Permissão para morrer – o caso de Brittany e o depoimento de Nathalie

Camila Appel

O caso da americana Brittany Maynard tem emocionado muitos ao redor do mundo e anda aquecendo a discussão sobre suicídio assistido e eutanásia. Essa jovem de 29 anos enfrenta o pior tipo de câncer cerebral, Glioblastoma Multiforme, e recebeu, em abril, o diagnóstico de seis meses de vida.

 Mas ela não quer esperar para ver. Assustada com a descrição de como seria o final da doença, se mudou para o estado de Oregon, um dos cinco dos Estados Unidos que permitem o suicídio assistido.

 Desde o início da lei “Death and Dignity” (Morte e Dignidade) no estado, 1.100 pessoas tiveram acesso às drogas letais e 750 as usaram. No ano passado, foram registradas 71 mortes assistidas. As drogas devem deixar o paciente inconsciente em apenas alguns minutos, e levar à morte em 25 minutos.

 Arthur Caplan, do centro médico da New York University disse numa entrevista à CNN que 30% dos pacientes que tem acesso à droga não a tomam, mas a utilizam como um mecanismo de segurança.

 Brittany tem os remédios em mãos e diz encontrar paz na ideia de poder escolher onde, como e ao lado de quem pretende morrer.

Em seu vídeo, com mais de nove milhões visualizações (assista aqui), ela diz sentir alívio em pensar que não precisa morrer da forma como os médicos relatam que seu câncer a levará. Decidiu morrer na sua casa, na cama que divide com o marido, ao lado dele, da melhor amiga e da mãe. Inicialmente, ela afirmou que tomaria os remédios nesse sábado, 1° de novembro.

Mas num vídeo recém divulgado (assista aqui), ela coloca a decisão em dúvida por ainda se sentir bem, apesar de perceber o avanço da doença. Nesse caso, a constatação de Arthur Caplan, sobre o uso das drogas como mecanismo de segurança pode ser procedente. Numa entrevista à revista People, Brittany disse temer esperar demais para usar os medicamentos e perder a capacidade de tomar essa decisão como resultado de uma convulsão. Ela sofre convulsões frequentes que têm se intensificado. Se ela perder a consciência em consequência de uma crise, a lei de suicídio assistido não poderá mais ser utilizada e a eutanásia (um profissional da saúde injetar os remédios nela, por exemplo) não é permitida nos EUA.

 A entidade Compassion and Choice, lançou uma campanha de apoio à jovem, com assinaturas e depoimentos em vídeo de sua família. A ONG oferece consultoria e planejamento às famílias que procuram o suicídio assistido como alternativa e buscam advogar leis sobre “morte e dignidade” ao redor dos Estados Unidos.

A história de Nathalie 

Nathalie, que preferiu não publicar seu sobrenome, nasceu no Haiti, mas sua família é Belga. Seu pai trabalhou nas Nações Unidas e por isso ela foi criada em diversos países. Um dia, veio passar férias no Brasil, conheceu o carnaval no Recife, e acabou ficando. Já se foram mais de vinte anos.

Em dezembro do ano passado, Nathalie voltou para a Bélgica para acompanhar um evento delicado, a eutanásia de sua mãe, Helena.

Helena tinha uma doença degenerativa, sofria de dores constantes e passou por três cirurgias mal sucedidas para tentar amenizar sua artrose. Em setembro do ano passado, Helena viu que não queria mais viver de uma forma não considerada por ela como qualidade de vida, e decidiu pela eutanásia, que é um procedimento legal na Bélgica. Ela queria “escolher a hora de sair de cena e morrer com dignidade”, como colocou sua filha. O processo, rigoroso e burocrático, demorou três meses, passando por juntas médicas e psicólogos. Em dezembro, Helena pode concretizar sua vontade.

Nathalie contou que a mãe era muito esclarecida em relação à questão. Seus pais sempre apoiaram a eutanásia. Fizeram parte de uma organização chamada “Morrer com Dignidade” e tinham um pacto que na hora que um dos dois decidisse, o outro iria apoiar. Eram defensores do meio ambiente, viviam sem carro por motivos ambientais e faziam compostagem. “São pessoas muito conectadas com a vida, com a vida com qualidade”, ela disse.

Os familiares mais próximos foram chamados para acompanhar a passagem de sua mãe, na sua casa. Meia hora antes do momento, Helena pediu para abrir uma garrafa de champanhe e disse estar muito feliz em poder tomar essa decisão ainda em vida. Procurou acalmar os parentes falando que aquilo seria melhor para ela. O brinde foi acompanhado de dor e choro por todos, mas Helena não se abalou e respeitou o sofrimento dos que ficavam. “Não era um clima artificial de felicidade. Estávamos muito tristes, mas respeitando sua decisão”, disse Nathalie.

Na hora combinada, profissionais da saúde injetaram remédios letais em Helena. Em alguns minutos ela ficou inconsciente e em mais ou menos uma hora, foi considerada morta. Nathalie lembra de achar o rosto da mãe sereno e ter a atitude instintiva de cobri-la com um cobertor, como se ela estivesse apenas dormindo. Helena tinha 79 anos.

Natalie nunca questionou essa decisão. Ficou triste porque achou muito duro viver sem sua mãe. Permaneceu na Bélgica mais algumas semanas para apoiar o pai, casado com Helena há mais de cinquenta anos. E depois voltou ao Brasil.

Outros familiares e amigos não concordaram com a atitude de Helena. Achavam que ela ainda podia viver bem. Mas “ela não aguentava mais viver do jeito como estava, virando um trapo de gente”, colocou Nathalie.

Ela é a favor da discussão da eutanásia e do suicídio assistido no Brasil, por considerar que se deva respeitar a vontade de cada um. “Porque são atitudes que só influenciam a vida da pessoa, você tem que poder decidir seu destino, individualmente. Quem for muito religioso e a religião não permitir, é só não fazer uso da lei. Os outros não podem impor a não-opção. Quem não quiser fazer, não faz”, disse Nathalie. Mas considera que o processo deve ser muito rigoroso, sem margem para nenhum tipo de abuso e com um acompanhamento psiquiátrico.

Quando perguntam para Nathalie do que sua mãe morreu, ela responde: eutanásia, e muitas vezes recebe reações negativas, mas isso não a impede de contar a verdade e humanizar o procedimento, como ela mesma coloca. “Não é um bicho de sete cabeças. Precisamos começar a desmitificar a eutanásia”.

O caso de Brittany é de suicídio assistido e o da mãe de Nathalie, eutanásia. A diferença básica entre eles é que, no suicídio assistido, o paciente recebe os medicamentos letais e ele mesmo os toma. Na eutanásia, permite-se que ele morra pelas mãos de profissionais da saúde, pois são eles que dão ou injetam os remédios no paciente.

Em breve, explorarei a discussão da eutanásia no Brasil. Não é um assunto fácil, mas sim complexo e necessário. Porque mesmo quem é contra o procedimento, pode se surpreender ao ver que ela já vem sendo praticada, só que não com esse nome.