Inédito no Brasil: InspirAções sobre vida e morte
A semana que vem oferece algo inédito. Eventos seguidos para discutir a qualidade da morte no Brasil e conhecer iniciativas pioneiras ao redor do mundo. De 24 a setembro a 2 de outubro é possível conferir palestras, workshops com doulas da morte, mesas redondas, peças teatrais, sessões de cinema. É inspirado no evento anual americano “Reimagineend of life”, que oferece de 180 a 250 eventos em uma semana.
Na abertura do dia 24 de setembro, haverá um painel para apresentar a pesquisa de Gisela Adissi, o “Brasileiro e a Morte”. No dia 25, um workshop sobre o projeto do Zen Hospice. Vale a pena conhecer, é uma iniciativa linda. Nesse mesmo dia, teremos intervenções urbanas pela cidade com o projeto “Antes de eu morrer”, um painel de desejos com exemplos positivos no mundo todo.
A Conferência Internacional “A Boa Morte” do dia 26 traz a musicista Yoko Sen, o diretor do Zen Hospice Project Roy Remmer, o fundador da plataforma “Death Over Dinner”, Michael Hebb, uma palestra da médica Ana Claudia Quintana Arantes, “A Morte é um dia que vale a pena Viver”, Daniel Forte- presidente da ANCP – Associação Nacional de Cuidados Paliativos e Tom Almeida, fundador do movimento inFINITO criador do evento, e mediação minha. Ainda tem um workshop sobre doulas da morte, da The School of Life, uma roda de conversas da plataforma “Vamos falar sobre o luto?”, Death Cafe Sampa, Testamento Vital... você pode conferir a programação completa, e os links para inscrição ao final desse post.
Essa semana de eventos foi idealizada pelo comunicador e consultor em desenvolvimento humano Tom Almeida. Em nossa conversa, ele começou explicando: “três mortes muito próximas me chamaram para uma causa”.
A primeira foi a morte de seu primo, Eduardo Alferes. Diagnosticado com uma doença de fígado, Eduardo precisava de um transplante. A fila, de 17 anos, não era animadora. Em seis meses, a doença evoluiu para um câncer, tirando Eduardo da fila, porque é necessário estar cinco anos curado do câncer para se eleger. Tom se deparou com um primo debilitado, sentindo dor sem alívio, morrendo. Sua iniciativa foi conversar abertamente com ele. Com delicadeza, questionou: qual é seu maior medo? “Não quero ficar na UTI, prolongado artificialmente. Meu corpo está cansado, eu preciso ir. Todo mundo está sofrendo. Por favor, seja meu advogado. Não deixe que façam isso comigo”.
Eduardo fez um testamento vital e entregou ao primo, na esperança de ser cumprido. A enfermeira de Eduardo leu e disse apontando para a clausula que previa o desejo de não ser ressuscitado: “eu não consigo, não vou fazer isso”. Eduardo compreendeu, respeitou. Não precisaria ser uma imposição. Acrescentou um adendo ao documento: “se você não conseguir, se não der conta de seguir meus pedidos, passe para outra pessoa”.
Tom leu o livro de Ana Claudia Arantes “A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver” e se encantou. Logo, começaram uma amizade. Em agosto de 2017 anunciaram um projeto juntos: o Cineclube da Morte, no Caixa Belas Artes. Após o filme, organizam uma roda de conversa. A resposta positiva levou-os a fazer um cineclube online para discutir documentários e filmes do Netflix.
“As pessoas estão carentes de um espaço para falar à vontade sobre a morte. Os filmes facilitam essa conversa. É interessante ver o quanto uma mesma história oferece leituras e perspectivas diferentes. As conversas são super ricas, não há uma única verdade. A essência é sempre falar sobre a vida”, conta Tom.
A relação de Tom com a morte precede, e muito, a doença do primo que tanto o impactou. Sua mãe tinha muito medo de morrer. Quando tinha 5 anos, ela o chamou no quarto, mostrou a carteirinha do seguro funerário. E todo ano, no Natal, o menino sentia que poderia ser último. De tanto medo, não conseguia falar sobre o assunto. “De uma certa forma, minha mãe fez um treinamento budista comigo. Ela me preparou. Quando ela morreu, eu estava mais preparado. Mas aí, na terapia, eu me senti péssimo por não estar sofrendo tanto quanto eu deveria. Pensei: será que eu não amava minha mãe o suficiente?”.
Esse momento me parece ser um símbolo dos paradigmas que temos do luto. Os estoicos, por exemplo, viam no sentimento demasiado do luto, uma pessoa que não se preparou o suficiente para a morte, que não compreendeu a morte durante a vida. O que não é nosso caso. “Minha mãe morreu como tá todo mundo morrendo. Foi entubada, sedada, não participamos das tomadas de decisões. Eu deleguei tudo para uma médica que eu nem conhecia. Essa médico decidiu se minha mãe seria sedada ou não, por exemplo”.
