Mitos sobre o suicídio e como preveni-lo
Os dados confirmam: as taxas de suicídio têm crescido no Brasil e no mundo e aparentam seguir essa tendência. Nosso país já é o oitavo no ranking, em números absolutos.
O porquê dessa realidade não é uma discussão fácil. No post “A era dos adictos”, há um caminho para reflexão. Mas com certeza é possível traçar inúmeros outros.
Esse tema vem ganhando espaço e no final do ano passado tivemos a publicação de importantes estudos e cartilhas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em seu site ser possível prevenir o suicídio e disponibiliza material para consulta nesse link. Entre as “mensagens-chave” do estudo, está a restrição ao acesso a objetos ou insumos que possam ser usados para tirar a vida, como pesticidas, armas de fogos e certos medicamentos, e a identificação precoce de distúrbios mentais e do abuso prejudicial de álcool e outras drogas.
A cartilha da OMS “Preventing Suicide” (Prevenindo o suicídio), indica alguns mitos sobre o suicídio, listados abaixo em tradução livre.
- Mito: “Pessoas que falam sobre suicídio não estão falando sério”. Fato: pessoas que falam a respeito estão buscando ajuda e suporte. Um número significativo daqueles que contemplam o suicídio estão experienciando ansiedade, depressão e falta de esperança e podem sentir que não há outra alternativa.
- Mito: “A maior parte dos suicídios acontece sem aviso prévio”. Fato: a maioria dos suicídios ocorre precedidos de sinais de alertas, sejam verbais ou comportamentais. Claro que alguns ocorrem sem avisos, mas é importante entender quais são os sinais e procurar por eles, como: ter tido uma tentativa prévia de suicídio, distúrbios mentais, perda financeira ou de emprego, dor crônica ou doença, falta de esperança (normalmente acompanhada de distúrbios mentais ou tentativas anteriores de suicídio), histórico familiar, abuso de álcool e outras substâncias, genética e fatores biológicos (como baixos níveis de serotonina, que são associados a pacientes com distúrbios de humor, esquizofrenia e distúrbios de personalidade).
- Mito: “Alguém que é suicida está determinado a morrer”: Fato: pessoas com tendências suicidas são ambivalentes sobre viver ou morrer e o ato pode ocorrer por impulso. Acesso a apoio emocional na hora certa pode ser determinante para evitá-lo.
- Mito: “Uma vez suicida, ele ou ela será para sempre um suicida em potencial”. Fato: muitas vezes a vontade de se matar é temporária e específica a uma situação. Pensamentos suicidas podem retornar, mas não são permanentes.
- Mito: “Só pessoas com distúrbios mentais são suicidas”. Fato: o comportamento suicida indica uma profunda infelicidade, mas não é necessariamente fruto de um distúrbio mental. Muitas pessoas que vivem com doenças mentais não são afetadas por comportamentos suicidas e nem todos que tiram sua própria vida tinham esses tipos de distúrbios.
- Mito: “Falar sobre suicídio é uma ideia ruim e pode ser interpretado como encorajamento”. Fato: devido ao tabu em torno do tema, muitas pessoas que estão contemplando o suicídio não sabem com quem falar a respeito. Ao invés de encorajar o comportamento, falar abertamente sobre isso pode dar outras opções ou um tempo para repensarem sua decisão, evitando o ato.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), junto ao Conselho Federal de Medicina, recentemente lançou a cartilha “Suicídio: informando para prevenir”. Em seu site, mencionam que 17% da população brasileira já pensou, em algum momento, em cometer o suicídio. A cartilha fala sobre como “abordar um paciente, explica de que forma as doenças mentais podem estar relacionadas ao suicídio, os fatores psicossociais e dados atualizados sobre o tema”.
Acreditam que desmistificar o suicídio seja fundamental para quebrar o preconceito que cerca o tema e ajudar a preveni-lo. Como a OMS, também listam alguns mitos. Um mito não mencionado pela OMS é o de que:
- Mito: “o suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito a exercitar o seu livre arbítrio”. Fato: “suicidas estão passando quase invariavelmente por uma doença mental que altera, de forma radical, a sua percepção de realidade e interfere em seu livre arbítrio. O tratamento eficaz da doença mental é o pilar mais importante de prevenção do suicídio. Após o tratamento da doença mental, o desejo de se matar desaparece”.
A cartilha da ABP indica que para uma prevenção, é necessário procurar fatores de risco, como: eventos adversos na infância e na adolescência, como abuso físico e sexual, histórico familiar e genética. A cartilha diz que “estudos de genética epidemiológica mostram que há componentes genéticos, assim como ambientais envolvidos”. Por exemplo: “O risco de suicídio aumenta entre aqueles que foram casados com alguém que se suicidou”.
A cartilha sugere a psiquiatras como abordar o paciente com desejo suicida e como identificar doenças mentais, como depressão, transtorno bipolar, transtorno relacionado ao uso de álcool e outras substâncias, esquizofrenia e transtorno de personalidade. Também ajuda a avaliar o risco real da pessoa cometer o suicídio.
A publicação americana de neurociência, Nature, lançou o artigo “A base molecular do cérebro suicida” (em tradução livre) analisando que há mudanças no sistema de neurotransmissores, mudanças inflamatórias e disfunção das células de glia no cérebro de quem está prestes a se matar.
