A floresta dos suicidas
Estamos no Japão, a 160km de Tóquio, na base do monte Fuji. Uma floresta chamada Aokigahara, também conhecida como “mar de árvores” ou “floresta dos suicidas” se estende por 35km2. É um labirinto de raízes de árvores altas cobertas por vegetação rasteira. Mal se escuta um ruído. A densidade das copas, que impede o vento de entrar, e a falta de animais selvagens, traz um silêncio perturbador. Uns dizem que lá se vai para refletir sobre a vida e a morte. De fato, há sinalizações nas árvores, como fitas coloridas, para a pessoa retornar caso dessa reflexão decida pela vida. Grupos de policiais e voluntários percorrem periodicamente a mata em busca de corpos – encontrados enforcados, pendurados por cordas.
Na década de 80, cerca de 30 pessoas se matavam anualmente na floresta. A partir dos anos 2000, o número passou dos 100 e o governo japonês parou de emitir informações oficiais com receio de contribuir para a fama do local e estimular seu “turismo” da morte. Placas em inglês e japonês foram espalhadas entre as árvores tentando desestimular o suicídio.
Mesmo assim, Aokigahara é tida como o segundo maior ponto de suicídio do mundo. O primeiro, a Golden Gate em São Francisco (EUA) tem até telefones espalhados pela ponte que direcionam a atendentes capacitados em prevenção do suicídio. Em palestra no TED, um guarda rodoviário da ponte diz que a maior ferramenta de prevenção é o ouvido. Conta ter feito pessoas desistirem porque “foram escutadas”. Em Aokigahara, essa não é uma opção. A partir de um ponto específico, há uma sinalização de “não entre” e ali é difícil encontrar outro ser perambulando.
Um filme americano imaginou o cenário de dois potenciais suicidas se encontrando nessa floresta e mergulhando em uma jornada interior juntos para desistirem do ato, com reflexões e tal. É o “The Sea of Trees” (O Mar de Árvores, em tradução livre), dirigido por Gus Van Sant, com Matthew McConaughe e Naomi Watts. Infelizmente, ele teve críticas ruins e foi vaiado em seu lançamento em Cannes no ano passado. Ainda não há data de lançamento definida no Brasil
A publicação de um livro na década de 60 contribuiu para o estigma de Aokigahara. O romance “Kuroi Jukai” (Mar Sombrio das Árvores), do autor japonês Seicho Matsumoto, termina com dois amantes se suicidando lá. O local sempre foi associado à morte e a lendas de demônios e espíritos malignos da mitologia japonesa, mas esse livro é tido como importante marco para a fama da floresta como um ponto reconhecido para esse fim.
Outro caso em que a literatura se tornou referência nesse sentido foi em “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774), de Goethe. Na época de seu lançamento, provocou uma onda de suicídios de jovens que imitaram o protagonista do livro, o jovem Werther, que se mata com um tiro na cabeça devido a uma frustração no amor (Charlotte estava noiva de outro homem…). O efeito Werther – como é chamado o efeito do suicídio por imitação e a justificativa utilizada pela mídia para não divulgar detalhes sobre o suicídio de celebridades – vem daí.
O novo livro do autor português Valter Hugo Mãe “Homens Imprudentemente Poéticos” (Ed. Biblioteca azul, 2016) inspira-se em Aokigahara. A narrativa ocorre no Japão de uns 150 anos atrás, em torno de Itaro, um artesão que prevê o futuro abrindo insetos, usando o “exato instante da morte do bicho” e o oleiro Saburo, um personagem trágico que fica refém do sofrimento. Os vizinhos e inimigos moram perto da floresta. A irmã de Itaro, cega (conforme ele mesmo previu), não pode ver os corpos pendurados nas árvores. Itaro descreve os corpos pendurados nas árvores para a moça: “São frutos gordos, flores imensas, coisas verdes que a floresta derrama.”
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OBS: esse post foi atualizado para corrigir um erro de gramática.