (eu sou possível, em português).

Ata conta que, viajando pelo Brasil, a quantidade de cruzes nas estradas chamou sua atenção. Para eles, esta homenagem às pessoas que sofreram acidentes é uma prática muito estranha, pois mantém a energia da pessoa que morreu presa naquele local, naquela forma de morrer. A forma de morrer, se foi acidente, câncer, etc, não é o que importa. O que importa é que a pessoa fez a passagem e um novo ciclo vai começar. E precisamos deixá-la ir. Eles sentem a morte de um ente querido e choram esta morte, mas vivem aquela dor e a deixam passar.

Homenagens como rezas, meditações cânticos, inclusive as prestadas nos cemitérios serão sempre pertinentes se tiverem a intenção de libertar as pessoas. Qualquer homenagem que prenda as pessoas não faz sentido.

Quando perguntei se é possível conversar com os mortos, ele apontou para algo atrás de mim e disse com seu habitual bom humor: ela está falando de vocês!

Seguiu esclarecendo que o tempo todo podemos falar com as pessoas que deixaram seus corpos. É algo absolutamente possível. Com o poder do coração, da mente e do universo, podemos falar com todo mundo. Quando alguém faz a passagem, podemos nos comunicar para nos despedir, para pedir desculpas, para dizer o quanto a amamos. Podemos sentir a pessoa, podemos conversar com ela. Basta pensar nela com amor e liberdade. Existem canções para facilitar estas conexões. Nada de milagres, nada de mistérios, tudo é absolutamente possível e natural.

Perguntei sobre a relação deles com os animais. Para eles, a maneira como muitos de nós – eu inclusa – tratamos os animais de estimação, não faz sentido. Animais precisam estar livres e em contato com a natureza. Penso que isso deve fazer sentido para nós também!

Manu brinca que, na Nova Zelândia, a população se divide em ovelhas (em torno de 46 milhões) e seres humanos (em torno de 4,5 milhões), estes divididos em descendentes de europeus e nativos, que hoje são minoria. Os Maoris não têm restrições em relação a comer carnes. Entretanto, estes momentos exigem um agradecimento, que pode ser discreto e profundo ou mesmo uma cerimônia. Dentro desse sentimento de gratidão, existe o reconhecimento de que a comunidade é uma com o animal e o animal está ali para integrar, alimentar aquela comunidade através de sua carne.

Pergunto se ele gostaria de deixar algum recado especial para nós, sobre como viver bem até que ela – a morte – chegue. Então, ele lembra que precisamos estar em nós. Estar em nós significa fazer coisas, pequenas coisas, que nos deixem felizes – e que não machuquem os outros, claro! – , que deixem nossos corpos saudáveis, nossas emoções saudáveis. Devemos sempre lembrar que cabe somente a nós escolher. Cabe a nós escolher e nos curar. Podemos escolher se buscaremos uma relação saudável ou se ficaremos em uma relação que nos faz mal, se vamos ingerir alimentos que deixem nossos corpos saudáveis ou se iremos aos poucos os deixando envenenados, se vamos colocar lazer no nosso dia a dia ou se iremos trabalhar 28 horas por dia. Podemos escolher se seremos os mestres de nosso futuro ou os escravos de nosso passado.

Segue dizendo: se chover, vá para a chuva e prepare-se para se molhar. Um ser Elemental quer falar com você e a maneira da chuva fazer isto é te molhando. Não foque na crença do frio e de uma possível doença, foque na canção que a chuva quer cantar para você. Acredite, vai dar tudo certo e ela vai cantar. Cantar para você!

Para saber mais sobre os Maoris e estes curadores, selecionei, de muitos, alguns links abaixo. Um Abraço, Luciana”.

Contato: luxrangel@hotmail.com

Links:

Em português

Atendimento do Maoris Healers no Brasil

Sobre a Nova Zelandia e os Maoris

Tratado de Waitangi, entre os Maoris e a Coroa Britânica

 Palestra com tradução para o português

Filmes sobre a Nova Zelândia – não sei se todos estes filmes têm o olhar dos Maoris sobre os Maoris, alguns podem ter um olhar do ocidente sobre os Maoris, mas vale a pena conferir.

