Matar ou morrer, a cultura da polícia militar no Brasil

Camila Appel

O protestos realizados na tarde desta quinta-feira (24), contra o presidente Michel Temer, voltaram a desencadear uma imagem recorrente no noticiário brasileiro: a de uma polícia fria e violenta. Há poucas semanas, eram as fotos da agressão ao estudante Mateus Ferreira, em Goiânia. Na manhã de ontem, ações na cracolândia e, hoje, temos o emblema de um policial atirando diretamente contra manifestantes no Palácio do Planalto.

Em meio a esse noticiário, Rafael Alcadipani, pesquisador da EAESP-FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e um dos maiores especialistas na questão atualmente, abriu ao blog “Morte Sem Tabu” os bastidores de como esses homens são estimulados à violência.

Alcadipani descreve uma rotina massacrante, em que policiais vivem sob péssimas condições de trabalho e constantes ameaças de morte, já que muitos são mortos apenas por carregarem a farda. O policial também luta contra um estigma ruim da sua profissão. “O polícial não é bem visto no Brasil. A presença constante com criminosos, estupradores e homicidas gera um estigma que afeta estes profissionais”, diz.

Um apontamento importante é que, entre os policiais, há muita ansiedade e depressão. Como ganham pouco, a grande maioria faz bicos em segurança privada, shoppings, casas, escoltas, etc. E acabam exaustos e impacientes.“A maior parte está endividada. Eles têm psicólogos, mas ir na psiquiatria é suicídio moral”, comenta o pesquisador. O que os levaria a um sentimento maior de isolamento, reforçando suas atitudes violentas.

Alcadipani afirma que a polícia militar brasileira está entre as que mais mata no mundo. É uma atitude justificada como “resistência seguida de morte”. A impunidade acaba influenciando, “se o caso chegar ao júri, é comum serem absolvidos diante da ficha criminal daquele que foi morto”. Ele diz que “a sociedade incentiva que ele mate, mas no final das contas ela abandona o policial que tem que tirar comida da sua família para pagar os altos custos dos advogados”.

Além disso, o policial militar que mata é bem visto dentro das sub-culturas da corporação. Ele é chamado de “Billy”. Dentro dessas sub-culturas das PMs, os colegas reforçam informalmente que ele tem que matar, que ele tem que bater para ser respeitado ali dentro. “Para ser visto como macho, o policial  militar precisa humilhar”, aponta Alcadipani.

O especialista também diz já ter escutado falarem que “matar é como trair, quando você começa, você não para mais”. A atitude envolveria um sentimento de onipotência, “eles sentem pouca culpa, mas se sentem deuses, porque na nossa civilização ocidental, quem tira a vida é Deus”. Outra frase marcante é: “não fui eu quem matou, eu só apertei o gatilho, quem tira a vida é Deus”. Muitos PMs se sentem como os “vingadores da sociedade”, os que irão livrar “a sociedade de todo o mal”.

Um possível mecanismo para melhorar essa situação, segundo Alcadipani, seria a mudança das culturas das PMs. A polícia civil, por exemplo, não teria esse comportamento, ao passo que a militar sim, como uma herança da ditadura que é reforçada internamente.

E o desenvolvimento de uma política pública eficaz, que possibilitasse uma mudança de paradigma na nossa sociedade, que hoje vê a criminalidade como um problema individual. “Uma consequência disso é a ideia de que o criminoso é uma pessoa do mal que deve ser combatida individualmente, levando os policiais militares a entenderem seu papel como justiceiros da sociedade, aqueles que resolvem os problemas com as próprias mãos. A sociedade acredita no mito de que matar resolve. Não que o criminoso não precise ser punido, mas pela lei e não pela vingança”, comenta o pesquisador.