Depoimentos: luto no Natal

Camila Appel

Recebemos alguns depoimentos sobre luto no Natal. Nesse dia em que as famílias se reunem, é importante lembrar quem já se foi e poder falar sobre sentimentos delicados e doloridos. São todos bem-vindos. Acolhemos as saudades com gratidão. Feliz Natal a todos.

Título: “Dezembro passa, o Natal passa, o ano vira. Permito-me sentir o que quiser nessa época”

Giovanna Paula Cavagnoli

Qual criança ou adolescente, ou um adulto feliz com sua família completa não gosta do mês de dezembro? Eu adorava. O ano de 2003 mudou esse sentimento completamente. Era 20 de dezembro, 10h20 da manhã de um sábado ensolarado, praia cheia e gente pra todo lado.

Enquanto eu assistia um filme na TV ouvi um estouro absurdo. Eu já sabia. Andei em direção ao quarto onde minha mãe estava hospedada, abri a porta e vi a cama vazia, as persianas tortas balançando. Consegui gritar para meu marido: minha mãe!

Ele desceu os oito andares do prédio onde morávamos correndo, só lembro de mim entrando no elevador de camisola. Depois minha memória apaga e só consigo lembrar dela em meus braços dando os últimos suspiros.

Não preciso relatar o depois. Ambulância, gritos, gente desesperada me falando coisas, avisar meu irmão, meus avós que moravam longe. O impacto do suicídio em uma família é devastador. O impacto do suicídio de uma mãe cheia de vida aos 48 anos é avassalador. Pior ainda quando as últimas palavras que você disse à ela foram “ou desiste ou vem comigo porque eu estou exausta.”

Ela desistiu 12 horas depois. Trabalhei muito esse último momento com ela ao longo desses 17 anos. Mas eu realmente estava exausta. Foram três tentativas dela de suicídio em pouco mais de um ano, o casamento de meus pais acabando de uma forma cruel e triste após 32 anos, a descoberta assustadora que meu pai não era só um homem fraco, era alguém completamente tóxico e desleal.

Enfim, era 20 de dezembro e faltavam cinco dias para o Natal. Meus avós vieram a Santa Catarina, enterramos minha mãe, e dois dias depois me convidaram para retornar com eles à Campo Grande (MS) , onde moravam. Não fui. Eu não conseguia nem decidir tomar banho ou não, o que comer, fechar os olhos ou não, quanto mais encarar uma viagem longa e um Natal.

No dia 24 de dezembro acordei com um aperto no coração e queria minha família. Meu irmão mais novo também devastado pela dor, meu pai que sempre havia sido presente em nossa vida, resolveu abandonar os filhos de vez. Pedi a meu marido para irmos a Campo Grande e encarar as 12 horas de viagem, pois vôo não havia mais.

Cheguei no início da noite do dia 24, sentamos à mesa eu, meu marido, meus avós maternos, minha tia, minha prima ainda criança e seu pai. Comemos, brindamos, rimos e choramos. Apesar do meu irmão não estar ali naquele momento, eu estava em família. Não havia dado tempo de sentir falta da minha mãe, era recente e eu estava anestesiada.

Dezessete anos se passaram, estou bem, faço tratamento constante, terapia, meditação, cuido da minha espiritualidade. Tudo ajuda. Mas fezembro ainda é difícil. Fico mais agitada, durmo mal, sinto mais dores físicas.

Me reconheço e me preparo como dá. Ontem fez 17 anos que minha mãe morreu, amanhã faz 1 ano que minha avó materna nos deixou. Ela era tudo pra mim e também partiu há três dias do Natal. Passei a odiar dezembro! Mas passa. Dezembro passa, o Natal passa, o ano vira. Permito-me sentir o que quiser nessa época.

Há anos que prefiro ficar sozinha, quieta. Há anos que reuno a família, faço ceia, brindo, me divirto. Para quem tem perdas tão difíceis na vida, o dia a dia é uma batalha constante. Mas a luta vale a pena porque a vida vale a pena.

Título: “Na esperança de que no ano que vem toda  minha família esteja completa no Natal, ficarei em casa”

Yasmin Cassetari

Pois bem. Este ano decidi ficar.Ficar em casa. Em outra cidade. Longe de todas as pessoas que me viram crescer e me ajudaram nesse processo. Vou ficar longe delas para, quem sabe, ano que vem, poder novamente vê-las.

Mas sabe, não é nada fácil. Tenho uma vó, bem vó, aquela vózinha que pergunta: cadê fulana? Esqueceu de mim? Espero que alguém lá responda que NÃO.

– Não vó. Fulana não veio por estar pensando no amor que sente pela senhora. E de quanto ela quer te ver no ano que vem.

E do fundo do meu coração, eu espero que ela, no auge dos seus 94 anos, entenda que amar, sentir saudades e ficar em casa faz parte de um mesmo grande abraço que nós deveríamos estar pensando em dar. Em um período como este.

Saudades… Das pessoas… Dos abraços…

Das risadas e choros de saudade daquelas pessoas que já não estão aqui. Saudades.

E na esperança de que no ano que vem toda a minha família esteja completa no Natal, ficarei em casa. Entoando canções natalinas que me lembram dessa época tão querida e saudosa.

Fiquemos bem. Até ano que vem… Oxalá…

…..

Título: Vigésimo primeiro Natal sem ela.

De: Patricia Gaaldi

Pra ser sincera acho que ela foi cedo demais.

Eu tinha 16 anos e meu irmão 13. Minha avó fez o possível para suprir sua ausência. Foi nossa mãe de forma brilhante.

Mas ela sempre fez falta. Mãe é mãe né ? Mães não deveriam morrer. Nunca.

Hoje tenho minha família, 3 filhos maravilhosos mas essas datas não perdoam. Elas perdem o brilho.

Eram sempre reuniões simples, no apartamento da minha avó, mas reuniões lotadas de amor. Lotadas de carinho. E esse carinho que falta nada repõe.

Hoje eu dou muito amor. Encho os 3 de amor. Faço cafuné. Mas sinto falta do cafuné dela. Dela aqui me aconselhando. Me ouvido. Só ela saberia me entender. Olhar nos meus olhos e entender.

A falta é gigantesca. Doi. Procuro não pensar.

Queria demais só 1 dia ela aqui comigo. Me abraçando e protegendo.

Aprendi demais com ela, a principal lição foi como amar, como amar sem limites e se doar.

Mas ela faz falta.

Todos os dias. Todos os segundos.

Mas a vida segue. Com um buraco no peito e um brilho que não volta mais.

Mãe não deveria morrer nunca.

Um lindo ano a voce e sua família.

Patricia Galdi