Sobre a influência dos Maoris nas novas formas de justiça, que buscam a resolução de conflitos baseado no diálogo e na responsabilização de todas as partes envolvidas.

Em inglês:

Maori Healers – You Tube

Maori healers – Facebook

Site oficial – Maori Healers, com cantos maoris

Entrevistas com Atarangi Muru.

Synergies Journal 

Sobre Papa Joe Delamere

 

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O significado da cremação segundo Osho https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/o-significado-da-cremacao-segundo-osho/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/o-significado-da-cremacao-segundo-osho/#respond Mon, 07 Mar 2016 12:52:36 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=855 Há treze anos, visitei Varanasi, uma das cidades mais sagradas da Índia. Corpos são cremados em torres ao ar livre na margem do rio Ganges e suas cinzas jogadas no rio. São os ghates que ligam o terrestre ao divino. Varanasi significa “porta do céu” e daria acesso à vida eterna. Hindus chegam de todo o país para serem cremados nessas torres e pedintes nas ruas imploram por dinheiro para comprar madeira, não comida.

A maioria dos indianos opta pela cremação dos corpos. É uma boa saída, já que arrumar terreno para sepultamento num país tão populoso seria um desafio. Mas o motivo parece ser filosófico, baseado na crença hinduísta de que o fogo regenera o corpo, preparando-o para as próximas reencarnações.

A visão de um indiano proeminente, Osho (1931 – 1990), pode contribuir para essa poetização da cremação. Professor de filosofia e mestre na arte da meditação, publicou mais de 600 livros com seus ensinamentos. Visto como um guru, líder de um movimento espiritual, seguidores o acompanhavam se organizando em comunidades. Ele teve o visto de residência negado em 21 países. Um dos motivos foi o preconceito em torno de seu liberalismo em relação ao sexo.

Osho via a morte como um evento a ser celebrado, um presente da existência. “Ela não é o fim da vida, mas sim seu clímax”, dizia, e por isso afirmava que os funerais deveriam ser um festejo. No vídeo abaixo, “Sim, Nós Celebramos a Morte Também”, seu depoimento é acompanhado por imagens de um funeral, digamos, animado. Ao contrário do semblante triste e das roupas escuras que costumamos ver por aqui, esse tem música e danças que beiram o frenesi, com um aspecto de bloco de rua carnavalesco acabando na Quarta-Feira de Cinzas.

Osho diz que o processo de cremação também deve ser visto por crianças, para “enfrentarem as verdades”, como coloca.

Ele comenta que o fogo é necessário para que o espírito se desprenda do corpo, como símbolo de purificação e desapego. O espírito assistiria seu corpo queimando e se conscientizaria do fim da vida, cortando suas ligações e prisões. A opção pela cremação teria um motivo especial: “O fogo é a única coisa que se conhece que não permite gravidade nenhuma. Ele sempre sobe, e assim é um símbolo da sua espiritualidade, que também sempre sobe. Você vê chamas e em breve elas desaparecem, sua visibilidade ocorre por alguns segundos e já se tornam invisíveis”. O fogo subiria em direção à “nossa casa”, de onde viemos e para onde vamos.

No Japão, a cremação também é a opção predominante. De maioria budista, dispõem de vários rituais fúnebres dependendo da região. É comum um membro da família acionar o forno da cremação. O lindo filme, “A Partida”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, mostra a realidade de um agente funeral que prepara corpos no “ritual do acondicionamento”. Baseia-se na limpeza do corpo para o renascimento, já que a morte é vista apenas como uma passagem.

Outras religiões não permitem a cremação, como o judaísmo. Entenda o porquê numa entrevista com o rabino Adrián Gottfried . Veja também o impactante ritual tibetano, conhecido como Funeral Celeste, no qual corpos são ofertados aos Dakinis (urubus).

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Conheça Fininho, o surpreendente coveiro formado em filosofia https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/10/15/conheca-fininho-o-surpreendente-coveiro-formado-em-filosofia/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/10/15/conheca-fininho-o-surpreendente-coveiro-formado-em-filosofia/#respond Thu, 15 Oct 2015 11:22:40 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=689 Conversei com Fininho, um homem que me tocou com sua visão de mundo e a forma de habitar um lugar incomum – o cemitério. Invisível para a sociedade, Fininho  passou 20 anos fechando caixões, cavando espaços na terra.

Osmair Camargo Cândido ganhou o apelido Fininho por ser esguio. Ele foi faxineiro na Universidade Presbiteriana Mackenzie e sonhava em estudar lá. Conseguiu cursar graduação de filosofia com bolsa de estudos. Formou-se filósofo. Entrou para a profissão de coveiro por um concurso do Serviço Funerário do Munícipio de São Paulo. “Sou coveiro por escolha própria”, diz. Hoje, trabalha no Cemitério da Penha.

Gosta de ler teatro. Ao falar sobre a importância do teatro grego por tratar da essência do teatro como catarse, ganhou de presente um livro de peças que eu levava na bolsa. Fininho atentou para o autógrafo na segunda página, e eu dei uma titubeada, mas quando perguntou se eu já tinha lido Antígona, ganhou o livro de vez. “Se a pessoa não compreender o teatro grego, não compreendeu o teatro. Vai passar vergonha numa discussão. Se ele não leu Antígona, não vai entender a catarse, a interpretação que se pode ter da vida sem o uso da razão, apenas com o teatro. Não sou eu que digo isso. Quem falou foi um prussiano. E o nome dele é Nietzsche”.

Ele alimenta uma ambição na vida: publicar um livro que escreveu sobre o dia a dia de um coveiro.

Casado com uma costureira e com filhos (não me contou quantos), diz que a morte nada mais é do que um ponto no tempo e a lembrança da existência do instinto.

O que é a morte para você?

Um ponto no tempo. Qualquer coisa é um ponto no tempo. A morte é a lembrança do instinto. O homem cria a civilização, a sociedade, a amizade, mas existe seu instinto. É por isso que ele quer copular o tempo todo. Para que sua vida continue. A morte não é outra coisa senão um ponto no tempo. Fora isso você vai ficar fantasiando, inventando…

O absurdo é a vida. Quem falou isso foi Albert Camus e eu concordo com ele. Você não sabe como nem por que começou, como nem por que acaba. A vida é o intervalo entre o nascimento e o desaparecimento. Agora a morte cada qual dá o sentido que quiser. Tem gente que diz que é renascer, tem quem diga que é o fim de tudo. Camus tinha essa impressão, do absurdo da vida. Já o conterrâneo dele, Diderot, dizia que era o vazio. Não é interessante?

Você prefere ser chamado de coveiro ou de sepultador?

Ah, sepultador é fantasy. Eu sou coveiro mesmo. Quem faz cova é o quê?

 O que diz na sua carteira de trabalho?

Diz que eu sou sepultador. Mas é fantasy.

Você gosta do que faz?

Apaixonado.

O que te cativa na profissão?

Acho que você poderia formular assim: o que há nas outras profissões que não há na minha atividade.

Se você pudesse ser qualquer coisa no mundo, o que seria?

A mesma coisa que sou hoje. Se eu pudesse renascer, eu pediria o favor de ter a mesma vida. É muito bom.

O que não é bom então?

O desconhecimento. O descaminho. Quem pelo dinheiro vive, é por ele mesmo que dedicará sua vida e perderá sua virtude, perderá sua coragem, perderá sua própria vida. Tem gente que vive a vida inteira, perde a juventude, correndo atrás do dinheiro, para quando estiver velho, gastar tudo tentando restabelecer a saúde.

Você acha que seu ofício interferiu na visão que você tem do dinheiro?

Evidente. Evidente que sim. Óbvio.

Você lembra de algum momento que isso te marcou?

