O bigode de Dalí: milagre ou ciência?

Camila Appel

 

O mundo ficou pasmado com a notícia da exumação de Salvador Dalí. Não pelo fato em si, apesar de alguns até considerarem o ato desrespeitoso, mas pelo famoso bigode que permanecia intacto, na posição dez horas e dez minutos.

O objetivo da ação foi recolher material genético do pintor para averiguar a paternidade de Pilar Abel. Se confirmada, ela será sua única filha conhecida e herdará 25% do patrimônio, hoje nas mãos do Estado espanhol, herdeiro universal designado por Dalí.

Muitos duvidaram da notícia, como é que um bigode fica intacto por 28 anos? Porque seu corpo foi embalsamado. E o que é isso?

Uma tanatopraxista responde: Segundo Nina Maluf, isso é possível por causa do produto utilizado na época. Usava-se o formol puro, que é dez vezes mais forte do que produto utilizado hoje. Era uma opção principalmente para pessoas famosas, que tinham velórios longos e públicos, porque o formol na sua composição pura, conserva o corpo por mais tempo, retardando o processo de decomposição.

Quatro cortes de entrada nas artérias garantiam que o produto se espalhasse por todos os vasos sanguíneos, inclusive os do rosto. Tanto o cabelo quanto a pele ganhavam um aspecto de couro ressecado e permaneciam íntegros por muitos anos. Nesse caso, quase trinta anos. Nesse processo, as vísceras continuam se decompondo normalmente, mas a pele fica com esse aspecto de couro, como uma carcaça.

Nos embalsamamentos de hoje, não se usa mais o formol puro, porque ele é muito tóxico para quem o manipula, e para o lençol freático.

Essa técnica surgiu na década de 30 para preservar os soldados mortos durante a guerra e garantir que chegassem para suas famílias fazerem o enterro.

Hoje, o principal objetivo continua sendo esse. O embalsamamento é obrigatório em transportes que passam de 250 km, em São Paulo – mas essa lei varia de Estado para Estado. Quando o corpo passa pelo IML (Instituto Médico Legal), como ocorre em mortes suspeitas ou violentas, também é obrigatório o embalsamamento.

Menos morto

A tanatopraxia é um procedimento menos invasivo, que também serve para conservação, mas não se abre o corpo no procedimento. Ela é usada em velórios estendidos e para fins estéticos, porque o corpo fica menos rígido, com uma aparência mais natural.

Essa aparência menos morta tem a seguinte explicação: “quando a pessoa morre, o cálcio dos ossos se desloca para a musculatura, por isso a rigidez. O produto da tanatopraxia auxilia para que seja possível movimentar o corpo, ele fica um pouco mais maleável”, descreve Nina.

Um dos motivos mais importantes da tanatopraxia é a assepsia do corpo, para o contato da família. Segundo Nina, o procedimento torna o corpo mais higiênico e o velório mais seguro.

As condições do corpo também contribuem para um bom embalsamamento, porque as artérias obstruídas dificultam o transporte do produto conservante.

Ou seja, não tem nada de milagre no bigode intacto de Dalí. Essa é uma possibilidade, e é totalmente explicada pela ciência. Mas talvez ele discordasse.

Relembrando Dalí: segue o curta “Um Cão Andaluz”, sua parceria com o diretor Luis Buñuel.