O pai de Tom morreu 3 anos após a mãe. “Na morte do meu pai, eu toquei a música, decidi tudo. Não deixei levarem ele para a UTI. Eu questionei o médico: Por que leva-lo para UTI? O médico disse: vamos sedar seu pai. Eu disse: não. Ele estava consciente, não era o momento. Fiquei dois dias e meio me despedindo dele, no processo ativo de morte. Meus sobrinhos vieram também, ficaram de mãos dadas com ele, conversando. O enfermeiro chegou gritando: leva para a UTI! Eu falei: levar para UTI para que? Não deixei. E pedi mais morfina. O enfermeiro disse: não pode dar mais, é perigoso. Perigoso para quê, ele vai morrer ou viciar?”.
Há um estigma em relação à morfina no final da vida. O Brasil prescreve morfina muito abaixo da média mundial. É um opióde que pode ajudar no controle da dor, do conforto do corpo nesses últimos meses de vida, segundo conversas que tive com médicos paliativistas. Essas entrevistas podem ser conferidas da seção “cuidados paliativos” do blog.
Como fez com o primo, Tom também conversou com seu pai. Perguntou se ele tinha medo de morrer. A resposta: não. Tom questionou sobre seus não-desejos naquele momento. Ele não queria ficar em uma cama, cuidado por 24 horas. Tom tirou seu pai do hospital. Quando chegaram em casa, outra pergunta: o que você lembra do hospital? Ele disse: do barulho… Era muito ruim o barulho.
Tom abriu para seu pai uma decisão difícil apresentada pela médica. Achou importante ele dar sua opinião. Afinal, a vida é dele, o corpo é dele… apesar de normalmente não vermos dessa forma.
O caso envolvia uma cirurgia muito arriscada. Caso ele entrasse em determinado quadro, deveriam tomar a decisão de fazer essa cirurgia ou não. O pai estaria inconsciente, incapaz de dar opinião. Ele aceitou normalmente o questionamento, optou por não fazer a cirurgia e pediu o mínimo de visitas possível. “Eu fui filho e cuidador do meu pai naquele momento. No mundo ideal, eu gostaria de ter sido só filho. Não precisaria sair berrando e gritando de madrugada no corredor pedindo morfina. Esse olhar de cuidado deveria ser oferecido pela equipe médica.”
Sua expectativa com o evento “Inspirações sobre Vida e Morte” é criar maior consciência sobre cuidados paliativos, aaceitação da nossa finitude como parte da vida e engajar todos, inclusive os profissionais da área e estudantes. “O que venho aprendendo é: os profissionais de saúde que olham para cuidados paliativos se reencontram com o propósito que tinham quando entraram na faculdade”. Tom também almeja um maior empoderamento da família e do paciente. De 9 entre 10 pessoas vão morrer de morte anunciada. Ou seja, terão que lidar com a morte iminente”. Tom termina citando BJ Miller, do Zen Hospice: “morrer não é uma questão médica, é uma questão humana”.
Sim, vamos nos preparar melhor para isso. Uma boa forma para começar é se informar, discutir, formar, e quem sabe, mudar a forma como nossa cultura abraça, ou não, nossos queridos moribundos e suas famílias. Basicamente, todos nós.
Página: infinito.etc e instagram.
CONFIRA OS LINKS PARA TODOS OS EVENTOS DA SEMANA:
> 24/set- Abertura- Painel Pesquisa “O Brasileiro e Morte”| Caixa Belas Artes
https://abertura_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 25/set- Workshop Zen Hospice Project | Espaço Taly Szwarcfiter
https://mindfulcaregiver_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 25/set- Intervenções Urbanas: “Antes de eu Morrer”| Diversos pontos da cidade
não é necessário se inscrever
> 26/set- Conferência Internacional- A Boa Morte| Unibes
https://conferencia_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 27/set- Workshop Doulas da Morte| The School of Life
https://doulasdamorte_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 27/set- Roda de Conversas- Vamos falar sobre o luto?| Unibes
https://vamosfalarsobreoluto_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 27/set- Vamos jantar e falar sobre a morte?| Restaurante Benedita
https://foodpass.com.br/pesquisar/morte
> 28/set- Palestra “O Fim Como Princípio”, com Cris Guerra| Unibes
https://ofimcomoprincipio_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 28/set- Workshop Tudo bem não estar bem. Sobre o luto e seus desafios| The School of Life
https://lutoedesafios_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 29/set- Death Café Sampa | Sincep
https://deathcafesampa_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 29/set- O Testamento Vital como ferramenta de autoconhecimento | Unibes
https://testamentovital_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 29/set- Teatro- Gandhi, com João Signorelli| Cemitério Primaveras
https://gandhi_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 29/set- Teatro “Fale Mais Sobre isso”, com Flavia Garrafa| Teatro Renaissance
https://falemaissobreisso_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 30/set- Teatro Infantil e Familiar “A carruagem de Berenice” |Auditório Mube
https://www.ingressorapido.com.br/event/9011/
> 30/set- Sala Online do Cineclube da Morte| Virtual
https://salaonline_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 01/out- Cineclubinho da Morte| Caixa Belas Artes
https://cineclubinho_insp-vida-morte.eventbrite.com.br
> 01/out- O Valor e o Sentido da Vida| Casa do Saber
https://casadosaber.com.br/sp/cursos/temas-contemporaneos/o-valor-e-sentido-da-vida.html
> 02/out- Encerramento da semana- Cineclube da Morte| Caixa Belas Artes
(vendas a partir do dia 27/set) http://www.caixabelasartes.com.br/ingresso-online/