Os cinco maiores arrependimentos antes de morrer
A médica geriatra Ana Claudia Arantes é muito séria na sua delicadeza ao falar sobre morte. Especialista em cuidados paliativos, para ela qualquer morte pode ser boa, se tiver em boas mãos.
É uma questão de usar a medicina a favor do paciente para deixá-lo o mais confortável possível enquanto espera pelo fim, e enxergar a saúde como um estado de bem-estar biopsicossocial. Arantes diz que a morte é um dia que vale a pena viver e pode ser vista como uma grande viagem para um local misterioso onde não sabemos qual será o clima, nem o terreno. Seria uma viagem planejada e não súbita, pois não se envelhece de repente. “Você tem que preparar seu corpo, sua família, se preparar financeiramente e espiritualmente”, afirma a médica.
Ela está ministrando os encontros “Conversas com a Morte” no espaço educativo O Lugar, com a sala lotada e fila de espera de mais de cem pessoas. Sobre o curso, Ana Claudia diz que “as pessoas não estão mudando sua concepção sobre a morte, elas estão mudando a forma de estar vivo”.
Uma de suas aulas é sobre os cinco maiores arrependimentos antes de morrer. Assunto já antigo na vida da médica, já que no final de 2011, seus vídeos sobre o tema foram popularizados, bem na véspera do temido fim do mundo de 2012, segundo interpretações do calendário Maia. A teoria dos cinco maiores arrependimentos tem inspiração no livro “Antes de Partir” (Geração Editorial, 2012), da enfermeira australiana, cuidadora de pacientes em final de vida Bronnie Ware.
Seguem os arrependimentos, segundo a Dra. Ana Claudia Arantes.
1)– Eu devia ter feito mais escolhas por mim do que pelos outros.
É comum fazermos escolhas pensando em outra pessoa e não em nós mesmos. Essa atitude parte do pressuposto de que é possível saber o que é melhor para o outro, mas quando essas suposições revelam-se irreais, causam uma frustração muito grande e a sensação de não ser valorizado por decisões que podem ser vistas como sacrifícios. Em geral, a maior parte das pessoas que se tenta privilegiar não pediram para que essas escolhas fossem feitas, e depois não adianta cobrar. Também podemos fazer escolhas para agradar o outro, como uma carência por ser amado e aceito. Elas tornam-se um arrependimento na medida em que não se vê retorno por essas atitudes no final da vida.
2) – Eu devia ter demonstrado mais afeto
Compreende-se afeto não necessariamente como amor, mas sim sentimentos em geral. Nesse caso, seria arrepender-se de não ter demonstrado o que se está realmente sentindo. Pode ser tanto uma emoção boa quanto ruim, como por exemplo deixar claro que não se está feliz. Mostrar afeto é difícil porque ele é necessariamente uma exposição, que vem acompanhada do risco de se machucar. Ao longo de nossa vida, a grande estrutura social, familiar e educacional que nos sustenta diz que devemos nos blindar e não deixar transparecer o que realmente pensamos e sentimos. É o movimento de ficar plastificado perante a vida. Como não aperfeiçoamos nosso modo de expressão dos sentimentos, acabamos sendo toscos e rudes, numa falta de recursos para se expressar.
3 – Eu gostaria de ter trabalhado menos
Há maior arrependimento em relação ao trabalho se ele não trouxer nenhuma possibilidade de transformação da pessoa ou do outro. Se alguém está se condenando a esperar todo dia pelas seis da tarde, depois toda semana pelo happy hour de sexta feira, o ano todo só para ter as férias e a vida inteira para ter aposentadoria, tem alguma coisa muito errada com essa vida. As pessoas trabalham em regime de grande pressão, dificuldade e frustração, em busca de uma aposentadoria. E nem sempre é falta de opção, pode ser uma escolha sem pensar no que vai realmente trazer felicidade. Isso traz arrependimento porque no final da vida não conta quanto dinheiro se tem no banco ou se tem uma casa, uma herança para passar. Conta o que foi feito com o tempo disponível. Isso é o que vai fazer uma pessoa olhar para trás e falar: valeu a pena.
