Cortejo ecumênico inaugura o Memorial da Despedida nesta quarta (6)

Me emociona a definição de luto apresentada pelo compositor José Miguel Wisnik, que já passou por processos intensos ao perder a esposa e o filho. Segundo ele, luto é o movimento de internalização da pessoa que morre, na tentativa de ocuparmos um mundo desertificado por essa ausência.

A função primordial dos rituais fúnebres é nos auxiliar nesse processo. Neles, compartilhamos histórias, somos acolhidos, homenageamos uma vida inteira. Nos sentimos menos sós. Especialistas apontam que a cada morte, pelo menos 9 pessoas ficam diretamente enlutadas.

A pandemia levou quase 600 mil pessoas e privou familiares e amigos deste momento de processamento. Ficamos sem a concretude da morte, oferecida nos velórios e nos enterros. E sem a narrativa de um adoecimento, construída em idas e vindas ao hospital ao acompanharmos um tratamento.

A psicóloga especializada em luto Gabriela Casellato vê com preocupação as consequências da privação desses momentos durante a pandemia. Costumamos criar uma narrativa para a morte, baseada em como a pessoa ficou doente, quando foi internada, o que aconteceu durante essa internação, a fase da complicação, e como ocorreu a morte em si. Os pacientes contaminados são isolados, não permitindo aos familiares desenvolver essa narrativa. Ela sugere, sempre que possível, valorizar o ritual simbólico, para não deixarmos de ter esse momento de processamento da perda.

O Memorial da Despedida é realizado pela prefeitura de São Paulo e idealizado pelo coletivo Luto pela Vida (do qual fazemos parte) e do Flores par Heróis, e tem apoio da Gafisa. A Praça Roosevelt, centro da cidade de São Paulo, recebeu corações grafitados nos 1000m2 ao redor da praça, que abraçam 38 mil cata-ventos.

Decidimos confeccionar um cata-vento para cada uma das vítimas da pandemia na cidade de São Paulo. Eles foram feitos pela Escola de Samba Vai Vai, que passou meses mergulhada nesse processo de produção. Caixas de leite foram compradas da Recifavela, abertas, lavadas, desinfetadas, cortadas e dobradas para virarem um cata-vento.

Cada uma dessas caixas de leite estiveram na mesa de refeição de uma casa da cidade, de uma família. Testemunharam, simbolicamente, a intimidade da pandemia desses núcleos. E agora, são transformadas nesses cata-ventos que trazem consigo o ar do passado, capturado por um redemoinho e impulsionado em direção ao futuro.

Colocamos fitas coloridas nos cata-ventos para que os familiares e amigos das vítimas possam ir até a praça escrever os respectivos nomes nessas fitas. Produtores da prefeitura estarão a disposição nos cinco finais de semana (e feriados) desta instalação para receber a população e orientar essa ação. Os dias e horários exatos você pode encontrar no @memorialdadespedida.

Nesta quarta (6), às 11h, faremos um cortejo ecumênico de inauguração do Memorial. São diversas lideranças interreligiosas que trarão palavras e sons nas diversas crenças, com um objetivo comum: acolhimento do luto. Teremos contribuições do Padre Julio Lancelotti, do grupo Ilu Oba de Min, do cantor gospel Clovis Pinho e da Velha Guarda da Vai-Vai, do Rabino Uri Lam e outras representações do Candomblé, Espiritualismo, Xamanismo, Budismo, Islamismo, Cultura Cigana, referências indígenas. Por favor, veja a lista completa em @memorialdadespedida, que será atualizada ao longo do dia.  O Ilu e a Vai-Vai produzirão o som da batida do coração em seus tambores. O som da vida que pulsa em cada um de nós. Pulsa com dor e tristeza por um período tão cruel que já levou quase 600 mil pessoas. Vamos sentir esse pulsar, juntos.

Seguiremos todos os protocolos de segurança. A praça é aberta e muito ventilada. Máscaras e álcool gel serão oferecidos no local.

Convidamos a todos para registrarem suas histórias no no site: www.memorialdadespedida.com.br. Você pode enviar texto e imagem para nosso email: memorialdadespedida@gmail.com .

Gostaria de compartilhar um encontro que aconteceu durante a instalação dos cata-ventos nesse final de semana.

O cinegrafista, Helio Torchi, enviado pela Band para registrar esse momento, nos contou que perdeu a esposa no começo do ano. Foi tudo muito rápido. Ela começou a apresentar sintomas de resfriado. Os sintomas ficaram mais intensos, foram para o hospital. O percurso foi descontraído, nunca imaginaram que poderia ser um dos últimos momentos juntos. Em cinco dias, ela faleceu. Vanuza foi sua primeira namorada. Fizeram 34 anos de casados. Dois filhos. Helio ainda não levou a placa de identificação para o túmulo, anda com ela no carro. A falta dessa narrativa da morte, da concretude oferecida nos rituais fúnebres, tornou essa experiência algo surreal e inacreditável. Eram parceiros de trabalho também. Ele filma e ela busca personagens, faz entrevistas. Ela estaria ao seu lado naquela noite chuvosa no meio da praça no centro da cidade. Ele conversou conosco, se abriu, e colocou um cata-vento em homenagem à Vanuza.

Essa história revela a alma desse projeto. Tentar oferecer algum conforto, acolhimento e uma possibilidade de homenagem. Vamos até a praça homenagear quem partiu e contar sua história. Tem uma frase do escritor Mia Couto que gostamos de repetir com frequência: “os mortos não morrem quando saem da vida, morrem quando são esquecidos”. Não esqueceremos jamais.

 

Foto: Aline Flores

 

No Memorial, colocamos um banner com alguns links relevantes, que oferecem apoio gratuito ao luto. Que reproduzo abaixo:

Links relevantes. 

INSTITUTO 4 ESTAÇÕES: Suporte psicológico para perdas e lutos. https://www.4estacoes.com

VAMOS FALAR SOBRE O LUTO:  plataforma digital de informação, inspiração e conforto para quem perdeu alguém que ama ou para quem deseja ajudar um amigo nessa etapa tão difícil. http://vamosfalarsobreoluto.com.br 

CUIDADO AO LUTO PELA COVID 19: http://www.cuidadoaoluto.com.br /  contato@cuidadoaoluto.com.b

REDE AP: A REDE API- Apoio a perdas Ir (reparáveis) oferece reuniões online aos enlutados.  Encontros online gratuitos: https://redeapi.org.br/encontros-online-mes-de-maio/

UNIFESP : o departamento de psiquiatria da UNIFESP oferece acompanhamento emocional por meio de plataforma digital ou telefônica.

acolheluto@gmail.com

LELU: LABORATÓRIO DE ESTUDOS E INTERVENÇÕES SOBRE O LUTO:

Site. www.pucsp.br/clinicapsicologica

BLOG MORTE SEM TABU: Blog da Folha de S.Paulo desmistifica temas relacionados à morte. https://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br

Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito, por meio de atendimento exclusivamente pelo telefone 188 ou pelo site.

REDE APOIO COVID – Rede Nacional de Apoio às Famílias de Vítimas da Covid-19 no Brasil. https://www.redeapoiocovid.com 

MAPA DA SAÚDE MENTAL: Mapa de organizações que oferecem suporte psicológico  gratuito https://mapasaudemental.com.br

O Instituto Maria Helena Franco de Psicologia oferece apoio emocional ao luto por covid-19 online e gratuito. Entre em contato: falandodeluto.imhfp@gmail.com

Foto: Aline Flores