Um sobrevivente do suicídio
A religião, especialmente por seu aspecto místico, pode literalmente matar. Em janeiro de 2013, tentei suicídio pela primeira vez. Estava materialmente arruinado e acreditei numa profecia que não aconteceu, levando-me ao completo desespero.
Nos meios cristãos pentecostais, acredita-se que Deus influi diretamente no nosso cotidiano de diferentes formas, uma delas –a verbal– é a profecia. Nesta ocasião uma profeta afirmou que até o final do ano de 2012 uma grande benção material viria para sanar minhas dívidas e trazer prosperidade, mudando literalmente minha sorte. O ano virou e nada aconteceu.
Escrevi então uma carta de despedida e tentei o suicídio. Fui socorrido e internado, sendo posteriormente diagnosticado como portador do Transtorno Bipolar do tipo 1.
Nesta internação, me dei conta de que havia desperdiçado 40 anos me alienando, porém, felizmente, constatei que a vida não é uma fórmula pronta. Levando em conta a longevidade de meus pais, eu teria, quem sabe, mais quatro décadas pela frente. Eu não poderia mudar o passado e o futuro é completamente incerto, porém o presente era tudo o que eu tinha, então iniciei uma série de rupturas.
A primeira foi com a religião. Tirar Deus do papel de Juiz abriu novas e grandes possibilidades. Rever crenças é libertador, traz inúmeras possibilidades e também a angústia existencial pela vida não ter um sentido definido. Conviver com esse sentimento ainda é melhor do que com amarras.
A segunda foi encerrar um casamento de 20 anos, sem esperar ser castigado por Deus por conta disso. Demorou anos para essa percepção se estabelecer. No entanto, quando o momento chegou, tudo acabou rapidamente.
Nesses 5 anos foi muito importante a psicoterapia, especialmente a TCC (Terapia Cognitiva Comportamental) no sentido de identificar e desmontar crenças condicionantes de comportamentos, facilitando a mudança e renovação de padrões de raciocínio.
A partir daí estabeleci vínculos que fazem sentido para mim. Reencontrar minha colega de infância (e paixão) foi um verdadeiro presente de um Deus agora não mais punidor, mas possivelmente alguém que nos quer livres, exercendo o protagonismo, e vindo a falhar vez por outra.
Hoje, além da psicoterapia, procuro renovar minha mente pela exposição ao diferente e ao novo, lembrando que toda escolha envolve uma renúncia, e que nem tudo na vida pode ser reduzido em certo e errado. Fazer ao outro somente aquilo que desejo receber tem sido meu principal referencial moral.
Controlo a ansiedade fumando cachimbo, ainda que consciente dos riscos. Lido com a idéia da morte como a conclusão justa de uma história na qual aprendi mais sobre mim, e estou pronto para o encontro com ela. Chegar a este ponto de racionalização não foi fácil, porque depois que se tenta o suicídio uma vez, uma mudança acontece e torna-se mais fácil voltar a tentar. Por outro lado, entendo a vida tal como um quadro inacabado, sobre o qual não há retoques, mas tento puxar as cores para tons mais vivos e formas mais felizes, enquanto houver tinta e espaço!