Pena de morte: contra ou a favor?
No TV Folha “Ao Vivo” gravado nesta terça feira (03), discutiu-se pena de morte, com a participação do repórter Ricardo Gallo, de Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, além desta blogueira que vos fala.
Gallo, que foi à Indonésia acompanhar o caso do brasileiro Marco Archer, executado no último dia 17, é autor do livro “Condenado à Morte”, sobre a história da vida de Marco, com publicação prevista para 4 de março pelo selo Três Estrelas, da Publifolha. O repórter iniciou o debate perguntando: se houvesse um plebiscito hoje no Brasil, contra ou a favor, qual lado ganharia? (Vote na enquete nesse link).
A Anistia Internacional é contra toda forma de pena de morte. Para Roque, ela desperta o que a sociedade tem de pior, que é o desejo de vingança, uma “necessidade de pagar com a mesma moeda”. Ele diz que, embora se tenha a impressão de que o apoio à pena capital aumentou nos últimos anos, quando as pessoas se informam a respeito, elas tendem a mudar de opinião. O que poderia estar por trás desse apoio é o fato de que “o Brasil é um país que está perdendo o apreço pelo valor à vida, onde a sociedade dorme todos os dias com a notícia de que 56.000 pessoas morrem por homicídio por ano e isso não mobiliza, não cria um escândalo, não comove”. A sociedade se sentiria frustrada com a incapacidade dos órgãos de segurança em dar uma resposta a essa realidade, o que despertaria esse sentimento de equiparar justiça com vingança, e o desejo de eliminar o indivíduo da sociedade.
Alguns leitores desse blog comentaram que Marco deveria morrer por ser um “destruidor de lares”, comparando-o a um homicida. Outro argumento é a impunidade presente no sistema Judiciário brasileiro. Opinaram que caso Marco voltasse para cumprir pena no Brasil, em breve poderia passar para um regime semiaberto, voltando a traficar, o que remete ao ponto colocado por Roque acima.
Também se alega a possibilidade de a pena capital inibir o crime. Ouvi um amigo dizer: “quero ver agora outro brasileiro tentar entrar com drogas na Indonésia”. Sobre a eficiência da pena de morte, Atila Roque apontou que ela não funciona como uma inibidora de futuros atos. Ele diz haver estudos que ao longo de trinta anos compararam a evolução da criminalidade em países que têm a pena de morte com os que não têm. “Onde tem pena de morte, a eficácia é menor em relação à inibição de crimes violentos sobre tudo”, afirma Roque. Ele mencionou um estudo recente na Austrália mostrando como a extinção da pena de morte contribuiu para a redução do crime e conclui que “ a tendência hoje no mundo é os países gradativamente deixarem de utilizar a pena de morte, mesmo os Estados Unidos, que é o país do campo desenvolvido que mais executa”. Em 2013, 22 países aplicaram efetivamente a pena de morte, segundo dados da Anistia Internacional.
O fato de a pena capital não considerar a possibilidade de reabilitação do indivíduo na sociedade é um ponto importante contra a sua aplicação. O médico e psicoterapeuta João Figueiró me disse que o ato do traficante não é acompanhado de crueldade ou perversidade, é um ato comercial e assim, pode ser repensado. Os psicopatas, por exemplo, agem com perversão e precisam ser afastados do convívio social para sempre, em hospitais especializados. O traficante, como no caso de Marco, poderia voltar a conviver em sociedade ao repensar suas escolhas. Alguns podem dizer que não há no Brasil um sistema penitenciário que reabilite, hoje.
A questão da reabilitação está sendo utilizada como argumento na defesa de dois australianos que podem ser executados em breve na Indonésia (presos por tráfico de drogas). A mídia internacional, como essa reportagem da CNN e o The Sidney Morning Herald, alega que eles já estão reabilitados após cumprirem 10 anos de prisão e por isso deveriam ser poupados da morte. Um deles, Andrew Chan, é líder espiritual, rege missas e tornou-se uma referência para outros prisioneiros. O outro, Myuran Sukumaran, dá aulas diárias de arte. Esse é o argumento da defesa, e esperam com isso revogar a pena.
Rodrigo Gularte, 42, pode ser o próximo brasileiro a ser executado por tráfico de drogas na Indonésia. Ele foi preso em 2004, ao tentar entrar no país com seis quilos de cocaína escondidos numa prancha de surfe. A situação de Rodrigo difere da de Marco porque sua sentença pode ser reconsiderada por razões médicas. Ele foi diagnosticado com esquizofrenia.
A imprensa local alega ser um artifício da sua defesa para tentar liberá-lo da pena, mas o repórter Ricardo Gallo disse que seu estado mental é realmente complicado. O próprio Rodrigo nega, mas dr. Figueiró apontou ser comum pacientes com esquizofrenia negarem seu estado mental. “Por natureza da doença, eles têm um comprometimento do juízo crítico, não conseguindo fazer uma avaliação do externo nem deles próprios” . O psicoterapeuta conclui que Rodrigo precisa ser tratado e não punido.
Sou contra a pena de morte por diversos motivos. Um deles se baseia nos abusos que ela propicia, por oferecer aos governos um mecanismo legalizado de calar aqueles que incomodam, como opositores políticos e questionadores da moral vigente. Em países como a Arábia Saudita, são passíveis de pena de morte homossexualidade e bruxaria. Na Síria e no Irã apedrejam-se mulheres por adultério.
Além disso, ela parte do pressuposto de que o sistema Judiciário é infalível, mas inúmeros casos já comprovaram que não é. Por exemplo, no final do ano passado, divulgou-se um caso na China de um jovem executado por ter sido considerado culpado pelo estupro e assassinato de uma mulher. Só que um estuprador em série confessou o crime alguns anos depois da execução do jovem. O caso ocorreu há dezoito anos, mas a família só conseguiu inocentá-lo agora e com isso encontrar conforto em “limpar seu nome” e receber desculpas e uma indenização da Justiça chinesa (um prêmio de consolação de R$ 13 mil). Atila Roque diz no debate: “não existe Justiça 100% eficiente. A possibilidade do erro está sempre presente”.
Não é uma questão de “idolatrar traficantes” ou sentir “pena deles”, como muitos leitores do blog colocaram, mas sim entender que a pena de morte é um mecanismo desumano e ineficaz. Ela parte do pressuposto de que o sistema Judiciário é infalível, mas na verdade realça suas falhas, permitindo abusos com base em discursos que mudam conforme o vento. Serve apenas para trazer à tona o pior de todos nós e lembrar-nos que de alguma forma ainda somos aquela multidão do Coliseu pedindo sangue.
Para terminar, podemos voltar à pergunta inicial de Ricardo Gallo nesse programa da TV Folha: se tivesse um plebiscito hoje no Brasil, que lado ganharia? A enquete pode ser interessante como termômetro do posicionamento dos leitores dessa plataforma. Responda no link abaixo.