Depoimento: sobrevivi a duas tentativas de suicídio
Setembro é o mês da prevenção do suicídio. Falar sobre suicídio é importante, mas é necessário cuidados para não alimentarmos mitos e disseminarmos estatísticas falsas. Tenho visto bastante disso por aí, infelizmente. Na semana passada, publicamos uma entrevista sobre isso com a psicóloga fundadora do Instituto Vita Alere, Karen Scavacini. Leia a entrevista aqui.
Hoje, trazemos o depoimento de Rodriggo Marucco “Eu sobrevivi a duas tentativas de suicídio”.
Rodriggo é professor de português e de música. Formado em piano clássico, sente que a arte o ajudou a sair da crise em que estava. “Eu me encontrei comigo mesmo. Eu não era aquela pessoa. Eu sou o Rodriggo artista, que gosta de viver, que gosta de amar, que gosta de escrever”. Rodriggo escreve poesias na sua página do instagram.
Uma música para esse momento? Essa daqui.
Ele comentou que escrever sobre essa experiência para o blog lhe fez muito bem. “O que eu vivi era um fantasma dentro de mim, que poderia voltar a qualquer momento. Quando eu escrevi, percebi como isso tudo é distante de mim. Parece que nem foi comigo. Sinto como se tivesse acontecido com outra pessoa. Todo receio que eu tinha foi embora”.
Esse texto foi modificado para seguir as recomendações da OMS na cobertura desse tema. Não se deve mencionar o método e o local da tentativa para não acionar o risco do Efeito Werther. O nome do efeito é inspirado no livro do autor alemão Goethe (1749-1832), “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, escrito em 1774. O protagonista, Werther, morre depois de uma frustração amorosa. O drama incitou uma onda de suicídios com jovens usando a mesma roupa que o protagonista usava e o mesmo método que ele descreve no livro. Hoje, esse livro não teria esse efeito. Naquela época, ele foi inovador ao provocar uma reflexão sobre os sentimentos, o que não ocorria na literatura, e impulsionou o Romantismo na Europa.
Roddrigo, agradeço a confiança. Seu depoimento é recebido de braços abertos e coração aquecido.
Sobrevivi a duas tentativas de suícidio
Por Rodriggo Maruco
Olá, eu sou o Rodriggo – tenho 42 anos de idade, 26 de depressão diagnosticada e duas tentativas de suicídio. Antes de contar minha história, quero dizer que estou bem e que estou à disposição de quem estiver passando por isso. Minha vida é muito boa, nunca me faltou nada – sobrava até. Nunca sofri bullying, tampouco fui desprezado ou repelido. E esse é o ponto de onde eu quero partir.
É um engano tão perigoso quanto comum acreditar que o suicídio vem unicamente da pobreza e/ou da solidão; pais, mães, maridos, esposas…, quem aparentemente está em consonância com a existência pode carregar o inferno dentro de si; sufocando-se em seu desespero, rendendo-se perante a angústia, perdido na agonia.
Alguns dos que pretendem encerrar a própria vida se manifestam claramente – inclusive verbalizam acerca desse desejo – e não pense que essa manifestação é apenas da boca para fora: quem se manifesta acerca do fim da própria vida já pensou nele muitas vezes. Mas há ainda um tipo de “desesperado” mais passivo, mais complicado de entender, o meu caso.
De uma hora para outra, com minha linda namorada, meu filho repleto de boa saúde e meu trabalho indo muito bem, eu prostrei-me. Calei minha voz, alquebrei o meu corpo sobre o colchão de onde só saí para buscar o que iria me matar; não direi o quê porque para quem passa o que passei isso seria uma péssima dica.
Acordei zonzo no hospital, com um tubo no nariz e vendo a face estática da minha mãe. Saí de lá e tentei tocar a vida, mas sabia – temos muitas certezas ruins quando pensamos em morrer – que não daria certo. Passaram-se dois anos.
Dia 1 de fevereiro deste ano eu planejei meu suicídio e no dia sete eu escrevi uma carta (levem a sério as cartas, são um sinal muito claro de que as coisas não vão bem). Eu vi a morte: não consegui voltar, quase desmaiei.
Uma cachorra recém chegada em casa, a Zara, mordeu meu calcanhar e por puro reflexo eu consegui fazer o último movimento de que fui capaz. Não fiquei em prantos nem caí ajoelhado, eu fiquei parado – corpo e mente parados. Depois de alguns minutos eu consegui entrar de volta em casa e até hoje sinto o medo da morte que vi tão de perto – não gostei, não era hora. Desisti de morrer e nunca quis tanto viver.
Quero terminar dizendo que esse sofrimento doído vai passar, meu irmão, minha irmã – sua vida é seu bem mais precioso e você é um precioso bem da vida – aos que sofrem: peça ajuda, não é vergonha sofrer; aos que vêm sofrer: aja, o mais rápido possível.
Prostração, silêncio absoluto e descuido com a higiene são sinais claríssimos de um suicida em potencial. Vai passar, mas até isso acontecer – cuidemo-nos.
Um abraço,
Rodrigo
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