Vários… Eu refleti bastante no sepultamento de Plínio de Arruda Sampaio. Eu via nele uma dedicação incomum. Ele tinha posses mas se dedicava de um modo à política que me pareceu muito tocante. Um dia eu o vi na avenida paulista, muito debilitado, já doente, distribuindo santinho do partido dele lá. Eu comentei que ele precisava descansar. Ele respondeu: “um homem deve chegar até a morte cumprindo aquilo que ele pensou, aquilo que o coração ordenou”. Eu fiquei muito emocionado. Aquilo que se acredita tem mais valor do que aquilo que se tem. Porque, na verdade, há a impressão de se ter as coisas. Mas é só uma impressão, porque ninguém tem nada. Não poderá transportar nada porque não se sabe para onde vai. Vamos a lugar nenhum. Viemos do nada, seguimos para lugar nenhum. Seguimos para hipóteses. Uns dizem que vão para o céu, outros para o inferno…

Como as pessoas reagem quando você conta que trabalha como coveiro?

Ah, todo mundo vê o coveiro como um fracassado. Um fracassado social. Porque o sucesso, o sucesso na América do Sul, está no dinheiro. Às vezes eu apelo um pouco né, falo ‘olha, fulano de tal foi coveiro’, como o Rod Steward – que foi coveiro também.

Quem é você?

Eu sou neto de Silvestre Camargo e da dona Albertina Camargo. Filho de Dirce Camargo, irmão do Odair, da Vera e da Iasmin. Esse cara sou eu. Eu sou bisneto de pessoas que foram escravizadas e, portanto, dado ao gosto popular. Gosto e leio toda a obra de Machado de Assis, com toda aquela pompa dele, mas sou dado também à literatura de Lima Barreto.

Sua profissão também faz parte de quem é você?

Sim.

Você gosta de trabalhar dentro de um cemitério?

Claro. Quem tem o privilégio de ouvir tanto passarinho cantando no serviço? A parede me tira a visão do horizonte. Eu não preciso da parede. Tem gente que precisa. Eu não preciso de parede, eu não preciso de gravata, preciso só do mínimo para viver. Porque assim eu não incomodo o outro. Eu não tiro o pão da boca de ninguém. E morro com a minha consciência tranquila, mesmo com a barriga vazia. O cemitério é um lugar dado à calma, à tranquilidade, ao sossego. É um lugar de vida (Fininho arranca uma pitanga da árvore e come).

Você já se emocionou em enterros ou costuma procurar se distanciar?

Ih, já chorei um bocado. Outro dia foi triste. Eu estava fazendo o sepultamento de um militar lá no Araçá (Cemitério do Araçá). Estava aquele clima, todo o comando da Polícia Militar lá. O cara tinha sido morto pelas costas. Estava muito calor e chovendo. Eu estava sentindo um negócio gelado e quente nas minhas costas enquanto eu fazia o sepultamento… achei que era a chuva. Aí eu escuto uma menina falar: moço, fala para meu pai levantar. Aí eu vi que aquilo nas minhas costas era o choro da menina.

Para você trabalhar com cemitério você tem que saber do trato humano, saber se comunicar, ou como não se comunicar, perceber os sinais da pessoa, procurar tratar da melhor maneira possível, senão você pode ser mal interpretado. Para lidar com a morte, você não pode ter mecanicismo, você não pode ser frio, indiferente.

As pessoas normalmente falam com você, ou você passa invisível?

Um coveiro tem que ser quase invisível. Porque a pessoa está em profundo desagrado com o mundo. Mesmo quando você vê aquele tom de resignação, a pessoa também está em profundo desagrado. Qualquer coisa que for feita que não for de seu agrado, pode causar imensa confusão. Tem que se tomar cuidado com qualquer gesto fora do ritual.

Você conta com o dia de amanhã?

Eu não. Hoje para mim está ótimo. Eu posso semear algumas coisas no dia de hoje. Mas pode ser para outra pessoa colher. Eu me alimento com o hoje. E curto o hoje. Se tiver amanhã, agradeço.

