“Antes de morrer eu quero…”

Camila Appel

Lousas gigantes espalhadas pelo mundo convidam o público a completar a frase “antes de morrer eu quero…”.  As respostas variam, mas algumas são semelhantes, em diferentes línguas: “antes de morrer eu quero me amar”, “eu quero viajar”, “eu quero viver intensamente”, “eu quero mudar meu jeito de ser”, “eu quero aprender uma língua nova”, “eu quero ser avô”, “eu quero realizar todos os meus sonhos”, “eu quero pedir perdão”.

O geriatra André Filipe Junqueira conheceu essa iniciativa em um congresso americano de cuidados paliativos, sua especialidade. Ficou fascinado ao ver pessoas amontoadas ao redor de um painel preto para escreverem o que elas gostariam de fazer antes de morrer, de forma sincera e à vista de todos ao redor.

O projeto foi criado pela artística plástica norte-americana Candy Chang. Em 2011, Candy perdeu uma amiga e buscou transformar a dor desse luto em um momento de reflexão. Ela encontrou uma casa abandona em sua cidade, New Orleans, montou um quadro-negro gigante com a ajuda de amigos e escreveu a frase “Antes de morrer, eu quero _____”. A aderência dos moradores do bairro foi imediata e surgiram muitas frases comoventes, divertidas e inesperadas. Um vídeo da artista sobre o projeto pode ser visualizado nessa palestra do TED.

O movimento criado por Candy cresceu e foi reproduzido mundo afora, inclusive no Brasil. O objetivo é sempre o mesmo: estimular as pessoas a refletirem sobre suas vidas. As respostas podem ser visualizadas no site do projeto “Before I Die”. Lá também é possível acessar as orientações para criar um mural em sua cidade.

André considerou que essa simples iniciativa poderia causar um impacto muito positivo em ambientes como o hospital, por ser um espaço que dá pouca voz ao paciente. “Infelizmente, muitos médicos não querem se envolver com os pacientes, eles não querem ouvi-los”, diz. “Por mais que o tratamento dos sintomas físicos possa ser plenamente atingido em hospitais, muitas vezes, os sintomas emocionais, espirituais e sociais são negligenciados e o tratamento para a pessoa doente e sua família é incompleto, apesar da equipe médica acreditar que tudo está sendo feito. E conversar sobre desejos e visões de vida em situações de doenças sem cura permite alcançar um tratamento completo”, complementa.

André pretende replicar a lousa em instituições de saúde como uma forma de iniciar uma conversa sobre a morte, abrir um canal de comunicação e uma possibilidade de reflexão sobre a vida. “A morte é mais um passo da vida. O antes de eu morrer valoriza muito mais a vida do que pensar na morte em si. É ver a morte como um ponto na vida e não como o sentido final dela”.

O debate sobre o morrer não seria apenas voltado para pacientes, mas também para os profissionais de saúde. “Pode parecer contraditório, mas a realidade é que não se fala sobre morte no hospital, nem na faculdade, de maneira ampla. Geralmente, são comentários pessoais, desabafos, um médico chegou a me dizer que esse tipo de quadro não caberia em um hospital justamente por haver pacientes terminais ali”. O que não parece fazer sentido, porque não é falar sobre a morte que vai atrai-la ou fazer você morrer mais cedo.

A geriatra Ana Claudia Arantes diz ser imaturidade acharmos que se não vemos a morte, ela não está lá. “As pessoas que não gostam de falar ou pensar sobre a morte são como crianças brincando de esconde-esconde numa sala sem móveis. Elas tapam os olhos com as mãos e acham que ninguém as vê. Pensam de um jeito ingênuo: se eu não olho para a morte, ela não me vê. Se eu não penso na morte, ela não existe”, escreve no livro “A Morte é Um Dia Que Vale A pena Viver” (ed. Casa da Palavra), com lançamento previsto para hoje, terça-feira (30), na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, com apresentação minha.

Convido o leitor a me responder nos comentários desse post: O que você gostaria de fazer antes de morrer?