Suicídio na ficção: a possibilidade de mudar uma dura realidade 

Camila Appel

A morte por suicídio é devastadora. Os familiares de quem se mata são normalmente chamados de “sobreviventes do suicídio”. Há o sentimento de culpa, fardo, estigma e consequências. Culpa por não ter identificado ou prevenido uma atitude tão extrema. Nos sentimos mal por, inclusive, pensar no suicídio como uma saída possível.

Recebi o artigo de Jaqueline Vargas, autora da série “Sessão de Terapia”, disponível no Globoplay.

Ela escolheu o título abaixo por considerar que a ficção pode mostrar um outro final para uma situação extrema, oferecendo  esperança ao telespectador. “Os problemas continuam a existir, mas podemos mudar nossa maneira de lidar com eles”, diz.

Suicídio na ficção: a possibilidade de mudar uma dura realidade

Por Jaqueline Vargas

“Eu vim aqui porque eu preciso que você me ajude a morrer” – foi a primeira fala da personagem Haydée no seu primeiro episódio em Sessão de Terapia, série que escrevi e que estreou mês passado na Globoplay, com Selton Mello como protagonista. Foi muito difícil escrever este personagem, primeiro porque falar de Terceira Idade e do desejo de morte é extremamente delicado. Segundo, porque a personagem nasceu da observação diária da minha mãe, que após a morte do meu pai, sofreu um luto muito complicado. Mas qual luto não é assim? Então, o desejo de sumir, essa sensação de menos valia, de inutilidade, de desmotivação e falta de sentido surgiu.

Esses sentimentos podem nos invadir em qualquer momento da vida. No caso dessa personagem, a invadiu na Terceira Idade, o que é muito comum, principalmente quando existe a perda dos companheiros, a saída dos filhos de casa e a aposentadoria. Todas as metas foram atingidas, todas as funções cumpridas… e agora? Aparentemente não existe mais nada a fazer. Só que não viemos aqui para cumprir funções. Ficamos médicos, estamos atletas, éramos pescadores, mas no fundo, viemos aqui para ser. Só ser. Existir. Parece fácil, mas ser quem se deve ser é sempre um desafio, e às vezes alguns de nós jogam a toalha. 

Falar sobre suicídio em formato audiovisual torna tudo um desafio ainda maior. Quando você trabalha com qualquer ficção, seja telenovela, série, etc… o tema ganha alcance exponencial. A história, o episódio pode nascer dentro de uma salinha com uma única pessoa, mas quantas mais vão assistir aquela narrativa? Não dá para mensurar. Tampouco é possível saber quem está do outro lado da tela, seu estado de ânimo. Como ele recebe a história? Qual o impacto dela na sua vida? Como aquilo o influencia? Como autora, tenho muita cautela, pois sei do poder das narrativas na construção e reafirmação das nossas identidades. 

É notória a recomendação de que o jornalismo não reporte extensivamente casos de suicídio, pois a cobertura do tema supostamente ajudaria a fomentar o desejo suicida de parte da audiência. Em dramaturgia ocorre algo muito similar. O suicídio é um tema tabu. A série norte-americana 13 reasons why lançada em 2017 gerou polemica e foi considerada perigosa justamente por abordar o tema. Tudo é feito para amenizar, suavizar, romantizar e silenciar. No entanto, no mês passado, denominado Setembro Amarelo, a partir da campanha que promove a prevenção ao suicídio, em quase todas as matérias que li havia um conselho: é preciso falar. 

Logo, precisamos de narrativas, ficcionais ou não, que tratem dessa necessidade, que ajudem as pessoas a se reconhecerem nesse lugar de fragilidade e isolamento. Na série, o personagem do terapeuta interpretado por Selton Mello diz que falar é só o começo. Particularmente acredito muito nisso, mas também creio no escutar. Temos que nos escutar. Escutar as nossas tramas, nossas fantasias mirabolantes, e em como estamos conduzindo a nossa narrativa. Tendo a consciência de que com ajuda profissional e uma rede de apoio para nos acolher, é sempre possível reescrever uma história cujo final ainda não chegou. 

Contato: jdvargas@uol.com.br

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Categoria eutanásia e suicídio assistido.