Como é esse “curtir o hoje”?

Sabe o que é mais importante na vida? A própria. Lógico que eu não sou nenhum hedonista. Não vou ter aquela vida de mil prazeres. Cada qual que encontre seu melhor jeito de viver. O dinheólotra vive que nem um louco atrás de bolsa de valores, queda do dólar, política e não sei o que… eu não conseguiria viver assim.

Quais dicas você poderia dar para quem quer viver o hoje?

Acorde bem humorado. Humor é fundamental. Aproveite as delícias da vida, aquilo que você acha bom. Faça o que você gosta de fazer. Você tem que estar próximo daquilo que você deseja. Nem precisa ter aquilo que você deseja. Estar próximo é uma situação muito interessante. Você tem a expectativa. Na vida se pode ter expectativas, nunca certezas. Eu não tenho certeza do dia de amanhã, mas eu tenho a expectativa. A manutenção da própria vida… você já viu como é interessante um copo de água?

“Viver não é acumular dias”, como disse Antônio Penteado de Mendonça.

Como você sabe a hora certa de fechar o caixão?

É o timing. Não pode ser zé mané. Eu tenho que fazer com que você acorde para a hora. Você está embebida pela morte. Então eu tenho que dar um toque. Eu pego e seguro a tampa do caixão, sem pressa. Cada um tem uma técnica, a melhor é essa, porque você dá um sinal. Chegar e tampar o caixão é uma grosseria, uma estupidez. Pedir também é desagradável. Agora, quando eu pego a tampa, eu mostro. Quando você sepulta uma pessoa, não é só uma pessoa que você está sepultando. Você vai sepultar um sonho, você vai sepultar o amor, a ilusão, aquele apego. Não é só um corpo. Você tem que se colocar na posição do cara. O processo de morte, na minha profissão, é embrutecedor. A percepção da morte não é para todos.

Quais são as reações mais comuns?

Agressividade, riso, resignação, alguns assobiam. Já levei um soco que me tirou do chão. Era um político. Eu falei: já quase não tenho dente, você vem me tirar os que restam, mas que xarope! A filha me pediu para eu não brigar com seu pai. Fiz o sepultamento todo com gelo na boca. A esposa dele comentou depois que ele tinha bebido.

Você acredita em espíritos?

Nunca dei trela para isso não. Não tenho tempo para isso. Essa é uma falsa questão. Sabe o nome disso? Sofismo. É uma falsa questão. Leia um livro que se chama “De Anima” de Aristóteles, o pai da lógica formal. O primeiro livro que eu me apaixonei foi o do Newton (Isaac Newton), Aristóteles foi o segundo.

As coisas andam, se movem, você concorda comigo que a terra gira? Mas o que quer dizer que a terra gira? Oras, se uma coisa gira, logo tem que ter o primeiro giro, o motor. É aquela pergunta que seu filho vai te fazer: mamãe, por que a terra gira? Se ninguém ta empurrando, por que ela gira? De onde vem as forças? De onde vem a matéria? É daí que vem “De Anima” – a matéria é inanimada. Teve um que morreu pensando nisso, o Einstein. Fez “A Teoria do Tudo” e morreu.

Sobre os espíritos: pensar sobre eles não é uma questão, não é um problema. René Descartes vai falar: penso, logo existo. Agora o outro, um alemão o qual dediquei mais da metade da minha vida, vai falar assim (Fininho refere-se à Immanuel Kant): muito bem, quem é esse eu? Então, ele escreve uma nova metafísica. Ele vai dizer os seguinte: são acidentes. Ele não fala sobre Deus ou sobre a alma, porque de que adiantaria? Ele é racionalista, ele é um iluminista, ele é o pai da razão, um divisor da filosofia na Alemanha.

Então, eu digo que é um sofismo porque falar sobre a existência ou não de espíritos é a criação de um falso problema.

