Cápsula de eutanásia tem design exposto em Veneza e promete facilitar o suicídio
A advogada especializada em testamento vital, Luciana Dadalto, me fez saltar da cama com uma foto surpreendente. Ela estava em Roma dando uma palestra sobre o direito à interrupção voluntária do envelhecimento quando ficou sabendo de uma exposição de design em Veneza que apresentava uma tal de “Sarco”. O nome é uma referência à palavra sarcófago. Na descrição: “Sarco é a primeira cápsula de eutanásia impressa em 3D do mundo. Inspirada no automóvel, ela é uma alternativa legal, autônoma, e não-médica, de fim de vida para pessoas que estão muito velhas ou gravemente doentes”.
Seu criador, Philip Nitschke, é presidente da Exit International, uma das principais agências de suicídio assistido do mundo. A instituição não realiza eutanásia ou suicídio assistido, mas agencia estrangeiros a irem para as organizações suíças que realizam esses procedimentos, como a Dignitas e a Life Circle. Philip é um médico australiano que se envolveu em um processo de eutanásia na Austrália e perdeu seu CRM. Ele argumenta que não entregou a substância letal ao requerente – um serial killer que não queria ir para prisão perpétua- , mas foi julgado mesmo assim, por não ter levado o homem a um psiquiatra ou ter dado as orientações conforme os princípios médicos. Em 2015, ele recebeu seu CRM de volta, mas considerou as condições humilhantes e queimou seu registro médico.
Mudou-se para a Holanda e fundou a Exit International. Hoje com 71 anos, não se intimida com as críticas ao defender o suicídio. Para ele, as pessoas têm o direito de querer morrer. Normalmente, essa discussão envolve um diagnóstico de uma doença terminal, mas Philip entende que qualquer pessoa que deseja morrer deve ter acesso à uma morte confortável. Ele dá palestras com o título: “Why suicide should be a human right?” (Por que o suicídio deveria ser um direito humano?).
Sua máquina, Sarco, poderá ser impressa por qualquer pessoa que tenha acesso a um código específico. E dinheiro, claro. Philip argumenta que não vai cobrar pelo uso da invenção, mas o valor de impressão está entre 10 e 30 mil dólares, com expectativa de diminuir conforme os avanços tecnológicos. O acesso será garantido por Philip, após o preenchimento de um formulário online que supostamente confirma a sanidade mental do requerente. Há dois botões dentro da máquina, um verde e um vermelho (veja foto abaixo). O verde aciona o mecanismo letal e começa a ser injetado nitrogênio líquido dentro da máquina. Ele ajuda a rebaixar o oxigênio mais rápido. A pessoa desmaia, perde os sentidos, até morrer. Ao lado, tem um botão vermelho que funciona como um botão de pânico, caso desista no meio do meio caminho.
A parte de cima da cápsula é removível, fazendo da cama, um caixão. A pessoa morre e já é enterrada nela. Tempos práticos.
A máquina não está em uso. Existe uma expectativa de ser testada entre o final de Novembro e Dezembro, na Suíça, por uma americana que tem 40 anos e esclerose múltipla. “A última notícia que eu tive é que estavam procurando um campo na Suíça para colocar a máquina”, diz Luciana.
A advogada vê alertas importantes. “O que é mais grave é ela acabar com toda lógica legislativa referente a esse tema no mundo ocidental. No Brasil, é previsto crime para auxílio ou instigação de suicídio. Um médico que prescrever uma dose letal ao paciente se enquadra nesse crime. A promessa de Philip é dar acesso universal a essa máquina até 2030. Isso inverte a lógica porque não há quem punir. O nitrogênio liquido é universalmente lícito. Se essa máquina realmente pega, a gente vai ter um problema no mundo de como regulamentar essa questão, porque vira terra de ninguém”.
Até a nomenclatura não se encaixa nos entendimentos existentes. Falamos em eutanásia quando um profissional da área da saúde injeta uma substância letal no paciente. Usamos a terminologia “suicídio assistido” quando a própria pessoa aciona um mecanismo oferecido por um profissional de saúde. Nesse caso, não é nem um nem outro. Philip tem chamado de “suicídio racional”.
Luciana chama atenção para o fato de, nesse caso, o direito à morte estar centralizado em uma única pessoa, que vai decidir se o requerente tem ou não direito de morrer. “É um novo patamar de discussão sobre o direito de morrer. Me parece que estamos banalizando demais a vida. O desejo de morrer pode ser apenas uma fase, por isso as instituições normalmente têm um processo rigoroso, com normas muito explícitas, como ter uma doença terminal ou uma condição incurável”.
O cientista David Goodall abriu uma nova brecha ao fazer suicídio assistido na “Life Circle” da Suíça, aos 104 anos, enquadrando o envelhecimento como uma condição incurável, já que ele não tinha uma doença propriamente dita. Escrevi um post em 2016 sobre o envelhecimento ser, um dia, considerado uma doença. Veja aqui.
A revista Newsweek se referiu à Philip como o “Elon Musk do suícidio assistido”. Em 2015, ele também iniciou uma nova carreira que tem se mostrado promissora… stand up comedy.
Como dizem por aí: rir para não chorar.