Por quantos anos devemos viver?

Camila Appel

A revista americana “Time” deu o que falar com uma capa trazendo um bebê fofo (claro) e o letreiro “esse bebê poderá viver até os 142 anos”. O embasamento para tal afirmação é simples. Estudos com certa droga em ratos mostrou um aumento na longevidade deles em 1,77 vezes. Aplicando-se essa taxa à longevidade média atual de 80 anos, poderíamos passar a viver, com o uso dessa substância, 142 anos.

Trata-se de um componente chamado rapamicina, que parece desacelerar o envelhecimento e os danos que ele causa. Os ratos usados no tratamento mostraram melhora no funcionamento do coração e do fígado, que passaram a agir como se fossem mais novos. Também se observou que os tendões pareceram mais elásticos e flexíveis do que deveriam na idade real dos ratos, e haveria menos evidências de tumores do que o considerado normal para aquela idade. Os efeitos negativos seriam uma maior propensão para cataratas, diabetes e perda gradual da função testicular.

Acho que a revista apelou um pouco no ímpeto de vender mais exemplares, porque essa capa chama muita atenção e pouco realmente se fala sobre o número em questão: os 142 anos. Mas as matérias refletem sobre assuntos importantes, como os desafios de nossa sociedade ao se deparar com a tendência de vivermos cada vez mais, mencionando que, independente do uso dessa nova droga, há uma crescente mudança da estrutura etária mundial, com a faixa dos acima dos 60 anos superando a dos jovens, abaixo dos 15 anos.

Um importante desafio é o fato de sermos guiados por uma cultura que indica quando devemos estudar, casar, comprar uma casa, trabalhar e nos aposentar, sem levar em consideração esse novo cenário. Os anos “extras” que ganhamos a cada década seriam vistos como bônus e não uma realidade. Não há sistemas de transportes e recreação adequados, nem tratamentos que melhorem a qualidade de vida dos mais idosos ou mesmo uma estrutura que financie aposentadorias que durem décadas.

Por toda essa falta de preparo, indivíduos temem a velhice, por medo de “sucumbir à demência, ficar sem dinheiro e perder sua relevância”. Mas não precisaria ser assim, e para isso é necessário mudarmos nossos rumos, tanto biologicamente, quanto socialmente, para sustentarmos uma vida longa.

Uma consequência de elaborarmos um novo pensamento para englobar essa realidade seria olharmos o trabalho como uma parte da vida mais duradoura e, assim, sem a necessidade de ser tão intenso quanto é hoje. Nesse caso, poderíamos dedicar mais horas do nosso dia a dia à família e desfrutar de retiros sabáticos, que passariam a ser algo natural e comum. E os acima dos 60 anos poderiam virar uma importante fonte para o mercado de trabalho, potencializando seus diferenciais como “expertises, equilíbrio emocional e motivação para fazer a diferença”.

Como funciona o envelhecimento

Essa edição especial da “Time” sobre envelhecimento (não disponível on-line gratuitamente) traz uma reportagem interessante sobre a idade com que cada parte do corpo começa a envelhecer. Segue, abaixo.

Olhos: a partir dos 40 anos, o alcance da vista começa a diminuir. Para prevenir doenças oculares, não se deve fumar e recomenda-se o uso de óculos escuros para proteger os olhos dos raios UV.

Músculos: a partir dos 40 anos, os músculos passam a perder força com maior intensidade. Para evitar o declínio muscular, deve-se inserir exercícios físicos na rotina.

Ossos: a partir dos 35 anos, a massa óssea do corpo perde 1% de sua densidade a cada ano. Exercícios com peso podem reduzir essa perda.

Pulmões: a partir dos 30 anos, a função pulmonar passa a perder 1% de sua capacidade a cada ano. O declínio é maior em pessoas sedentárias.

Pele: a partir dos 18 anos, o colágeno e a elastina passam a declinar 1% ao ano. Pode-se desacelerar esse processo ao não fumar, comer bem e usar protetor solar que contenha titânio ou zinco em sua composição todos os dias, mesmo em ambiente fechados.

Cérebro: a partir dos 70 anos podemos notar uma aceleração de mudanças no cérebro relacionadas à idade. Para retardar esse processo, recomenda-se a prática de atividades que engajem e estimulem, dependendo do perfil de cada um.

Audição: A partir dos 60 anos começamos a perder capacidade auditiva e não há dicas úteis para desacelerar esse processo. Uma em cada três pessoas de 65 a 74 anos possuem perda auditiva relacionada à idade.