Vamos falar de causalidade. Essa árvore está aí porque um dia tinha uma sementinha aí – você vai buscar a causa da existência da árvore com a razão e por aí vai. Mas se a sua razão buscar as causas, logo você vai chegar numa causa não causal. Logo, a razão não encontra explicação. Aí entra a fantasia. Eu vou deixar isso aí como um postulado. Na visão de Kant, Deus é um postulado – porque a razão não alcança.

Você já pensou no que querem que seja feito com seu corpo quando você morrer?

Eu não. Eu vim de graça, vou embora de graça. Já ouviu aquela música? (cantarola) A bruta flor do querer… Então, é isso. (a música é “Querer” de Caetano Veloso).

Qual é a relação com essa música?

O querer! Mas minha música predileta é uma de Aldir Blanc: caía a tarde feito um viaduto, e um bêbedo trajando luto, me lembrou Carlitos… Ele fez músicas para a Elis Regina.

Você já pensou em compor?

Quê? Com tanto compositor bom por aí eu vou me meter com isso? Vou compor onde tem João Bosco? Não…

Você já fez amizade com alguém que conheceu num velório?

Eu já passei o Natal com uma senhora que vinha no Araçá (cemitério do Araçá, onde trabalhava) para conversar comigo. A família me pediu para levar todos meus netos lá no Natal. Levei. Ela me chamou no hospital para vê-la antes de morrer… Eu gostava muito dela. É importante isso no mundo, encontrar afinidades. (cantarola) É impossível ser feliz sozinho. Não é?

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Ministério da Cultura da China reprime strippers em funerais https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/04/25/ministerio-da-cultura-da-china-anuncia-repressao-a-pratica-da-contratacao-de-strippers-em-funerais/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/04/25/ministerio-da-cultura-da-china-anuncia-repressao-a-pratica-da-contratacao-de-strippers-em-funerais/#respond Sat, 25 Apr 2015 13:26:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=487 Na última quinta feira (23), o Ministério da Cultura da China anunciou esforços para reprimir uma atividade pouco conhecida, mas habitual em áreas rurais chinesas: a contratação de strippers para funerais. O objetivo desse costume heterodoxo seria atrair mais público ao evento. O anúncio da autoridade chinesa detalhou dois casos como exemplo, indicando ser uma prática que distorce o valor cultural da indústria de entretenimento. Também afirma ser um ato bárbaro. Os organizadores e as strippers dos dois casos citados foram punidos com uma detenção de quinze dias e multa de $11.300 dólares.

Uma reportagem da “Xinhua News Agency” comenta que o striptease é ilegal na China e que as performances exóticas nos funerais salientam as tendências da vida moderna na China, como um exemplo de vaidade e esnobismo prevalecendo sobre as tradições.

Veículos internacionais repercutiram o anúncio, como o jornal britânico “Independent”, afirmando que ter um público grande no funeral é um sinal de honra para o morto na China. A “CNN” traz outro motivo para essa prática, que seria “aumentar a diversão”, e divulga fotos de um evento desses.

O portal de notícias “Huffington Post” também menciona que o respeito pelo morto é medido pela quantidade de pessoas que vão ao seu funeral. Por isso, a contratação de performers é comum e acontece há décadas. No vídeo da “National Geographic” divulgado na página da reportagem, um falecido, antes de morrer, em Taiwan teria avisado seu amigo de que gostaria de assistir à dança e por isso pediu um buraco em seu caixão, para que pudesse espiá-las. Me lembrou Nelson Rodrigues com a sua famosa frase: “sou uma menino que vê o amor pelo buraco da fechadura”. Mas numa versão do além. O vídeo mostra seu funeral e tem realmente um buraco no caixão. Em Taiwan, o costume de contratar strippers em funerais teria iniciado na década de 80, conforme afirma a reportagem.

Marc L. Moskowitz, um antropologista e diretor do documentário “Dancing for the Dead: Funeral Strippers in Taiwan” (“Dançando para os mortos: strippers funerais em Taiwan”), diz que a nudez total deixou de ser comum a partir de meados da década de 80, quando foi declarado sua ilegalidade.

