Funerais em tempos de coronavírus

Com a rápida contaminação do novo coronavirus, não são mais aconselháveis aglomerações de pessoas, incluindo encontros para rituais fúnebres. Não se sabe se o corpo contaminado ainda transmite a doença, mas as pessoas em volta correm alto risco de contaminação entre si. O Ministério da Saúde ainda não se pronunciou sobre orientações nesse sentido. Estamos aguardando.

A  Acembra (Associação dos Cemitérios e Crematórios do Brasil) e o Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios do Brasil) produziram uma cartilha com recomendações, enquanto uma oficial do governo não chega.

“Sim, os velórios são autorizados, mas recomendamos orientarem para que durem o menor tempo possível e sejam frequentados apenas pelos familiares mais próximos. Embora alguns municípios já estejam se pronunciando no sentido de proibir as aglomerações e, em alguns casos ainda raros, limitar a frequência nos velórios, ainda não há regras específicas do governo brasileiro em relação a isso. De toda forma, os exemplos mundiais nos guiam no sentido de evitar a concentração de pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, estão proibidas as reuniões de mais de 10 pessoas nos próximos 15 dias ou de mais de 50 pessoas nas próximas oito semanas. Na França, na Espanha e em um número crescente de países, as pessoas estão proibidas de sair de casa, inclusive para fazer reuniões familiares. Outro ponto de atenção diz respeito ao chamado “grupo de risco”. Idosos e portadores de diabetes, doenças do coração, do pulmão, câncer e pressão alta devem ser desencorajados de comparecer. É também fundamental garantir um reforço nas normas de higiene e prevenção da contaminação nas instalações designadas para o velório. Para isso, recomendamos manter um controle rigoroso de limpeza e desinfecção do ambiente, de maneira frequente, disponibilizar álcool gel no máximo de cômodos possíveis e sabonete líquido em todos os banheiros”.

Com o crescente isolamento das pessoas em suas casas, há uma tendência de proibir funerais em casa.  Qual será a repercussão disso para um processo emocional que já é por si só complexo e dolorido? O processo do luto.

A psicóloga Gabriela Casellato, do 4 Estações Instituto de Psicologia, especializado em luto, diz que o velório e o enterro/cremação são rituais fundamentais para o processo de enlutamento.

“É importante do ponto de vista religioso para quem tem crenças e também cumpre a função do compartilhamento social, do reconhecimento pela comunidade como alguém que está enlutado. No ritual, concretizamos a morte diante de um corpo concreto. Expressamos emoções e somos acolhidos”.

Gabriela menciona a importância da validação das emoções. O ritual fúnebre oferece um lugar social para essas emoções que normalmente não têm espaço. “Existe o dividir a dor, rir, compartilhar memórias, histórias, resgatar vínculos com pessoas queridas que no dia a dia que não conseguimos ver”.

Ela vê com preocupação a privação de momentos como esses. “A imposição dessa privação, e não sua escolha como opção, pode gerar muitas reações no enlutado, como a inibição do pesar, ou adiamento do pesar, dificuldade em conseguir concretizar e compartilhar a dor”.

O luto de quem perdeu um ente querido para o vírus é ainda mais difícil. Gabriela teme o estigma da morte pelo vírus. “A pessoa que está em luto por alguém que morreu em decorrência da contaminação, representa algo que a gente não quer para nós. É alguém que ta vivendo algo que eu não quero viver. A minha tendência instintiva é me defender dessa dor, porque eu não quero me ver na posição dessa pessoa. E tem o risco do contágio real, não quero conviver com essa pessoa porque ela conviveu com alguém que se contaminou”.

Essas reações contribuem para o isolamento social do enlutado. O sentimento de luto acaba sendo abafado e não compartilhado. Podendo ser um fator de risco para o luto complicado.

Soluções

É importante pensar em soluções criativas.

Gabriela tem levantando essas questões junto ao setor funerário. “É possível realizar ritual ao ar livre? É possível fazer velório online?  Estamos pensando em uma flexibilidade para não tirar o ritual totalmente das pessoas. Pensar em quais recursos são possíveis, usando a internet, para vivenciar essa experiência de alguma forma”.

A psicóloga Maria Helena Franco, coordenadora do LELU, Laboratório de estudos e intervenções sobre o luto, da PUC-SP diz que ter o ritual e unir as pessoas numa cerimônia fúnebre é fundamental para o luto. “O ritual organiza uma situação desorganizadora que é a morte de alguém. A previsibilidade das etapas desses rituais ajuda a organizar o sentimento”.

Exemplos dessas etapas são os sentimentos de condolescências seguindo uma hierarquia das pessoas mais próximas ao morto, a despedida, a hora de fechar o caixão, o sepultamento ou a cremação.

Maria Helena sugere que as famílias façam encontros online, para não perderem a oportunidade desse ritual. “Ali, você pode ritualizar usando o recurso a distância. Os brasileiros são muito de contato físico, gostamos de abraçar, beijar, queremos ficar perto, mas a alternativa que temos é essa….”, lamenta.

Profissionais de saúde

Gabriela alerta para o sofrimento dos profissionais que atuam com saúde mental. “Eles estão com medo de contágio, sofrendo o estigma do isolamento – porque são vistos como vetores do vírus – e estão lidando direto com as pessoas que estão em pânico. Isso gera uma sobrecarga emocional muito grande. E sem perspectiva de quando isso vai passar”.

Os profissionais liberais, como psicólogos e psiquiatras, estão sofrendo com a suspensão dos atendimentos e começam a ter também ameaça da própria sobrevivência. Um grau de stress e ansiedade que podem colaborar com um burn-out. Pensando nisso, Gabriela criou fóruns gratuitos, online, de apoio aos profissionais de saúde. Veja informações atualizadas no Facebook do blog.