A morte de Marília Mendonça no país que não aguenta mais perder ninguém
por Camila Appel, Jéssica Moreira e Cynthia Araújo
É inacreditável a precoce morte de Marília Mendonça, em acidente de avião na cidade Serra de Piedade de Caratinga, interior de Minas Gerais.
Nós, brasileiras e brasileiros, que vivemos um grande luto coletivo por conta da Covid-19, assistimos com o peito apertado e doendo as cenas que passam nesse momento na televisão. Mais um luto coletivo. Em um país que não aguenta mais perder ninguem, ainda em luto por grandes nomes da cultura brasileira como Aldir Blanc, Nelson Freire, Paulo Gustavo, Nicette Bruno, Tarcísio Meira, Agnaldo Timóteo, Letieres Leite e Jaider Esbell.
Marília Mendonça era mãe de uma criança de quase dois anos. Aos 26 anos, estava no auge de sua carreira. Cantora, compositora, ícone do feminejo, era a grande rainha da sofrência. Cantou muitas dores que nós muitas vezes sentimos e não conseguimos expressar. Ela ecoou nossos sentimentos de uma forma que sentíamos junto a ela.
Em meio à pandemia, Marília nos salvou muitas vezes, com suas lives que bateram recordes de audiência. Nos fez chorar, nos fez rir, nos fez sentir, mesmo quando tudo estava em uma eterna suspensão.
Hoje à noite, pelo menos 5 mil pessoas a esperavam para um show. Ela tinha mais de 35 milhões de seguidores no Instagram. Seguiam seu dia a dia. Amanhã acordarão sem ver uma atualização feita pela cantora.
Essas 35 milhões de pessoas testemunhavam cada passo de Marília. Onde ela estava, com quem, com qual paisagem acordava. Amanhã acordarão sem saber que paisagem é essa, se é que existe tal coisa.
Nos assustamos com a constatação mais seca que há: a morte pode vir a qualquer momento, para qualquer um. Ela não espera um filho crescer, um show acontecer. Não espera uma declaração de amor, alguém fazer as pazes, esclarecer confusão. O choque dessa morte também traz a urgência da vida.
A urgência de deixarmos de lado migalhas. O único pó que nos interessa é o das estrelas. Somos universo. E precisamos uns dos outros. Um abraço em cada um que está agora sentindo a dor dessa transformada em espetáculo público.
A morte de uma pessoa conhecida como Marília remexe também os nossos próprios lutos, os antigos, os recentes, principalmente nesse momento, que já estamos em um estado de fragilidade emocional diante de tantas mortes, nem sempre visibilizadas.
A cobertura da mídia confundiu a todos. No início, era um acidente com zero vítimas fatais, logo foi esclarecido que essa informação era mais um desejo do que realidade. Além de Marília Mendonça, seu produtor Henrique Ribeiro, seu tio e assessor Abicieli Silveira Dias Filho, o piloto e co-piloto do avião, os quais ainda estão preservando o nome neste momento.
A iminência da morte nos atinge de formas diferentes. Rejeitamos a doença, mas rejeitamos ainda mais a ideia de que as pessoas morrem sem qualquer preparação. Se temos medo da morte, temos pavor da morte repentina. Do fim abrupto e sem despedida.
Sabemos que pessoas morrem o tempo todo, em todo lugar. Sabemos que estão vivas e que no segundo seguinte não estão mais.
Mesmo jovens. Mesmo jovens demais.
Mesmo saudáveis. Mesmo saudáveis demais.
Mas quem morre é sempre o outro. Até que não é mais.
(O Programa Conversa com Bial reexibe hoje (5), entrevista com a cantora Marília Mendonça. Logo após do Jornal da Globo)