Adeus à carne

Camila Appel

Uma possível origem da palavra Carnaval é “carnis levale”, adeus à carne, ou retirar a carne, em latim. Ele é um festejo para se despedir de prazeres mundanos antes de iniciar-se a quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas. A quaresma é um período de limpeza física e espiritual que antecede a Semana Santa – Páscoa cristã, feita por meio de jejum, abstinência da carne, caridades e orações. Assim, o Carnaval está ligado à liberdade, precedendo um longo período de privações. Outra origem da palavra Carnaval é “carnis vales”, carne prazeres em latim, indicando a celebração dos prazeres da carne, como o desejo sexual.

Segundo a tradição católica, na quarta-feira de cinzas realiza-se uma cerimônia com as cinzas queimadas dos ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior, misturadas à água benta. O celebrante faz o gesto da cruz na frente de cada fiel ao falar “lembra-te que és pó e ao pó voltarás”. Por isso, para os católicos, pode ser uma data para lembrar da morte e daqui a quarenta dias, da crucificação e ressurreição de Cristo.

O significado religioso do Carnaval brasileiro já ficou em segundo plano, mas seu berço encontra-se na Igreja, trazido pelo Entrudo português, durante o período colonial. O entrudo era um festejo que precedia a Semana Santa em que as pessoas jogavam ovos, farinha e água umas nas outras. No Brasil, o entrudo foi influenciado pelas festas carnavalescas da Europa, que tinham desfiles urbanos, máscaras e fantasias. Assim, passamos a ter desfiles nas ruas com pessoas fantasiadas seguindo carros decorados, que dariam origem aos carros alegóricos atuais. O Carnaval cresceu muito com a criação das marchinhas carnavalescas, que passou a animar os festejos. “Ó Abre Alas”, de 1899, é considerada a primeira marchinha de nossa história, criada por Chiquinha Gonzaga.

Uma ligação entre morte e Carnaval é feita no lindo filme “Orfeu Negro”, (1959) de Marcel Camus, que transpõe o mito de Orfeu para uma favela do Rio de Janeiro durante o Carnaval. É a triste história de Orfeu na tentativa de resgatar sua amada Eurídice do mundo dos mortos (Hades). No mito, Orfeu convence Caronte (o barqueiro do rio Estige, que separa os mundos) a levá-lo ao Hades, com a melodia de sua música (ele toca um instrumento chamado lira). No filme, Orfeu toca em seu violão, três músicas compostas especialmente para o longa, “A Felicidade”, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim (“e tudo se acabar na quarta feira”), “Manhã do Carnaval” e “Samba de Orfeu”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria. No link abaixo, há três cenas do filme com as composições.

 A Felicidade

(Vinícius de Moraes, Antonio Carlos Jobim)

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor