Avanços e retrocessos para uma morte sem tabu

Conversei com algumas pessoas que considero consultores desse blog sobre os avanços e retrocessos dos assuntos que trato aqui. São muitos. Segura o fôlego e vamos lá. É pertinente a todos nós, que estamos vivos.

Começo com um pessoal. Destaco dois posts do ano. A morte do meu sogro… “Do Tormento à Paz, a morte do meu sogro“. E a despedida à Frida.

Setor Funerário 

  • Compostagem humana é a aposta da próxima década. Em 2021, a Recompose vai oferecer uma alternativa realmente orgânica e sustentável. É uma revolução no mercado funerário porque teremos, pela primeira vez, uma opção além do enterro e cremação. A presidente da empresa, Katrina Spade, esteve no Brasil nesse ano. A Caitlin Doughty, autora de “Confissões de um Crematório” também. Em outubro, o Festival Infinito, trouxe o pessoal do Zen Hospice. Esse ano significou a inclusão do Brasil no movimento internacional de transformação do setor funerário e da medicina no final da vida. Foi a primeira vez que vi esses agentes de mudanças internacionais aqui.
  • Um serviço humanizado: existe uma tendência de profissionalização do setor, com cursos de capacitação e a preocupação de oferecer apoio ao luto.
  • Ainda há um estigma enorme, mas essa década provou que a sociedade tem muito a ganhar com a desmitificação da última fase da vida, do acolhimento da dor e a transformação de parâmetros que não nos servem mais. Como não reconhecer e não respeitar o direito à informação e o poder de escolha.

– Lista completa da Gisela Adissi, empreendedora funerária, com muito orgulho:

Avanços:

  1. Compostagem Humana
  2. Hidrólise Alcalina (cremação líquida)
  3. Green burial (cinzas com sementes de árvores)
  4. Iniciativa de privatização do serviço funerário de SP que será seguido por várias prefeituras
  5. Novas empresas oferecendo produtos de homenagem como Heaven Address e Alife
  6. Legalização do Plano Funerário
  7. Setor funerário trabalhando com humanização, abrindo os olhos para o atendimento humanizado ao enlutado
  8. Cartografia da Morte uma pesquisa inédita para o setor
  9. Entrada de fundos de investimento no setor iniciando uma possível consolidação
  10. Aumento do número de crematórios no Brasil (até 1995 só tinha o Vila Alpina hoje tem mais de 100)
  11. Crescimento dos serviços funerários (no geral) para Pets
  12. Vários velórios hoje já disponibilizando “grieving dog”
  13. Iniciativas para se criar uma ponte com a area de saúde, especialmente com cuidados paliativos
  14. Testamento vital incluindo diretivas de funeral (você pode escolher o que deve ser feito coms eu corpo)
  15. Novas profissões dentro do setor como Funeral Planners e Doulas

Retrocessos

  1. Inciativa da privatização vem no formato Oligopólio, impedindo a livre concorrência
  2. Modelo de rodízio de funerárias em Curitiba, também impedindo a livre concorrência
  3. Alguns Estados tiveram a lei do fraldão para cemitérios aprovada (O espaço do jazigo deve ser forrado com uma manta absorvente que é vulgarmente chamada de fraldão. Não é ruim desde que seja opcional e não obrigatório)
  4. Denúncias de corrupção e propaganda enganosa.
  5. Não existência de leis federais regulamentando o setor nos coloca à mercê de leis municipais absurdas e impede o alinhamento para prestação de serviços funerários (não seria retrocesso é status quo)

Lista da Mylena Cooper – diretora do Crematório Vaticano.

Avanços:

  1. Projetos mais sustentáveis, com menor impacto ambiental em Cemitérios e fornos crematórios.
  2. Produtos biodegradáveis para espargir as cinzas.
  3. Avanço da tecnologia dentro do segmento tornando as cerimônias audiovisuais mais personalizadas e possibilitando um tributo à vida. Ex: projeção mapeada.
  4. Trabalho com cães e gatos terapeutas.
  5. Aplicação de aroma, cromoterapia e comfort food (comida de conforto) nos velórios. Exemplo de comida acolhedora: canja.
  6. Trabalhos de apoio aos enlutados.
  7. Em desenvolvimento: formulários padronizados para repatriamento do corpo entre os países.
  8. Legislações municipais para funeral gratuito para doadores de órgãos.
  9. Desenvolvimento do projeto Funeral Heritage pela FIAT IFTA (Thanos), junto à UNESCO, que preserva a cultura funeral e patrimônios intangíveis do mundo.
  10. Luto pet tornando-se mais reconhecido. Respeitando que onde há amor há dor.
  11. Crematórios pets com cerimoniais.

Retrocessos:

  1. Algumas legislações municipais ferem a livre escolha do consumidor e não estimulam a livre concorrência. Como resultado, a queda da qualidade e melhores condições de pagamento de um funeral:
  1. Rodizio de funerárias em Curitiba – a família não pode escolher a empresa que deseja.

-Lista do coveiro Fininho.

Avanços:

  1. O melhor parâmetro para entender o contexto do setor são as feiras funerárias. A atividade funerária tem marca social, mas os setor anda lado a lado com o desenvolvimento socio econômico de cada lugar.

2. Nos grandes centros, como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Salvador, eu destacaria Salvador com a apresentação do projeto do Cemitério Campo Santo, como uma atividade humana. É um grande exemplo para todo Brasil. Lá se usa gaveta ecológica, o que evita o chorume, problemas com gases, com detritos, entulhos… ou seja, eles dão à atividade uma solução com tecnologia adequada à bio ecologia. Isso é muito interessante.

3. Também destaco o uso maior  de fornos no Brasil. Aquilo que era inacessível a classes mais baixas agora vem se desenvolvendo, modificando as práticas da área.

4. Agora… todo esse avanço tecnológico é pequeno em relação ao todo. em um país gigantesco como o Brasil, um país continental, ele necessita ter uma maior proximidade entre a tecnologia e a necessidade. Ainda se usa muito pouco o aplicativo para soluções do serviço funerário.

5. Por outro lado, há uma crescente onda de aperfeiçoamento, de cursos profissionalizantes para o setor funerário. Há um desenvolvimento no sentido da profissionalização, capacitadas dos atores da área funerária. Isso é algo muito positivo no setor.

6. Isso ocorre devido ao fato de grandes empresas suecas e canadenses atuando no ramo. Podemos destacar como positivo empresas realizando grandes velórios, fazendo com que o velório, o sepultamento ou a cremação seja de fato um evento.

7. Crescimento e verticalização dos cemitérios. Isso é uma americanização. O que mais se usava era o sistema europeu, que é o cemitério jardim e o cemitério construído. Agora temos a tendência da verticalização, cemitérios memoriais, com grades paredes, grandes prédios e é um sistema americano de sepultamento. Você usa menos equipamento, menos área e pode operar com menos funcionários.

Retrocessos

  1. De 2009 até hoje é flagrante e desenfreada a comercialização da atividade. Ela também deveria contar com aspectos sociais e civilizatórios e passa por um processo de comercialização forte. Alguns aspectos éticos deveriam ser acertados entre a sociedade e os atores
  2. O enterramento e a cremação devem virar bem de comércio? Será que a morte também é bem de comércio? Não seria um tanto exagerado isso? É importante sabermos que a grande maioria não tem dinheiro nem para comprar o caixão. E o Estado tem muita pressa para se livrar daquele que não contribui. Como eu posso comercializar algo que ninguém estima o valor?

Proteção de dados

A advogada Luciana Dadalto chama atenção para um potencial problema. A nova Lei geral de Proteção de Dados, de setembro de 2019, não olha para as necessidades do Setor Funerário. “É uma lei extremante complexa, ninguém sabe como ela será aplicada na prática, mas podemos ver que ela irá impactar o setor funerário de uma forma que ainda não conseguimos prever. O setor está alarmado nesse sentido. As pessoas precisam começar a entender que esse é um setor da economia como qualquer outro”.

Ortotanásia e Cuidados Paliativos

Ortotanasia é o processo de morte natural. Nele, não se abrevia a morte, como na eutanásia, nem estende a morte, como na distanasia – processo comum nas UTIs.

Alguns avanços:

  1. Livro sobre morte é o mais vendido da sua editora, a Sextante. “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, da Ana Claudia Arantes.
  2. Novela das 7 da TV Globo tem como tema principal um doente terminal, sem cura prevista pela medicina. O texto conta a consultoria da Ana Claudia Arantes. É a primeira vez que esse tema ocupa um espaço nobre na ficção da Globo. Ta incrível. Exibimos um programa no Conversa com Bial que vale a penas ser visto, aqui.
  3. Fundação da “Casa Humana”, que oferece Cuidados Paliativos em domicílios.
  4. A ANCP – Academia Nacional de Cuidados Paliativos fez um mapa sobre a oferta de cuidados paliativos no país. Dá uma olhada no site. A Academia tem se mostrado cada vez mais sólida, liderada por pessoas engajadas em uma medicina humanizada, e conquistando espaço para os cuidados paliativos no país.

Eventos

Destaco 3 eventos que me surpreenderam.

  1. Movimento Infinito – site oficial do festival  aqui. 
  2. Cineclube da morte – exibição de filmes que tratam o assunto morte, no Belas Artes. Seguido de um debate.
  3. II Congresso Paulista de Cuidados Paliativos – organizado pela ANCP.
  4. I Congresso Brasileiro sobre Luto – organizado por Maria Helena Franco.
  5. Suicídio – o trabalho da Karen Scavacini de prevenção e posvenção do luto é fundamental. Conheça mais no portal do Vita Alere.

Algumas iniciativas que seriam impensáveis no começo dessa década.

  • Bio Parque – Parque com árvores plantadas com as cinzas de cremação. Eles fazem uma cápsula que pode ser plantada onde você quiser.
  • Zilgo – Se definem como uma solução de produtos em luto.
  • Meu Último Desejo – mensagens pós-morte por 4,99 mensais. Você separa mensagens, vídeos e fotos e determina quando serão enviados e para quem.

Sobre luto, vale a pena conhecer o portal dessas organizações:

Instituto 4 estações – “Desde 1998 o 4 Estações Instituto de Psicologia destaca a importância dos vínculos afetivos oferecendo tanto aos indivíduos e comunidades, quanto aos profissionais de saúde e educação um importante trabalho de prevenção, educação e tratamento em situações de perdas, luto e outros momentos de transformações da vida”.

Instituto Entrelaços – “O Instituto Entrelaços nasceu do desejo de duas psicólogas, com larga experiência clínica e hospitalar, em promover o atendimento clínico e a capacitação e formação de profissionais da saúde e afins, em temas relacionados a perdas e ao luto”.

Vamos Falar sobre o Luto? – “é uma plataforma digital de informação, inspiração e conforto para quem perdeu alguém que ama ou para quem deseja ajudar um amigo nessa etapa tão difícil. Uma tentativa de romper com o tabu e tornar a experiência menos triste e solitária”.

Finalizo com o instagram do Jardim da Ressurreição. Muito bem bolado.

Uma boa passagem de ano a todos vocês, obrigada por me acompanhar por mais um ano.

Um abraço,

Camila