Sesc São Paulo estreia “Finitudes”
O Sesc São Paulo, unidade Ipiranga, começou nessa terça-feira (24) um evento incrível. “Finitudes” é um ciclo de debates, espetáculos, oficinas e mostra de filmes em torno do tema da morte. Veja a programação completa nesse link.
A jornalista Priscila Sérvulo foi à palestra de abertura com Heloisa Seixas e escreveu ao blog o que presenciou. Vale a pena conferir.
SESC SÃO PAULO ESTREIA “FINITUDES”
Por Priscila Sérvulo
Falar e pensar na morte não é fácil. Mas trocar ideias, ver um filme, ler um livro e discutir a finitude pode ser bom. E esse convite, que já foi mais tímido, começa a “sair do armário” com novas iniciativas.
Um exemplo recente é a estreia do “Finitudes”, evento realizado pelo SESC São Paulo (unidade Ipiranga) no último dia 24 de outubro e que vai até dezembro. Cerca de 150 pessoas participaram da abertura, às 17h de uma terça-feira. O bate papo “Filosofia e Literatura: um diálogo sobre a morte”, com a escritora Heloisa Seixas e o filósofo Vladimir Safatle, transformou-se num interessante monólogo com Heloisa Seixas. Safatle não pôde comparecer por motivo de saúde.
Heloisa Seixas, autora de mais de 20 livros, sendo 3 com a temática envolvendo a morte, manteve a atenção da plateia durante quase 1h30. Antes de abrir para as perguntas, a conclusão: “Estamos falando de um assunto que ninguém gosta de falar, e até dando risada de vez em quando”. Assim, entre histórias e reflexões, esse assunto que arrepia, mostra que também pode fazer sorrir.
Fui como espectadora por interesse pessoal e profissional no tema. Além de trabalhar com o assunto, procuro viver com a perspectiva da minha finitude, vivo lutos passados, tenho a ilusão de me preparar para os futuros… E achei admirável a iniciativa do Sesc. “A motivação do SESC em trazer a morte para o campo da arte e da cultura nasce da crença de que esse distanciamento intensifica a sensação de desamparo, especialmente na velhice. Em outra perspectiva, pensar a finitude também propicia uma expansão da existência. Ao nos reconhecermos finitos, a vida ganha intensidade, o tempo presente passa a ser celebrado, aumentam as expectativas e a vontade de aprender”, disse o mestre-de-cerimônia da entidade na abertura.
Valeu muito participar, espero acompanhar os próximos debates (nos dias 08/11 e 30/11) e, honrada com o convite do Blog Morte sem Tabu, de Camila Appel, que mediará a mesa “O direito à morte: agenciamentos sobre o corpo”, em 30/11, às 16h, no Sesc Ipiranga, compartilho aqui algumas ideias da escritora Heloisa Seixas, sobre as curiosidades e o fascínio que esse tema nada banal – embora óbvio – causa!
A CURIOSIDADE PELA MORTE
“Tenho relação de medo, mas também de fascínio com a morte. Há duas questões muito fortes em mim: uma delas é escrever, e a outra é o fascínio pelo desconhecido. E o desconhecido maior é a morte. Não existe desconhecido maior. As pessoas me perguntavam por que escrever sobre esses temas: solidão, loucura, morte, paixão, que é forma de loucura também. Acho que comecei a escrever para ancorar no papel as coisas que me davam medo. Por isso acabo escrevendo muito sobre a morte. De 10 anos para cá publiquei 3 livros que de alguma maneira passam por esse tema tão difícil”.
O LUGAR ESCURO
A doença de Alzheimer da mãe está retratada no livro “O lugar escuro”, da Ed. Objetiva, que também já virou peça.
“A pessoa está ali, fisicamente, mas já não é mais a sua mãe, se transformou em outra pessoa. Além da perda de memória, há a mudança da personalidade. É uma espécie de morte. É uma quase morte. É uma morte com o corpo presente. A pessoa está ali e não existe mais, o que é uma coisa muito estranha.
No livro, eu me coloquei nua, e não como a filha boazinha que cuida da mãe. Eu falei muito da minha raiva. Sentia raiva de ter que conviver com aquilo. Não tinha planejado publicar, mas uma vez publicado provocou tempestades emocionais e me mobilizou tanto que comecei a adaptar para o teatro”.
SHERAZADE E AS MIL E UMA NOITES
Ao mesmo tempo em que convivia com a “desconstrução” pela doença de Alzheimer da mãe, Heloisa foi surpreendida por um diagnóstico de câncer do marido, o também escritor Ruy Castro.
“Quem conhece o Ruy sabe como ele é engraçado, divertido. Ao ouvirmos o diagnóstico, eu saí do consultório muda, e ele vira e me diz: “O livro vai atrasar”! Na ocasião, ele escrevia a biografia da Carmem Miranda, e atrasou uns 2 meses. Ele trabalhava até no hospital, nem sei como, todo cheio de tubos e cateteres e não tirava os olhos do livro, fazia revisão… eu percebi que, enquanto ele tivesse um livro para escrever, não morreria. Depois, o Ruy ainda teve outras histórias, e eu passei seis meses me preparando para ficar viúva. Foi um sofrimento muito grande. Coloquei no livro “O sétimo selo” (Ed. Cosac Naif), e passei a dormir melhor! O livro retrata sete confrontos com a morte.
UMA ESPÉCIE DE ORAÇÃO
“Agora e na hora”, da Ed. Companhia das Letras, é o mais recente romance lançado por Heloisa Seixas.
“Comecei a escrever em 2004. Reúne contos tendo a morte como tema, e o único livro que comecei e parei várias vezes, não escrevi direto até o final. Por causa de algumas vicissitudes, tinha medo de terminar o livro e morrer!
A gente vive numa sociedade em que as pessoas não gostam de falar de velhice, não gostam de falar da morte. Quando minha mãe começou com o Alzheimer, em 2002, quase não tinha informação sobre isso.
Temos tendência a fugir dos assuntos difíceis e procurar o que dá prazer. Acho que temos que encarar essas coisas difíceis e, fazendo com arte, beleza, vendo filmes, perfomances, peças de teatro, conversando, batendo papo, olhando livros, são formas leves de encarar.
Quando saiu o livro “O lugar escuro”, tinha duas amigas que estavam com as mães começando com o problema de demência senil e elas falaram que não tinham coragem de ler, que preferiam não saber. É difícil mesmo – envelhecimento, demência, senilidade, morte, finitude, claro que é tudo difícil. Mas a gente tem que encarar. E eu acho que a melhor maneira de encarar é a gente se informar, conversar sobre isso, debater.
Para mim, a melhor maneira de encarar foi eu debater comigo mesma. De certa forma, quando está escrevendo um livro, está refletindo, dialogando com você com questões que tende a empurrar lá para o fundo e, ao escrever, entra em contato com regiões misteriosas, profundas. Eu escrevo há 25 anos ou mais, e às vezes não me reconheço.
VAMOS ENCARAR?
“FINITUDES”
De outubro a dezembro de 2017
Sesc São Paulo (unidade Ipiranga)
Programação completa: https://www.sescsp.org.br/programacao/135038_FINITUDES#/content=programacao