Pokemon Go pode matar – um caso similar no Brasil

Camila Appel

Aos 16 anos, o carioca Gabriel Leão saiu de casa eufórico com uma descoberta. Descobriu um chafariz lá perto com um portal de um jogo do Google chamado Ingress. Ele poderia ser o primeiro a conquistar o portal e, assim, ganhar pontos para seu time. Como o Pokemon Go, o Ingress é um jogo de realidade aumentada, mistura cenários reais, do dia a dia, com imagens simbólicas – portais no caso do Ingress e monstrinhos fofos no caso do Pokemon Go. Você anda pelas ruas com a câmera do celular ligada mostrando a localização desses itens surreais. Cabeça baixa, vidrada no aparelho.

Gabriel não chegou a conquistar seus pontos. Morreu atropelado por um ônibus, na frente do “Chafariz dos Anjos”.

Esse é um dos riscos de jogos do tipo. O Ingress não teve tanto sucesso quanto o Pokemon Go, por isso, esse tipo de caso não ganhou visibilidade. Amanda Tinoco, a mãe de Gabriel e fundadora da comunidade do Facebook “Mães para Sempre” , diz que nenhum advogado quis representá-la contra a Google, alegando ser impossível vencer a causa. Com a aderência fenomenal do Pokemon Go (já passou o WhatsApp, o Instagram, Tinder e Twitter em termos de acessos entre os americanos), esse tipo de ocorrência será mais comum. Já foram relatados acidentes com usuários tropeçando, caindo em abismos e sendo levados a ruas desertas para assaltos. Aqui no Brasil não há de ser diferente. Assim que o jogo for liberado (ainda sem previsão), veremos casos pipocando com frequência. Para desespero dos pais que não tem como impedir um filho de baixar esse aplicativo em seus celulares e sair por aí numa espécie de caça ao tesouro. Só que a cidade não é um acampamento de férias.

Na entrevista que fiz com Amanda no ano passado, ela me disse:

“Tenho pavor desse jogo (Ingress) e acho que ele pode ser extremamente perigoso. O Gabriel, por exemplo, era um adolescente viciado em games, inclusive de estratégias e conquistas, só que no mundo virtual. O Ingress traz esse mundo para a vida real, mas aqui os agentes só possuem uma vida, entende? Não tem como salvar o jogo, não há continue nem vidas extras… é game over mesmo. Fiquei sabendo que nos Estados Unidos há grupos de pessoas que montam guarita em frente aos portais para vigiá-los, e já houve brigas reais entre as equipes. Acho que para os gamers da geração atual, esse tipo de jogo é mais do que uma distração, é um compromisso, um desafio, uma missão. Eu diria até uma ideologia. Por isso se torna tão perigoso misturar os mundos virtual e o real. Lamento tanto não ter tido tempo para prever os perigos desse jogo. Gabriel o jogou pela primeira vez no domingo, e pela segunda vez na segunda-feira, na ocasião do acidente. Pena que sou uma “formiguinha” tão pequena. Não fosse isso, iria abrir um mega processo contra a Google.”

Eu contei para Amanda sobre os acidentes já registrados relacionados ao Pokemon Go nos Estados Unidos e ela me deu o seguinte depoimento: “Confesso que fiquei extremamente angustiada ao saber sobre o Pokemon Go. Após 2 anos da ausência do Gabriel, já estou bem mais conformada com tudo o que aconteceu, mas ao lembrar do motivo que ocasionou o acidente, reviver aquela tarde do Ingress me deixou muito triste e apreensiva. Lembro-me que almoçamos juntos três horas antes do atropelamento e ele estava muito empolgado com as missões e os portais do Ingress. Eu o adverti rapidamente sobre o perigo de roubo do celular na rua, mas não previ que ele estaria tão comprometido com o seu objetivo como gamer que “esqueceria” que não teria outra chance em caso de acidentes na vida real. Não desejo a dor e o sofrimento que eu e minha família vivemos a nenhuma outra. Vida real não é brincadeira! Não dá para arriscar”.

O Pokemon Go está quase aí. Como uma nova droga para a moçada – vicia, até certo ponto socializa, e coloca vidas em risco.

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