Como ajudar uma pessoa em luto: comece não atrapalhando
No último post, escrevi sobre a morte do meu sogro. Acabei me dando conta de que, focada no processo da morte em si, deixei de lado algo fundamental: o que vem depois dela. Não dei atenção ao luto do meu marido. Me vi falando frases bestas como, “vai passar”, “não se cobre muito”, “é normal sentir isso ou aquilo”. Me senti impotente, não consegui oferecer suporte. Ainda bem que existem pessoas que se dedicam e estudam especificamente esse assunto.
Acompanho a página “Vamos falar sobre o Luto”, o “Instituto 4 Estações”, o “Lelu: Laboratório de estudos e Intervenção sobre luto”, de Maria Helena Franco, e o Projeto Lutar no Instagram. Estou lendo o livro “A ridícula ideia de nunca mais te ver”, de Rosa Montero, da editora Todavia.
E conversei com a psicóloga e psicanalista Eleonora Jabur. Compartilho aqui nossa troca.
Não há uma receita sobre como ajudar uma pessoa enlutada, por ser um processo individual, mas algumas recomendações podem ser feitas. Eleonora disse que a melhor forma de ajudar é não atrapalhar o processo do outro. “Costumamos ficar muito angustiados com o sofrimento de quem está perto e, para acalmar essa nossa angústia, tentamos aplacar a dor do outro, usando frases como “vai ficar tudo bem”, “vamos sair, pensar em outra coisa”. Queremos que o outro sofra menos. O resultado disso pode ser ruim, porque a pessoa sente que não pode ter esse espaço de dor. A intenção é ótima, você quer dizer “tenha esperança”, mas ela não está, necessariamente, sentindo isso naquele momento. O efeito pode ser oposto e essa pessoa acabar se sentindo na obrigação de estar bem”.
Frases como: “Eu sei o que você está passando”, poderiam ser substituídas por algo como “eu imagino como está sendo difícil isso para você”. Estimular o outro a sair, frequentar ambientes sociais, pode soar muito invasivo. “O processo de luto é um processo de introspecção. Não atrapalhar é deixar o processo correr e estar disponível. ‘Estou por aqui para o que precisar’, ‘Você gostaria de conversar? ‘.’Você gostaria de tomar um café?’”.
Comentei que me senti impotente na situação de amparar o luto de alguém tão próximo. Eleonora me acalmou: “a impotência surge porque você quer fazer alguma coisa, você quer tirar a dor dele, mas isso não é possível. O processo de luto precisa de um tempo para acontecer. Essa impotência é uma angústia mais sua do que dele”. Touché.
Lembrei do livro “O Pai da Menina Morta”, de Tiago Ferro, que resenhei para a QuatroCincoUm. Tiago menciona esse constrangimento do outro tempo todo. Todas as pessoas que já entrevistei na seção de luto desse blog sentem-se mal nesse sentido. Quando se aproximam de um grupo que está conversando, todos ficam sérios, em silêncio, constrangidos. Se mencionam a pessoa falecida, há um climão no ar. E muitas vezes, essa pessoa quer falar sobre seu luto, contar histórias de quem morreu, relembrar. Ela está totalmente imersa naquilo. É o outro quem evita.
Questionei sobre quando é necessário buscar ajuda especializada. Eleonora citou Colin Parkes, psiquiatra inglês estudioso do tema: “o luto é o custo do amor”. Só há luto se houver vínculo. Alguns estranham essa sensação, pensam que tem algo de errado com eles. Ela me disse que a depressão e o luto são muito parecidos, por isso a confusão. “É aconselhável buscar ajuda quando não conseguimos mais fazer as coisas básicas do dia a dia, de sobrevivência, como comer, dormir, tomar banho, e ter pensamentos suicidas e de desesperança muito acentuados. É chamado luto complicado quando a pessoa não consegue retomar a vida. Ele é dividido em três: luto crônico, luto adiado e o luto inibido.
Recomendo esse artigo da psicoterapeuta Maria Helena Franco sobre o Transtorno do Luto Complicado. Clique aqui.
Eleonora resulta que quanto mais ambivalente a relação com a pessoa perdida, teoricamente, mais difícil será o processo de elaboração do luto. Mas isso só pode ser analisado depois de um tempo.
Esse tempo não é específico. “Antes, se falava em um ano de luto, depois, falou-se em dois. Cada vez menos temos falado em um prazo específico, por se tratar de um processo individual”.
Outra mudança no entendimento do luto é o conceito dos cinco estágios, ou cinco fases do luto, como costumava-se dizer. “Nem todo mundo passa por todas as fases do luto e não necessariamente nessa ordem. Hoje, falamos em um processo dual do luto. É um processo que alterna, em direção à reparação e em direção à perda”.
Eleonora usou o termo “vínculos contínuos” para se referir a essa direção da reparação. “A relação com a pessoa falecida estará sempre presente, ela só vai ocupar outro lugar”. Lembrei da página do Facebook “Mães para Sempre”, e as das entrevistas que fiz com sua fundadora Amanda Tinoco.
O luto também é considerado particular porque depende do histórico de cada um. “Você revive alguns lutos quando perde outra pessoa. Por exemplo: se a pessoa perdeu a mãe na infância, pode reviver esse luto ao ter uma perda, aparentemente, insignificante na vida adulta. Esse luto antigo pode ser revivido”.
Eu não sigo uma religião específica, mas vejo os benefícios que um conjunto de dogmas e seus rituais podem trazer nesse momento. No judaísmo, por exemplo, a comunidade se encontra para oferecer suporte ao enlutado. As tarefas básicas, como cuidar da casa, cozinhar, são feitas por essa rede de suporte. No início do luto, é muito difícil manter uma rotina, cuidar do básico. Essa rede é bem-vinda nesse sentido.
Eleonora começou a estudar luto em 2007. Cursou psicologia hospitalar durante a faculdade e quis se aprofundar no assunto para atender familiares dos pacientes que faleciam. Hoje, encontrou uma área de especialização particularmente difícil: Luto na perinatalidade: Gravidez, parto e puerpério.
O luto gestacional faz parte de uma categoria de lutos chamada “lutos não reconhecidos”. Entre eles: perda de um ex-marido, bichos de estimação, divórcio e aposentadoria. Eleonora comentou que o luto do pai, nas perdas gestacionais, torna-se mais complicado porque todo mundo vai acudir a mãe e o pai torna-se invisível. Há um depoimento comovente, aqui no blog.
Culpa
Algumas pessoas sentem culpa por ficarem bem muito rápido. Há um julgamento nesse retorno à vida social. “Muitas vezes, a pessoa que retoma a vida em pouco tempo sofre preconceito. É um estranhamento nosso, que não faz sentido”, diz Eleonora. Por outro lado, um dos jeitos de lidar com o luto pode ser também o não lidar com o luto. “O luto não elaborado pode aparecer lá na frente e precisa ser cuidado. Mas é possível que seja o processo natural de luto dessa pessoa. É importante se permitir”.
Contato: nojabur@uol.com.br
OBS: foi feita uma correção no texto: Colin Parkes é psiquiatra e não psicólogo.