Calcinha da sorte
O escritor e filósofo italiano Umberto Eco (1932-2016) deu uma entrevista para o “Spiegel”, em 2009, sobre a abertura de uma exposição no Louvre, com sua curadoria, seguindo o tema “listas”. Eco decide investigar a “natureza essencial das listas”, mencionando poetas que fazem listas em seus trabalhos e pintores que acumulam objetos em suas pinturas. As listas fariam parte da cultura de uma nação, da história da arte e da literatura. E seriam uma forma de tornarmos o infinito compreensível.
Eco cita uma mãe descrevendo um tigre a uma criança: “ele é grande, é um gato, amarelo, listrado e forte”, como exemplo de que definimos tudo a nossa volta a partir de uma lista de características.
O hábito de fazer listas seria fruto, segundo ele, no nosso medo da morte. “Nós temos um limite, muito desencorajador e humilhante: a morte. É por isso que gostamos das coisas que assumimos não ter limites e, assim, sem fim. É uma forma de escapar pensamentos sobre morte”.
No final de ano, pipocam listas de todos os tipos. Listas de compras, de presentes, de resoluções para 2018. Fazer academia, perder peso, ser mais tolerante, parar de fumar, não exagerar na bebida, ser mais equilibrado. Seria essa, segundo Eco, uma forma de tentarmos sobreviver ao próximo ano? De garantir que, tendo uma lista de metas a cumprir, acalmaríamos nosso medo da morte e da possibilidade (em diferentes probabilidades) de não estarmos aqui em um ano?
A teoria faz sentido. Empilhar desejos no papel é uma forma de driblar o tempo. Pensar que a vida não deve acabar sem que essa lista esteja toda ticada. Por via das dúvidas, vamos fazer uma lista bem longa para inibir a morte. Claro que não existe essa conexão na prática, mas direcionar a mente para planejar o futuro me parece sempre bom.
A tradição de usar branco no ano novo pode simbolizar o oposto disso. Se o luto é normalmente acompanhado de preto, o branco indica a nova vida que inicia. Branco por fora, protegendo uma calcinha colorida que pretende resumir um desejo. Vermelha para paixão, amarelo para dinheiro, azul para paz, dourado para proteção, ou alguma coisa parecida, e por aí vai.
É a calcinha da sorte trazendo a sensação de empoderamento. Ela vence o medo da morte, ou qualquer outro tabu. Mesmo que por apenas uma noite.