Você é normal?

Camila Appel

E aí, você é uma pessoa… normal? Você se considera típico, mediano, adequado? Você estaria na média de uma curva estatística? O que é uma pessoa normal, afinal de contas?

Às vezes me questionam se eu sou uma pessoa normal, por ter um blog que fala sobre morte. Não tenho dúvidas de que o conceito de normalidade é uma construção histórica e social. O normal muda conforme a cultura e o tempo em que estamos inseridos. Mas, no fundo, é na minha opinião, uma definição que deveria ser abolida.

Poucas pessoas responderiam que são normais. Mas se invertermos a pergunta para “de zero a dez o quão esquisito você é?” a maioria chutaria um número. Nos sentimos estranhos, quase sempre. Somos um pouquinho bizarros, temos manias um tantinho bizarras, e às vezes brota um sentimento que não seria muito bem aceito se compartilhado e quase sempre vem à cabeça um pensamento “fora da caixinha”.

Na medicina, o conceito de normalidade é tido como necessário. Um exame de sangue diz se a contagem das coisas todas que ali existem estão dentro da faixa esperada para um indivíduo de determinado sexo e idade. Se estão fora da faixa normal, os médicos investigarão a causa disso e chegarão a um diagnóstico. O corpo que foge dessa faixa de normalidade é considerado doente.

Esse conceito pode ter derrapado para áreas que não o pertencem e daí passamos a considerar doentes aqueles que não se encaixam na faixa do que é socialmente aceito. Até a homossexualidade já foi considerada doença pelo próprio Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM. Até 1973, estava no grupo da pedofilia, necrofilia e zoofilia. Os gays não eram só socialmente anormais, eles eram também vistos como doentes.

Nesse sentido, podemos acabar transformando em patológico o que não deveria. A pedofilia e o assédio não podem ser considerados anormais.  O portador de um distúrbio mental não é anormal, ele é doente. Uma pessoa com depressão crônica não está anormal. Ela está doente.

E o que passa pela nossa cabeça para categorizarmos algo como normal ou não? Artigo recente publicado no “Journal of Cognition” argumenta que as pessoas combinam um senso do que é típico com o que é ideal na hora de definir a normalidade. Seria uma mistura de noções estatísticas com conceitos morais.

Em reportagem do “New York Times”, os pesquisadores comentam:

“Nosso achado principal pode ser ilustrado com um simples exemplo. Se pergunte: qual é a média de horas que uma pessoa vê TV em um dia? E depois se faça uma pergunta que pode parecer muito similar: qual é a quantidade normal de horas de TV que uma pessoa vê por dia? Se você for como a maioria dos participantes da nossa pesquisa, não dará a mesma resposta para as duas perguntas. Nossos participantes falaram que o número médio era de quatro horas, enquanto que o normal era de três horas. Adicionalmente, eles falaram que o número ideal seria de 2,5 horas. Isso tem uma implicação muito interessante. Sugere que a concepção de normalidade deriva do normal para o que eles acham que deveria ser”.

A pesquisa indica que o ser humano tem duas formas de pensar. De um lado, consideramos como as coisas tipicamente são. Do outro, como elas deveriam ser. E o conceito de normalidade seria uma mistura desses dois, em um julgamento aparentemente instintivo.

Uma consequência importante é que começamos a considerar mais normal aquilo que está cada vez mais frequente. É a tal da normalização. Ela tem um lado bom, como ser cada vez mais aceito o casamento gay conforme aumenta em frequência, e um lado ruim, como as ações racistas de Trump passarem a ser consideradas normais, conforme aumentarem em frequência.

A famosa expressão, já atribuída a tanta gente, “de perto ninguém é normal” indica que de longe parecemos ser todos mais ou menos iguais e, de perto, mostramos nossas peculiaridades. Mas nem de longe somos normais. Ninguém é normal sob nenhuma possível perspectiva. Porque o ser normal não existe.