A morte pede passagem
Não basta estarmos no topo da lista dos indicadores que prejudicam a vida, como a escancarada desigualdade social e a violência doméstica, também somos um país ruim para se morrer. (veja ranking)
Eu não gosto muito de grupos, mas nesse eu confesso que me engajei. Trata-se do movimento Infinito.etc que discute a qualidade do morrer no Brasil e busca uma maior consciência das escolhas e autonomia no processo de morte. O mantra é dado pela médica paliativista Ana Claudia Arantes: ” a morte é um dia que vale a pena viver”. Eu também proponho essa discussão no tema que chamo de: “o que você quer ser quando morrer”. Pensamos ser importante uma melhor comunicação entre médico e o paciente, a suspensão de procedimentos invasivos se assim ele desejar, o iluminar das opções que uma família tem para vivenciar esse período final da vida, que é a morte.
A negação da morte é muito prejudicial para nossa sociedade, como já disse o premiado sociólogo Ernest Becker. Além da questão sociológica que ele aponta, quem sai perdendo são os consumidores de todos os serviços relacionados a ela. Basicamente, TODOS nós. E acabamos tendo uma experiência traumatizante ao acompanhar uma pessoa que amamos morrer.
Tom Almeida levanta essa bandeira, chamando-a de movimento. Ele fundou o Infinito.etc no ano passado, com a semana de eventos “Inspirações sobre o viver e o morrer”. Neste ano, retoma com um festival que considera uma evolução do anterior. Decidiu manter a seção com palestrantes internacionais porque considera importante criar pontes com o que está acontecendo no mundo.
A ideia de ser um movimento surge da concepção de ser um processo. “Vejo um movimento mundial. E ele exige o envolvimento da sociedade como um todo. Estamos num momento propício para isso. Teve uma evolução boa da medicina, dos cuidados, mas o uso da medicina feito sem consciência pode passar do ponto. Pode nos distanciar da nossa própria vida, tirar a autonomia, nos afastar da participação da família, nos tirar o direito de escolher. Podemos perder o protagonismo na nossa própria doença”, resume Tom.
O festival é estruturado em cinco ciclos. Maturidade (envelhecimento), adoecimento (diagnóstico), processo de terminalidade, a morte em si, e o luto. Também há uma seção de prevenção do suicídio, aproveitando o setembro amarelo e a urgência do tema.
A abertura ocorre no “Cineclube da Morte”, no Cinema Belas Artes, gratuita. Será exibido o documentário, indicado ao Oscar desse ano, “A Partida Final”. O médico paliativista que participa do documentário, Steve Pantilat, dará uma palestra no evento. Ele é filmado no Zen Hospice, na Califórnia (veja o que é um hospice aqui), e coordenado por Roy Remer, que também participa do festival. Você pode acessar toda a programação aqui.
Será interessante conhecer o ineditismo do arquiteto Michael Murphy, falando sobre a arquitetura da cura. Ele propõe a construção de espaços de saúde, hospitais e etc, que propiciem a cura. No ano passado, teve a palestra da Yoko Sen, que redesenha o som dos hospitais, os bipes dos aparelhos, para tornar a experiência mais acolhedora. O som do bipe é infernal. Faz todo sentido mudar isso.
A escolha do nome “infinito” surgiu de uma conversa de Tom com uma amiga. “Eu tava contando para ela sobre a morte do meu pai. Eu, dormindo com ele na cama do hospital, na fase final. A gente tava abraçado e eu consegui acessar um amor tão forte… Me surpreendi como isso. Ela me disse: você acessou o que é infinito dentro da finitude. O permanente, na impermanência”.
Como mensagem final, na essência de tudo isso, Tom vê a possibilidade da criação a partir da perda. “Eu perdi algumas pessoas que eu amava muito, tive muitas mortes ao longo da vida, mas olha o que eu criei. Não se encerra no luto. A morte cria vida, essa é a mensagem final”.
Festival inFINITO sobre Viver e Morrer
Data: 3 a 8 de setembro de 2019
Local: Unibes Cultural e Petra Belas Artes.
Ingressos: www.festivalinfinito.etc.br
Informações: festival@infinito.etc.br
Site oficial: www.festivalinfinito.etc.br