Como funciona a doação de órgãos
O tabu e a falta de informação prejudicam os números, e a quantidade de doações de órgãos realizadas acabam sendo inferiores às necessidades brasileiras. Segundo a ABTO, Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, hoje, no país, existem mais de 30 mil pessoas na fila à espera de um transplante.
De 2015 para 2016, o número de doações aumentou em 3,5%, chegando a 14,6 doadores para cada milhão da população. Mas atualmente, 43% das famílias brasileiras entrevistadas não autorizam a doação dos órgãos.
Apesar de não ser satisfatório, ainda somos o segundo país do mundo em números de transplantes realizados. Pesa nesse título o fato de sermos um país populoso também.
Uma questão muito importante para um país ao legislar a respeito, é definir se a doação será automática ou não. A doação automática, chamada de presumida, implica que se a pessoa atende às condições necessárias à doação, ela será automaticamente uma doadora. E deverá deixar por escrito o desejo de não o ser.
Já a doação não presumida implica que a pessoa só será doadora de houver uma permissão para isso. No Brasil, a permissão deve vir da família. Por isso, é importante deixar esse desejo explícito, ou registra-lo em um documento como o testamento vital ou o codicilo, registrados em cartório. Não haverá valor jurídico, já que sua família acabará decidindo no final das contas, mas é uma ferramenta para deixar seu desejo público.
A lei brasileira previa a doação presumida (automática) até 2001. A partir de março de 2001, com a lei nº 10.211, ela passou a depender da autorização da família. A mudança teve como pano de fundo o dilema enfrentado pelos médicos, que ficavam em uma situação delicada no trato com a família, e judicialmente, já que aconteceram casos de processos por familiares descontentes com a doação realizada com fundamento na lei da doação automática.
As condições para a doação de órgãos são simples. A pessoa deve ter morrido de morte encefálica. Em uma linguagem leiga, é a morte cerebral. A morte encefálica é a definição legal de morte e refere-se à total e irreversível parada de todas as funções do cérebro.
Se ela teve um infarto, não será possível retirar seus órgãos vitais para doação, porque eles já não estarão mais funcionando. Com a morte cerebral, o coração continua bombeando sangue aos órgãos vitais, possibilitando sua “reciclagem”. O pulmão, o fígado, o pâncreas e o coração devem ser retirados antes de uma parada cardíaca.
Essa cena não é muito acolhedora, o que dificulta a decisão da família no momento da morte de um parente. Ainda mais considerando que muitos jovens morrem de morte encefálica, como em acidentes de trânsito e AVCs repentinos, aumentando ainda mais o trauma do momento.
Isso significa, na minha opinião, que deixar para a família decidir na hora prejudica muito a doação de órgãos e aumenta a pressão em cima da família, que já está vivenciando um trauma gigantesco.
É importante ressaltar que o coração ainda bate algumas horas após a morte encefálica com ajuda de um ventilador artificial que fornece oxigênio. Por isso, o pedido de doação acaba soando apressado, para aproveitar essa pequena janela de oportunidade.
Em janeiro, a França mudou sua legislação para automática, como relatado nesse post aqui. Os franceses agora são considerados doadores automáticos. Caso não queiram, precisam oficialmente rejeitar essa opção. O procedimento é fácil, basta assinar um formulário online, em um Cadastro Nacional de Recusa. Também é possível deixar uma carta por escrito aos amigos e médicos.
Mitos
Não há como confundir uma morte encefálica com o coma. Quando o paciente está em coma, é possível identificar atividade cerebral e ele pode respirar quando o ventilador artificial é removido. Além disso, seguem alguns mitos listados na página da ABTO, com fonte da UNOS – United Networks for Organ Sharing:
1) Se os médicos do setor de emergência souberem que você é um doador, não vão se esforçar para salvá-lo.
Se você está doente ou ferido e foi admitido no hospital, a prioridade número um é salvar a sua vida. A doação de órgãos somente será considerada após sua morte e após o consentimento de sua família.
2) Quando você está esperando um transplante, sua condição financeira ou seu status é tão importante quanto sua condição médica
Quando você está na lista de espera por uma doação de órgão, o que realmente conta é a gravidade de sua doença, tempo de espera, tipo de sangue e outras informações médicas importantes.
3) Há necessidade de qualquer documento ou registro expressando minha vontade de ser doador.
Não há necessidade de qualquer documento ou registro, apenas informe sua família sobre sua vontade de ser doador.
4) Somente corações, fígados e rins podem ser transplantados.
Órgãos necessários incluem coração, rins, pâncreas, pulmões, fígado e intestinos. Tecidos que podem ser doados incluem: córneas, pele, ossos, valvas cardíacas e tendões.
5) Seu histórico médico acusa que seus órgãos ou tecidos estão impossibilitados para a doação.
Na ocasião da morte, os profissionais médicos especializados farão uma revisão de seu histórico médico para determinar se você pode ou não ser um doador. Com os recentes avanços na área de transplantes, muito mais pessoas podem ser doadoras.
6) Você está muito velho para ser um doador.
Pessoas de todas as idades e históricos médicos podem ser consideradas potenciais doadoras. Sua condição médica no momento da morte determinará quais órgãos e tecidos poderão ser doados.
7) A doação dos órgãos desfigura o corpo e altera sua aparência na urna funerária.
Os órgãos doados são removidos cirurgicamente, numa operação de rotina, similar a uma cirurgia de vesícula biliar ou remoção de apêndice. Você poderá até ter sua urna funeral aberta.
8) Sua religião proíbe a doação de órgãos.
Todas as organizações religiosas aprovam a doação de órgãos e tecidos e a consideram um ato de caridade.
10) Há um verdadeiro perigo de alguém poder ser drogado e quando acordar, encontrar-se sem um ou ambos os rins, removidos para ser utilizado no mercado negro dos transplantes?
Essa história tem sido veiculada pela Internet. Não há absolutamente qualquer evidência de tal atividade ter ocorrido.
Transplante em vida
Os órgãos e tecidos que podem ser doados em vida são:
PÂNCREAS: parte do pâncreas (em situações excepcionais).
RIM: doa-se um dos rins (é a doação mais freqüente intervivos);
MEDULA ÓSSEA: pode ser obtida por meio da aspiração óssea direta ou pela coleta de sangue periférico;
FÍGADO: parte do fígado pode ser doada;
PULMÃO: parte do pulmão (em situações excepcionais);
Espero que essas informações tenham sido úteis.
Para saber como funciona a doação do corpo para ciência e ouros fins, leia mais na categoria “O que você quer ser quando morrer”, do blog.