Coração: a partir dos 65 anos potencializam-se doenças relacionadas ao coração. Conforme envelhecemos, as células dos músculos cardíacos diminuem em quantidade mas aumentam seus tamanhos, tornando o entorno do coração mais grosso. As artérias tendem a endurecer também. Entre as idades de 20 a 30 anos, a capacidade aeróbica do coração declina em torno de 10% por década.

Rins: o funcionamento dos rins passa a decair em torno dos 50 anos. O melhor a se fazer é beber muita água. Como a sensação de sede diminui com a idade, é necessário lembrar-se de bebê-la.

Intestino: passamos a absorver menos nutrientes com 60 anos.

Como retardar o envelhecimento

Complementando o artigo acima, essa edição da “Time” conta com uma apuração sobre como é possível retardarmos o envelhecimento. Adicionei alguns outros pontos, indicando a devida fonte. Abaixo.

Dieta: Já ouviu falar na dieta mediterrânea? Ela tem esse nome por ser baseada na alimentação dos países que contornam o mar mediterrâneo, como Grécia, Egito, Espanha, Turquia e Itália. Um estudo publicado em 2013 no “New England Journal of Medicine” constata que essa dieta reduz em 30% o risco de ataque cardíaco e derrame. Também diminui o risco de morrer de doenças relacionadas ao coração por até cinco anos, dentro da observação do estudo. Os pontos principais dessa dieta são: consumir frutos do mar, castanhas, azeite de oliva extra-virgem, frutas, vegetais e uma taça de vinho de tinto por dia. A proteína é importante, mas não pode ser consumida em excesso e há uma inclinação à carne branca ou invés da vermelha, principalmente peixes. Produtos industrializados são vetados.

Casamento: esse item é mais polêmico, mas alguns pesquisadores têm se dedicado a encontrar relação entre casamento e uma vida mais longa. O estudo da Dra. Ilene Siegler e outros colegas, divulgado no “Annals of Behavioral Medicine”, diz que não se ter um parceiro permanente na meia-idade (por volta dos 40 anos) está associado a maior risco de morte prematura durante esses anos. Uma possibilidade para essa constatação é a de que casais tendem a cuidar um do outro, incentivando idas ao médico para check-ups e assim pegar doenças no início, como um câncer em estágio inicial, evitando sua mortalidade. Outros pesquisadores afirmam que essa ligação (entre ser casado e viver mais) está relacionada a um suporte emocional e físico, que contribui para a longevidade. Casais também seriam mais suscetíveis a adotar comportamentos saudáveis, como praticar exercícios, comer bem e parar de fumar juntos. Mas o efeito não parece ser igual para homens e mulheres. Outro estudo constatou que os homens casados parecem viver bem mais do que os solteiros, mas no caso das mulheres essa diferença não foi tão detectada. Esse último estudo foi indicado pela revista “Time”, mas não achei sua fonte para averiguá-lo ou colocar o link aqui no post. Independente de um casamento estabelecido, vínculos sociais fortes e confiáveis são fundamentais para um envelhecimento saudável, como constataram os geriatras que entrevistei para o post “Seja bem-vindo à era da geriatria”. E nesse caso, importaria mais ser um casamento de qualidade do que o fato dele existir ou não. Até porque um casamento ruim aumenta o nível de estresse, que é extremamente prejudicial ao corpo, como veremos abaixo.

Mente: É comum falarem que o estresse prejudica nosso organismo, favorecendo doenças. Um dos motivos é o fato dele encurtar os telômeros, estruturas que protegem nossos cromossomos e seu encurtamento torna os cromossomos vulneráveis. O corpo não sobrevive sem os telômeros e, por isso, uma forma de verificar o quanto uma pessoa vai viver é observar o encurtamento de seus telômeros. O estresse também aumenta a inflamação crônica do corpo, porque ele coloca o organismo em alerta, pronto para combater um inimigo ou uma situação ameaçadora de vida. Nesses cenários, o cérebro envia um sinal para a glândula adrenal para emitir os hormônios cortisol e epinefrina, que sinaliza ao sistema imunológico a necessidade de preparar o corpo para uma possível ferida. Mas para isso, nosso organismo fica num estado inflamatório, que se acontecer de forma permanente, pode contribuir para um ambiente propício a doenças.

E como afastar o estresse? Meditação, pensamento positivo, caminhadas meditativas, exercícios, mais otimismo e menos cinismo. Livros sobre o tema não faltam. Mas eles saíram das prateiras de auto-ajuda e estão chegando às de ciência. “The Emotional Life of Your Brain” (a vida emocional do seu cérebro), do doutor Richard Davidson é um deles. Há um estudo indicado pela “Time”, da professora de psicologia de Harvard Ellen Langer, sobre como as atitudes mentais podem reverter os processos do envelhecimento. Em sua pesquisa, ela pode verificar resultados positivos em uma série de exames, tanto físicos quanto cognitivos. No momento, Langer está desenvolvendo estudos para testar a aplicação de sua teoria em pacientes com câncer, sobre como atitudes mentais podem reverter a doença. Langer chama sua teoria de “mind and body unit theory” (teoria da unidade entre mente e corpo), baseada na ideia de que “onde colocamos nossa mente, colocamos nosso corpo”.

