Tecnologia pode ressuscitar, literalmente, a voz de Marielle

Camila Appel

Já existe tecnologia para que a voz de Marielle não se cale. A inspiração vem de um projeto que acabou de acontecer nos Estados Unidos, “o JFK Unsilenced”. Esse projeto conseguiu recriar um discurso póstumo de JFK, aquele que ele deixou de dar. Ele foi assassinado em 1963, em um carro aberto durante um desfile, em Dallas, a caminho de dar um discurso que nunca aconteceu. Até hoje.

A empresa que recriou o discurso do JFK, a CereProc, diz que, como a tecnologia de hoje é muito mais avançada do que a de JKF, eles precisaram de apenas 2 a 3 horas de gravação da voz de Marielle para recriar um discurso seu, como o texto que ela estava revisando na hora em que foi assassinada.

A CereProc é especializada em text-to-voice technology. Ela traz personagens e produtos “à vida”, criando uma voz para cada um, a partir de textos. Também possibilita que pessoas com doenças neuromotoras possam manter sua voz, algo tão característico de nossa personalidade. A empresa já recriou a voz de Roger Elbert, quando o já falecido crítico de filmes americano tinha perdido seu poder de fala devido a um câncer. O projeto envolveu a extração de centenas de horas de comentários seus, com críticas de filmes, de DVDs.

Não conseguiram recriar a voz de Stephen Hawking, porque ele mesmo não queria. Preferiu usar uma voz sintetizada por um robô, a partir de um tom seu. Mesmo quando o sintetizador quebrou, não aceitou abrir mão dessa voz, já tão atribuída à sua pessoa e conectada a uma personalidade.

O co-fundador dessa empresa, Chris Pidcock, disse que a tarefa de recriar a voz de JFK foi muito difícil, já que os aparelhos de gravação de época davam a impressão de que havia uma pessoa diferente falando em cada ocasião. Buscar harmonizar o ambiente e manipular o áudio para que se assemelhassem, foi um desafio. Harmonizar as interdições também foi um desafio. Ele disse: “para prevermos sua entonação foi necessário analisar a duração dos sons e a energia que ele colocava em vários sons, dependendo de onde estavam na sentença”.

Os engenheiros de voz extraíram 116.777 unidades de som dos 831 discursos e falas de JFK na rádio. As meia-unidades tinham 0.04 segundos cada e precisaram ser testadas uma ao lado da outra para garantir harmonia. “O W de weapons é diferente do W de words, por exemplo”, diz a reportagem do jornal inglês, “The Time”, minha fonte para essas informações sobre o projeto.

Demoraram dois meses até conseguirem uma base de dados de boa qualidade. Mas não parou por aí. Ainda tiveram que fazer uma tal de “cross reference”, retirar um tal de “crosstalk” e por aí vai. Um novo sistema de computador foi implementado para reconhecer e recriar o estilo de oratória do JKF. Seu discurso alimentou o computador até que aprendesse seus padrões de fala. Aí, o discurso foi colocado em um sistema que conseguiu torná-lo mais natural e voilà. Está aí, à disposição, nesse link.

Eu acho simbólico e inspirador. Vamos recriar a voz de Marielle usando, como base, o texto que ela estava revisando quando morreu. A CereProc diz que, com os aparelhos de gravação existentes hoje, o computador consegue recriar uma voz com apenas 2 a 3 horas de gravação.

O poder inspirador dessa atitude pode ser enorme. Um pouco de esperança de que não será possível calá-la.