O luto de Lula

Camila Appel

“- Todos os que eu amava já se foram… e isso dói terrivelmente.

– Eu posso fazer esse sentimento desaparecer, se você quiser.

– Por que eu iria querer isso? A dor, as saudades, é tudo o que me restou deles… Você acha que a dor o fará menor por dentro, fará seu coração partir, mas não é verdade. Eu sinto espaços que vão se abrindo dentro de mim… como um prédio com salas que eu nunca explorei”.

O diálogo acima é de um episódio da série Westworld, veiculada pela HBO. A robô Dolores descreve para Bernard – um assistente de seu criador, o luto. Acho interessante aprofundar esse diálogo. A dor do luto aperta bem forte, assim como a da angústia. Ela passa a sensação de nos fazer menor por dentro. E por um momento, pensamos que nosso coração não dará conta. Ele vai entrar em colapso, ele vai partir.

Só que o luto não é doença, ele não causa infarto e não mata. Pelo menos não segundo a medicina. Parece senso comum dizer que a dor engrandece. Dolores indica isso quando ela se admira com os sentimentos que surgem dentro dela, sejam eles felizes ou tristes. São essas salas inexploradas. É uma visão otimista do luto. Já que a dor é inevitável, melhor enxergá-la dessa forma. Como uma experiência do que significa ser um humano.

Não acho que há necessariamente um engrandecimento. Cada um reagirá ao choque da forma que melhor convém. Somos feitos para sobreviver, vamos nos adaptar e seguir em frente. Se uma pessoa precisa se agarrar à familiaridade, à zona de conforto, para superar o luto, ela assim irá fazer. Outros, vão se reinventar completamente, questionar até a unha do dedão do pé. São dois extremos de um abismo.

Em tempos de discussões sobre o tal pós-humano e a união entre inteligência artificial e a orgânica, é muito bem-vindo certo otimismo. Quem sabe um dia teremos que perder a morte, a dor e as reflexões que ela traz, para só assim valorizar a finitude.

É no luto que muitas pessoas realmente se abrem, dizem o que pensam, mostram quem são. Nela, tudo toma proporções enormes, a sensibilidade da opinião pública não perdoa a falta de compaixão, e em alguns casos como o de políticos, não perdoa a própria compaixão.

Lula perdeu sua esposa, sua companheira de vida e de carreira. Ele usou a dor do luto, preencheu essas salas inexploradas, com aquilo que era mais familiar e provável: com palanques, com discursos, com chamados para a união e apontamento de dedos.

Oras bolas, ele passou a vida toda fazendo isso ao lado de Marisa, não me parece surpreendente ele seguir com esse script interno mais uma vez. Sua zona de conforto é essa. É ali. Foi buscar um ritual que cabia nesse espaço. Na dor, ele optou pelo familiar. Lula segue seu modus operandi para continuar vivendo.

Ainda bem que não chegamos ao ponto de sermos todos robôs, capazes de pedir para alguém simplesmente neutralizar a dor. De uma hora para outra, somos surpreendidos pelo choque da perda, pelo sumiço repentino de alguém tão próximo. Desaparece nossa referência, nosso chão, e as arestas. Uma forma natural de reagir é fazer aquilo que sempre fizemos. Podemos seguir nossos próprios padrões, mas sempre com certo grau de incoerência. Todos nós.