Na reportagem de um blog do “Wall Street Journal”, é citado que fotos de uma dançarina num funeral na cidade de Handan, retirando seu sutiã, circularam muito na internet criando um “vexame” para o governo. Foram encontrados uma dúzia de grupos que oferecem esse tipo de performance para funerais em cada vila do país, com uma média de 20 shows por mês, num custo de $322 dólares cada.

 

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Adeus à carne https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/18/adeus-a-carne/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/18/adeus-a-carne/#respond Wed, 18 Feb 2015 12:38:35 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=357 Uma possível origem da palavra Carnaval é “carnis levale”, adeus à carne, ou retirar a carne, em latim. Ele é um festejo para se despedir de prazeres mundanos antes de iniciar-se a quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas. A quaresma é um período de limpeza física e espiritual que antecede a Semana Santa – Páscoa cristã, feita por meio de jejum, abstinência da carne, caridades e orações. Assim, o Carnaval está ligado à liberdade, precedendo um longo período de privações. Outra origem da palavra Carnaval é “carnis vales”, carne prazeres em latim, indicando a celebração dos prazeres da carne, como o desejo sexual.

Segundo a tradição católica, na quarta-feira de cinzas realiza-se uma cerimônia com as cinzas queimadas dos ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior, misturadas à água benta. O celebrante faz o gesto da cruz na frente de cada fiel ao falar “lembra-te que és pó e ao pó voltarás”. Por isso, para os católicos, pode ser uma data para lembrar da morte e daqui a quarenta dias, da crucificação e ressurreição de Cristo.

O significado religioso do Carnaval brasileiro já ficou em segundo plano, mas seu berço encontra-se na Igreja, trazido pelo Entrudo português, durante o período colonial. O entrudo era um festejo que precedia a Semana Santa em que as pessoas jogavam ovos, farinha e água umas nas outras. No Brasil, o entrudo foi influenciado pelas festas carnavalescas da Europa, que tinham desfiles urbanos, máscaras e fantasias. Assim, passamos a ter desfiles nas ruas com pessoas fantasiadas seguindo carros decorados, que dariam origem aos carros alegóricos atuais. O Carnaval cresceu muito com a criação das marchinhas carnavalescas, que passou a animar os festejos. “Ó Abre Alas”, de 1899, é considerada a primeira marchinha de nossa história, criada por Chiquinha Gonzaga.

Uma ligação entre morte e Carnaval é feita no lindo filme “Orfeu Negro”, (1959) de Marcel Camus, que transpõe o mito de Orfeu para uma favela do Rio de Janeiro durante o Carnaval. É a triste história de Orfeu na tentativa de resgatar sua amada Eurídice do mundo dos mortos (Hades). No mito, Orfeu convence Caronte (o barqueiro do rio Estige, que separa os mundos) a levá-lo ao Hades, com a melodia de sua música (ele toca um instrumento chamado lira). No filme, Orfeu toca em seu violão, três músicas compostas especialmente para o longa, “A Felicidade”, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim (“e tudo se acabar na quarta feira”), “Manhã do Carnaval” e “Samba de Orfeu”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria. No link abaixo, há três cenas do filme com as composições.

 A Felicidade

(Vinícius de Moraes, Antonio Carlos Jobim)

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor

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Funeral celeste – o impactante ritual tibetano https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/18/funeral-celeste-o-impactante-ritual-tibetano/ https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2014/11/18/funeral-celeste-o-impactante-ritual-tibetano/#respond Tue, 18 Nov 2014 20:15:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/?p=134 No alto de uma das áridas montanhas do Tibet, um grupo de pessoas se reúne. Há música e contemplação. O corpo de um defunto é preparado enquanto a representação dos Dakinis (“dançarinos celestes”) se aproxima. São os urubus, aguardando para se alimentarem, num ato considerado sagrado por oferecer-se o corpo para sustentar a vida de outro ser. Alimentar os urubus, essas entidades celestes, com seus restos mortais é um bom carma e existe para ensinar a impermanência da vida.

