Como ter uma morte melhor

Camila Appel

Capa da “The Economist” dessa semana traz o título “How To Have a Better Death” (Como ter uma morte melhor) e o subtítulo “Death is Inevitable. A Bad Death is Not” (a morte é inevitável, a morte ruim não é).

Assunto muito presente aqui no blog, a reportagem da revista debate sobre o que seria considerado uma boa morte. “Distanasia” é um termo usado no Brasil para indicar uma morte que é prolongada com os recursos presentes na medicina moderna. “Ortotanasia” seria uma morte mais natural, sem esse prolongamento que muitas vezes traz mais sofrimento ao paciente do que benefícios. A morte mais natural é, normalmente, relacionada ao que se costuma dizer com “uma boa morte”.

Uma pesquisa mencionada na matéria indica que a maior parte das pessoas deseja morrer em casa, rodeada por familiares e amigos, sem intervenções da medicina. Um post publicado aqui “É melhor morrer em casa ou no hospital?” menciona que a situação brasileira não facilita esse contexto.

Nem sempre é possível levar um paciente para sua casa, pelas dificuldades de um home-care, de assistência de enfermeiros, cama hospitalar e medicamentos. Sem esses recursos, uma morte pode ficar mais sofrida, mesmo que siga seu curso mais natural. Isso só quer dizer que a decisão não é tão simples assim. Principalmente no Brasil, onde a área de cuidados paliativos é tão incipiente.

Não temos, como há na Inglaterra, por exemplo, equipes suficientes de cuidados paliativos que façam atendimentos em casa. E isso é um detalhe até. Cuidados paliativos não é reconhecido como uma especialidade médica (é uma área de atuação). E, muitas vezes, se coloca como uma filosofia profissional dentro do movimento hospice (entenda o movimento nesse link). A médica paliativista Ana Claudia Arantes, me disse, por exemplo, que nos cuidados paliativos o paciente é visto como uma pessoa e não como uma doença. Essa forma de enxergar o paciente, como um ser com demandas psicológicas, emocionais, espirituais, além das biológicas, faz parte do pensamento paliativista.

Por esse motivo, falar que é melhor morrer em casa é mais desafiador em um contexto como o nosso. Pode ser, sim, melhor. Mais pacífico, mais de acordo com o modo como essa pessoa viveu sua vida, com sua identidade. Só que a discussão é mais profunda, e com certeza passa pelo fortalecimento dos cuidados paliativos como uma área reconhecida.

No Brasil, também não temos licença profissional a familiares para cuidar de parentes terminais em casa. Outros países como Canadá, Holanda, Noruega e Suécia, por exemplo, desenvolveram programas sociais semelhantes à licença-maternidade para oferecer suporte às famílias que querem cuidar de seus parentes no final da vida.

Morrer na UTI é, muitas vezes, tido como uma morte ruim. Trata-se de um ambiente estressante, no qual um quarto dos pacientes sofrem transtornos pós-traumáticos até um ano após a internação. Teríamos as mesmas chances de sofrer estresse pós-traumático na UTI do que se tivéssemos ido à guerra ou sofrido um estupro (leia em “Um Som para a UTI”).

Vivemos em uma cultura que dissemina o pensamento de que devemos “lutar contra a morte”. Não são apenas os médicos que pensam assim. Os familiares também. E cobram os médicos para fazerem tudo a seu alcance para aumentar dias de vida, mesmo que signifique prezar pela quantidade ao invés de qualidade.

Influenciados pelo tabu da morte, pela falta de discussão presente nesse país, e de suporte, muitos doentes têm medo de se tornar um fardo para as famílias, e consideram normal, e até preferível, irem para um hospital, onde darão “menos trabalho”.

Nesse sentido, os médicos paliativistas possuem capacitação em um item fundamental: a comunicação médico-paciente. Isso significa não apenas saber dar notícias ruins aos doentes, mas também conversar com o paciente sobre seus objetivos, seus sonhos, se gostariam de presenciar algum evento, como o batizado de um neto. Tratá-lo, enfim, como um ser VIVO. Um ser que está morrendo não pode se transformar em um ser invisível. É um terror olhar para o paciente dessa forma.

Um ponto que eu acho fundamental ressaltar é termos muito cuidado ao definir uma morte como ruim ou como boa. Agora que finalmente começamos a discutir esse assunto, não podemos correr o risco de definir novas regras sobre o certo ou errado. O que é necessário, sim, é termos possibilidade de escolha. Algumas pessoas podem optar por tratamentos invasivos a exaustão, mesmo que signifique pouco resultado. Outras, não. É comum discutirmos como deveríamos nascer, com ou sem cesárea, com ou sem anestesia, em casa ou no hospital. Faz sentido passarmos a fazer o mesmo com o processo de morte também.

Recomendo a categoria: cuidados paliativos para saber mais sobre “a boa morte” e o movimento hospice. E “ajuda médica para morrer”.