10 condições incuráveis com tratamentos promissores

Camila Appel

Esses dias me deparei com o artigo “10 condições incuráveis com tratamentos promissores” em um site chamado Listverse, que lista 10 coisas de tudo o que você possa imaginar. Sinto uma mistura de preconceito com atração por títulos assim. Mas a verdade é que tudo que vem listado me chama atenção – os 10 títulos mais alugados no Netflix, os 10 alimentos superpoderosos, os 10 qualquer coisa me faz entregar o clique como uma marionete. Dá uma raiva… Uma amiga me disse que listas ímpares são mais eficientes, acho que o Listverse não sabe disso, porque não sai do 10.

Nessa tal lista das condições incuráveis está Aids, câncer, hepatitis C, cegueira, herpes, e… pasmem, em primeiríssimo lugar: o envelhecimento. Parei para pensar sobre isso e realmente não sei se sou a única a achar a situação um tanto bizarra. Será o envelhecimento por si só considerado uma doença? Apesar da minha relação com marcas de expressão no espelho ser bem ambígua, não consigo ver o envelhecimento como uma patologia a ser curada.

Estou lendo um livro (“Confissões do Crematório” – falarei sobre ele em breve) que cita uma frase de Kafka “o sentido da vida é que ela termina”. Para a vida terminar, ela precisa seguir um percurso, uma parábola que sobe e desce no gráfico. O antinatural seria uma vida terminar sem esse caminho, de uma hora para outra, sem o desenrolar de um fim. É a morte trágica de jovens em acidentes de trânsito, suicídios – as mortes consideradas “antes da hora”.

O espaço lento do término, o capítulo final que considera uma “morte iminente” é um presente pouco aproveitado da existência humana. Nele poderíamos planejar nossa morte, nos despedir daqueles que amamos, vivenciar a fase final como uma última e rica experiência da vida e desse campo nos retirarmos com dignidade.

Ah, mas é muito ruim ser velho… preso o dia inteiro numa cadeira na frente da TV, você me diz. É ruim envelhecer nas condições atuais em como a sociedade está estruturada. Tanto em valores quanto em infra. Deixamos os velhos de escanteio há algum tempo. Não há possibilidades de mobilização física para os velhos. Nem no transporte público, nem nas calçadas. Ele não vai se sentir seguro em caminhar por aí e por isso não cogita sair de casa. Quer evitar um acidente ou um xingamento, um olhar torto para “essa lerdeza” que ainda está acabando de atravessar a rua quando o sinal fica verde.

Lembro do geriatra Paulo Camiz me contar sobre seu estágio no Japão. Ele disse ter visto velhos andando por todos os cantos, pois lá eles são respeitados, podem continuar a ter funções, sentirem-se úteis e mais confiantes para existir: “a forma como o motorista de ônibus pisa no freio no Japão é completamente diferente da daqui”, disse. E ainda comentou que o maior medo dos velhos não é a morte, mas sim a solidão.

Até a palavra velhos é pouco usada no Brasil. O politicamente correto é falar em idosos, terceira idade, os mais experientes, enfim. Se jovens são chamados de jovens, porque velhos não podem ser chamados de velhos?

E se a velhice é uma fase muito solitária, somos nós que a fazemos assim. Antigamente não era. As pessoas morriam dentro de casa, em um evento testemunhado por todos. Os próprios velórios eram domiciliares e duravam horas. Não havia essa pressa para descartar um morto. Acredita-se que o corpo morto transmite doenças, mas não é verdade (apenas em casos raros de doenças contagiosas). Essa pressa em se livrar de um cadáver é cultural. Hoje os velhos estão alinhados em hospitais por motivos práticos. Ganharam um ambiente esterilizado, limpo e cheiroso só para eles. Ainda há o receio de se encostar numa mão moribunda, como se a velhice não fosse só uma doença, ela fosse uma doença contagiosa.

Não me parece que é a velhice que deva ser curada, mas sim o pavor que sentimos dela e a forma grotesca como nos comportamos diante da tendência mundial do envelhecimento das sociedades, achando que o que não vemos, não nos atinge.

Quer saber mais sobre o assunto? Recomendo: Por quantos anos deveríamos viver, e a categoria “envelhecimento” do blog.

Atualização em 5 de agosto:

Recebi um e-mail de João Manoel Pedroso e achei pertinente coloca-lo como complemento ao post. João Manoel é médico e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele é doutor em cardiologia e, atualmente, chefe do serviço de cardiologia do hospital universitário Clementino Fraga filho – UFRJ. Segue seus comentários ao post.

“Houve uma mudança na estrutura e padrão da famílias no Brasil e isso também ocorreu em muitos países. No passado, os filhos ficavam cuidando dos velhos e, em algumas culturas, um filho tinha até esta missão. A estrutura familiar estava ajustada para cuidar e respeitar aquele que tinha maior experiência. Com o passar dos anos, criou-se a ideia de que sair de casa cedo e romper os laços familiares é a melhor ideia de sucesso e liberdade. De fato, não sei como isto irá evolui mas os jovens estão acabando como as suas vidas na velhice… Outro ponto, é o atual padrão de beleza em que a ideia de ser jovem para sempre está cada vez mais forte. Quem sabe até a ideia de imortalidade passou a prevalecer. Muitas pessoas seguem infelizes fazendo um monte de dietas, tratamentos de beleza ou até cirurgias em busca de algo impossível, assim ficando cada vez mais distantes do que seria o seu Adonis de ser (temos até uma síndrome de Adonis descrita –  Vigorexia). Do mesmo modo, se distanciar do velho é uma forma de manter-se distante da constatação do proprio envelhecimento. Também é revelante observar que a expectativa de vida aumenta rapidamente. No Brasil, estamos em 74.5 anos e em países desenvolvidos acima de 82 anos. A pirâmide etária no Brasil se trasnformará brutalmente em 20 anos. Ou seja, teremos um pais bem mais velho e isso tem um monte de impactos, inclusive econômicos. Por exemplo, terapias para garantir mais 3 meses de vida com quiomerápicos de ultima geração precisarão ser discutidas se são custo-efetivas. Ou, seja, o sistema de saúde também se  tornará inviável se o uso desenfreado pela alta complexidade persistir e ao mesmo tempo não entendermos que investimentos em mobilidade, cuidados paliativos e visão mais humanista da vida e da sociedade precisa ser feita. Infelizmente este tipo de ação, temo eu, só ocorrerá quando o limite orçamentário chegar, e na saúde, creio eu, já chegou há alguns tempo…. mas a maioria ainda não percebeu”.

Vídeo: envelhecimento do Brasil:

https://www.youtube.com/watch?time_continue=17&v=PoxndG1Yyd0