Rafael Roldan, leitor do blog, me escreveu sugerindo essa pauta. Ele é especialista em cultura tibetana e me contou sobre a prática e os significados desse ritual.

 A música escutada é recheada de simbologias. Toca-se um tambor de dois lados, derivado do hinduísmo, conhecido como o “tambor de Shiva” e chamado Damaru. Ele representa o ritmo do universo e a alternância de pólos. Também se assopra uma corneta de fêmur humano (chamada Kang Ling), que representa a superação da dualidade. O lado assoprado tem apenas um orifício e representa a verdade absoluta e o outro lado, de dois orifícios, representa o dualismo.

Enquanto isso, a figura do rogyapa, ou “breaker of bodies” (quebrador de corpos em tradução livre), corta o corpo de uma maneira específica e o desmembra. O motivo para isso é fazer com que o corpo seja consumido mais rápido pelos urubus. Uma representação do funeral celeste é uma faca curva –  chamada de kartika – usada para esfolar o cadáver. Hoje já não se usa muito essa faca, mas seu símbolo é muito importante e representa o corte que se faz no ego.

Na entrevista do primeiro vídeo abaixo, um rogyapa assume precisar de um pouco de uísque para levar adiante a cerimônia. Mas há um significado para isso, porque o uísque é um tipo de oferenda chamada de “oferenda irada”, usada para satisfazer os espíritos assistentes de Yama, o deus da morte.

Outro símbolo característico do ritual é um sino, que é possível ser escutado durante toda a cerimônia. Os dois símbolos mais importantes do budismo tibetano são o sino de metal e o cetro. O sino representa a interdependência dos fenômenos, pois um sino nunca pode tocar sozinho, precisa de algo batendo no metal para produzir o som. Também representa a sabedoria ou esfera primordial da mente, e o cetro (dorje ou vajra), representa o método. A sabedoria é absoluta, mas os meios de se transmiti-la são inúmeros. O sino é usado na mão esquerda e o cetro na mão direita. Eles sempre precisam estar próximos, representando a união entre a verdade absoluta (sino que é a sabedoria, o feminino) e a verdade relativa (cetro, que é o masculino e por isso há uma interpretação do sino indicar a vagina e o cetro, o pênis).

O funeral celeste envolve a prática do Chöd, um ritual meditativo que depois acabou sendo praticado longe do funeral, como exercício, usando as mesmas imagens do ritual. Os praticantes do Chöd se visualizam saindo do seu corpo e se tornando um Buda (geralmente uma Buda mulher) e vêem seu corpo sendo retalhado, oferecido para pacificar demônios e deuses. O budismo diz que nosso grande referencial de identidade é o corpo, e por isso, esse é um exercício de desapego e a prática é realizada com esse fim.

Geralmente, o Funeral Celeste é feito com a leitura do livro tibetano dos mortos, que também pode ser lido durante o velório. Vou falar mais sobre o livro tibetano dos mortos em breve.

Um possível motivo para o surgimento do Funeral Celeste é um tanto quanto prático. Nas altas altitudes do Tibet, não crescem árvores, não há madeira para cremação, que é a forma mais tradicional de enterro budista, e o solo é duro demais para ser escavado. Assim, essa prática acabou sendo a solução encontrada para a disposição dos restos mortais e evitar-se a disseminação de doenças.

Alguns vídeos sobre o ritual são difíceis de serem assistidos. E os comentários a respeito vão de desgosto a nojo para belo e puro. O mais leve e poético deles está postado em primeiro, abaixo. Em seguida tem um vídeo com cenas indigestas (por favor, pensar duas vezes antes de assistir). Apesar da beleza da significância da cerimônia, achei difícil ver corpos humanos cortados como vacas e porcos no açougue. Bem, aí também tem um pouco da minha própria arrogância de achar que podemos fazer isso com todos os animais da Terra, menos com um dos mais frágeis de todos, nós mesmos.

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