Por quantos anos devemos viver?

A pergunta acima foi colocada como enquete para os leitores da revista digital AEON, um site voltado a reportagens relacionadas a filosofia, ciência, psicologia, saúde, sociedade, tecnologia e cultura. Colocam-se como uma revista que tem “publicado os pensamentos mais profundos e provocadores da web”.

Alguns leitores defenderam a ideia de que deveríamos viver para sempre, outros pensam em “quanto mais melhor”. Há quem indique o budismo como fonte de inspiração ao defender que devemos viver o “agora”, sem nos preocuparmos com o futuro. E os que duvidam que teremos tanta escolha assim.

Me chamou atenção uma resposta que buscou na literatura advertências sobre o problema de viver-se muito tempo, citando o mito de Titono. Em resumo, o mito diz que Aurora (Eos da mitologia grega, deusa do amanhecer) se apaixonou pelo mortal Títono e pediu a Júpiter (Zeus) que lhe concedesse a imortalidade. Mas ela cometeu o equívoco de não pedir também a eterna juventude. Conforme os anos passaram, Titono foi envelhecendo até virar putrefato e sem movimentos. Aurora o teria trancado num quarto escuro para nunca mais precisar olhar para ele. Uma outra versão diz que Zeus, tocado pelas lamentações de Aurora, transformou Titono numa cigarra.

O mito inspirou um poema de Tennyson, “Tithonus”. Esse leitor comentou que não teme o desgaste físico ou mental de vivermos muito, mas sim a exaustão de si mesmo, como passar a contar as mesmas histórias, reler os mesmos livros, ruminar os mesmos pensamentos, revistar as mesmas memórias, escutar as mesmas músicas. Ele comenta que podemos ser um trabalho acabado, que está destinado a terminar mesmo, e que termos um limite natural para nossas vidas pode ser, de alguma forma, algo misericordioso.

Outro leitor disse que se vivêssemos por mais de 200 anos, a essência do que somos mudaria. A justificativa estaria nas consequências de termos menores taxas de natalidade, como a dissolução da instituição do casamento e a falta da necessidade de nos definirmos, já que poderíamos mudar de rumo a qualquer momento, por termos tempo de sobra. Para esse leitor, estaríamos diante de uma receita propícia à loucura mental, já que nossas âncoras atuais deixariam de existir e ele questiona como a mente humana se adaptaria à realidade de vivermos até os 200 anos.

Em palestra no TED com mais de dois milhões e meio de visualizações, um pesquisador de Cambridge defende que a velhice é uma doença e pode (e deve) ser combatida. Seu grande ponto de partida é o fato do envelhecimento ser ruim porque ele mata e discorre sobre estratégias para combater o envelhecimento. O corpo envelheceria de sete formas diferentes, que são efeitos colaterais do metabolismo que causam patologias, como perda celular, mutações em cromossomos e mutações nas mitocondrias, e todas poderiam ser evitadas.

No final das contas, acho que o importante não deve ser se vamos viver muito ou pouco, mas se vamos viver bem ou mal. Também não adianta nada procurarmos viver cada vez mais se rejeitamos a velhice e qualquer referência ligada a ela, desde suas necessidades especiais físicas às emocionais. No fundo, todo mundo vai cometer o erro de Aurora, só querer a imortalidade se ela vier junto com a eterna juventude. Se não, tranca o fulano no quarto escuro e deixa ele lá choramingando para sempre, como Titono. Mas não somos deuses do Olimpo. Só um bando de doidos que acha que o universo foi criado para que os homens pudessem vir a existir e por isso as regras que se aplicam aos outros seres não se aplicam a nós. Mas não será para sempre. Penso na morte como aquela personagem “Morte” de Neil Gaiman (escritor de Sandman), destinada a ser o último ser a existir.

“Quando a primeira coisa viva existiu, eu estava lá esperando… Quando a última coisa viva morrer, meu trabalho estará terminado… Então, eu colocarei as cadeiras sobre as mesas, apagarei as luzes, e fecharei as portas do universo, enquanto o deixo para trás…” (fala da personagem Morte, de Neil Gaiman, no Livro dos Sonhos).

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Morte – a personagem de Neil Gaiman, escritor de Sandman