4 – Eu gostaria de ter ficado mais tempo com meus amigos
É comum se arrepender de não ter planejado mais encontros com os amigos. Isso ocorre porque se tem relações mais honestas, mais transparentes e entregues com os amigos do que com a família. Não necessariamente temos possibilidades reais de trocas com a família. Às vezes essa relação é de cobrança, de peso, de fardo, de transformação pelo conflito. Com os amigos podemos nos sentir mais acolhidos e pode não haver o medo de sentir-se frágil na frente deles, por isso há mais liberdade para a busca pelo prazer.
5 – Eu gostaria de ter me feito mais feliz
Esse arrependimento resume os anteriores e fala sobre se colocar em primeiro lugar, pensar em si mesmo e na própria felicidade como uma prioridade. Quando se coloca o trabalho ou a convenção social como prioridade, deixa-se de olhar para a própria vida. Mas é ela que termina. A convenção social não termina, as pessoas sim. E por isso, há o arrependimento de não ter buscado a felicidade. Não no sentido egoísta de ser, mas no sentido de se permitir estar no mundo de uma maneira plena.
Ana Claudia diz que todos os caminhos da vida chegam no mesmo lugar, que é o muro do final da vida. Quando se chega nesse muro, a primeira reação é olhar para trás e ver o caminho percorrido para chegar até ali.
“O final da vida é unanime. Todo mundo vai chegar na morte. Qual caminho você vai escolher é o que vai fazer você ver sentido, ou não, nessa trajetória”, afirma a médica.
Segundo a Geração Editorial, editora brasileira do livro de Bronnie Ware, a enfermeira “nos ensina, por exemplo, que ser quem somos exige muita coragem; que o valor verdadeiro não está no que possuímos; que o que importa é como vivemos as nossas vidas; que podemos fazer alguma diferença positiva; que a vida não nos deve nada, nós é que devemos a nós mesmos; que a gratidão por todos os dias ao longo do caminho é a chave para reconhecer e curtir a felicidade agora; que a culpa é tóxica; que a solidão não é a falta de pessoas, mas de compreensão e aceitação; que é possível inventar vidas e demolir prisões criadas por nós mesmos. Enfim, ao falar da morte, a escritora nos revela que a percepção do tempo limitado pode aumentar a nossa consciência pela vida e nos induzir a tratá-la como uma preciosidade, que, realmente, ela é”.
O site da editora traz uma entrevista com Bronnie Ware. Reproduzo aqui uma das perguntas:
Que lições de vida você ganhou ao trabalhar com os que estão à beira da morte?
“Que no final de sua vida o que as outras pessoas pensam de você é irrelevante. Por que se preocupar com isso antes, então? Viva uma vida boa e amável, mas sempre sendo forte e permanecendo fiel ao seu próprio coração acima de tudo. Sua vida é sua própria escolha. Sua felicidade é sua própria escolha. E no final da sua vida, quando olhar para trás, isso se tornará ainda mais evidente”.
Alguém poderia ver esses cinco tópicos como autoajuda, mas não são uma receita. Fazem parte da tendência de mesclar conceitos de disciplinas diferentes e olhar a vida de forma multidisciplinar. Não há preconceitos. Se a física quântica pode permear um terreno antes da religião, sendo justificativa para muitos relacionarem átomos com fé, uma médica pode usar uma lista de possíveis arrependimentos para falar sobre aceitação de si mesmo e a busca da própria felicidade como parte do processo de envelhecer bem biologicamente. Quando falamos a respeito, parece óbvio, afinal quem não quer ser feliz? A resposta não é tão simples e pela experiência de Ware e de Arantes fica claro que muitas vezes fazemos questão de não ser, e não final da vida essa consciência custa caro.