Adeus Hospital (ou até breve)
Conversei com Eduardo Dias, geriatra, médico paliativista. Ele coordena a pós graduação em cuidados paliativos do Hospital Albert Einstein e a área médica de uma instituição que aposta na desospitalização do paciente, a Humana Magna.
O que te levou aos cuidados paliativos?
Mais do que ajudar as pessoas, eu sempre tive aptidão e prazer em cuidar do outro. Podem ser cuidados simples, como ouvir uma pessoa. Eu fiz residência em neurologia e uma das coisas que me frustrou muito foi fazermos muitos diagnóstico, mas oferecermos poucos cuidados. Por isso, larguei a neurologia e fui para a geriatria e para os cuidados paliativos. Era onde realmente se cuida da pessoa e não da doença.
A médica Elisa Aires, que construiu os cuidados paliativos no Hospital Emílio Ribas, me apresentou essa área. Eu não sabia o que era, naquela época a gente não tinha essa formação na faculdade. Eu me apaixonei. Antes, eu olhava para a medicina e pensava: ‘gente, essa pessoa ta morrendo, a gente vai continuar puncionando artéria, fazendo procedimentos invasivos? Será não existe um plano B para essa história toda?’ A Elisa me mostrou que tinha.
((Entenda os cuidados paliativos nos posts dessa seção do blog)).
Qual é sua missão, como médico, hoje?
Na Humana Magna, nosso principal foco é a desospitalização e o cuidar diferenciado. Temos uma preocupação muito grande com a biografia do indivíduo. Durante um período, essa pessoa conseguiu escrever essa biografia sozinho. Nosso foco é garantir que ele ainda tenha autonomia e consiga decidir, tenha uma vida que ele mesmo continue escrevendo, decidindo o que é importante para si mesmo.
A desospitalização é uma alternativa ao home care?
Os pacientes, na fase aguda de doença, têm um período de convalescência, em que ele pode sair do hospital e ir para casa, mas muitos estão muito comprometidos e precisam de cuidados especializados difíceis de serem feitos em casa, mesmo com uma estrutura de home care robusta. Nossa ideia é fazer essa transição e oferecer uma reabilitação física e social. De uma foram geral, os pacientes que recebemos tiveram um evento catastrófico que mudou sua vida, uma doença sem cura, ou traumatismo craniano, acidente vascular, que os deixaram numa situação comprometida. Ele não vai conseguir voltar à uma vida como era antes, mas nosso objetivo principal é fazer com que ele volte para a sociedade o mais próximo possível do que era antes. Isso também é um cuidado paliativo. A sociedade ainda acredita que cuidado paliativo é só apara quem ta no leito de morte com poucas horas de vida. Isso não existe mais. Na verdade, o cuidado paliativo é para aquele que tem uma doença grave que ameace sua vida. O paliativo não é a gambiarra, é um cuidado, uma filosofia diferente.
Você também atua em um hospital, o Albert Einstein. Qual é o problema da hospitalização?
Iatrogenia (complicações causadas pelo próprio tratamento médico). Excesso de procedimentos que uma pessoa é submetida no hospital, exposição a infecções, excesso de medicação. Eu fui médico dentro de hospital durante muito tempo… Tem um período em que o hospital é benéfico para o paciente. Se a gente perde esse gap de tempo, em que o paciente deveria ficar no hospital, a gente começa a ser iatrogênico. A gente começa a fazer mais mal para o paciente do que bem. Nem todos os cuidados exigem que o paciente esteja encarcerado no hospital. Ele pode receber cuidados na comunidade, ou no hospital de transição, ou em uma instituição de longa permanência, enfim. Você expõe menos o paciente a esses riscos.
Nos cuidados paliativos há uma grande aproximação com a família. Como você lida com isso?
Eu me emociono todo dia, toda hora. Tem vezes que a família chora e me dá vontade de chorar junto. E já aconteceu, não vou dizer que nunca aconteceu, né. Eu sou um ser humano também. Eu sofro, tenho as minhas fraquezas. Tem dias que são mais pesados do outros… ontem, eu tava conversando com um amigo sobre isso. E a minha missão diária é a seguinte: todo dia, quando eu vou para cama a noite, deito minha cabeça no travesseiro e faço uma reflexão sobre o dia. Penso se eu consegui fazer uma diferença na vida de alguém. Acho que esse é meu principal objetivo ao longo do dia. Seja aliviando o sofrimento, ou não causando mais sofrimento.
Quais diferenças você viu entre o que aprendeu na escola e o que encontrou no exercício da profissão?
Quando eu fiz faculdade, a gente ainda era formado para fazer um diagnóstico e fazer um tratamento. A gente aprendia muito a tratar, mas muito pouco a cuidar. Não são todas as doenças que terão tratamento, a maior parte delas, ainda mais hoje com o envelhecimento populacional que a gente vive, não tem cura. Teremos que aprender a cuidar do indivíduo naquela condição. Acho que essa é principal coisa que eu aprendi. Mais do que tratar é cuidar. Eu não aprendi isso na faculdade, eu aprendi isso na vida.
O que você acha da medicina de mercado, do pedido em excesso de exames, da remuneração do médico com base nesses pedidos… é algo que você vê?
Sim… Vejo muito na minha prática diária. E vejo que essa é uma luta incessante para a gente tentar quebrar isso o máximo possível. Esse é o grande problema do processo iatrogênico, erro médico, erro de cuidado. Acabam pedindo um monte de exames para documentar e até mesmo para se proteger de algum problema futuro (jurídico) e, às vezes, trata o resultado do exame e não o indivíduo em si. Isso pode ser maléfico para o paciente, submetendo-o a procedimentos e tratamentos desnecessários. Eu sou super contra isso, sou ponderado com pedidos de exames. Mas virou uma questão cultural no Brasil. Tem muitos pacientes que falam: doutor, me dá uns exames e eu levo para você na consulta. E eu digo: não, primeiro você vem na consulta, eu vou avaliar e ver o que é necessário. Isso ficou meio cultural, as pessoas pedem os exames. Temos que tentar quebrar esse ciclo vicioso.
Como você lida com os casos em que a família não quer que você conte a verdade para o paciente?
Isso chama ‘cerco do silêncio’. Na verdade, essa é uma situação sempre muito difícil de lidar. O que a gente tenta fazer é respeitar sempre a autonomia do paciente. Existem pacientes que não querem saber sobre a doença, os tratamentos, as decisões a serem tomadas. Eles delegam as decisões. Existem outros que querem saber de tudo, tomar a decisão de tudo e a família tenta ser um empecilho para isso. Não existe receita, é caso a caso. Mas a autonomia do paciente ta acima. O que eu percebo é que a família entra nessa história do cerco do silêncio porque não consegue lidar com o sofrimento do paciente. Então, quando você consegue oferecer subsídios para que ela lide com essa situação, fica mais fácil. Mas sempre tentamos respeitar o princípio da autonomia.