“Esperar o melhor e se preparar para o pior”- depoimento sobre o furacão Matthew
O furacão Matthew fez o presidente norte-americano, Barack Obama, declarar estado de emergência no país. E o governador da Flórida, Rick Scott, pedir para 1,5 milhões de pessoas deixarem suas casas. Os Estados Unidos vivem um clima de pânico. O furacão invoca o medo da morte, um medo que alimenta cenários desastrosos na mente e impulsiona o consumo, como bem descreve Bianca Gandra, brasileira que está de férias em Orlando, nesse depoimento enviado ao blog.
DEPOIMENTO – “Esperar o melhor e se preparar para o pior”. Por Bianca Gandra
“Esperar o melhor e se preparar para o pior. Nenhuma frase descreve tão bem a forma de ser do americano. Super preparados, super responsáveis e super dramáticos.
Eu estava tranquila até ir ao mercado. Sabíamos do furacão, mas até então pensávamos que só teríamos que comprar comida e água para passar um dia em casa. Quando eu a minha amiga chegamos no mercado, percebemos o quão alienadas estávamos, ou então, o quanto alarmados estavam os americanos. Até então, nossa maior preocupação era perder o fast pass (um fura-filas) do novo brinquedo da Elza. Não tinha mais água, pão e queijo. As filas estavam enormes e as pessoas dos caixas falavam que tínhamos que nos preparar, ir para casa e salvar nossas vidas.
O pior foi conversar com essas pessoas, cada uma com uma história diferente, e cada conselho aumentava meu medo. Segundo elas, a casa onde estou hospedada poderia: inundar, destelhar, quebrar as janelas, o carro poderia voar, ou seja, todas aquelas cenas que só vemos em filme poderiam acontecer comigo dentro de algumas horas. Desesperei. Se o furacão continuasse de nível quatro de força e viesse direto para Flórida central seria um desastre, e ninguém sabia se isso aconteceria.
Pode inundar, sim; pode destelhar, sim; pode desabar, sim; pode ficar dias sem água e luz, sim; tudo depende da força e direção do furacão, que é totalmente imprevisível e incontrolável. Estávamos a mercê da natureza.
Bom, nos preparamos como podíamos: enchemos o tanque do carro; compramos comida e água sabor limão (a única que tinha no mercado) para vários dias. Enchemos a banheira de água (caso a água fosse cortada); compramos lanternas e pilhas; colocamos toalhas e almofadas nas portas para não passar água; tiramos todos os enfeites dos móveis; fizemos nossas malas caso precisássemos sair às pressas em um plano de evacuação (vai saber…). Tiramos os móveis das varandas dos vizinhos; colocamos o carro dentro da garagem (nunca antes usada) para ouvirmos o rádio caso a energia acabasse; trocamos de quarto para um mais protegido, depois de pensar muito sobre qual seria o mais protegido: o do primeiro andar, que poderia inundar, ou o do último andar, que poderia destelhar? Resposta correta: não há. Pensamos seriamente em colocar o colchão e comprar silver tape para as janelas, mas percebemos que se chegássemos a esse ponto, as janelas seriam o de menos.
Estavamos preparadas? Dentro do possível sim…Isso resolveria? Não sei. E ninguém sabia. Porque se chegasse mesmo um furacão nível quatro na nossa direção (que era a previsão), seria uma catástrofe.
O que vem a cabeça? Todos os filmes hollywoodianos de desastre natural. Você só pensa em se preparar para o pior, e aquilo vai crescendo dentro de você e você vai surtando com as possibilidades. Pensei seriamente em ir para um abrigo. Não faço ideia de como é, mas o cenário de ficar sozinha com uma amiga em uma casa incomunicável, vendo um furacão pela janela (isso se a janela aguentasse) me parecia pior.
Tinha um show de horror na minha cabeça e a mídia só vai piorando o sentimento. Ficam falando: se protejam, salvem suas vidas, quem estiver na rua vai preso. O presidente aparece falando: “vocês ficarão sem luz, ficarão sem água, saiam das ruas, preparem-se, salvem suas vidas”.
Estar diante de uma situação tão crítica, incontrolável e imprevisível mexe com muitos sentimentos. Pensar na família? Dou graças a deus de estar sem ela nessa situação, de só ter que salvar a mim mesma e minha amiga, caso algo acontecesse.
Finalmente a noite chegou e o furacão baixou para nível três e não veio direto na nossa direção como estava previsto antes (ufa), então foi bem mais tranquilo do que já tínhamos vivenciado na cabeça. Ainda mais porque não ficamos sem luz nem àgua.
O pior já passou. Agora só temos que esperar acabar o toque de recolher para finalmente poder voltar para casa. É o que eu mais quero”.