O artigo da Nature defende que alguns fatores, como predisposição familiar, assim como adversidades no início da vida, aumentam o risco de suicídio na medida em que alteram as respostas do cérebro ao stress e a outros processos através de mudanças epigenéticas nos genes e na regulação da emoção e do comportamento.
A “American Foundation for Suicide Prevention” (uma organização americana voltada a prevenção do suicídio) diz que 90% das pessoas que cometem suicídio tem algum distúrbio mental. O mais comum é a depressão grave e outros distúrbios de humor, que podem levar ao suicídio se não forem diagnosticados corretamente ou recebido tratamento adequado. A organização aponta certas condições que podem ser consideradas riscos em potencial e divulga estudos comprovando análises post-mortem indicando diferenças biológicas no cérebro de quem cometeu suicídio.
Segundo essa organização, os sinais de alerta são: A pessoa falar sobre se matar, dizer não ter mais razão para viver, ou achar que é um fardo para os outros e falar sobre uma sensação de se sentir preso e sentir uma dor insuportável. Deve-se prestar atenção em mudanças bruscas de comportamento, especialmente relacionado a algum evento dolorido como perdas, notar se a pessoa aumentou o uso de álcool e drogas e passou a agir imprudentemente. Um sinal de alerta importante é a pessoa se isolar de familiares e amigos.
Na seção das perguntas mais frequentes do site da instituição, indicam que a melhor forma de agir quando vemos alguém considerando o ato, não é tentar convencê-lo a sair da situação com frases como: “você tem tanto para viver” ou “pensa em como isso vai machucar sua família”, mas sim mostrar empatia: “imagino como deve ser difícil para você estar se sentindo assim” e se colocar a disposição para ouvir.
“Desisti porque fui escutado”
Em palestra no TED “A Ponte entre o Suicídio e a Vida” um guarda rodoviário que patrulhava a ponte do Rio São Francisco, a Golden Gate Bridge, local reconhecido como a maior taxa de suicídios nos Estados Unidos, conta ter salvo um homem da beira da ponte que alegou desistir de pular porque foi escutado. O guarda coloca esse item como fundamental para prevenir uma pessoa de se matar. Segue uma fala interessante da sua palestra:
“Escute para entender. Não discuta, não culpe, ou diga à pessoa que sabe como ela se sente, porque você provavelmente não sabe. Apenas por estar lá, você talvez seja exatamente o ponto crucial que ela precisa. Se vocês acham que alguém está pensando em suicídio, não tenham medo de confrontá-lo e fazer a pergunta. Um jeito de lhes fazer a pergunta é assim: “Outros, em circunstâncias parecidas, pensaram em acabar com a própria vida; você já teve esses pensamentos?” Confrontar a pessoa cara a cara pode salvar sua vida e ser o ponto da virada para eles. Alguns outros sinais para observar: Falta de esperança, acreditar que as coisas são terríveis e que nunca vão melhorar; desamparo, crer que não há nada que possa ser feito a respeito disso; afastamento social recente; e perda de interesse na vida” (trecho copiado da transcrição em português da palestra, disponível nesse link).
Artigo recente da uol, sobre os suicídios no estádio Morenão no Mato Grosso do Sul, também traz essa questão da importância de “escutar”, com o depoimento de um voluntário do CVV. Veja a matéria completa aqui.
“Depressão é um segredo de família que todo mundo tem”
Em palestra no TED, o escritor americano Andrew Solomon declarou já ter pensado em suicídio durante uma crise de depressão crônica. Só não foi adiante porque conseguiu um bom tratamento a tempo. Ele toca numa questão importante, a de que os tratamentos são caros e não acessíveis a todos. Em entrevistas com pessoas, na busca para entender o porquê alguns parecem ser mais resistentes à depressão do que outros, Solomon descobriu que as que conseguiram lidar com isso foram as que encararam a situação, falando a respeito e compartilhando. “Quando tentam escondê-la ou negá-la, ela aumenta”, ele diz. Veja a palestra aqui.
O escritor descreve o estado depressivo como estar incapaz de funcionar no mundo e relembra uma frase escutada em uma das entrevistas que fez: “É uma maneira mais lenta de estar morto”. Ele diz que “na depressão, você não vê o mundo através de um véu, você acha que agora o véu saiu e você está vendo o mundo como ele realmente é. O deprimido acha que está vendo a realidade, como as coisas são de verdade. Mas a verdade mente. Essa é a grande questão”. Por fim, Solomon declara que o oposto de depressão não é felicidade, mas sim a vitalidade.
A psicóloga Flávia Penteado acredita que o suicida que sofre de depressão comete o ato na descida até o fundo do poço ou quando começa a sair dele. Porque no estado depressivo, a pessoa não quer sair da cama, comer, não quer agir. Mas quando ela começa a sair desse estado, há o perigo maior, porque já existe força para se matar. Por isso alguns estudos sugerem como sinal de alerta a melhora muito brusca do paciente. Ela acompanhou o caso da mulher de um paciente seu, morto num acidente, que se recusou a fazer um tratamento psiquiátrico para lidar com o luto e optou por se auto-medicar, misturando remédios e usando dosagens aleatórias. Um dia ela escreveu no Facebook “fuiiiii” e se matou. Flavia acredita que ela não queria mesmo morrer, o que ela queria era esquecer.