Luto: uma montanha russa de sentimentos inéditos. É necessário respeito
Fernanda Sigilião se formou em publicidade e propaganda, mas tem alma de jornalista. Curiosa e investigativa.
Aos 29 anos, virou diretora de uma multinacional da área. Casou com um francês e partiu para Paris. Hoje, aos 32, deu uma guinada na carreira. O luto pelos pais teve forte influência nisso, como já verão.
Nos falamos enquanto ela estava em Moçambique, trabalhando com uma ONG de empoderamento econômico feminino que cria projetos para formar empreendedoras.
Em março do ano passado, com o início da pandemia e o isolamento total em uma área rural, percebeu que “quando o mundo vira de cabeça para baixo, precisamos ouvir nossa bússola interior”. Fernanda iniciou uma investigação sobre intuição. Conversou com diferentes pessoas para entender o que significa intuição para elas, como a escutam e suas formas de manifestações. A pesquisa se transformou em podcast. O “Olhando para Dentro” traz, por exemplo, um bate papo com Luisa Matsushita da banda “Cansei de ser sexy” e a artista Letícia Letrux. Deu tão certo que os assuntos foram se estendendo em outras temporadas.
“A descoberta da primeira temporada é que intuição é prática. Isso me levou a uma segunda temporada sobre formas de escutar a intuição”. Fernanda entendeu que a intuição pode ser provocada por meio de práticas.
“Essas práticas são atividades feitas com atenção. Tem gente que provocava essa escuta pela yoga, meditação ativa, exercícios de respiração, atividades artísticas como canto e pintura. Uma apresentadora do GNT, a Carol Costa, pratica jardinagem, por exemplo. Para ela, cuidar das plantas é uma forma de olhar para dentro e escutar sua intuição”.
Com a segunda temporada, Fernanda diz ter aprendido a importância da ação. “Não adianta nada a gente se escutar se não colocarmos em prática”. Isso levou a uma terceira temporada sobre transição, pessoas que escutaram sua intuição e fizeram mudanças nas suas vidas.
Ao refletir sobre as grandes mudanças na sua própria vida, emergiu a mais dura de todas: a morte de seus pais.
“O podcast virou um processo de auto investigação documentado. Depois de tanto olhar para dentro, eu percebi que olhar para nossas dores, perdas, é muito importante. Acabamos nos deparando com a parte mais dura e difícil que temos. E essa parte em mim tem a ver com o luto. Também me pareceu uma ocasião pertinente falar sobre luto, e luto coletivo, por conta da pandemia. Colocar mais luz no luto que tantas outras pessoas estavam vivendo”.
Ela separou os episódios em temas: o tabu do luto, luto como fins de ciclos, mitos, rituais de despedidas e luto na favela. Essas conversas se tornaram uma forma de aprofundar a elaboração de seus lutos.
“Me ajudaram a sentir menos sozinha, a dar nome às coisas, aos sentimentos que eu tinha. Em especial, a conversa com a psicóloga Gabriela Casellato, onde eu pude explorar alguns medos que eu tinha. Como o medo de olhar no fundo do poço. Gabriela trouxe a importância da rede de apoio nesse momento para entendermos que podemos olhar o fundo do poço e voltar”.
A mãe da Fernanda morreu em 2016 e o pai, em 2018. Sua mãe teve um câncer de pulmão, tratado por dois anos. A morte do pai foi repentina. Ela tinha acabado de se mudar para Paris para assumir um cargo importante em uma agência de publicidade multinacional. Um mês depois, seu pai teve um AVC e ficou em coma. Fernanda voltou para o Brasil para ficar ao lado do pai. Após a morte encefálica, organizou o processo de doação de órgãos e o funeral. Tudo isso entre uma reunião e outra. No dia seguinte do enterro, foi trabalhar.
“Um dos episódios do podcast fala, inclusive, da importância da cultura do cuidado no ambiente das empresas. Duas semanas depois, eu tive uma reunião de performance onde falaram ‘a gente já foi compreensivo, agora é hora de mostrar resultado’”.
Fernanda pediu demissão. O sonho do trabalho perfeito, o cargo tão cobiçado, se descontruiu. Hoje, trabalha como consultora para projetos e marcas que buscam impacto positivo, principalmente na vida das mulheres.
“Agora eu to fazendo uma missão na África onde eu passei o dia entrevistando mulheres empreendedoras, com uma ONG muito legal, financiada pelo governo francês”.
Já com nove episódios gravados para essa temporada sobre luto, ela reflete: “uma das coisas que ficou clara para mim é a questão da atemporalidade, do tempo individual do luto. É normal a gente sofrer dois anos depois, ou seis anos depois. Mês sim, mês não. Cada um tem seu tempo. Não existe uma planilha de Excel com as etapas do luto para você seguir. Outra coisa que se destacou foi a importância de escutar o enlutado. Muitas vezes, a gente não tem o que dizer para uma pessoa que está em sofrimento. Mas só de escutar e propor espaços onde a pessoa possa falar, é muito útil. O enlutado quer falar, quer ser ouvido”.
A identidade visual dessa temporada é rosa e roxa, iluminada. “Luto não é só depressão e tristeza. Ele está mais associado a amor e autoconhecimento. Não é um fundo do poço, é um portal em que a gente pode entrar”.
Do fundo do poço ao portal, essa é uma mudança forte de imagem mental sobre o tema. Fernanda também traz o respeito pelos diferentes sentimentos que possam ocorrer.
“No mesmo dia que em que a pessoa está muito triste, ela pode sair para jantar e rir de uma outra coisa. E ela também pode sofrer naquela mesma noite. E ela pode trabalhar, ser produtiva, ou não. É uma montanha russa de sentimentos inéditos. Temos que parar de estereotipar o que é uma pessoa em sofrimento”.
Link para o podcast: