Humanizar é preciso, diz Major do Corpo de Bombeiros
Foi uma visita impactante. Chegamos à Escola Superior do Corpo de Bombeiros, em Franco da Rocha- SP, para entrevistar o Major Diógenes Munhoz sobre o curso de prevenção ao suicídio que ele idealizou e implementou. A ideia da equipe do Conversa com Bial (da qual faço parte) era entrevistar o Major e filmar os diferentes cenários usados para simulações. Toda equipe ficou impressionada. É um trabalho que muda a abordagem do corpo de bombeiros a tentantes do suicídio, para maior humanização do olhar desses profissionais. O vídeo foi ao ar em abril de 2018, pode ser visto no GloboPlay.
O treinamento é feito com simulações em circunstâncias desafiadoras. Em um deles, um homem ameaça se jogar do prédio. Ele está preso a uma corda e há um colchão caso ele se jogue – simulando uma tentativa frustrada de salvar uma pessoa. Os alunos devem se aproximar e convencer o potencial suicida para entrar no prédio. No outro, containers simulam um potencial suicida com fogo. O cenário é bem realista. Ainda há a simulação de um potencial suicida “fora do ar”, vendo elefantes voadores, por exemplo.
Fiquei impactada pela dedicação do Major Diógenes em preparar os bombeiros para esse momento. Até então, a estratégia era distrair e agarrar. Eles deveriam fazer com que o potencial suicida se distraísse para puxá-lo à força para dentro. A nova abordagem busca treinar os bombeiros para acolher seu sofrimento, e ele mesmo desista da ação. Essa pessoa não pode se sentir enganada. O Corpo de Bombeiros, com o treinamento, passa a ser uma fonte de confiança e segurança em um momento de desespero.
O Major nos escreveu um relato, que reproduzo abaixo. “Humanizar é preciso”.
Humanizar é preciso!
Major Diógenes Martins Munhoz
Poderia aqui me ater a dezenas de estatísticas impactantes que abordam o tema suicídio, não só no Brasil, como também no mundo. Poderia também de certa forma chamar a atenção de vocês, queridos leitores, com relação à importância da prevenção do suicídio em toda à população. Tudo isso com certeza faria vocês voltarem suas atenções para o problema que vêm crescendo na sociedade de forma assustadora.
Mas quando fui honrosamente convidado por minha amiga Camila Appel a escrever essas poucas linhas decidi voltar a lupa das atenções para o ato suicida, no qual me encontro engajado há cerca de 15 anos por ser do Corpo de Bombeiros de São Paulo, ou seja, o momento em que uma pessoa decide tirar sua vida, indo de encontro com seus instintos mais primitivos, quer por desespero ou mesmo por desesperança.
Esse momento é o linear espaço, praticamente imensurável, entre a vida e a morte de um ser humano, que possui família, face, história, angustias, vitórias, derrotas, crenças…, enfim uma pessoa como outra qualquer, que por uma somatória de fatores acabou decidindo por sua abrupta inexistência.
Vi, em razão de minha profissão, por 55 vezes a face da morte em viadutos, pontes, torres, quartos, sacadas, e testemunho com toda a certeza, ela não é bonita, mas ela é remediável. Você pode se perguntar o que faz uma pessoa tentar o suicídio. Eu respondo:
Vários fatores endógenos e exógenos, mas creio que a pergunta mais importante para mim que irei agir diretamente na última chance de vida dessa pessoa é: como tirar uma pessoa dessa condição extrema?…a resposta? Simples……humanizar!!!
Dar um novo enfoque para a vida dessa pessoa, mesmo nos locais citados acima, é um meio que vem sendo utilizado nas diversas Corporações que lidam com essa emergência e tem se mostrado muito eficaz. Deve ir ao longe o tempo em que simplesmente distraíamos esses tentantes (palavra que adaptei por respeito ao suicida) e depois de forma ríspida tirávamos dessa situação, sem nos importar com suas dores, histórias e angústias.
Ouvi-los de forma empática, exercitar uma escuta compassiva é fundamental para reverter a impulsividade do desejo de morte. Ajudar tentantes a encontrar soluções é ajudar diretamente em seu prosseguimento da vida.
Para isso um curso foi criado e desenvolvido pelo Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo desde 2015 e já se expandiu para outros 14 Estados do país. Porque deu tão certo? Por que agora a vida desses tentantes sempre estará sendo priorizada nessas emergências. Faces, dores, angustias, desilusões agora têm importância no processo de salvamento. O primeiro passo para a vida sempre será o mais importante e cabe a nós, profissionais das áreas de Emergência, garanti-lo.
Sigamos salvando! Essa é a missão mais forte e importante, afinal viver pelos outros é a única forma de viver plenamente.
Gratidão
Diógenes Martins Munhoz
Idealizador do Curso de Abordagem Técnica a Tentativas de Suicídio
Site: https://www.diogenesmunhoz.com.br