Relato: um Dia dos Pais sem pai

Camila Appel

A assistente social Marina Rocha Toledo Piza, 25 anos, escreveu ao blog para compartilhar um depoimento sobre a morte de seu pai. “Desde que meu pai morreu, muitos amigos também passaram por situações parecidas e sempre vieram me procurar, me sinto quase que na obrigação de ajudar outras pessoas e enfrentar essa fase tão complicada”, introduz Marina. Ela mora com a mãe e com o noivo, trabalha em um hospital e pretende, um dia, estudar mais sobre cuidados paliativos. Segue seu relato:

“A arte da felicidade é também a arte de sofrer bem. Quando aprendemos a reconhecer, abraçar e compreender nosso sofrimento, nós sofremos muito menos. Mais que isso, podemos ir além e transformar nosso sofrimento em compreensão, compaixão e alegria para nós mesmos e para os outros”.

Thich Nhat Hanh

Nossa história

Eu sou filha única, e sempre me perguntaram se eu sinto falta de ter um irmão. Minha resposta sempre foi NÃO. Claro que ter um irmão parceiro deve ser maravilhoso, mas eu sempre um tive um pai muito amigo. Meu pai preenchia vários espaços na minha vida. Ele nunca permitiu que nada me faltasse, não só falando de coisas materiais, mas também falando de preencher os espaços do nosso coração.

Vivemos juntos por 22 anos, e hoje ele vive em mim através das lembranças, e de uma tatuagem que fiz na perna; é uma linha do tempo com datas que representam nossa história.

E se eu partir

Em Janeiro de 2014 a morte chegou à minha vida. Sem muito aviso, sem carinho, e com bastante pressa. Meu pai, que até então era saudável, de repente, foi diagnosticado com câncer de estômago, já com metástase, e em estágio bastante avançado. Nada doeu mais do que essa notícia.

Recebemos o diagnóstico dia 27 de Janeiro de 2014, e em 01 de Março de 2014 ele partiu. Nesse pequeno intervalo eu completei 22 anos, no hospital, sentada ao lado da cama que ele estava.

Quando eu soube que meu pai estava em estado terminal, minha primeira pergunta foi em relação ao tempo. Quanto tempo ele ainda teria de vida? Essa é uma pergunta impossível de responder.

Esse pouco tempo que tivemos para nos despedir, eu considero como um verdadeiro presente da vida. Meu pai pôde rever pessoas queridas, esteve cercado de quem o amava, e me deu tantos conselhos. Lembro como se fosse hoje ele dizendo “Má, cuida bem da sua mãe. Ela é uma pessoa muito boa”.

Eu, completamente engasgada e morrendo de medo, só consegui dizer “Eu vou cuidar, pai. Nós vamos ficar bem”.

Nós passamos a vida querendo adiantar o tempo, como se o futuro fosse a certeza absoluta da felicidade. Vivemos a segunda esperando a sexta, quando chega em agosto queremos logo o fim do ano, e quando acordo para ir trabalhar já penso no fim do dia.

Quando uma morte inesperada acontece, nos vem sempre à sensação de que a vida passa muito rápido, e nos damos conta de que o que realmente vale é o que temos hoje.

Lembro-me de um dia em que a psicóloga que acompanhava meu pai, e nos acompanhava, me perguntou se eu havia me dado conta do que realmente estava acontecendo, já que ela me via o tempo todo sorrindo. Como sorrir sabendo que alguém que você ama vai morrer? Talvez, essa conta seja mais simples do que pensamos. Se eu sei que quem eu amo vai partir, porque não sorrir enquanto esse alguém ainda está aqui, e deixar para chorar quando realmente chegar a hora?

Era hora de dizer adeus

Nesse dia, eu já não sei dizer o “quanto” meu pai ainda estava ali. Ele já não conseguia mais conversar, só ficava com os olhos abertos, e com o olhar fixo. Até hoje não sei se ele ainda estava consciente. Lembro-me que ele já estava bem desconfortável, se mexendo bastante, e com dificuldade para respirar.

Não demorou muito, ele respirou bem fundo e fechou os olhos … Nesse exato momento eu estava ao lado dele, fazendo um cafuné. Chamamos a enfermeira, que entrou no quarto para verificar se ainda tinha pulsação.

Ela não disse uma palavra, mas o seu olhar me disse tudo.

Meu pai tinha ido embora.

O direito de viver o luto

Sempre que terminamos um relacionamento e encerramos algum laço com quem amamos, vários sonhos vão embora. Nós idealizamos o futuro ao lado das pessoas que são importantes para nós, e é sempre muito difícil quando descobrimos que iremos caminhar “sozinhos”. O luto é um processo, e cada um tem seu tempo para criar forças e continuar.

Não estamos preparados

A verdade é que nunca estamos preparados para a morte, nós temos medo de sofrer. A morte não é bonita. Bonito é ver uma mulher em trabalho de parto trazendo uma vida ao mundo. Bonita é festa de casamento, roupa nova, fazer aquela viagem dos sonhos. Nada nesse mundo nos pertence, ninguém é nosso, nós não possuímos ninguém. E, apesar de tudo isso, eu entendi que a morte também fala sobre o amor. A compreensão de que morte não é fim, nos trás serenidade e conforto. Entender que o amor não acaba e que essa conexão é eterna, muda toda nossa maneira de viver e ver a vida.

Já me perguntaram se é possível ser feliz depois de tudo isso. Acredito que o fato de ser feliz, não necessariamente significa que toda tristeza pela perda foi embora.

E para essa pergunta eu só tenho uma resposta: A-M-A-R!

Amar, pois amar cura. Amar, para entender que nós não somos eternos, mas o amor que sentimos é. E SE amar, para tentar reencontrar o sentido da vida!

Meu dia dos pais sem meu pai

Agosto é sempre um mês de abrir o baú da saudade e jogar todas as dores para fora. Mesmo não querendo, por onde você anda, vem às propagandas de Dia dos Pais.

Esse já o meu quarto dia dos pais sem o meu. Todos os anos eu tento ressignificar os meus conceitos de morte e vida, presença e ausência, laço e deslaço. Acredito que a conexão que eu tenho com meu pai, transcende aquilo que posso ver. Acho que o que está só ao alcance dos olhos é muito pouco. Sei que meu pai é muito mais do que o corpo que só foi. Não tenho sua presença física, mas tenho suas manias, seus traços, e todo legado de amor que ele me deixou.

O que ele fez por mim, em vida, morte nenhuma irá separar!

Contato: marina.rtpiza@yahoo.com.br