Uma nova possibilidade para a doação de órgãos: gerar vida

Por enquanto, o útero não faz parte da lista de órgãos possíveis de serem doados, mas um grupo de cientistas brasileiros pode mudar isso.

Conversei com o Dr. Dani Ejzenberg, ginecologista especialista em medicina reprodutiva . Seu estudo inédito, realizado com um grupo de 15 colegas das Disciplinas de Ginecologia e Transplante Hepático do Hospital das Clinicas da FMUSP, foi publicado na Lancet, revista inglesa considerada uma das mais renomadas publicações médicas do mundo.

A introdução do estudo nos ajuda a entender a importância do resultado alcançado. De 10 a 15% dos casais em idade reprodutiva sofrem de infertilidade. Desses, uma mulher a cada 500 apresenta infertilidade uterina irreversível, o que impossibilita os tratamentos tradicionais para engravidar, como a fertilização in vitro.

Em 2013, na Suécia, foram realizados os primeiros transplantes de útero, possibilitando a essas mulheres, engravidar. Elas receberam úteros  provenientes de doadoras vivas. Em setembro  2016, essa equipe brasileira de cientistas conseguiu, pela primeira vez na América Latina, realizar um transplante uterino usando uma doadora morta. Este procedimento teve êxito e possibilitou  o primeiro bebê nascido no mundo por um útero transplantado de  uma doadora falecida. Ele nasceu no dia 15 de dezembro de 2017. E está muito bem. Até então, já haviam sido feitas outras 10 tentativas nos Estados Unidos, Turquia e Republica Tcheca, sem sucesso. 

“Acabei de me encontrar com a mãe e com a criança. Ela se sente muito realizada”, conta Dr. Dani. Ele explica que, nesse procedimento de doação do útero, não há qualquer tipo de  transmissão genética para o feto. No caso deste bebê, o óvulo e o espermatozóide vieram do casal. “Este  embrião só precisava de um local adequado para se desenvolver. Como nunca tinha dado certo antes deste caso, muitos familiares poderiam  ficar receosos em permitir a doação do útero. Mas agora temos um caso de sucesso”, diz.

Esse caso de sucesso, exposto na pesquisa, é o de uma mulher de 32 anos, infértil devido a uma síndrome que afeta uma a cada 4 mil mulheres . Ela nasceu sem útero, mas com ovários. Ela foi encontrada em uma comunidade do Facebook que congrega mulheres com essa síndrome. Após análise criteriosa, 4 das 23 interessadas foram selecionadas para o estudo.

Dani explica como os critérios para a seleção da doadora do útero contribuíram para o sucesso do estudo. “Na Turquia, essa tentativa não deu certo porque usaram uma doadora que não tinha tido filhos. Nós optamos por usar doadoras que já tinham tido filhos e não haviam entrado na menopausa”.

Dr. Dani considera os próximos passos. “O primeiro ponto é avaliar, com um maior número de casos de  sucesso, se é viável expandir esse procedimento, quais os custos e eventuais riscos envolvidos. A partir daí, avaliar se este procedimento poderá ser coberto pelo SUS”. Atualmente temos locais de tratamentos gratuitos como o Hospital das Clínicas e o Pérola Bayton, mas são  iniciativas de governos estaduais já que o SUS não contempla até o momento o tratamento da infertilidade.

Há vantagens e desvantagens em usar uma doadora falecida segundo Dani. “Uma das principais  vantagens é não expor o doador ao risco cirúrgico, o que também contribui para  diminuir o custo, porque não teremos a hospitalização desse doador e eventuais complicações. A desvantagem frente ao modelo com doador vivo é a necessidade de ter uma equipe 24 horas disponível para retirar o útero logo após o falecimento. Mas como o Brasil já tem um sistema de captação de órgãos muito estruturado, é muito importante o reforço na conscientização das famílias mesmo em um momento de grande perda, para  doar órgãos, e agora também o útero”.  

Com o endossamento da Lancet, a pesquisa repercutiu positivamente no mundo todo. Tanto na comunidade científica como na imprensa, New York Times, Washington Post, Japão, The Guardian, Times, Newsweek, etc. “O grande ponto desse trabalho é mostrarmos que é possível. Foi a primeira vez que deu certo”, conclui Dani.

Em um momento de constante cortes no orçamento público para investimento em pesquisa, essa é uma notícia a se comemorar. E provar, apesar de nem ser necessário, que a ciência brasileira é incrível. Um orgulho para o país.

Acesse o estudo completo nesse link.

Cientistas realizando o transplante de útero. dr Dani Ejzenberg opera junto ao dr Wellington Andraus. Foto cedida por Dani Ejzenberg